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NADALIN,S.O.-História e Demografia

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HISTÓRIA E DEMOGRAFIA:
ELEMENTOS PARA UM DIÁLOGO
Vol. 1
Associação Brasileira de Estudos Populacionais
(Diretoria 2003-2004)
www.abep.org.br
Presidente
Vice-Presidente
Secretária Geral
Tesoureira
Suplente
Comitê de Publicações
ABEP
Maria Coleta F. A. de Oliveira
Ricardo Antônio Wanderley Tavares
Simone Wajnman
Suzana M. Cavenaghi
Ângela de Oliveira Belas
Carlos Eugênio de C. Ferreira (Coordenador)
Elisabete Dória Bilac
Sergio Odilon Nadalin
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HISTÓRIA E DEMOGRAFIA:
ELEMENTOS PARA UM DIÁLOGO
Vol. 1
Campinas - São Paulo
Setembro de 2004
SERGIO ODILON NADALIN
Traço Publicações e Design
Flávia Fábio
Fabiana Grassano
Paulo Leal Sampaio
ABEP
UNFPA
Adriana Fernandes
Capa, Projeto Gráfico
e Diagramação da Coleção
Apoio
Catalogação
Nadalin, Sergio Odilon.
História e demografia: elementos para um diálogo / Sergio
Odilon Nadalin. - Campinas: Associação Brasileira de Estudos
Populacionais-ABEP, 2004.
248p.
(Coleção Demographicas, v.1)
ISBN: 85-85543-10-8
1.Demografia. I. Nadalin, Sergio Odilon. II.Título. III.Série
Índice para Catálogo Sistemático
1.Demografia – 301.32
SUMÁRIOSUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................11
INTRODUÇÃO À 1ª EDIÇÃO ..........................................................................................................19
I. FONTES PARA UMA DEMOGRAFIA DO PASSADO .......................................................25
1.1 Os testemunhos da história demográfica ................................................26
1.2 A história de uma família ...........................................................................30
1.3 Produção e limites das estatísticas populacionais do passado ............39
1.4 O conteúdo das fontes paroquiais .........................................................54
1.5 O conteúdo dos levantamentos censitários .........................................62
II. HISTÓRIA DA POPULAÇÃO, HISTÓRIA SOCIAL .....................................................69
2.1 Algumas questões teóricas..........................................................................69
2.2 Tratamento e exploração dos dados .....................................................81
III. PARA UMA HISTÓRIA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA ..................................................125
3.1 A teoria da “transição demográfica” .....................................................126
3.2 A demografia da sociedade colonial (ou, o pré-hiato
demográfico, na história da população brasileira) ..............................133
3.3 A “transição demográfica” na história da população brasileira .....142
CONCLUSÃO .................................................................................................................................157
GLOSSÁRIO .............................................................................................................................165
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................179
ANEXOS .....................................................................................................................................193
Anexo I ....................................................................................................................193
Anexo II ....................................................................................................................199
Anexo III ...................................................................................................................227
Anexo IV ....................................................................................................................233
Anexo V ....................................................................................................................239
APRESENTAÇÃO
Publicada originalmente em 1994, e ora atualizada, ampliada e relançada
sob o título História e Demografia: elementos para um diálogo, esta obra didática do
professor Sergio Odilon Nadalin dá início à coleção Demographicas que tem por
objetivo divulgar textos de interesse para o ensino das questões populacionais.
A comunicação com aqueles que se iniciam em demografia sempre foi
uma preocupação da ABEP – e entre os desafios enfrentados para isso destaca-
se o da disseminação de conhecimentos básicos que possam, de um lado, suprir
as demandas do público acadêmico, no âmbito das instituições de pesquisa e
dos estudantes em cursos ou disciplinas de Demografia, e, de outro, atender os
cidadãos desejosos de se informar sobre a temática demográfica, tanto por
interesses profissionais específicos quanto para desenvolver uma consciência crítica
sobre as principais questões populacionais do país.
Atingir esses objetivos implica, entretanto, além de agregar ao texto final
um tratamento gráfico e visual que favoreça a comunicação, a utilização de recursos
especializados de disseminação junto ao público.
APRESENTAÇÃO
88 APRESENTAÇÃO NADALIN, S.O.
Essa iniciativa foi desenvolvida pelo Comitê de Publicações, que objetiva
a revitalização das atividades editoriais da ABEP. É, portanto, um resgate de
experiência anterior da ABEP de publicação de textos didáticos sobre temas
demográficos, coordenada alguns anos atrás pela professora Elza Berquó. Nesta
nova coleção, projeto gráfico e editorial foram inteiramente repaginados, com o
objetivo de adequá-los aos atuais padrões de comunicação e distribuição, com
vistas em alcançar um público interessado mais amplo.
O trabalho do professor Nadalin, desde sua edição original, tornou-se
um clássico da introdução ao campo da demografia histórica. Trata-se de um
livro que reflete a experiência acumulada do autor na vida acadêmica e demonstra
sua acurada capacidade de expor, de maneira clara, as bases teóricas e empíricas
da pesquisa em história demográfica, preservando, ao mesmo tempo, o inteiro
rigor do discurso científico.
Esta versão, inteiramente revista e ampliada pelo autor, contou com
substanciais aportes sugeridos por colegas e alunos, bem como com minuciosas
atualizações dos dados e gráficos usados em complementação ao texto.
O autor aborda os principais tópicos do tema, usando como fio condutor
de sua narrativa a história de um casal que viveu nos campos curitibanos no final
do século XVIII. À medida que avança na história demográfica da família, explicita
a metodologia de pesquisa e descreve as fontes de dados utilizadas. A interpretação
dos padrões demográficos implícitos na biografia familiar flui naturalmente para
uma ampla reflexão sobre a demografia da sociedade colonial e o processo de
transição demográfica da população brasileira.
Ressalte-se a amadurecida postura crítica do autor diante das generalizações
de modelos elaborados a partir de experiências históricas específicas e das
homogeneizações e simplificações dos processos demográficos em populações
do passado, desfigurando a verdade histórica e configurando, no conjunto do
arsenal conceitual, essencialmente, uma ideologia. História e Demografia: elementos
para um diálogo é uma obra de extraordinário valor para o público iniciante e
atende, também, às necessidades de profissionais de outras áreas desejosos de
conhecer as especificidades da história demográfica. É uma lição para todos
aqueles – pesquisadores, estudantes e estudiosos – que buscam o conhecimento
da realidade, além das aparências.
9DEMOGRAPHICAS 9HISTÓRIA E DEMOGRAFIA: ELEMENTOS PARA UM DIÁLOGO
Registramos, nesta oportunidade, sinceros agradecimentos aos membros
do Comitêde Publicações; a Sergio Odilon Nadalin, membro do Conselho
Consultivo da ABEP; a Elisabete Dória Bilac, editora da Revista Brasileira de Estudos
Populacionais, e aos membros da diretoria da ABEP, especialmente a Suzana
Cavenaghi que participou diretamente de várias decisões cruciais. Gostaríamos,
ainda, de deixar público o reconhecimento da ABEP e de toda a comunidade
abepiana pelo firme apoio do Fundo de População das Nações Unidas – UNFPA
à realização deste projeto.
Carlos Eugenio de Carvalho Ferreira
Coordenador do Comitê de Publicações
Maria Coleta F. A. de Oliveira
Presidente da ABEP
INTRODUÇÃOINTRODUÇÃO
A primeira edição deste livro saiu em 1994, como resultado de um convite
de Elza Berquó: a idéia era escrever um texto em parceria com Clotilde Paiva,
do Centro de Desenvolvimento Regional (CEDEPLAR – FACE/UFMG), a
ser incluído numa série, em pequeno formato. De acordo com o projeto, teria
objetivos didáticos e deveria ser publicado pela ABEP – Associação Brasileira
de Estudos Populacionais. Ainda, teria como alcance o grande público e, de
modo precípuo, estudantes. Infelizmente, a parceria não foi adiante, apesar de
Clotilde Paiva muito ter contribuído com suas sugestões e críticas para o bom
andamento do trabalho.
O livro teria um tema e, provavelmente, até um título: “a demografia numa
perspectiva histórica”. Tema envolvendo um assunto amplo, tanto se pensarmos na
perspectiva formal da disciplina como no universo dos estudos populacionais.
Além disso, mais do que um tema, as questões propostas no convite traduziam
o privilegiamento de uma via diacrônica para o estudo das populações (anuncio,
desde já, que estas questões, de certa maneira, são tratadas no item introdutório
ao segundo capítulo). O desenvolvimento do trabalho, porém, seguiu rumo um
1212 INTRODUÇÃO NADALIN, S.O.
pouco diferente, tocando a problemática de um diálogo possível ou, mesmo,
desejado, entre a história e a demografia; daí porque considerei, nesta segunda
edição, mais oportuno e instigante um título que levasse o leitor, na articulação
entre as duas disciplinas, a pensar também questões de natureza metodológica e
epistemológica.
Eu gostaria de aprofundar uma proposta de trabalhar de igual para igual
com os demógrafos, mas tenho consciência dos vícios e dos gostos do historiador.
Na convivência da ABEP, os membros do nosso “clube” se ofendem quando
são colocados num passado para além de 1940 – olhando na perspectiva do
passado para o presente – pois, teórica e epistemologicamente, não há razão
para este corte. Mas é preciso colocar que poucos de nós tentam romper este
insulamento, por uma razão muito simples: a especialidade com o trato de certo
tipo de fontes e uma atenção especial a um passado mais distante nos absorvem
de tal maneira que o relativo isolamento se consubstancia. Falo um pouco da
minha própria experiência, pois tenho criado poucas oportunidades em
demonstrar maior interesse pelos temas atuais da demografia, pelas características
dos censos modernos, das PNADs etc.
Não quero absolutamente, com o tratamento inicial deste livro, reforçar
esta tendência; ao contrário, dado que a demografia comporta sempre a utilização
da variável tempo, e a variável população tem como limite a sociedade, não há
dúvida de que esse é o mundo da história. Todavia se, de um lado, a historiografia
contemporânea tem tratado com muita desenvoltura uma “história do presente”,
por outro – no nosso país, pelo menos -– temos um contacto muito tênue com
técnicas de análise e documentos que nos aproximem da demografia da atualidade.
Sendo assim, muito me agradaria se o presente trabalho fizesse sua parte em
contribuir na criação de elementos para a ampliação e aprofundamento do diálogo
entre a História e a Demografia.
Como se verá adiante, dei neste texto um tratamento especial à narrativa,
tentando aproximar e relacionar o micro e o macro, estruturando o material
principalmente em função da documentação geralmente privilegiada pelo
historiador das populações. Espero que essas escolhas não nos marginalizem,
mais uma vez, num passado mais distante. Independente das virtualidades deste
tratamento num diálogo com os demógrafos, estruturei especialmente algumas
interrogações, no capítulo III, a respeito da teoria da transição demográfica – como
13DEMOGRAPHICAS 13HISTÓRIA E DEMOGRAFIA: ELEMENTOS PARA UM DIÁLOGO
é sabido, uma teoria fundada na observação histórica. No aludido texto, em
particular, parti de algumas generalizações, muito simples, concernentes a um
“mundo que perdemos” – refiro-me à sociedade colonial da América Portuguesa
– para tentar abrir caminho a um projeto para a realização de uma história da
população brasileira. Com efeito, entre a primeira versão deste livro e a revisão
necessária para a publicação de uma segunda edição, construí um texto que tem,
explicitamente, esta pretensão.1 Portanto, este capítulo, em especial, está aberto à
discussão.
Apesar do manifesto acima, não posso negar que estava pensando
principalmente nos estudantes de história quando elaborei o texto deste livro,
talvez pelas circunstâncias em que foi construído: ele se origina das notas de aula
organizadas para a matéria História das Populações, desdobrada em disciplinas
que vêm sendo ministradas já há alguns anos no Curso de História da Universidade
Federal do Paraná. Um “pré-texto” foi elaborado e distribuído aos meus alunos
no segundo semestre de 1991, e naquela ocasião bem discutido num seminário.2
É evidente que, de lá para cá, muita coisa aconteceu. A primeira edição do livro
esgotou-se, e urgia uma nova, revisada e ampliada. E com título novo, mais
apropriado.3
O texto continua alicerçado por uma metodologia básica, tentando pensar
a população sempre concretamente como uma soma de indivíduos, homens,
mulheres, crianças, velhos... A proposta desta abordagem me levou quase
naturalmente a imaginar a possibilidade de, a partir das informações que estão
sob a guarda do Centro de Documentação e Pesquisa de História nos Domínios Portugueses;
séculos XV-XIX (CEDOPE/Departamento de História da UFPR), recriar
1 NADALIN, 2003.
2 Nesse sentido, agradeço a dedicação, o espírito crítico e o interesse do Ângelo, Aníbal, Carla, Celso,
Cíntia, Elzeário, Gracialino, José e Solange – nomes que faço questão de registrar, mesmo porque já
fazem parte da história.
3 Também dessa vez submeti à crítica dos meus alunos o manuscrito, como texto básico da disciplina
“Tópicos Especiais de História e População”, que ministrei na UFPR no segundo semestre de 2003.
Para que também entrem nessa história, registro seus nomes, com os agradecimentos pelas críticas que,
tão diligaram de ser considerados apenas o alicerce da construção histórica, sendo eles mesmos
entendidos como parte dessa construção em todos seus momentos e articulações. Passou a existir a
preocupação em localizar o lugar de onde falam os autores dos documentos, seus interesses, estratégias,
intenções e técnicas” [Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), p. 22]. Todas as fontes que exigiram
um aprofundado conhecimento paleográfico foram copiados e ou revistos por Rosângela Maria
Ferreira dos Santos, do Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses
(CEDOPE), do Departamento de História da UFPR.
1414 INTRODUÇÃO NADALIN, S.O.
genealogicamente uma “família”, habitando um determinado “domicílio”, que
realmente tivesse existido no nosso passado, em vez de partir das abstrações tão
familiares ao mundo da academia.
Para me orientar, além das fontes (os chamados “registros paroquiais” e
as “listas nominativas” de habitantes), havia também um trabalho fundador,
realizado por há tempos por Ana Maria de Oliveira BURMESTER, como tese
de doutorado no Departamento de Demografia da Universidade de Montreal,
no Canadá.4 A investigação realizada, que tinha como alicerce a metodologia
FLEURY-HENRY de reconstituição familiar,originou-se de uma pesquisa
preliminar que resultara numa dissertação de Mestrado.5
De posse das fichas de família construídas pela pesquisadora, não foi
muito difícil encontrar um casal que, reconstituída sua trajetória matrimonial a
partir do casamento realizado na Paróquia Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de
Curitiba, preenchesse os requisitos para fazer o papel de atores principais na
minha narrativa. Refiro-me a Gregório Gonçalves e Anna Maria de Lima. De fato,
como a metodologia adotada por BURMESTER pressupunha que a observação
das histórias conjugais arroladas a partir dos registros de casamentos, batismos e
óbitos deveria terminar com um corte transversal definido por listas nominativas
no final da década de 1790, eu já sabia, de antemão, que os referidos indivíduos
iriam aparecer em alguns censos do século XVIII.
De 1991 para cá – graças a uma pesquisa que resultou em monografia de
curso6 – ampliaram-se as informações obtidas sobre o referido casal, seus filhos
e, inclusive, sobre a família maior na qual se inserem. As reflexões sobre o cotidiano
da população da qual faziam parte os Gonçalves também se desenvolveram,
contribuindo para amadurecer e ampliar algumas hipóteses explicativas que
levaram à revisão do texto deste trabalho.7 Também aprendi bastante no que se
refere à elaboração de um livro com as características que este pretende ter. Um
dos resultados é a incorporação, nos anexos, de transcrições de atas de casamentos,
batismos e óbitos, concernentes aos personagens centrais de nossa história: sugiro
aos leitores docentes que pensem na possibilidade de utilização do referido
4 1981.
5 BURMESTER, 1974.
6 LUI, 2002.
7 NADALIN, 2002.
15DEMOGRAPHICAS 15HISTÓRIA E DEMOGRAFIA: ELEMENTOS PARA UM DIÁLOGO
material como material didático (afinal, foram 95 atas diligentemente transcritas
como estavam no original).8 No final, também incorporei um glossário, e as
palavras que constam do seu rol estão, no texto, marcadas por um *asterisco, e
grafadas em itálico. Finalmente, fica o registro: desta vez não me deixei tolher por
uma necessidade, que via na época em que foi produzida a primeira edição, de
apresentar um texto enxuto em notas. Nesse sentido, eu me deixei levar pela
necessidade, às vezes em demasia talvez, de complementar explicações com
algumas notas e, principalmente, remetendo o leitor a autores que me inspiraram
ou que desenvolvem determinado tema.
Assim, a família Gonçalves continua a ser, nesta segunda edição, uma
espécie de pretexto, para passar ao leitor alguns conceitos básicos referentes à
demografia e à história demográfica (ou à demografia histórica), e para discutir
a validade das estatísticas populacionais recuperadas para o passado a partir de
suas fontes mais clássicas. Enfim, para passar algumas das possibilidades de
exploração desses dados.
À medida que tratamos da história, espero que o interesse do livro
transcenda ao grupo dos historiadores. Sempre resta a esperança de podermos
cooptar alguns demógrafos a mais para um trabalho ao mesmo tempo fascinante
e fastidioso – acho que a ordem é essa – , que está além da exploração das
estatísticas fabricadas pelas instituições. Os alérgicos ao pó que se protejam,
arregacem as mangas e se transformem, como nós, em “ratos de arquivo”.
O resultado apresenta-se, desta forma, sintetizado no sumário. Para
começar, temos as fontes para uma demografia do passado. Como mencionei,
fontes clássicas, ou seja, registros paroquiais e censos antigos. O texto trata,
também, de como e em que circunstâncias essa documentação foi produzida –
em suma, sua história. Em seguida, espero contentar os metodólogos mais
exigentes, com um exercício de crítica dos dados, ao mesmo tempo discutindo
o conteúdo das fontes emanadas das paróquias e das companhias de ordenança.
8 Ao redigir essa recomendação, também estou pensando no domínio do historiador sobre uma
determinada “tecnologia”, relativa ao trato com as “fontes históricas”: “Os documentos deixaram de ser
considerados apenas o alicerce da construção histórica, sendo eles mesmos entendidos como parte dessa construção em todos seus
momentos e articulações. Passou a existir a preocupação em localizar o lugar de onde falam os autores dos documentos, seus
interesses, estratégias, intenções e técnicas” [Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS), p. 22].
Todas as fontes que exigiram um aprofundado conhecimento paleográfico foram copiados e ou
revistos por Rosângela Maria Ferreira dos SANTOS, do Centro de Documentação e Pesquisa de História
dos Domínios Portugueses (CEDOPE), do Departamento de História da UFPR.
1616 INTRODUÇÃO NADALIN, S.O.
No capítulo seguinte, ultrapassada esta parte dedicada à documentação,
busquei fazer um pouco mais de história, tentando dar uma idéia ao leitor de
como devem, ou podem, ser lidos, tratados e explorados os dados obtidos.
Nesse sentido, quem quiser saltar o primeiro item, relacionado A proposta para
a análise de algumas questões teóricas – e que resultou de uma natural vocação
de professor – poderá fazê-lo tranqüilamente. As questões tratadas nesta seção
constituem problemas diversos, mas que principalmente tentam dar ao leitor
uma visão do “lugar” da história demográfica e da demografia histórica (existe
alguma diferença?) no quadro geral da história e das ciências da população.
Todos esses assuntos, na medida que foram trabalhados tendo como
cenário a história social da América portuguesa – mas não só, pois tangenciamos
de modo igual a sua história política e administrativa –, desembocam naturalmente
no esboço de uma história da população brasileira. Sendo assim, o leitor não
deverá se surpreender com a definição de um eixo possível – muito embora
complicado – para o conhecimento dessa história, fundamentado na discutida
“teoria da transição demográfica”. É um problema que interessa tanto aos
historiadores como aos outros especialistas em população. Portanto, mais um
veio comum que permite estimular o diálogo entre a história e a demografia.
O que fica, para finalizar, é também uma vasta interrogação sobre os
processos demográficos que traduzem uma perspectiva da história social brasileira
mais recente. Em outros termos, as evidências de uma lacuna imensa que é
datada por volta da década de cinqüenta do século XIX, e que corresponde,
historicamente, a significativas mudanças nas relações de produção, na história
econômica, política e institucional do país, e que tem como outro extremo os
anos 30 do século passado.
Para completar esta introdução, diria que o livro não teria esta “cara” se
não fosse a labuta e convivência diária com os colegas do Departamento de
História, da Universidade Federal do Paraná. Quero destacar especialmente minha
dívida com Francisco Moraes Paz – de saudosa memória –, que reviu o
manuscrito na ocasião que resultou na publicação da primeira edição, e cujas
críticas e sugestões foram extremamente valiosas para o acabamento do trabalho.
De forma igual, quero estender esses agradecimentos, mais uma vez, a Clotilde
Paiva, que teve o trabalho de ler os originais, submetendo-o inclusive para
discussão a alguns dos seus alunos da UFMG. Também a Maria Luiza Andreazza
17DEMOGRAPHICAS 17HISTÓRIA E DEMOGRAFIA: ELEMENTOS PARA UM DIÁLOGO
que, não obstante seus múltiplos afazeres como docente e pesquisadora no
Departamento de História da UFPR, fez uma leitura atenta e interessada no
manuscrito que está resultando nesta segunda edição. Finalmente, aos meus
companheiros do Comitê de Publicações da ABEP, Carlos Eugênio Ferreira e
Elisabete Doria Bilac, cujo apoio foi fundamental para que o livro fosse
republicado.
Finalmente, este livro também é tributário do trabalho de dois
historiadores, e quero deixar isto registrado com todas as letras. Trata-se das
pesquisas das Doutoras Ana Maria de Oliveira Burmester e Maria Luiza Marcílio,
convenientemente referenciadas no final deste trabalho. A todosque me apoiaram,
em especial à ABEP, e àqueles que incentivaram esta revisão para uma republicação
do livro, minha sincera gratidão.
Curitiba, julho de 2004.
INTRODUÇÃO À PRIMEIRA EDIÇÃOINTRODUÇÃO À PRIMEIRA EDIÇÃO
Já faz tempo, mais de três anos! Foi quando a Dra. Elza Berquó convidou-
nos para escrever esta pequena obra, em pareceria com Clotilde Paiva, do
CEDEPLAR. O trabalho deveria inserir-se numa série de livros, em pequeno
formato a ser publicada pela Associação Brasileira de Estudos Populacionais,
a nossa ABEP. O objetivo era didático. Visava ao grande público e, de modo
precípuo, estudantes. Infelizmente, a parceria não foi adiante, apesar de Clotilde
Paiva muito ter contribuído com suas sugestões e críticas para o bom andamento
do trabalho.
O “tema” proposto foi “demografia numa perspectiva histórica”. Tema
amplo, tanto se pensarmos na perspectiva formal da disciplina, como no universo
dos ‘estudos populacionais’. Além disso, mais do que um tema, as questões
propostas traduziam o privilegiamento de uma via diacrônica para o estudo das
populações. De certa maneira, essas questões são tratadas no item introdutório
ao segundo capítulo. Entretanto, o desenvolvimento do livro tocou principalmente
a problemática de um diálogo possível entre a história e a demografia; daí porque
2020 INTRODUÇÃO À PRIMEIRA EDIÇÃO NADALIN, S.O.
consideramos mais oportuno e instigante um título que levasse o leitor a pensar em
questões de natureza metodológica e epistemológica, articulando as duas disciplinas.
Gostaríamos de ir fundo numa proposta de trabalhar de igual para igual
com os demógrafos, mas temos consciência dos vícios e dos gostos do historiador.
Ofendemo-nos quando somos colocados num passado ‘além’ de 1940, pois teórica
e epistemológicamente não há razão para este corte. Entretanto, a especialidade
com o trato de certo tipo de fontes e uma atenção especial a um passado mais
distante, leva-nos a consubstanciar esta divisão. Falando um pouco da nossa
experiência, dificilmente demonstramos um interesse maior pelos temas presentes
da demografia, pelas características dos censos modernos, PNADs etc.
É muito possível que o tratamento inicial deste livro reforce esta tendência.
Dado que a demografia comporta sempre a utilização da variável “tempo” e a
variável “população” tem como limite a sociedade, não temos dúvidas de que esse
é o mundo da história. Assim, para a estruturação deste trabalho, tivemos de recortar
e escolher. E, optar por aquilo que tradicionalmente sempre caracterizou nossa
disciplina, o problema das fontes, da sua crítica, da sua validade. Receamos, entretanto,
que esta escolha mais uma vez nos marginalize num passado mais distante. Entretanto,
tentamos ultrapassar tal perspectiva, no capítulo III, colocando algumas interrogações
a respeito da teoria da “transição demográfica”. Partimos de algumas generalizações,
muito simples, concernentes a um “mundo que perdemos” – a nossa sociedade
colonial brasileira –, para tentarmos abrir caminho à realização de uma história da
população brasileira. O capítulo está aberto à discussão.
Este livro dirige-se principalmente aos estudantes de história. Foi, aliás,
com base em notas de aula organizadas para a disciplina “História Demográfica”,
que vem sendo ministrada já há alguns anos no Curso de História da UFPR, que
ele foi organizado. Um “pré-texto” foi elaborado e distribuído aos nossos alunos
no segundo semestre de 1991, e ali bem discutido. Agradecemos a dedicação,
espírito crítico e interesse do Ângelo, Aníbal, Carla, Celso, Cíntia, Elzeário,
Gracialino, José e Solange - nomes que fazemos questão de registrar, pois os
estudantes têm uma parte importante na feitura do trabalho.
Partimos de uma metodologia básica, tentando pensar a população sempre
“concretamente”, como uma soma de indivíduos, homens, mulheres, crianças,
velhos... Por que, então, não buscar no passado, uma família que realmente tivesse
existido, em vez de pensarmos preliminarmente nas abstrações tão familiares ao
21DEMOGRAPHICAS 21HISTÓRIA E DEMOGRAFIA: ELEMENTOS PARA UM DIÁLOGO
mundo da academia? Uma família passível de ser reconstituída historicamente,
isto é, cuja existência teria sido comprovada pelas fontes usualmente trabalhadas
pelos historiadores demógrafos. Essas fontes existem em profusão, e já foram
levantadas para a região curitibana, no Paraná. Por que não pensar a história da
população brasileira a partir de Curitiba no século XVIII? Afinal – sem nenhuma
crítica – paulistas e cariocas sempre fizeram isso, fundamentado em suas
respectivas histórias regionais.
Assim, buscamos uma bela família que tivesse sido reconstituída pela
Professora Ana Maria de Oliveira Burmester, autora de uma tese sobre a
população de Curitiba, no século XVIII. E, ao mesmo tempo, que constasse
em alguns levantamentos censitários realizados a mando da Corôa Portuguêsa.
Ela foi encontrada, depois de uma certa procura. Trata-se de Gregório
Gonçalves, sua mulher Anna Maria e filhos, com um ciclo de vida e ciclo
matrimonial que, na prática, correspondem a esse período cujo conhecimento
é crucial para entendermos, a nosso ver, a ‘passagem’ para o mundo
contemporâneo. Como a Dra. Burmester encerrou sua observação no final
da década de 1790, não tinhamos em mãos a possibilidade imediata de conhecer
o que aconteceu depois com a referida família. Gostaríamos de ter tido mais
tempo para seguir adiante, na busca dos outros dados vitais referentes ao casal
e à sua prole.
Assim, a família Gonçalves constitui uma espécie de pretexto, para passar
ao leitor alguns conceitos básicos referentes à demografia e à história demográfica,
para discutir a validade das estatísticas populacionais recuperadas para o passado
e as suas fontes clássicas. Enfim, para demonstrar algumas das possibilidades de
exploração desses dados. À medida que tratamos da história, esperamos que o
interesse do livro transcenda ao grupo dos historiadores. Sempre resta a esperança
de podermos cooptar alguns demógrafos a mais para um trabalho ao mesmo
tempo fastidioso e fascinante, que está além da exploração das estatísticas
fabricadas pelas instituições. Os alérgicos ao pó que se protejam, arregacem as
mangas e se transformem, como nós, em “ratos de arquivo”.
O resultado apresenta-se desta forma, sintetizado no sumário. Para
começar, temos as fontes para uma demografia do passado. Fontes “clássicas”,
naturalmente, registros paroquiais e censos antigos. Investigamos também como
e em que circunstâncias essa documentação foi produzida; em suma, sua história.
2222 INTRODUÇÃO À PRIMEIRA EDIÇÃO NADALIN, S.O.
Temos, ainda, a crítica dos dados e o conteúdo das fontes das paróquias e das
listas nominativas de habitantes.
No capítulo seguinte, ultrapassada esta parte dedicada às fontes,
buscamos fazer um pouco mais de “história”, tentando dar uma idéia ao leitor
de como devem ser lidos, tratados e explorados os dados obtidos. Nesse
sentido, quem quiser saltar o primeiro ítem, relacionado a algumas questões
teóricas que levantamos, poderá fazê-lo tranqüilamente. Ele é o resultado da
nossa natural vocação de professor. São problemas teóricos diversos, mas que
principalmente tentam dar ao leitor uma visão do “lugar” da história
demográfica e da demografia histórica (existe alguma diferença?) no quadro
geral da história e das ciências da população.
Todos esses assuntos, na medida que foram trabalhados, tendo como
cenário a história da sociedade colonial, desembocam naturalmente num esboço
de uma história da população brasileira. Sendo assim, o leitor não deverá se
surpreender com a definição de um eixo possível para o conhecimento dessa
história, fundamentado na “teoria da transição demográfica”. É um problema
que interessa tanto aos historiadores como aos outros especialistas em população.
Portanto, mais um veio comum que permite estimular o diálogo entre a história
e a demografia.O que fica, para finalizar, é uma vasta interrogação sobre os processos
demográficos que traduzem uma perspectiva da história social brasileira mais
recente. Em outros termos, as evidências de uma lacuna imensa que é datada na
década de cinqüenta do século passado, e que corresponde historicamente à
significativas mudanças nas relações de produção, na história econômica, política
e institucional do país, e que tem como outro extremo a década de 1930.
Este livro não teria esta “cara” se não fossem a labuta e convivência diária
com os colegas do Departamento de História, da Universidade Federal do Paraná.
Queremos destacar especialmente um agradecimento a Francisco Moraes Paz,
que reviu o manuscrito, e cujas críticas e sugestões foram extremamente valiosas
para o acabamento do trabalho. De forma igual, estender esses agradecimentos
mais uma vez a Clotilde Paiva, que teve o trabalho de ler os originais, submetendo-
o inclusive para discussão a alguns dos seus alunos da UFMG. Como resultado,
e em função de sua própria disposição para tal, certos aspectos relevantes da
23DEMOGRAPHICAS 23HISTÓRIA E DEMOGRAFIA: ELEMENTOS PARA UM DIÁLOGO
estrutura do texto foram discutidos, contribuindo também para a versão final
da obra que está sendo apresentado aos leitores.
Finalmente, nosso livro também é tributário do trabalho de dois
historiadores, e queremos deixar isto registrado com todas as letras. Trata-se das
pesquisas das Doutoras Ana Maria de Oliveira Burmester e Maria Luiza Marcílio,
convenientemente referenciadas no final deste trabalho. A todos que nos apoiaram,
em especial à ABEP, e que tornaram possível esta publicação, nossos sinceros
agradecimentos.
Curitiba, julho de 1994.
I. FONTES PARA UMA
DEMOGRAFIA DO PASSADO
I. FONTES PARA UMA
DEMOGRAFIA DO PASSADO
Os arquivos do Paraná e de São Paulo guardam em sua memória traços
da presença em Curitiba do casal Gregório Gonçalves e Anna Maria Lima,
unidos pelo matrimônio católico na sede da Paróquia de Nossa Senhora da Luz
dos Pinhais de Curitiba, no dia 9 de setembro de 1772. Também registram os
nove filhos que se originaram do casamento: Felisberto, Bento, Maria, José, Rosa,
novamente Maria, Izabel, Felizardo e Anna.
O marido e a mulher constituem parte das inúmeras genealogias que
podem ser montadas a partir dos registros paroquiais e dos censos realizados
nos séculos XVIII e XIX, e que traduzem parcialmente a dinâmica da população
curitibana desde o momento em que o planalto começou a ser ocupado até os
dias atuais. Tal dinâmica constitui o objeto restrito de uma história da
população.
2626 FONTES PARA UMA DEMOGRAFIA DO PASSADO NADALIN, S.O.
1.1 Os testemunhos da história demográfica
Os registros paroquiais
No resumo introdutório de um artigo clássico da historiografia demográfica,
Louis HENRY escrevia que os registros paroquiais constituem um documento de
primeira ordem para o estudo da demografia do passado.1 Inicio este capítulo,
portanto, com estes testemunhos, a começar pelas antigas atas de casamento.
Conforme se vê na folha 59 do livro 3, no livro destinado aos assentos
dos cazados escravos, mulatos e bastardo, o vigário registrou da seguinte forma o
enlace de Gregório e Anna Maria:
Aos nove dias do mes de Setembro de mil e setecentos e setenta e dous annos, nesta Igreja
Matriz de Nossa Senhora da Lux, da Villa de Corytyba, de tarde, feitas as denunciações
na forma do Sagrado ConciLio Tridentino, Sem se descobrir impedimento aLgum, como
consta da provizam de Licennça do M.to Rd.o vigario da vara, q’ fica em meu poder; em
prezença de mym o Padre ManoeL Domingues Leytam, vigario da ditta Igreja, Sendo
prezentes por testemunhas Antonio do Loureyro ALmeyda Cassam, e Antonio Francisco
Guymarães pessoas conhecidas, e as mais q’ se acharam prezentes, Se cazaram por palavras
de prezente Gregorio Goncalves, filho de CLemente GonçaLves de Castro, e de sua mulher
Joanna Cardoza; com Anna Maria de Lima Mullata forra filha de Antonio de Lima,
e de sua mulher Cypriana Roiz.’ Seyxas ambos mullatos moradores desta freg.a [...].
Com isso, foi possível estabelecer o início da “história demográfica” da
família de Gregório Gonçalves na região dos campos de Curitiba. Sua continuidade
traduz-se na sucessão dos filhos, cujos batismos também estão assentados em
livros próprios.2 As atas relativas às cerimônias ocorridas até 1778 foram registradas
no Livro 6 (1774-1778), cujo termo de abertura esclarece o que segue:
Este Livro que ha de Servir na Matriz de noSsa Snr.a da Luz da Villa de Corityba p.a
nelle Se fazerem os assentos dos bautizados escravos, e bastardos, vai numerado,
e Com o meo Sobrenome X.er rubricado; e no fim Leva termo de encerram.to Corytyba 8
de Outubro de 1762.
No mesmo Livro 6, observamos o assentamento relacionado ao batismo
do primeiro filho de Gregório e Anna Maria:
9 HENRY, 1953: 281.
10 Ver o Anexo II, construído a partir da pesquisa de Eduard Lui HENRY [2002] e complementado por
Rosângela Maria FERREIRA DOS SANTOS: os exemplos mencionados no texto, bem como outros
documentos paroquiais relativos à família Gonçalves foram ali transcritos. Os originais encontram-se
sob a guarda do Arquivo da Catedral Basílica Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba.
27DEMOGRAPHICAS 27HISTÓRIA E DEMOGRAFIA: ELEMENTOS PARA UM DIÁLOGO
Aos vinte dias do mes de Janeyro de miL e setecentos e setenta e sinco annos, nesta Igreja
Matriz de Nossa Senhora da Lux, da Villa de Corytyba, baptizei, e pus os Santos
oLeos a Felisberto innocente, filho de Gregorio Gonçalves, e sua mulher Anna
Maria de Lima ambos bastardos; foram padrinhos Antonio Joze da Sylva, e sua mulher
Gertrudes Denis todos moradores desta freguezia, e para constar fiz este assento no
mesmo dia vt supra.
Anos mais tarde, o primogênito do casal também casou, e a cerimônia
encontra-se de modo igual devidamente registrada, embora a forma da ata não
seja exatamente a mesma do matrimônio dos seus pais:
Aos trinta dias do mes de Julho do anno de mil CeteCentos noventa, e Sinco, de manhã
nesta Igreja Matris de noSa Senhora da Lus, da Villa de Coritiba, de honde os contrahentes
São freguezes, em minha prezenSa, e das Testemunhas Miguel Antonio Teixeira, e
Felicio Fernandes Cazados este morador de Sancto Antonio da Lapa, despois de feitas as
denunciaSoins Canonicas, Sem impedimento, precedendo LicenSa do ordinario e do
Reverendo Paroco, Ce Cazarão, Felisberto GonSaLves Trones, filho legitimo de
Gregorio GonSalves Trones, e de Anna Maria de Lima, Com Joanna Rodrigues de
Andrade, Filha legitima de Fransisco Rodrigues de Andrade, e de EsColastica Nunes,
já faLecida, Logo receberão as benSas, do que para Constar faSo este aSento.
A história do casal, quanto ao aspecto demográfico, terminou com o
óbito de Anna Maria, ocorrido em 1825:
Aos quinze dias do mes de Setembro do anno de mil oitocentos e vinte Sinco falesceo da
vida prezente Anna Maria de Lima de idade de oitenta annos cazada com Gregorio
Gonçalves: Recebeo o Sacramento de Penitencia, e Extrema unção: foi seo corpo sepultado
nesta Matris, e por mim Recomendado. Do que para constar faço este Assento.
Quanto a Gregório, ele sobreviveu 19 anos à sua esposa, tendo falecido em
1844, um ano depois do seu filho Bento. Pelo que se sabe, não contraiu novas núpcias.
Listas nominativas de habitantes
O ciclo matrimonial e o desenvolvimento do domicílio do casal também
podem ser visualizados com o auxílio de outro tipo de documento. Refiro-me
aos levantamentos censitários existentes na época colonial e primeiros anos do
Império, para certas regiões brasileiras.
Foram selecionados dois censos como exemplos, relativos aos anos de
1792 e 1797. Nas folhas em que as listas foram elaboradas, encontramos a relação
nominal dos integrantes da família de Gregório Gonçalves, como se segue:
2828 FONTES PARA UMA DEMOGRAFIA DO PASSADO NADALIN, S.O.
Figura 1
Levantamento censitáriorealizado em 1792 – Curitiba, Segunda Companhia,
povoação de “Nossa Senhora do Amparo”
29DEMOGRAPHICAS 29HISTÓRIA E DEMOGRAFIA: ELEMENTOS PARA UM DIÁLOGO
Figura 2
Levantamento censitário realizado em 1797 – Curitiba, Segunda Companhia,
bairro de “Itaperaçu”
3030 FONTES PARA UMA DEMOGRAFIA DO PASSADO NADALIN, S.O.
1.2 A história de uma família
O conteúdo da documentação mostrada anteriormente – inclusive aquela
transcrita no anexo deste capítulo – permite definir um esboço da “história
demográfica” da família referida.
Sabemos que o casal constituiu um *fogo (domicílio) na região de Curitiba,
continuando como unidade conjugal até o ano de 1825, quando Anna Maria
faleceu. De modo igual, a lista de 1797 permite saber que eles, um genro, uma
nora e uma neta (ver Anexo II) constituíam parte do conjunto de habitantes
do território curitibano no final do setecentos. Por conseguinte, e para ser mais
preciso, quatorze pessoas que, seguramente, faziam parte do efetivo da
população de Curitiba por ocasião do mencionado censo.
A mesma lista também evidencia que esse efetivo familiar caracterizava-se
pela presença de três filhos do sexo masculino e cinco do feminino. Tal constatação
admite o conhecimento da estrutura por sexo da família, somando-se o genro
Policarpo e, naturalmente, o chefe da casa e sua esposa. Verificada a idade de
todos os seus componentes, teríamos, assim, a possibilidade de estabelecer sua
estrutura etária.
Finalmente, as fontes provam que, além de Gregório (e Anna Maria) e o
primogênito Felisberto, também Maria, a filha mais velha, estava casada em 1797.
Imaginando a hipótese de que todos continuaram na região, contrapunham-se –
estes últimos com seus cônjuges – aos indivíduos solteiros do planalto curitibano.
Caracterizavam, desta forma, junto com seus vizinhos e outros *fregueses da
paróquia, a estrutura da população por estado civil.
Portanto, vimos, até agora, como entre nós e a realidade do século XVIII
interpõe-se um testemunho, que informa com relativa segurança – ou com uma
segurança possível – alguns dados sobre a estrutura da população paranaense.
No que se fundamenta o nosso conhecimento da realidade demográfica do
passado? Evidentemente, da correção das informações e de sua correta
interpretação. Esta é uma questão importante, tratada adiante, quando será
examinada a crítica dos dados.
É óbvio que uma população não se reduz às evidências quantitativas acima
apontadas. Ela distribui-se, também, segundo outras categorias, além do sexo,
idade ou estado civil. Como se sabe, ser solteiro ou casado, ou mesmo, viver ou
31DEMOGRAPHICAS 31HISTÓRIA E DEMOGRAFIA: ELEMENTOS PARA UM DIÁLOGO
não como companheiro de um homem ou de uma mulher não é simplesmente
condição imposta pela natureza. Depende de circunstâncias ditadas pela sociedade,
que variam de época para época, de lugar para lugar. É função, por conseguinte,
da idade, das condições ou nível de vida dos indivíduos ou de suas famílias, além
de outros traços culturais da sociedade em questão. Para compreender isso, basta
lembrar – citando só dois exemplos – que as sociedade têm valores diferentes no
que se refere à procriação e às formas de união entre um homem e uma mulher.
Assim, a família de Gregório e Anna Maria tinha também outras
características, articuladas ao modo com que se organizava a sociedade paranaense
colonial. As marcas dessas evidências também são transmitidas pelos testemunhos
que foram utilizados para reconstituir a referida família; todavia, diferentemente
dos sinais antes apontados, nem sempre de forma tão explícita. Senão, vejamos.
A ausência de escravos no domicílio anuncia uma família de poucas posses,
pobre, o que não implicava, necessariamente, uma situação de miséria. De outro
lado, o conteúdo da ata de casamento admite algumas precisões a respeito da
categoria social daqueles indivíduos, pois nos cientifica que a esposa era mulata,
e não só isso, *forra. Triste combinação essa, numa sociedade escravista
extremamente hierarquizada. Muito embora a ata de batismo de Anna Maria
nada explicite a respeito,11 sem dúvida o termo traduzia uma ascendência escrava.
A partir desta informação poderíamos inferir que Gregório também fosse *pardo,
e de condição social não muito diferente da mulher. Todavia, essa dedução
poderia adquirir novos contornos, pelo que pude ler em diversos termos de
abertura de livros nos quais foram assentadas as atas de batismos, casamentos e
óbitos relativas à família aqui enfocada. Refiro-me ao qualificativo “bastardo”.12
Consultando o “Aurélio” [1986], somos informados de que essa palavra
significa fora do matrimônio [...]; portanto, filho ilegítimo. Porém, pode exprimir, ainda
hoje, degenerado da espécie a que pertence. Palavras fortes, sem dúvida, embora na
atualidade pouco utilizadas para qualificar pessoas. Todavia, aparentadas aos
diversos significados da palavra no mundo português do início do setecentos. O
termo, além de exprimir uma descendência de ajuntamento illicito, traduzia também
11 Ver, no Anexo II, o documento 02.
12 Ver, no Anexo II, os documentos 03, 05, 06, 08, 14, 22, 24, 32, 53, 70 e 76 [o termo “pardo” aparece,
pela primeira vez, em 1798, no documento 38]. Observo que uma única ata qualifica diretamente
Gregório e Anna Maria como bastardos [06].
3232 FONTES PARA UMA DEMOGRAFIA DO PASSADO NADALIN, S.O.
algo degenerado, significando não só o filho de may não casada mas, pior ainda, o
ilegítimo filho de uma mulher pública; [...] de may adultera; [...] nascido do incesto.13
Entretanto, um outro viés se alcançava pela palavra, muito embora seja
possível compreender um certo sentido comum. Refiro-me ao qualificativo
“degenerado”, porque diferente da espécie original; 14 degenerado, da mesma forma,
porque não conforme o original, ou porque oriundo de várias espécies. Ou ainda,
como informa um dicionário de autor “brasileiro”, publicado originalmente em
1813: animais gerados com alguma diferença na casta.15 A partir desta interpretação, entende-
se que Gregório Gonçalves e seus filhos não eram bastardos porque oriundos de
uniões ilegítimas – a documentação o comprova. Seriam bastardos porque foram
gerados no seio de uma condição social definida pela mestiçagem. Enfim, porque
era bastarda a união de Gregório com a mulata forra Anna Maria.
Muito embora se evidencie uma certa relação, poderiam ser assim
momeados, simplesmente, pelo fato de Gregório ter tido uma ascendência indígena
e portuguesa, como informa John MONTEIRO referindo-se ao século XVII:
Dois termos, freqüentemente tidos como sinônimos, na verdade expressavam uma diferença
crítica na época: mamaluco e bastardo. Tanto um quanto o outro descreviam a prole de
pai branco e mãe indígena; no entanto, no caso dos mamalucos, os pais reconheciam
publicamente a paternidade. Por conseguinte, os mamalucos gozavam da liberdade plena
e aproximavam-se à identidade portuguesa, ao passo que os bastardos permaneciam
vinculados ao segmento indígena da população, seguindo a condição materna. Já no
século XVIII, o termo mamaluco caiu em desuso, enquanto bastardo passava a designar,
genericamente, qualquer um de descendência indígena. 16
Daí porque os filhos de Gregório e Anna herdariam essa denominação.
De qualquer forma, foi assim que os vigários curitibanos costumavam guardar
na paróquia, até o início do século XIX, dois livros para cada tipo de assentamento
(batismos, casamentos, sepultamentos); um, para os “brancos”, de boa casta, e
outro, para os escravos, administrados e bastardos – o conjunto da população
que constituía a base da pirâmide social.17
13 BLUTEAU, V. 2, 1712.
14 Como arcos bastardos, sella bastarda, peça bastarda, galé bastarda, trombeta bastarda, uva bastarda, letra bastarda..., cf.
BLUTEAU, V. 2, 1712.
15 SILVA, 1922. Bastardo, adj, filho illegitimo, cujo pa as Leis não reconhecem ou é incerto [...] fig. Dos animaes gerados porpais com alguma diferença na casta. [Idem].
16 E é dessa forma que se entende, finalmente, porque os “mamalucos” eram assim conhecidos, no
Brasil Meridional [HOLLANDA, 1975:144].
17 Ver, nos anexos deste livro, os quadros 1 a 3.
33DEMOGRAPHICAS 33HISTÓRIA E DEMOGRAFIA: ELEMENTOS PARA UM DIÁLOGO
Continuemos, portanto, analisando as informações contidas nos documentos
paroquiais e nas listas nominativas, a respeito da história dos Gonçalves. Assim, se
é certo que não temos condições de distribuir para essa época os indivíduos,
famílias ou domicílios em função da renda – em virtude de falta de informações
neste sentido –, também não teríamos condições de fazê-lo para o domicílio de
Gregório e Anna Maria. Esse dado, quando existe, refere-se às listas elaboradas de
1798 em diante: de fato, muito embora detalhe as atividades de famílias com mais
posses, as listas dos domicílios de pessoas comuns também poderiam trazer
informações nesse sentido. Dessa forma, no censo de 1803, consta que a “casa”
de Gregório e Anna Maria produziu 10 alqueires de feijão naquele ano. Portanto,
quando existentes, essas informações permitem, por meio de aproximações,
classificar grosseiramente os domicílios do passado segundo a ocupação dos seus
integrantes, pressupondo, inclusive, o nível de vida.
Finalmente, a localização dos “bairros”. Com muito cuidado – na medida
em que a distinção rural-urbana é, principalmente, utilizada para caracterizar as
populações nos dias atuais –, é possível definir a localização dos bairros a partir
desses critérios, fixando-os nas vilas propriamente ditas, nos seus *rocios ou, como é
o caso de Gregório, em localidades mais distantes do termo da Vila. De qualquer
forma, o fato de terem sido recenseados na “Segunda Companhia de Ordenança desta
Villa de Coritiba” – como se verá adiante – mostra que não viviam muitos distantes
do centro “urbano” da época. De modo igual, no século XVIII dominava o mundo
rural, se abstrairmos as poucas cidades que se localizavam na direção do litoral.
Os levantamentos censitários da época revelam que parte significativa da
população vivia em localidades, povoações e fazendas, relativamente distantes
da vila. A listagem de 1792 mostra que o domicílio dos Gonçalves estava situado
na povoação de Nossa Senhora do Amparo;18 lá, provavelmente, plantavam
para o gasto de sua caza, conforme informação obtida da lista de 1801. Entre 1792
e 1797 mudaram-se, ao que tudo indica. O segundo levantamento nominativo
de habitantes que estamos considerando, registra que o fogo da mencionada
família podia ser encontrado no “bairro” de Itaperuçu. Tanto uma localidade
como outra constituíam parte da mesma companhia de ordenança. Naquela
18 Nunca é fácil, para o passado, identificar exatamente os toponímios. Se a lista nominativa designa desta
forma o “bairro” no qual estava localizado o domicílio dos Gonçalves, uma ata de batismo de 1790
indica que havia uma Igreja de Nossa Senhora do Amparo, na Nova Povoação da Ribeira. Ver, no anexo do
capítulo, o do cumento 15.
3434 FONTES PARA UMA DEMOGRAFIA DO PASSADO NADALIN, S.O.
época, um bairro podia ter comumente o mesmo significado que na atualidade;
porém, no caso específico, refere-se a uma divisão administrativa das ordenanças,
critério para a organização militar da população na época.
Em síntese, à família de Gregório e Anna Maria somavam-se todas aquelas
domiciliadas na Vila, no seu rocio e na região abrangida pelo território curitibano.
O censo de 1797 constitui como que uma “fotografia” da aludida população,
captando um instante do seu dinamismo; é o estado da população num
determinado momento, ou sua estrutura.
É preciso, entretanto, enfatizar que esta, numa perspectiva demográfica,
apesar da aparente imobilidade que traduz, expressa sempre um movimento.
Isto pode ser verificado justapondo-se pirâmides etárias obtidas de censos
diferentes no tempo; por exemplo, de 1792 e 1797, como a figura que segue:
Figura 3
Pirâmides etárias; Curitiba, população livre – 1792 e 1797
35DEMOGRAPHICAS 35HISTÓRIA E DEMOGRAFIA: ELEMENTOS PARA UM DIÁLOGO
Na segunda pirâmide a família completa dos Gonçalves pode ser
visualizada tendo em vista os grupos de idade a que pertencem (0-4, 5-9, ... até
a faixa de 45-49 anos), tal como são definidos modernamente pelos censos. Na
primeira pirâmide a situação não é diferente. Todavia, nesta, todos os
componentes do domicílio encontram-se em faixas etárias mais perto da base,
cinco anos mais jovens; e Anna, a filha mais nova, ainda não havia nascido.
Quanto às outras distribuições que caracterizam o estado da população,
algumas pouco mudaram de um momento ao outro, outras modificaram-se de
forma mais significativa. É possível mesmo aventar que a “migração” dos Gonçalves
– pois foram “capturados” pelos recenseamentos em duas localidades –, por
diminuta que fosse, poderia indicar uma melhoria na situação econômica da
família. Essa observação se deve ao fato de que a família poderia mudar tendo
em vista a possibilidade de uma melhoria qualquer.
Ainda, quanto à distribuição por sexo, visualiza-se uma alteração com a
inclusão da ultimogênita. Da mesma forma, em relação ao estado civil, altera-se
3636 FONTES PARA UMA DEMOGRAFIA DO PASSADO NADALIN, S.O.
um pouco a situação entre 1792 e 1797: Felisberto, antes solteiro, casou com
Joana Rodrigues de Andrade; de modo igual, Maria uniu-se a Policarpo
(Rodrigues) de Andrade, sem dúvida irmão de Joana.19
Assim, a família ou, no caso, o domicílio de Gregório Gonçalves e Anna
Maria tem uma história, que integra o conjunto de histórias dos domicílios
curitibanos no final do século XVIII. História, portanto, de uma população...
Mudemos, agora, o ângulo da nossa perspectiva. Em vez de dois instantes,
acompanhemos a vida dessas famílias a partir das informações obtidas das atas
de batismos, casamentos e óbitos da Paróquia de Nossa Senhora da Luz dos
Pinhais de Curitiba. Tal ângulo de observação é mais apropriado para a
caracterização do dinamismo de uma populacão, definido pelo contínuo processo
de entradas e saídas de indivíduos; o saldo deste processo nos dá a medida do
crescimento ou diminuição dos efetivos populacionais. Isto é, “entradas” e
“saídas”, “receita” e “débito”, como numa contabilidade, o que é traduzido por
nascimentos/imigração e falecimentos/emigração.
Do ponto de vista das histórias de famílias, e de novo chamamos a atenção
para nosso exemplo, a entrada pelo nascimento é facilmente perceptível. Em 25
anos de observação (1772-1797), a referida família cresceu de 2 para 11
componentes, não havendo nenhum óbito a ser contabilizado na primeira e segunda
geração. A visualização das migrações é mais complicada, dificilmente observável
num exemplo tão pontual. Na família em foco, e no período observado, a única
“emigração” que pode ser aventada é a de Felisberto, a partir do casamento. Em
1797, ele não se encontrava mais no rol do domicílio dos Gonçalves. Em
contrapartida, ou o recenseador se enganou, ou não observou a presença de
Policarpo, genro de Gregório, em 1797: a lista contabiliza ainda as duas Marias, a
mais velha casada em 1796.
Para saber se o filho mais velho mudou-se tão-somente para um sítio vizinho,
na mesma Companhia, ou mesmo para um local pouco mais distante na mesma
região, ou ainda para a vila com o objetivo de trabalhar como assalariado ou
artesão, seria necessária uma pesquisa do conjunto de domicílios recenseados nas
listas nominativas referentes a outras Companhias de Ordenança. A única informação
que temos, dada pelos livros da paróquia, é que o casal fazia parte da totalidade
dos fregueses da comunidade: tiveram uma filha, batizada com o nome de
19 Ver, no Anexo II, os documentos 23 e 45.
37DEMOGRAPHICAS 37HISTÓRIA E DEMOGRAFIA: ELEMENTOS PARA UM DIÁLOGO
Senhorinha em 04 de março de 1796 e falecida em 3 de outubro, dois anos
depois. Outro filho falecia em1809 e, 1821, o próprio.20 Além disso, nada
mais se sabe.
O ângulo de perspectiva “longitudinal” que estamos utilizando pode
ser representado num diagrama, como o que se apresenta abaixo:
20 Ver, no Anexo II, os documentos 25 e 26.
21 Ou seja, tal eixo permite que se visualize a faixa etária na qual se incluem os indivíduos representados
no diagrama. Ou a idade, conforme o exemplo do casal Gonçalves e sua prole.
Figura 4
Diagrama: representação dos ciclos vitais na família de Gregório Gonçalves
A figura tem nos seus dois eixos de escala a marcação do tempo (eixo
“x”) e dos “aniversários” (eixo “y”);21 as diagonais representam os ciclos vitais
dos indivíduos e das famílias. De fato, cada novo indivíduo nascido está
assinalado no ciclo vital da família Gonçalves, correspondendo, ao mesmo
3838 FONTES PARA UMA DEMOGRAFIA DO PASSADO NADALIN, S.O.
tempo, ao início de um novo ciclo de vida. Estão igualmente assinalados no
diagrama os cortes transversais concernentes aos censos de 1792 e 1797. Os
ciclos vitais dos avós foram indicados no diagrama, os primeiros em função
do ano de nascimento que se presume a partir da leitura de uma lista nominativa
levantada em Castro, no ano de 1776, e que registra Clemente Gonçalves, 60
anos, e Joana Cardoza, 40 anos. No que concerne aos pais de Anna Maria,
Antonio de Lima e Cypriana Seixas, a representação na figura 4 foi arbitrária,
uma vez que não possuímos suas referências demográficas, e nem mesmo
sabemos ao certo se ainda habitavam a região dominada pela capela de Bom
Jesus dos Perdões, em São José dos Pinhais.
No interior de uma história populacional existem mudanças que,
independentemente do dinamismo demográfico, são apenas perceptíveis, pois
dependem de definições qualitativas. Refiro-me, por exemplo e em primeiro
lugar, à relação entre as mudanças de idade dos integrantes de uma população
e o processo de envelhecimento. De um lado, dependendo da época, e ou do
lugar e ou da categoria social, conceitos relativos à infância, juventude,
adolescência podem ter significados diferentes. Na mesma direção, o significado
da palavra “velho” se diferencia de lugar para lugar, de época para época.
Quando, em função das condições demográficas o velho rareava, era,
variavelmente, venerado como um “ancião”.22
As mudanças no estado civil realmente traduzem alterações no status
social, de solteiro para casado, de casado para viúvo, desquitado, ou divorciado.
O significado destas palavras varia histórica e culturalmente. Por outro lado, as
sociedades humanas refletem de forma diferente uniões não “legalizadas” pelo
casamento, tais como uniões consensuais, concubinatos, e outras formas de
relações entre os *gêneros. Evidentemente, trata-se de indicações de representações
sociais. Mudanças qualitativas também são detectadas a valores culturais
concernentes ao amadurecimento da menina-mulher e à procriação, tabus
relacionados à virgindade feminina etc. Finalmente, modificações de atitudes
concernentes à reprodução estão articulados, geralmente, à adoção ou não de
métodos contraceptivos, e um crescimento maior ou menor da população
também pode ser o resultado da idade média em que a mulher se expõe à uma
relação sexual ou, conforme a época ou cultura, à idade do casamento.
22 FOURASTIÉ, 1959: 417-33.
39DEMOGRAPHICAS 39HISTÓRIA E DEMOGRAFIA: ELEMENTOS PARA UM DIÁLOGO
De indivíduo para indivíduo, de geração em geração, de época para época,
transformações qualitativas refletem-se também no campo profissional. Se, de
um lado, não devemos confundir mobilidade social com migrações, também
sabemos, por outro lado, que muitas vezes deslocamentos de indivíduos estão
relacionados à mobilidade “horizontal” e à mobilidade “vertical”, implicando
mudanças na qualidade de vida. Enfim, trata-se de questão complexa, aqui
simplesmente sinalizada.23
Finalizando, devem ser frisadas as conexões evidentes entre a população,
conjunto de indivíduos, força de trabalho e consumo, nexos estes que
fundamentam organizações sociais. Fica óbvio também que transformações
qualitativas na população e na sociedade resultam igualmente como conseqüência
da irrupção de crises epidêmicas e econômicas, de fatores genéticos, psicossociais
(ou comportamentais) – e, como resultado, alterações nas representações que os
grupos populacionais fazem de si próprios –, políticos, e assim por diante...
1.3 Produção e limites das estatísticas populacionais do passado
Por natureza, o historiador desconfia de suas fontes de informações. Em
conseqüência, pergunta-se até que ponto pode confiar nos dados (que testemunham,
por exemplo, a história que está sendo aqui posta em relevo), que lhe permitiram
reconstruir de modo sumário a história da família de Gregório Gonçalves. Porque,
de fato – e só para começar, citando um só aspecto da questão –, se a mencionada
família tivesse vivido um século antes em Curitiba, dificilmente teria deixado traços,
pois os registros paroquiais no Paraná são encontrados somente a partir do final
do século XVII, e os antigos censos, da metade do setecentos.
Como vimos, tratava-se de um domicílio legitimamente constituído, aos
olhos da Igreja e do Estado – na época, não havia registro civil. Mas, e se
Gregório e Anna Maria não tivessem se casado, como acontecia com uma
percentagem que pode ter sido representativa na sociedade brasileira da época
colonial? Sob este aspecto particular, da história da família e do casamento, uma
parte da população dificilmente seria recuperada.
Indo adiante, o confronto dos registros paroquiais com as listas nominativas
permite verificar se não teria havido *sub-registros de batismo ou de óbito. Para o
23 Uma breve síntese a respeito pode ser apanhada a partir dos termos “migração”, “mobilidade social”
e “mobilidade profissional”, em BIROU, 1973: 254,258,259.
4040 FONTES PARA UMA DEMOGRAFIA DO PASSADO NADALIN, S.O.
caso da família em pauta, os dados parecem completos. Não obstante, ao
ampliarmos a observação, temos de nos perguntar até que ponto a população
curitibana, paranaense e, principalmente, a população total da colônia foi registrada
nos antigos censos e nas paróquias de então.
1.3.1 Os registros paroquiais
 Sabemos que a Igreja Católica Romana, mais tarde seguida pelas diversas
denominações “protestantes”, anunciou precocemente o que viria a ser uma das
características da “modernidade”. Desde o Concílio de Trento (1545-1563),
instituiu formas de controle da sua população, definindo normas para padronizar
os registros dos principais sacramentos que marcam a passagem dos diversos
momentos do ciclo de vida dos cristãos católicos. Dessa maneira, os padres
foram ensinados como registrar os Batismos (e mais tarde a Crisma), os
Matrimônios e os Sepultamentos. Tais normas foram completadas no século
XVIII, por ocasião da instituição do Rituale Romanum que, além de definir como
fazer tais assentamentos, ensinava a fazer contagens periódicas dos paroquianos.24
É dessa maneira que, muitas vezes, encontramos no acervo dos arquivos
paroquiais os chamados “róis de confessados”,25 ou listas denominadas de Status
Animarum (estado das almas), relacionando os indivíduos aptos a se confessar.
Essas medidas coincidem com o início da expansão do cristianismo que
acompanhou o processo colonialista encetado no século XVI. A Igreja,
naturalmente, cuidou de estender seu controle também nas populações do Novo
Mundo. As peculiaridades do povoamento e da colonização, bem como o
tamanho e a rarefação do território, com seus *vazios demográficos, constituíam
obstáculos para que tais objetivos fossem plenamente alcançados, tanto na América
hispânica como na portuguesa.
Assim, essas questões poderiam justificar a lacuna entre as ordenações da
Igreja Católica e, no que concerne aos registros paroquiais, sua definitiva
implantação no Brasil colonial. De fato, o Arcebispado da Bahia, que tinha sob
sua jurisdição a Igrejana América portuguesa, justificava em 1707 a publicação
de “Constituições” para serem seguidas no Brasil, considerando que as
Constituições de Lisboa, até então em vigor, não tinham como se acomodar a
24 MOHLS, 1954:88 e segs.
25 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA, 1853:61-65 (Título XXXVII).
41DEMOGRAPHICAS 41HISTÓRIA E DEMOGRAFIA: ELEMENTOS PARA UM DIÁLOGO
tão vasta região.26 Por essas ordenações, cada paróquia deveria guardar livros
encadernados, com folhas numeradas e rubricadas pelo vigário, com termo de
abertura e de encerramento, um para cada tipo de registro: Batismos, Casamentos
e Sepultamentos. Da mesma forma, estes estatutos também ensinavam como se
deveria elaborar as atas relativas aos batizandos, aos que se casavam na paróquia,
e aos defuntos.27
De maneira variada, as diversas paróquias da colônia procuraram se
adaptar às exigências. Em Curitiba, por exemplo, os primeiros registros de
batismos são praticamente contemporâneos à época em que se erigiu o *pelourinho
da Vila (1693). Entretanto, os casamentos e os óbitos só começaram a ser
assentados, respectivamente, em 1732 e 1731. É difícil atinar quais seriam as
razões dessa defasagem cronológica. É bastante provável que, precariamente
registrados os primeiros casamentos e óbitos, seus assentamentos se perderam.
As atas de casamentos
Todavia, para além das questões institucionais, no dia-a-dia, como a
população se comportava em face da legislação canônica? Com relação ao
casamento, a historiografia tem discutido bastante a questão: de um lado existem
aqueles historiadores que defendem as indicações de que parcela importante da
sociedade brasileira tradicional – situação que variava em função de
condicionamentos diversos – ou tinha dificuldade para atender às exigências da
Igreja ou, talvez em caso extremo, não tinha interesse em regularizar o matrimônio.
Auguste DE SAINT-HILAIRE passou-nos seu testemunho e opinião a
respeito, o que, a meu juízo, poderia valer não só para as primeiras décadas do
século XIX, mas principalmente para o século XVIII:
O *vigário de vara, possui, além disso, outras espécies de jurisdição. É juiz de casamentos,
e não os pode contrair nenhum sem o seu consentimento. Ainda que as partes estejam
perfeitamente de acordo é necessário que tenha lugar um processo perante o vigario de
vara, e o resultado dessa ação byzarra é uma provisão que se paga por 10 ou 12$000 réis
[...] ou mais, o que autoriza o outro a casar os nubentes. Se existe a sombra de um
impedimento, então a despesa sobe a 30, 40, 50 $ reis ou mais. É verdade que não há
nada a acrescentar a essas despesas para a cerimonia do casamento propriamente dito,
mas é necessario dispender ainda 1$200 com os proclamas.
26 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA, 1853:[XXI].
27 Idem: 28-9; 130; 292.
4242 FONTES PARA UMA DEMOGRAFIA DO PASSADO NADALIN, S.O.
Assim em um país onde já existe tanta repugnancia pelas uniões legítimas, e onde seria
tão essencial para o Estado e a moralidade pública que elas fossem encorajadas, os
indigentes são, por assim, arrastados pela falta de recursos a viver de modo irregular.28
As práticas de simples uniões consensuais não se coadunavam com as
exigências de legitimação das uniões, sempre muito explícitas por parte da Igreja.
Com efeito, a contradição em parte se explicava pela flexibilidade do “baixo
clero” na aplicação das normas conciliares e pela resistência que opunham às
tentativas dos bispos, para determinados casos, em tornar gratuito o casamento
para os pobres.29 Os modestos curas das paróquias mais distantes não teriam
nem interesse nem clarividência para contribuir com seu esforço para a legitimação
dos diversos tipos de “amancebamentos” que vigoravam na colônia.
Por outro lado, se custava muito caro aos pobres rústicos da colônia
casar, porque eram altos os custos materiais e burocráticos estipulados pela Igreja,
talvez outra razão, igual ou mais importante, tramava contra o sacramento
matrimonial. Refiro-me às grandes extensões que se evidenciavam no Império
português e, em especial na América, a grande e característica mobilidade da
população – sem mencionar que tal fato promovia a própria instabilidade dos
casais. Entretanto, mesmo com esses obstáculos (ou independente deles) – e
apesar de um relativo desprezo que se nutria pelo significado mais profundo
deste sacramento –, alguns autores sustentam que o casamento era socialmente
valorizado na Colônia, porque o status de casado e o apego aos ritos exteriores
das núpcias conferiam legitimidade social.30 Pelo menos nas áreas agrárias – vale
dizer, onde a sociedade e as famílias eram mais estáveis do ponto de vista das
migrações – casar na Igreja ou, em outras palavras, casar segundo os padrões dominantes na
sociedade escravista colonial, significava garantir o mínimo das condições de sobrevivência [...].
Significava, por outro lado, a aceitação do “forasteiro” pela comunidade local,31 porque aceitá-
lo para casar com uma filha da terra era dar a ele signo de respeito.
Teria sido essa, porventura, uma das razões para que Gregório Gonçalves
e Anna Maria de Lima enfrentassem as demandas burocráticas que levaram ao
28 SAINT-HILAIRE, 1975: 84-5. Mary DEL PRIORE corrobora meu juízo, ao informar que o custo da
papelada, em São Paulo girava em torno de 1$160 réis em 1790, mas em 1800 já tinha subido para 2$400 réis,
segundo informava o governador Melo Castro e Mendonça (...) [1997:312-313].
29 VENÂNCIO, 1986:110-1.
30 VAINFAS, 1989:101.
31 FARIAS, 1998:63.
43DEMOGRAPHICAS 43HISTÓRIA E DEMOGRAFIA: ELEMENTOS PARA UM DIÁLOGO
processo das proclamas do seu casamento? Além do custo, comentado acima por
SAINT-HILAIRE, observe-se que os autos do casamento do casal somam 11
páginas manuscritas, que agregam um processo com 13 “termos” e mais o cômputo
das custas.32 Daqueles, três termos certificam que os noivos foram “denunciados”
(são as proclamas) três vezes em cada uma das paróquias aos quais eles estavam
relacionados: primeiro em Curitiba, onde seria realizado o casamento, mas da
mesma forma em São José dos Pinhais, onde havia sido batizada a noiva, e em
Antonina, local de nascimento de Gregório Gonçalves. A data mais antiga do
processo, correspondendo ao sétimo termo, refere-se às proclamas na Paróquia
do Pillar, cuja certidão foi lavrada em 29 de maio de 1772. Ou seja, pelo menos
desde o mês de maio do ano do casamento, realizado no início de setembro, os
noivos já estavam envolvidos com seus procedimentos burocráticos.
É evidente que a situação é complexa, ainda mais porque as discussões
historiográficas ou fundamentam-se em estimativas de casais amancebados e ou
não consideram de maneira adequada regiões culturais diferenciadas na América
portuguesa. É muito provável, nesse sentido, que muitos vizinhos de Gregório e
Anna Maria vivessem maritalmente sem serem casados. As sociedades sustentadas
por economias de subsistência tinham em alto grau uma instabilidade característica
das regiões de fronteiras, como eram os campos curitibanos ainda na segunda
metade do setecentos.
De toda maneira, o pequeno ou o grande número de casais que viviam
irregularmente aos olhos da Igreja, comportavam-se de maneira coerente a uma
herança dos primeiros tempos da colonização, relacionada a práticas matrimoniais
trazidas pelos portugueses da Metrópole. Esses costumes eram reconhecidos
pelas Ordenações do Reino, e consistiam no casamento “à porta da Igreja” e no
casamento “presumido” – aliás, esta última prática pressupunha, apenas, uma
coabitação prolongada.33 Evidenciar-se-ia, deste modo, uma espécie de
“banalização” da união consensual, relevada pela sociedade. Ou seja, no quadro
lógico dos séculos XVI e XVII – e, acredito, também no XVIII – na mesma
medida em que tudo era pecado, quase nada era objeto de escândalo e indignação.34 Na base de
32 Ver, no Anexo III, a transcrição do Processo de Auto de Casamentode Gregório Gonçalves e Anna
Maria de Lima, datado em 1772.
33 SILVA, 1984:37-8. Ver, também, VAINFAS, referindo-se aos “costumes do Reino em matéria de
casamento” (século XVII) [1989:71-2].
34 ALMEIDA, 1992:125.
4444 FONTES PARA UMA DEMOGRAFIA DO PASSADO NADALIN, S.O.
tudo, estariam as formas culturais características de uma sociedade que se constituía,
articulada a um processo de ocupação e colonização de imenso território.
Os assentamentos de batismos
É óbvio que, dadas as condições descritas, era também muito difícil batizar
as crianças, mas cremos que, nesse aspecto, os dispositivos legais eram mais
respeitados. Além de não existirem impedimentos de ordem burocráticos e
materiais, batizar era uma questão fundamental de sobrevivência, e não só após a
morte! O batismo, segundo Maria Luiza MARCÍLIO, poderia exercer
o meio de ingresso na vida do espírito, a iniciação na vida cristã e da Igreja, mas era ainda
um meio de se conseguir a vida do corpo. A criança deve ser levada logo à pia batismal,
para assegurar sua saúde e sobrevida à primeira e mais difícil fase de sobrevivência. 35
Com efeito, como era “muito perigoso dilatar o Baptismo das crianças”, as próprias
“Constituições” exigiam que os pais ou responsáveis levassem as crianças para
serem batizadas até os oito dias depois de nascidas, sob pena do pagamento de
“dez tostões”.36 Sem dúvida, como será comentado adiante, o risco da morte
rondava o recém-nascido, naquela sociedade.37 A Igreja, em conseqüência,
permitia o batismo em casa, “por necessidade”. Ultrapassado o risco de vida, a
criança deveria ser levada à igreja para “se lhe fazerem os exorcismos, e se lhe porem os
Santos Oleos”.38 No entanto, é possível acreditar que muitos casais deixavam as
coisas como estavam: a criança já estava batizada, e salva.
Seja como for, ao se considerar a possibilidade de se estudar a natalidade
a partir da relação nascimento e batismo, é sempre necessário estimar a ocorrência
de *sub-registros. Por aquelas e outras razões, inclusive na consideração das
diversidades regionais da América portuguesa, o fato é de que nem todas as
famílias levavam no prazo estipulado seus recém-nascidos para serem batizados.
Nos estudos que se fizeram de crianças nascidas de mães solteiras em Curitiba,
um feliz acaso e alguns párocos diligentes (pois essa prática não era comum na
35 1986:202.
36 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA, 1853:14.
37 O prazo, acima referido, remete-nos, por exemplo, ao “mal-de-sete-dias”, nome popular do *tétano do
recém-nascido (*tétano neonatal). É na primeira semana de vida da criança que se instala de maneira
característica o quadro clínico da doença, pois é o período da sua incubação.
38 Idem.
45DEMOGRAPHICAS 45HISTÓRIA E DEMOGRAFIA: ELEMENTOS PARA UM DIÁLOGO
época), resultaram na possibilidade de se arrolar a idade dos batizandos em
alguns anos século XVIII e uma década, pelo menos, no XIX. Em decorrência
das análises realizadas com esses dados, é possível supor que as crianças de um
setecentos estendido fossem batizadas geralmente antes do primeiro mês de
idade. A maioria dos pais cumprindo as determinações das Constituições.39
Reforça uma generalização nesse sentido o fato de que, guardadas as possíveis
diferenças entre o planalto curitibano e a região do litoral paulista onde se localizava
a paróquia de Ubatuba, mais ao norte, naquela localidade a média de tempo
entre o nascimento e o batismo estava próxima dos vinte dias, com uma
distribuição concentrada um pouco antes.40 Da mesma forma, endossa a hipótese
os cálculos realizados para a paróquia do Rio Grande, bem mais ao sul do país,
no século XVIII, início do XIX. Ali, 83% dos batismos realizavam-se antes do
primeiro mês de vida da criança.41
Os registros de falecimento
Quanto à morte, toda a experiência que se tem no trato com a questão
mostra que, no passado, as pessoas não davam tanta importância ao assentamento
dos que se foram desta vida. Especialmente nas condições antes mencionadas
(colonização, grandes espaços...), torna-se evidente as razões da existência
significativa de *sub-registros de óbitos, principalmente de crianças. Afinal, a quem
interessava realmente o falecimento de um caboclo que vivia longe, no meio do
mato, a não ser à sua própria família? E, dadas as condições definidas pela
grande mortalidade infantil na época, a quem interessava a morte do “anjinho”,
prontamente reposta pela alta fecundidade característica das sociedades
tradicionais? Além disso, como fazer para que, toda vez que ocorresse um óbito,
especialmente infantil, as autoridades eclesiásticas fossem informadas sobre o
fato? Não só dava muito trabalho; não era importante e – muito embora as
Constituições determinassem que em cada paróquia deveria haver um livro para
o assentamento do nome dos defuntos -– como penalizar aos que não
39 Precisando, foram calculadas as seguintes médias, para distribuições que se estendiam durante o
primeiro ano de idade do batizando: para as décadas que intermediam o século XVIII, 10,5 dias para as
crianças cativas, 11,4 dias para as crianças livres; para a primeira metade do século XIX, respectivamente
14,2 dias e 17,7 dias [GALVÃO & NADALIN, 2004: 10 e 11].
40 MARCÍLIO, 1986:.202.
41 QUEIROZ, 1992:163.
4646 FONTES PARA UMA DEMOGRAFIA DO PASSADO NADALIN, S.O.
informassem ao vigário sobre determinado falecimento? No que se refere ao
nosso exemplo, é de se acreditar que a estabilidade da família Gonçalves, de há
muito fregueses da Paróquia de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba,
possibilitou o assentamento de alguns dos seus membros no livro competente,
inclusive Anna Maria e Gregório.42
Este é um aspecto do problema posto pela pesquisa de uma população
com as características que conhecemos. É necessário considerar que os mesmos
obstáculos incidem sobre o investigador, na medida em que é extremamente difícil
a coleta e agregação dos dados demográficos do passado, em especial o “brasileiro”.
Mas, como vimos, as regras existiam, e foram formalizadas no início do
século XVIII com as chamadas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia,
subsistindo até o final do século XIX. Tratava-se de um estatuto sinodal, formulado
com base nos dispositivos do Concílio de Trento:
A obrigatoriedade e universalidade de registrar batismos, casamentos e óbitos imposta
pela Igreja de Trento foram providenciais para os estudos históricos, particularmente
para os de Demografia Histórica. Na falta de estatísticas vitais para as épocas pré-
estatísticas, os registros paroquiais fazem perfeitamente as vezes do registro civil nas
análises longitudinais e tendenciais das populações antigas. Os registros paroquiais se
constituem, pois, na fonte fonte por excelência da Demografia Histórica.43
Diria mais: a própria disciplina surgiu das necessidades técnicas e
metodológicas demandadas em função das exigências colocadas pela exploração
dos registros de catolicidade. Entretanto, é preciso aqui fazer uma anotação: se,
do ponto de vista teórico e epistemológico, é possível definir ou conceituar a
demografia histórica, como se verá num exercício desenvolvido no capítulo
seguinte, é necessário prevenir o leitor de que “falar de demografia histórica comporta
um risco evidente de anacronismo” 44 – aliás, como também da própria “demografia”.
De fato, podemos nos referir à população como parte de uma “realidade”
social: nesse sentido, havia, por exemplo, populações indígenas antes de Colombo
e Cabral. Entretanto, estas “populações” não tinham nenhuma preocupação em
“contar” seus indivíduos, os números de crianças, de mulheres, de velhos, e
assim por diante. Com efeito, é bem diferente “pensar” a população. Utilizando
42 Ver, no anexo, os documentos 20 e 21, entre outros.
43 MARCÍLIO, 1979:260.
44 ROWLAND, [s.d]: 14.
47DEMOGRAPHICAS 47HISTÓRIA E DEMOGRAFIA: ELEMENTOS PARA UM DIÁLOGO
ainda o mesmo exemplo,

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