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TEXTO 9 KELSEN E AS TEORIAS MARXISTAS (1)

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23 
 
KELSEN E AS TEORIAS MARXISTAS DO DIREITO E DO ESTADO: 
 apontamentos para uma aproximação 
 
Henrique Kramer da Cruz e Silva* 
 
RESUMO: Este artigo objetiva contestar a tese de alguns marxistas que alegam serem 
absolutamente incompatíveis a teoria pura do Direito e as teorias jurídicas marxistas. A extensão e 
a complexidade da obra de Kelsen não permite desqualificá-la como obra de um mero apologeta 
da ordem jurídico estatal capitalista, como o caracterizam alguns de seus críticos. O artigo ocupa-
se basicamente de delinear os contornos de uma aproximação possível entre as teorias marxistas e 
a teoria pura do direito no que concerna às concepções de Direito e Estado. A tentativa de detectar 
pontos em estas teorias se tangenciam visa indicar certa complementaridade entre elas em aspectos 
pontuais. Nosso esforço dirige-se a estes objetivos diante da constatação das dificuldades recentes 
em fazer avançar uma teoria marxista do direito para além dos teóricos soviéticos e dos déficits 
das teorias críticas. Os objetivos propostos passam também pela recuperação das obras de crítica 
ao marxismo escritas por Kelsen, hoje esquecidas na teoria do direito. 
 
Palavras-chave: Kelsen; Marx; teorias marxistas do direito e do Estado; teoria pura do direito. 
 
 1. INTRODUÇÃO 
 
 O pensamento de Hans Kelsen parece ter sido rechaçado desde sempre pelos marxistas. 
Especificamente, a partir da obra mais difundida de Kelsen, “Teoria pura do direito”, obra de 
síntese da elaboração de uma teoria jurídica pura, o pensador austríaco foi severamente atacado e 
negado no interior do pensamento marxista e também das teorias críticas do direito, tributárias 
deste pensamento. 
 É objetivo deste artigo apontar que este rechaço ao pensamento de Kelsen, por parte dos 
marxistas, pode ser resultado de interpretações parciais e reducionistas acerca da obra deste autor. 
É evidente que o conjunto da obra do pensador austríaco não se resume à “Teoria pura do 
direito”73, nem mesmo que a única empreitada teórica assumida pelo autor foi a formulação de 
uma teoria do direito que se elevasse a condição de “genuína ciência”. A produção teórica de 
Kelsen estende-se por um longo período de tempo - mais de 70 anos - e abrange diversas 
 
* Acadêmico do 3º ano diurno da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, bolsista do Grupo 
PET/Direito – UFPR. 
73 A partir deste ponto do texto, nos referimos a obra “Teoria pura do direito” também como TPD. 
24 
 
disciplinas, como sociologia, filosofia e ciência política, não estando restrita ao estritamente 
“jurídico”. Ou seja, uma aproximação a outras obras do autor pode revelar a riqueza e a 
complexidade do pensamento de Kelsen, que dificilmente pode de ser descartado ou 
desqualificado como obra de um mero apologeta da ordem jurídico estatal capitalista, como o 
caracterizam alguns de seus críticos. Partimos, portanto, do reconhecimento da importância que a 
obra Hans Kelsen assume no pensamento ocidental do século XX. 
 Ademais, este artigo também tem por objetivo contestar a incompatibilidade absoluta, 
alegada pela maioria dos críticos marxistas, entre o pensamento kelseniano e as teorias marxistas 
do direito. Defendemos aqui a tese de que não existem apenas “antinomias” mas, também, 
aproximações possíveis, pontos de tangenciamento entre estas duas teorias. Tomamos como ponto 
de partida as considerações tecidas por Oscar Correas, jurista mexicano, acerca destas 
aproximações. Na leitura de Correas, Kelsen esteve mais próximo do marxismo do que o próprio 
Kelsen poderia aceitar, e do que os marxistas hoje aceitam74. Neste artigo nos ocuparemos, 
basicamente, de delinear os contornos destas aproximações – bem como dos distanciamentos – 
entre as teorias marxistas e a teoria pura do direito no que concerne às concepções de direito e 
estado. 
 Debruçar-se sobre possíveis aproximações entre Kelsen e o marxismo, não significa, 
entretanto, um tentativa de harmonizar estas duas teorias, ou, uma combinação aleatória de 
teóricos levada a cabo em nome do ecletismo metodológico ou da “heterodoxia”. A tentativa de 
detectar pontos em estas teorias se tangenciam visa indicar certa complementaridade entre elas em 
aspectos pontuais. A despeito disso, temos em conta que o estas teorias partem de pressupostos 
teóricos diferentes, de teorias do conhecimento muito diversas e que derivam de sínteses políticas 
pouco similares. No entanto, nosso esforço dirige-se a estes objetivos diante da constatação das 
dificuldades recentes em fazer avançar uma teoria marxista do direito para além dos teóricos 
soviéticos e dos déficits das teorias críticas. Estamos certos de que a teoria pura do direito fez 
avançar em muitos pontos as ciências jurídicas e que alguns destes avanços podem ser assumidos 
pelos teóricos marxistas sem que haja prejuízo ao núcleo central da teoria marxiana. 
 Um terceiro objetivo deste trabalho seria o resgate dos textos em que Kelsen tece suas 
críticas ao marxismo. Estes textos raramente foram lidos mesmo no interior do universo dos 
 
74 CORREAS, Óscar. Fetichismo, alienación y Teoría del estado. In: Critica Juridica. Puebla: s/e, 2000, p. 71. 
25 
 
juristas. E, longe de constituírem uma apêndice do pensamento de Kelsen, estas obras em que o 
autor se coloca diante do pensamento marxista, qual sejam, Socialismo y Estado (1920) e La teoría 
comunista del Derecho (1955), são reveladoras da relação conflituosa que Kelsen estabeleceu com 
os pensamento marxista. Por exemplo, como sublinha Manero, as obras dos anos 20 e 30, de 
crítica ao marxismo, constituem momento essencial da construção da teoria pura, naquele 
momento ainda em formação, além de uma prova inequívoca da fecundidade do momento 
experimentado pelo pensamento de Kelsen75. Kelsen foi certamento um tenaz leitor de Marx e um 
feroz crítico do marxismo. 
 Além disso, a tentativa de estabelecer alguma relação entre o pensamento de Kelsen e 
Marx e os teóricos marxistas do direito, para além da negação da TDP, bem como de suscitar as 
críticas de Kelsen a estes, é assunto ainda inexplorado na literatura nacional76. Evidentemente, este 
artigo não pretende sequer superar a parca literatura sobre o tema publicada no Brasil, mas tão 
somente apresentar a crítica kelseniana aos textos de Marx e tecer apontamentos muito genéricos e 
introdutórios sobre uma possível aproximação entre TDP e as teorias marxistas. 
 
1. KELSEN, INTÉRPRETE DO MARXISMO 
 
 Como já citado, Kelsen publicou duas obras nas quais toma por objeto as concepções de 
Marx e dos marxistas acerca do direito e do estado. Estas obras abrangem um período de cerca de 
30 anos da trajetória intelectual de Kelsen e marcam dois momentos distintos da crítica ao 
marxismo. Se nos anos 20 a obra de Marx exerce sobre Kelsen uma influência significativa, no 
sentido de contribuir para a formulação de uma teoria que se distanciasse daquela cujo substratos é 
o materialismo histórico, nos anos 50, já com reconhecimento atingido pela TPD, o autor não mais 
parece entusiasmado com a crítica ao marxismo. Em que pese a obra La teoría comunista del 
derecho y del estado seja mais completa, abrangendo mais vertentes teóricas, ela carece da tensão 
intelectual presente em Socialismo y Estado, escrito em um período em que, para Kelsen, a crítica 
 
75 MANERO, Juan Ruiz. Sobre la crítica de Kelsen al marxismo. In: Doxa – Cuadernos de Filosofia del 
Derecho, n. 3, s/l., 1986, p. 193. Disponível em 
<http://bib.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/doxa/90256280870355262904457/cuaderno3/numero3_14.pdf > 
Acessado em: 09/09/12. 
76 Dentre os juristas brasileiros de expressãoque fazem menção às obras de Kelsen de crítica ao marxismo, 
temos notícia de dois textos. O primeiro é um ensaio de Orlando Gomes, disponível na obra “Raízes Históricas e 
Sociológicas do Código Civil Brasileiro”. O segundo é um artigo de Antônio Carlos Wolkmer, inserido na coletânea 
“Introdução ao pensamento jurídico crítico. 
26 
 
ao marxismo é nova77. 
 Dentre diversos deslocamentos teóricos que acontecem entre os anos 20/30 e os anos 40/50 
na crítica de Kelsen, o que mais nos interessa é aquele que explicita um contraste quanto a 
“possibilidade de integração da teoria pura do direito na concepção materialista da história”. No 
primeiro momento, Kelsen assinala que a concepção materialista da história tem como tarefa 
principal, na sua relação com a teoria do direito, desvelar o caráter ideológico das teses e conceitos 
que são defendidos pela doutrina jurídica burguesa. A Kelsen parece que esta tarefa que visualiza 
para os marxistas no campo do direito é compatível com o objetivo final da teoria pura, qual seja, 
“limpar” a teoria do direito da “contaminação” ideológica que a atingiu pois que ambas travaram 
combates com a teoria jurídica tradicional (burguesa), o jusnaturalismo que, para Kelsen, se 
revestia do caráter de ciência para legitimar-se, não sendo, no entanto, mais que uma um conjunto 
de dogmas ideológicos. Entretanto, Kelsen muda de posição e, nas obras dos anos 40/50, passa a 
negar a possibilidade de compatibilizar teoria pura e marxismo. O autor de “Teoria Pura do 
Direito” neste momento, já havia presenciado a degeneração do projeto socialista em curso na 
URSS e a vitória da concepção stalinista do direito, formulada por Vyshinsky. Frente a isto, Kelsen 
não exita em denunciar o caráter altamente ideológico da teoria jurídica soviética e a 
incompatibilidade com a teoria “a-ideológica” do direito78, a TPD. 
 Apesar destes deslocamentos teóricos apontados, a crítica kelseniana permanece 
fundamentalmente a mesma durante estes 30 anos. 
 O tipo de interpretação de que se serve Kelsen, permite caracterizá-lo como um intérprete 
formalista, ou seja, que: 
 
1. Prefere sempre a interpretação literal e não se aventura a indagar a “vontade do 
legislador” (neste caso do autor criticado) ou os diferentes sentidos possíveis de 
um mesmo texto em diferentes circunstâncias; 2. Tendenciosamente atribui às 
palavras significados não deduzidos do texto, mas extraídos de uma linguagem 
extratextual já codificada (a linguagem da Teoria Pura do Direito); 3. Não assinala 
quase nunca oscilações lexicais e imprecisões semânticas.79 (livre tradução) 
 
 
 Portanto, quanto às técnicas interpretativas, Kelsen faz uso de leituras literais dos textos 
 
77 MANERO, J. R. Obra citada, p. 193. 
78 MANERO, J. R. Obra citada, p. 197-198. 
79 GUASTINI, Ricardo. Marx y Kelsen. In. CORREAS, Óscar. El otro Kelsen. México: UNAM, 1989, p. 81. 
27 
 
que pretende criticar. Por exemplo, em vez de valer-se da conhecida vagueza e ambiguidade do 
léxico marxista, Kelsen não os aponta e ainda atribui a eles o uso kelseniano de alguns 
vocábulos80. Por exemplo, enquanto na literatura marxista o vocábulo estado toma diversos 
sentidos (predomínio político de uma classe; organização coercitiva da conduta humana; 
monopólio das decisões e do uso da força), Kelsen sempre refere-se ao sentido tomado por ele 
para estado, qual seja, um ordenamento jurídico relativamente centralizado, ignorando o rico 
debate marxista acerca da concepção de estado. Em síntese, Kelsen emprega uma crítica lógica-
literal, restrita ao confronto entre acepções usadas por ele e as marxistas81. 
 Boa parte desses “ruídos” gerados pela interpretação kelseniana do léxico marxista 
derivam, como já explicitado, da multiplicidade de acepções que diferentes correntes e autores 
marxistas conferem para diversos vocábulos de uso recorrente na tradição de pensamento 
instaurada por Marx. Além disso, contribui para tais divergências, o fato de não constar na obra de 
Marx a proposta de uma rigorosa e sistemática teoria do Direito82. O que existem são enunciados 
sobre o Direito dispersos na obra de Marx, não unitários e, por vezes, incoerentes entre si. Apesar 
de não afastar a contribuição crítico-dialética que o pensamento de Marx pode dar a uma teoria 
geral do direito, a ausência de formulações mais precisas sobre o direito gerou uma miríade de 
doutrinas de inspiração marxista na tentativa de suprir essa lacuna da obra de Marx. 
 Quanto ao caráter da crítica de Kelsen ao marxismo, esta mostra-se uma crítica valorativa 
lógica, referenciada no valor de verdade. Kelsen, portanto, confronta-se com o marxismo não no 
plano dos valores éticos ou morais, mas, sim, no plano da ciência. Desse modo diz: “meu trabalho 
não se volta contra o socialismo. Eu me enfrento criticamente apenas com o marxismo, e também, 
no que diz respeito a este, apenas com sua teoria política”83. Em outra passagem, alguns anos 
depois, reitera: “meus estudos […] intentam uma crítica científica, quer dizer objetiva, que não 
envolva nenhum juízo de valor moral ou político em favor ou contra o sistema social comunista”84. 
 
 
80 Ibid., p. 80. 
81 FERREIRA, Eder. Kelsen, leitor de Karl Marx: interpretação positivista da noção marxiana de direito, estado 
e democracia. In: Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI. Brasília. p. 4879. Disponível em: 
http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/03_874.pdf. Acesso em 09/09/2012. 
82 WOLKMER, Antônio Carlos. Uma discussão crítica: Kelsen, Marx e o direito. In:_____. Introdução ao 
pensamento jurídico crítico. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 156. 
83 KELSEN, Hans. Socialismo y Estado: una investigación sobre la teoria política del marxismo. Madrid: 
EDERSA, 1985, p. 23. 
84 KELSEN, Hans. La teoría comunista del derecho y del estado. Buenos Aires: EMECÉ, 1957. p. 9 
28 
 
 3. DA CRÍTICA DE KELSEN AO MARXISMO ÀS APROXIMAÇÕES ENTRE A 
TEORIA PURA E AS TEORIAS MARXISTA DO DIREITO 
 
 Esta seção do artigo está divida em três tópicos principais. Quanto às aproximações 
sugeridas entre o pensamento de Kelsen e a tradição materialista histórica do direito, as 
abordaremos em três segmentos: 3.1 Método; 3.2 Estado; 3.3 Direito. Tivemos em conta que a a 
crítica de Kelsen, nos dois períodos pontuados por nós, incide, acima de tudo, sobre o método, 
sobre as relações entre realidade (base/infraestrutura) e ideologia (superestrutura) e as 
incoerências, no interior do marxismo, quanto ao emprego de alguns termos85. 
 
3.1. MÉTODO 
 
 Pontuamos acima, que o caráter da crítica empreendida por Kelsen, tem por valor a 
verdade científica. A ciência a que se refere o jurista austríaco, é a ciência positivista guidada pelo 
método lógico-formal86. E aqui, Kelsen marca uma posição clara frente ao que tornou-se a 
proposta marxista de ciência no período stalinista da URSS. Afirma o jurista que, na União 
Soviética, a ciência foi degradada ao papel de cúmplice do poder87. A tradição da ciência 
positivista, a qual Kelsen se filia, defende, então, que há um limite muito claro de distinção entre o 
político e o científico. É inadmissível, portanto, para um positivista como Kelsen a confusão 
consciente entre política e ciência, que ele aponta no marxismo mas também na “ciência jurídica 
tradicional”. Como teoria, Kelsen propõe uma ciência jurídica que quer exclusivamente conhecer 
seu objeto88, a norma. Esta é a teoria pura do direito: ciência e não política do direito, segundo 
Kelsen. Ainda: 
 
“Como ciência, […] recusa-se, particularmente, a servir a quaisquer quaisquer 
interesses políticos, fornecendo-lhes as “ideologias” por intermédio das quais a 
ordem social vigente é legitimada ou desqualificada. Assim, impedeque, em 
nome da ciência jurídica, se confira ao direito positivo um valor mais elevado do 
que ele de fato possui (...)”89 
 
85 FERREIRA, E. Obra citada. p. 4898. 
86 FERREIRA, E. Ibid. p. 4880. 
87 KELSEN, H. Obra citada, 1957, p.13. 
88 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8ª ed., São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009, p. 1. 
89 KELSEN, H. Ibid., p. 118. 
29 
 
 
 
 O problema da ideologia, talvez tenha sido a dimensão da TPD que mais gerou debate 
entre kelsenianos e marxistas. No entanto, Correas faz algumas ressalvas a leituras equivocadas da 
proposta científica de Kelsen, como a que apresenta Wolkmer ao afirmar que a Kelsen, “não lhe 
interessam o conteúdo, as relações e as contradições sociais que informa os padrões normativos”90. 
Para Correas, o que ocorre é falta de distinção entre ciência e teoria da ciência. Afirma Correas que 
“a 'Teoria Pura' não é uma ciência senão uma filosofia política que por que razões políticas quer 
fundar uma ciência a-política: quer tirar dos juristas a possibilidade de incluir, na descrição das 
normas, a sua justificação”91. Ademais, Kelsen não negou que a ordem jurídico estatal estivesse, 
de alguma maneira, ligada a determinações exteriores a ela: 
"(...) el estado aparece como una 'ideologia' especifica, a la manera de todas as 
estruturas sociales. Y si ya esto basta para afirmar la exactitud de este tópico tan 
extendido (...) según cual son los hechos naturales y económicos de la evolución 
histórica causalmente determinada los que determinan el contenido del orden 
jurídico"92. 
 
 3.2. ESTADO 
 
 As críticas que Kelsen apresenta quanto a concepção de Estado em Marx não são menos 
severas. Kelsen aponta que há contradições na definição marxista de estado, ora definido como 
superestrutura, ora como realidade social. Aponta também que Marx indica o futuro do Estado ora 
com a transformação de seu conteúdo, ora com sua extinção. E quanto a função que o Estado 
desempenha, que Marx oscila entre Estado como elemento de manutenção da exploração de uma 
classe por outra, ora com a abolição dessa exploração93. 
 Pois bem, o Marx e os marxistas tradicionalmente adotaram uma concepção de Estado, do 
tipo funcional: Estado como maquinaria destinada a manutenção da exploração de classe. Kelsen 
aceita com alguma certeza que, sob o capitalismo, temos um Estado que cumpre tal função94. O 
jurista austríaco inclusive coloca em questão a possibilidade de este mesmo estado atuar em 
direção a dissolução da estrutura da sociedade dividia em classes. No entanto, Kelsen parecer ir 
 
90 WOLKMER, A. C. obra citada, p. 165. 
91 CORREAS, Oscar. Presentación. In: _______. El otro Kelsen. México: UNAM, 1989, p. 9. 
92 KELSEN, Hans. Teoria General del Estado. México: Ed. Nacional, 1983, p. 27. 
93 FERREIRA, E. Obra citada. p. 4898-4899. 
94 MANERO, J. R. Obra citada. p. 202. 
30 
 
além de aceitar a definição funcional do Estado capitalista dada pelos marxistas, afirmando ainda, 
como os marxistas, que toda teoria do Estado que presume a existência de um interesse comum 
tem um caráter ideológico. Segundo Kelsen, não pode ser mais evidente o caráter ideológico de 
uma teoria do Estado que, pressupondo o interesse comum (uma ficção para Kelsen), acabam por 
cumprir a finalidade de manter a obediência de um setor da sociedade. 
 Neste ponto, fica evidente que para Kelsen, uma teoria do estado alinhada à teoria pura, 
também tem vinculações políticas claras. Apesar de concordar parcialmente com a tese central da 
teoria do estado marxista (ou seja, somente no que tange às sociedades capitalistas), Kelsen propõe 
um outro conceito de Estado, um conceito “geral”, passível de verificação em outras sociedades 
que não somente a capitalista: ordenamento jurídico coercitivo relativamente centralizado. Esta 
definição formal de Estado é, para Kelsen, mais precisa que a definição marxista funcional. 
Segundo o jurista austríaco, esta definição é mais adequada até mesmo a uma teoria marxista do 
Estado. Esta definição estaria mais apta, por exemplo, a responder a pergunta que Kelsen faz: 
como é possível compatibilizar a definição de Estado como aparato coercitivo para a exploração 
de uma classe por outra, com a postulação de um Estado proletário na fase de transição para o 
comunismo, cuja função histórica há de ser a abolição de qualquer exploração de classe?95 
 Ou seja, desta questão podemos depreender quase que uma proposta de Kelsen para uma 
teoria marxista do Estado. Resta evidente para Kelsen que, por exemplo, uma definição formal de 
Estado, “esvaziada” de seu conteúdo de classe, visto que tem sua especifidade no capitalismo, 
pode ser adotada pelos marxistas. Entretanto, algumas questões como a caráter do estado 
proletário na transição para o comunismo ou a possibilidade de abolição da dominação de classe 
na etapa do socialismo, permanecem em aberto dentro do pensamento marxista. Ademais, nos 
parece que os teóricos marxistas do estado adotam a definição funcional, ressalvada por Kelsen, 
justamente pelo seu caráter descritivo, não por uma possível dimensão prescritiva que ela tenha. 
Também não é dado que, para os marxistas, seja necessário estabelecimento de uma teoria “geral” 
do estado, válida para todas as sociedades. 
 Ente todo o exposto, pode parecer que Kelsen propõe uma teoria do estado esvaziada de 
qualquer conteúdo imediato. No entanto, Kelsen sublinha a importância de uma teoria do estado 
que tenha em vista o “especificamente jurídico-estatal” desta ordem que, para além de uma forma 
 
95 Ibid., p. 203. 
31 
 
ou conteúdo, é um técnica social. Nas palavras de Kelsen: o Estado é “(…)una forma específica de 
la vida social, que puede asumir contenidos muy variables, un medio de técnica social, con el que 
se pueden perseguir los objetivos más diversos”. Uma interpretação de Kelsen pode levar a 
conclusão de o autor de TDP não nega um aspecto do estado sobre o qual os marxistas também 
podem ter acordo: a constatação de que as normas jurídicas produzidas pela ordem estatal são 
sempre atos de vontade e, como atos de vontade, sempre arbitrários. 
 
 3.3. DIREITO 
 
 As críticas que Kelsen dirige às teorias marxistas do estado são muito similares às dirigidas 
a teorias marxistas do direito. Elas dizem respeito também a contradição da definição marxiana 
que ora define direito como superestrutura ideológica, ora como realidade social, ao futuro do 
direito na sociedade (transformação de seu conteúdo) ou extinção e a função do direito como 
instrumento de dominação de classe ou como meio para a realização da justiça96. 
 Primeiramente, as críticas de Kelsen às teorias jurídicas do marxismo desenvolvem-se, 
principalmente, tendo por base os autores soviéticos. Kelsen tece suas críticas autor por autor, 
diferentemente do que faz quanto a filosofia e quanto à teoria política97. É preciso ter em conta que 
até a Revolução Russa de outubro de 1917, poucas obras foram destinadas a elaboração de uma 
teoria marxista do direito e que o debate sobre esse tema só se instaura na União Soviética alguns 
anos após a revolução, com as obras de Stucka e Pachukanis no princípio dos anos 20. Portanto, 
nem mesmo entre os teóricos soviéticos houve consensos quanto a uma teoria jurídica marxista, o 
que pode justificar o percurso traçado por Kelsen em sua crítica. 
 No entanto, é possível estabelecer dois ponto sobre os quais o debate sobre a teoria 
marxista do direito se assentou: o caráter ideológico do direito e o conceito de direito 
revolucionário98. 
 Ideologia, desde Marx, é uma categoria que comporta dois sentidos: o de “mundo do 
espírito”, mundo dos objetos ideaiscriados pelos homens99, como sistema teórico de ideias de de 
 
96 FERREIRA, E. Obra citada, p. 4899. 
97 MANERO, J. R. Obra citada, p. 210-211. 
98 Ibid. 
99 Ibid. 
32 
 
justificação e legitimação100 ou como falsa consciência, como representação deformada da 
realidade, a substituição de juízos de fato por juízos de valor no processo cognitivo. Se 
tomássemos o primeiro sentido de ideologia, certamente estariam contempladas nelas as normas 
jurídicas. O segundo sentido abarcaria a doutrina jurídica burguesa “quando à interpretação do 
material (normativo) empiricamente dado”101, une um discurso de justificação e legitimação. 
 Os marxistas sempre descreveram o Direito como forma ideológica ou como 
superestrutura102. Mas para Kelsen, caracterizar o Direito de tal forma é um equívoco e este 
insurge-se contra estas concepções! Para ele trata-se de uma “balbúrdia que surge entre teoria 
especial do direito (…) e o Direito em si”103, ou uma confusão entre direito positivado e discursos 
sobre o direito. Manero explica da seguinte forma este problema enunciado por Kelsen: 
“Si la ideologia es representación deformada de la realidad, el Derecho no puede 
ser 'ideológico' por la misma razón por la que no puede ser 'verdadero': esto es, 
porque no está constituído por aserciones (verdaderas o valorativamente 
deformadas) acerca de cómo es la realidad, sino por prescripciones, que carecem 
de valor veritativo”104 
 
 
 Quanto a possibilidade de um direito revolucionário, Kelsen a rejeita de pronto, alegando 
que é, em si, uma contradição, vez que revolução significa subversão, significa ruptura de um 
ordenamento, significa descontinuidade, fundação de um novo ordenamento sobre a violação do 
velho. 
 
 4. CONCLUSÕES 
 
 A breve exposição das críticas de Kelsen às teorias marxistas do direito e do Estado, nos 
permitem corroborar com o exposto por Wolkmer: 
 “As especificidades dos modelos teóricos antagônicos não invalidam uma 
ou outra aproximação, mesmo em possíveis relações meramente casuais. Como 
adverte Kubech, a 'teoria pura' do Direito em razão de seu caráter normativo e de 
seu enfoque lógico-formal, pode ser de utilidade para qualquer doutrina jurídica, 
até mesmo para a legalidade marxista”105. 
 
100 WOLKMER, A. C. obra citata, p. 164. 
101 MANERO, J. L. Obra citada, p. 211. 
102 GUASTINI, R. Obra citada. p. 88. 
103 WOLKMER, A. C. Obra citada, p. 147. 
104 MANERO, J. R. Obra citada, p. 211. 
105 WOLKMER, A. C. Obra citada. p. 168 
33 
 
 
 Não há motivos, portanto, para que a relação entre Kelsen e Marx (e os marxistas) não seja 
revista. Ou como postulava Orlando Gomes: “O marxista não pode ser kelsenista”106. Kelsen é, 
certamente, um dos críticos mais relevantes do marxismo e não pode ser descartado como leitura 
essencial aos juristas que se dedicam a reconstruir a doutrina marxista do direito sobre outras 
bases. 
 Para tanto, é preciso que reconheçamos que Kelsen foi o teórico que provocou uma ruptura 
fundamental na teoria do direito, inaugurando uma longa tradição. Kelsen também deve ser 
lembrado como o teórico que combateu arduamente as posições anti-democráticas, que retirou o 
conceito de justiça da dimensão metafísica e lançou-o no terreno da disputa política, que politizou 
radicalmente as relações entre direito e estado ao negar a possibilidade de cindi-los, que foi um 
severo crítico do estatismo equiparando-o à ficção religiosa. Ou seja, é preciso devolver Kelsen a 
posição de um dos maiores juristas do século XX. 
 
 
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