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Estado, Questão Social e Políticas Públicas W B A 0 13 2 _v 1. 0 2/201 Estado, Questão Social e Políticas Públicas Autor: Carla Regina Mota Alonso Diéguez Como citar este documento: DIÉGUEZ, Carla Regina Mota Alonso. Estado, Questão Social e Políticas Públicas. Valinhos: 2016. Sumário Apresentação da Disciplina 03 Unidade 1: Institucionalização do Estado e Configuração da Sociedade Capitalista 06 Assista a suas aulas 22 Unidade 2: Estado como pacto, dominação, instrumento e ampliado 32 Assista a suas aulas 48 Unidade 3: Conceito de Sociedade Civil e o Público e Privado 58 Assista a suas aulas 75 Unidade 4: Conceito de Democracia Participativa 84 Assista a suas aulas 98 Unidade 5: O processo de redemocratização no Brasil e o marco legal da democracia brasileira 107 Assista a suas aulas 122 2/201 3/201 Estado, Questão Social e Políticas Públicas Autor: Carla Regina Mota Alonso Diéguez Como citar este documento: DIÉGUEZ, Carla Regina Mota Alonso. Estado, Questão Social e Políticas Públicas. Valinhos: 2016. 3/201 Unidade 6: Conceito de questão social, suas expressões no Brasil e os segmentos populacionais afetados 131 Assista a suas aulas 145 Unidade 7: Vulnerabilidade Social e Risco Pessoal e Social: Situações e Enfrentamento da Questão Social 154 Assista a suas aulas 169 Unidade 8: Construção Histórica da Seguridade Social e da Política de Assistência Social no Brasil 179 Assista a suas aulas 192 4/201 Apresentação da Disciplina A disciplina Estado, Questão Social e Políticas Públicas faz parte do eixo teórico do curso Gestão Social: Políticas Públicas, Redes e Defesa de Direitos. Para poder discutir Políticas Públicas é necessário conhecer o que é o Estado e seus desdobramentos. Assim, nessa disciplina você vai aprender sobre o que é o Estado, sua função e como ele se relaciona com a sociedade capitalista. A sociedade capitalista é a forma atual da sociedade brasileira. Mesmo sendo um país de capitalismo tardio, ou seja, aqui o capitalismo se desenvolveu depois em relação a outras partes do mundo, principalmente Europa e Estados Unidos, nossa sociedade atual está completamente inserida na dinâmica do modo de produção capitalista. É importante então observar como o Estado se relaciona com a sociedade capitalista no Brasil, nos moldes em que tanto o Estado como a sociedade foram constituídos ao longo do tempo. Dessa forma, a disciplina terá um olhar especial para o Brasil, procurando discutir o Estado brasileiro, a forma de governo escolhida e como se desenvolve a relação entre Estado e Sociedade Civil em nosso país. É fato que no Brasil a desigualdade social é um fenômeno estrutural, apresentando para o Estado outras questões, como a resolução de problemas sociais crônicos como a pobreza, o analfabetismo e a desnutrição. Assim, a disciplina também debaterá a questão social no Brasil, como ela se expressa e as formas para 5/201 seu enfrentamento, estando entre elas a Seguridade Social. A proposta dessa disciplina é colocar você em contato com importantes conceitos, como Estado, Democracia e Sociedade Civil, assim como discutir criticamente a relação entre Estado e Sociedade Civil e sua implicação para o desenvolvimento de Políticas Públicas. Espera-se, ao final dessa disciplina, que você obtenha o conhecimento sobre essa relação e possa pensá-la criticamente quando for desenvolver projetos ou políticas nos quais esses entes estejam envolvidos. 6/201 Unidade 1 Institucionalização do Estado e Configuração da Sociedade Capitalista Objetivos Objetivo geral: compreender a institucionalização do Estado e a sua relação com a configuração da sociedade capitalista. Objetivos específicos: •Discorrer sobre a instituição do Estado a partir do jusnaturalismo. •Apresentar o conceito de Estado Moderno, sua crise e a passagem para o Estado Contemporâneo a partir da configuração da sociedade capitalista. Unidade 1 • Fundamentos da Comunicação Humana7/201 Introdução Falar em Estado é sempre complicado. Não porque o conceito seja indefinido, mas porque o conceito de Estado parece um tanto abstrato. Todos nós entendemos que fazemos parte de um Estado, sabemos que vivemos em um território que possui limites e que devemos cumprir certos deveres que o Estado nos impõe para termos acesso a direitos que ele dispõe. Contudo, quem (ou o que) é o Estado? Como ele surgiu? Em que momento da história constituiu-se o Estado? Quem o governa? E por que é preciso que sejamos governados? Essa aula procurará responder a essas questões, apresentando como o Estado moderno se instituiu e se desenvolve e como a constituição e o desenvolvimento da sociedade capitalista afetam a configuração do Estado, compelindo-o a uma nova forma, conhecida como Estado contemporâneo. Unidade 1 • Fundamentos da Comunicação Humana8/201 1. O Estado segundo os jusnaturalistas Falar em constituição do Estado nos remete diretamente à Idade Moderna, período histórico ocorrido após o feudalismo, iniciado no final do século XV e concluído ao final do século XVIII, com a Revolução Francesa. Dizem que a formação do Estado moderno aconteceu na Europa a partir do século XIII (SCHIERA, 1998). Essa delimitação histórica refere-se ao distanciamento do Estado da ordem espiritual e sua aproximação à ordem material. Na chamada idade pré-moderna, entre os séculos XIII e XV, já com o fim do feudalismo e o nascimento da burguesia comercial, cada vez mais presente nas cidades que paulatinamente iam se formando, havia a necessidade de se repensar a forma de distribuição e vigência do poder. No período do feudalismo, o poder era exercido pelos senhores feudais, sendo essa dominação garantida também pelo poder espiritual, presente na figura do clero, a principal forma de influência. O príncipe tinha sua dominação instituída e legitimada pelo clero, sendo essa partilhada com os senhores feudais, que então eram responsáveis por suas comunidades feudais. Assim, o poder tinha por base a tradição, corporificada no poder de Deus atribuído ao príncipe e deste aos senhores feudais. O fim do feudalismo e o crescimento Unidade 1 • Fundamentos da Comunicação Humana9/201 das atividades comerciais e das cidades colocam em questão as formas de exercício do poder. O príncipe já não encontra mais abrigo nos senhores feudais e ambos vão perdendo a força do clero, ao mesmo tempo em que outros grupos sociais ganham força, em decorrência do desenvolvimento econômico proporcionado pelo comércio. Dessa forma, faziam-se necessárias novas bases para o poder, para o governo e a definição de quem seria o governante. Foi nesse período que surgiram algumas teorias que buscaram discutir a formação do Estado moderno, bases sobre as quais devia se assentar o Estado e se definir qual era a relação entre o Estado e a nascente sociedade moderna. Destacam- se dois pensadores em especial, os quais influenciam a concepção de Estado e de Sociedade Civil até hoje: Thomas Hobbes e John Locke. Conhecidos como jusnaturalistas, Hobbes e Locke entendem o Estado como um contrato estabelecido entre os homens para lhes garantir seus direitos naturais. “O direito de natureza, a que os autores geralmente chamam jus naturale, é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida [...]” (HOBBES, 1988, p. 78). Apesar de ambos partilharem dessa ideia de direito de natureza, cada um dos autores terá entendimento diferente quanto ao que Unidade 1 • Fundamentos da Comunicação Humana10/201 consideram direito de natureza.Para Hobbes, o direito de natureza é assentado na honra. A busca do homem hobbesiano é por glórias e não por bens. Em Hobbes, o homem é mau por natureza. Não há bondade no homem quando ele vive em estado de natureza. Mas isso não quer dizer que ele seja um selvagem, apenas que ele está sempre pronto para defender os seus direitos naturais, a honra e a vida, e assim, está sempre em estado de guerra. “O estado de natureza é uma condição de guerra, porque cada um se imagina (com razão ou sem) poderoso, perseguido, traído” (RIBEIRO, 2006, p. 59). Isso pouco garante sociabilidade ao homem. Assim, Hobbes preocupa-se em descobrir como acabar com esse estado constante de guerra, proporcionando formas de garantir os direitos naturais do homem ao mesmo tempo em que eles possam conviver conjuntamente em sociedade. Para Hobbes, é preciso um fundamento jurídico, o que ele chamou de lei de natureza - como a equidade, a justiça, a modéstia e a piedade - mas também um Estado “dotado da espada, armado, para forçar os homens ao respeito” (RIBEIRO, 2006, p. 61). O Estado deve então ter o poder soberano, deve estar acima de tudo e todos, garantindo o direito da guerra para que possa defender os homens que estão sob ele, os súditos do Estado, e por eles ser respeitado. Contudo, o nascimento desse Estado Unidade 1 • Fundamentos da Comunicação Humana11/201 só é possível pela renúncia dos súditos aos seus poderes de guerra, de entrarem em conflito e decidir eles próprios os seus destinos. Estabelece-se o contrato de todos os homens em favor da soberania, transferindo os poderes dos indivíduos de se governarem a si próprios ao soberano. O Estado para Hobbes é então definido como: Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum. (HOBBES, 1988, p. 106) Assim, é possível dizer que em Hobbes junto com o Estado nasce a Sociedade, pois ela é o fundamento da soberania, que por sua vez é fundamentada no poder de defender a vida e a honra dessa sociedade. Já para John Locke, os direitos naturais são a liberdade, a vida e os bens. Mais afeito às mudanças que a sociedade capitalista vai paulatinamente produzindo, Locke é considerado um individualista liberal, que procurará, em sua teoria do Estado, resguardar os direitos da propriedade privada. Unidade 1 • Fundamentos da Comunicação Humana12/201 Diferente de Hobbes, para quem o estado de natureza conduz a guerra, para Locke o estado de natureza é de “paz, concórdia e harmonia”. (MELLO, 2006, p. 85). Assim, a constituição do Estado não tem por objetivo acabar com o estado de guerra, mas regulamentar as formas de usufruto dos bens e das propriedades derivados da vida. As propriedades e os bens são derivados da vida, pois, para Locke, são originados do trabalho. O trabalho é propriedade do homem, que ao transformar a natureza, produz coisas para sua sobrevivência, mas também produz excedentes, que são trocados. Esses excedentes são do homem que produz, que com a sua propriedade e trabalho imprime conhecimento e técnicas para obter aquela produção. Contudo, o excedente da produção, se essa for feita em terras de outrem, pode também pertencer àquele que cedeu as terras. Para que não haja conflitos quanto a quem pertencem os excedentes, é preciso que haja um contrato entre os homens, no qual eles ”concordam livremente em formar a sociedade civil para preservar e consolidar ainda mais os direitos que possuíam originalmente no estado de natureza” (MELLO, 2006, p. 86). Forma-se então o que Locke chama de Estado Civil, no qual o contrato originário, estabelecido pelo consentimento do conjunto dos homens, dá lugar ao princípio da maioria, e é estipulada uma forma de governo. As formas de governo Unidade 1 • Fundamentos da Comunicação Humana13/201 podem ser a monarquia (governo de um), a oligarquia (governo de poucos) ou a democracia (governo de muitos). Por fim, são estabelecidos os poderes: o poder legislativo, considerado por Locke o poder supremo; o poder executivo, exercido pelo Link Para entender melhor a relação entre separação de poderes e a garantia dos direitos, veja a tese de Conrado Hübner Mendes, intitulada Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. Disponível em: <http://pct.capes. gov.br/teses/2008/33002010030P6/TES. pdf>. príncipe; e o poder federativo, que pode também ser exercido pelo príncipe e tem por objetivo cuidar das relações exteriores do Estado. Todos esses fatores devem estar a favor da proteção da propriedade. Ao assentar a formação do Estado na garantia dos direitos naturais, sejam eles a honra e a vida ou a propriedade, os jusnaturalistas afastam o Estado do poder espiritual e concentram a dominação na mão de um (soberano) ou de poucos (assembleia de homens), conduzindo assim os súditos para a razão, assentando poderes, direitos e deveres no âmbito da relação Estado-Sociedade, sem a interferência divina. A formação do Estado moderno em uma sociedade capitalista nascente auxilia no desenvolvimento de Unidade 1 • Fundamentos da Comunicação Humana14/201 um cenário favorável ao avanço desse novo modo de produção. Para saber mais Thomas Hobbes e John Locke, ao descreverem a formação do Estado moderno e a submissão ou consentimento dos súditos ao poder do príncipe ou da assembleia, estão falando de autoridade, emprego legítimo do poder e legitimidade, por se tratar de submissão consentida à autoridade de alguém. Esses conceitos podem também ser entendidos como dominação. Para saber mais sobre dominação, autoridade e legitimidade, leia Os Três Tipos Puros de Dominação Legítima, de Max Weber. Assim, o Estado Moderno pode ser entendido como um ente que centraliza o poder a partir da “[...] afirmação do princípio da territorialidade da obrigação política e sobre a progressiva aquisição de impessoalidade do comando político” (SCHIERA, 1998, p. 426). Esse desenvolvimento resultará em uma crise do Estado Moderno, corporificada na Revolução Francesa, surgindo a necessidade de repensar a forma do Estado. Adiante você verá quais foram as formas assumidas pelo Estado para superar essa crise e a importância da sociedade capitalista na conformação dessa nova forma de Estado. Unidade 1 • Fundamentos da Comunicação Humana15/201 2. O desenvolvimento da socie- dade capitalista e a crise do Es- tado Moderno A crise do Estado Moderno é desencadeada pela Revolução Francesa, cujo marco é a tomada da Bastilha em 14 de julho de 1789. A Revolução Francesa tem por principal fundamento a tomada do Estado para a inclusão da nova estrutura social que estava em desenvolvimento, qual seja, a estrutura de classes da sociedade capitalista. Dessa forma, o Estado deveria estar nas mãos de camadas sociais condizentes a essa nova estrutura e suas ações precisavam estar em sintonia com esse novo espírito. Esse espírito burguês reclamava um poder no qual a autoridade fosse burguesa e não mais originada em uma classe que pouco (ou nada) contribuía para o desenvolvimento das condições materiais de existência. Considerava-se que garantidos os direitos fundamentais – a liberdade à vida, à propriedade e ao voto – fazia-se necessário um Estado que não apenas assegurasse esses direitos, mas que auxiliasse no desenvolvimento das condições materiais que fizessem essa propriedade prosperar. Entre o final do século XVIII e final do século XIX foi vigente o que conhecemos por Estado de Direito. Ele ainda é parte daquele Estado Civil visto em Locke,mas o poder já está nas mãos das classes sociais. A sociedade vigente não é mais a sociedade Unidade 1 • Fundamentos da Comunicação Humana16/201 em camadas, mas a sociedade de classes, originada do modo de produção capitalista e, portanto, relacionada à divisão da propriedade privada garantida pelo Estado Civil. A forma que o Estado assume nesse período de transição para o Estado Contemporâneo procurou desenvolver maneiras de estruturar ainda mais o modo de produção capitalista. A estrutura do Estado de Direito pode ser definida como: 1) Estrutura formal do sistema jurídico, garantia das liberdades fundamentais com aplicação da lei geral – abstrata por parte de juízes independentes. 2) Estrutura material do sistema jurídico: liberdade de concorrência no mercado, reconhecida no comércio aos sujeitos da propriedade. 3) Estrutura social do sistema jurídico: a questão social e as políticas reformistas de integração da classe trabalhadora. 4) Estrutura política do sistema jurídico: separação e distribuição do poder. (NEUMANN, 1973 apud GOZZI, 1998, p. 401) Assim, o Estado de Direito se configura conforme as demandas da sociedade Unidade 1 • Fundamentos da Comunicação Humana17/201 capitalista, garantindo os direitos fundamentais estabelecidos no Estado Civil e a liberdade de comércio, ao mesmo tempo em que estabelece padrões mínimos para a integração da classe trabalhadora na sociedade capitalista. Dessa forma, o Estado de Direito, ao garantir os padrões mínimos para o desenvolvimento do modo de produção capitalista, contribuindo para garantir a livre concorrência e a livre troca, estabelece as bases para a constituição do Estado Social, o qual virá a conformar uma relação mais próxima entre Estado, economia e sociedade. O Estado Contemporâneo é o esforço de coexistência entre o Estado de Direito e o conteúdo do Estado Social. O Estado Social prevê, além da garantia das liberdades, a intervenção no processo de valorização capitalista e a constituição de uma seguridade social, na qual o Estado, assim como o mercado, serão os responsáveis por seu financiamento e administração. Dessa forma, o Estado Contemporâneo se Para saber mais O pauperismo e a exclusão social tornaram-se questões sociais ainda no século XVIII, a partir da Revolução Industrial. O crescimento do pauperismo era um entrave ao desenvolvimento do capitalismo e, por isso, no final do século XIX surgiram formas para resolver esse problema, as quais ficaram conhecidas como Seguridade Social. Unidade 1 • Fundamentos da Comunicação Humana18/201 conforma nas bases que conheceremos mais fortemente a partir da década de 1930, com a constituição dos Estados de Bem-Estar Social. Esse é um elemento fundamental para estruturar as bases do capitalismo. A decisão sobre as formas de produção e comércio e de Para saber mais A Poor Law, lei inglesa de combate à pobreza, foi instituída em 1601 e organizou um sistema de ajuda, formado por corporações de ofício e, posteriormente, por associações de auxílio mútuo. No início do século XIX esse sistema passou a ser responsabilidade do Estado, por meio da previdência social. exploração da força de trabalho fica a cargo do Estado, que estabelece padrões mínimos para a sobrevivência da classe trabalhadora e concede liberdade de propriedade e comércio à burguesia. Dessa forma, o Estado garante à burguesia a dominação em todas as suas formas - política, econômica e social –, desenvolvendo uma sociedade desigual. Contudo, como você viu anteriormente, a partir da década de 1940 outra forma de Estado surgirá, buscando diminuir as diferenças de classe. Essa forma de Estado, assim como a sua conceituação como pacto, dominação e instrumento, você verá na próxima aula. Unidade 1 • Fundamentos da Comunicação Humana19/201 Link Para entender melhor as diferenças entre Estado Social e Estado de Bem-Estar Social leia o artigo de Boaventura de Souza Santos, intitulado Estado Social, Estado Providência e de Bem- Estar. Disponível em: <http://cartamaior. com.br/?/Editoria/Internacional/Estado- social-estado-providencia-e-de-bem- estar/6/26294>. Questão reflexão ? para 20/194 Faça um quadro estabelecendo as diferenças entre os direitos sociais existentes no Estado Civil (Estado Moderno), no Estado de Direito e no Estado Social (Estado Contemporâneo), buscando compreender como o Estado fomenta o desenvolvimento do capitalismo. 21/201 Considerações Finais (1/2) • O Estado é originado em um contrato entre os indivíduos que dele fazem parte. • O objetivo da formação do Estado Moderno é a garantia dos direitos fundamentais, que para Hobbes são a honra e a vida, e para Locke são a vida, a propriedade e os bens. • O Estado Moderno, conforme a orientação de Locke, deu origem a uma sociedade burguesa, assegurando as bases para o desenvolvimento do capitalismo: liberdade de propriedade, liberdade de comércio e liberdade de contratação. • A crise do Estado Moderno, no final do século XVIII, decorre da necessidade de um governo administrado pela nova estrutura social, qual seja, a estrutura de classes da sociedade capitalista. • O Estado de Direito, transição entre o Estado Moderno e o Estado Contemporâneo, estabelece os fundamentos para o desenvolvimento da 22/201 sociedade capitalista, garantindo os direitos da burguesia, assim como estabelecendo formas para reduzir o conflito capital-trabalho. • O Estado Social é a coexistência entre o Estado de Direito e o papel interventor do Estado na economia e na sociedade, com a constituição da Seguridade Social e a garantia de direitos sociais mínimos. Unidade 1 • Fundamentos da Comunicação Humana23/201 Referências GOZZI, Gustavo. Estado Contemporâneo. In: BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 11. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 401-409. HOBBES, Thomas. O Leviatã. São Paulo: Nova Cultura, 1998. (Coleção Os Pensadores). MELLO, Leonel Itaussu Almeida. John Locke e o individualismo liberal. In: WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os Clássicos da Política. 13. ed. São Paulo: Editora Ática, 2006. v. 1. RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança. In: WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os Clássicos da Política. 13. ed. São Paulo: Editora Ática, 2006. v. 1. SCHIERA, Pierangelo. Estado Moderno. In: BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 11. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 425-431. 24/201 Aula 1 - Tema: Institucionalização do Estado e Configuração da Sociedade Capitalista – Parte I Disponível em: <http://fast.player.liquidplatform.com/ pApiv2/embed/dbd3957c747affd3be431606233e0f- 1d/69a4d1e72ae6bc8b517cf7183f9c9225>. Aula 1 - Tema: Institucionalização do Estado e Configuração da Sociedade Capitalista – Parte II. Disponível em: <http://fast.player.liquidplatform.com/ pApiv2/embed/dbd3957c747affd3be431606233e0f1d/ d8b3c97c99e50b7a0b6bcd05abb758c0>. Assista a suas aulas 25/201 1. Para Hobbes, o estado de natureza pode também ser entendido como: a) Estado de Polícia. b) Estado de Paz. c) Estado de Guerra. d) Estado Social. e) Estado Civil. Questão 1 26/201 2. Na teoria jusnaturalista de Hobbes são direitos fundamentais: a) Vida e propriedade. b) Propriedade e bens. c) Vida e honra. d) Propriedade e honra. e) Vida e bens. Questão 2 27/201 3. Para Locke, as formas de governo podem ser: a) Apenas a monarquia. b) Monarquia e Democracia. c) Democracia e Oligarquia. d) Monarquia, Oligarquia e Democracia. e) Apenas a Democracia. Questão 328/201 4. O Estado Moderno entra em crise em decorrência: a) Do desenvolvimento do capitalismo. b) Do retorno às estruturas agrárias. c) Do fortalecimento do poder do príncipe. d) Do crescimento do poder do clero. e) Da crise do feudalismo. Questão 4 29/201 5. O Estado Social difere do Estado de Direito por: a) Estabelecer a livre concorrência no mercado. b) Garantir os direitos sociais. c) Permitir a liberdade política. d) Assegurar a liberdade de produção. e) Instituir a sociedade capitalista. Questão 5 30/201 Gabarito 1. Resposta: C. Para Thomas Hobbes os homens não são sociáveis e, por isso, a vida no estado de natureza, sem um Estado Civil, é a vida em um estado de guerra, no qual cada pessoa luta para manter a sua própria existência. 2. Resposta: C. Os direitos fundamentais para Hobbes são a vida e a honra, as únicas propriedades do homem e pelas quais os homens lutam, para salvaguardá-las. 3. Resposta: D. John Locke não define a forma de governo. Ele deixa livre para os indivíduos decidirem qual a forma de governo mais adequada aos seus anseios: Monarquia, Oligarquia ou Democracia. 4. Resposta: A. O Estado Moderno entra em crise conforme o capitalismo se desenvolve, pressionando por mudanças nas estruturas políticas, condizentes com as transformações na estrutura social. 31/201 5. Resposta: B. Apesar de garantir alguns direitos sociais, apenas o Estado Social garante a ampliação desses direitos, de forma dissociada do processo de valorização do capital. Ou seja, os direitos sociais garantidos pelo Estado Social não são resumidos àqueles garantidos para minimizar o conflito capital-trabalho. Gabarito 32/201 Unidade 2 Estado como pacto, dominação, instrumento e ampliado Objetivos Objetivo geral: compreender o Estado como pacto, dominação, instrumento e ampliado. Objetivos específicos: • Discorrer sobre o conceito de Estado como pacto e dominação. • Debater o conceito de Estado como instrumento e ampliado. Unidade 2 • Estado como pacto, dominação, instrumento e ampliado33/201 Introdução Na aula anterior você viu a definição de Estado Moderno, entendido a partir de sua conformação como Estado Civil, a sua crise e o surgimento do Estado Contemporâneo. O Estado Moderno, como apresentado na aula anterior, surge de um pacto entre os homens, que, delegando a outro ou outros o seu poder, definem em contrato os limites da ação de quem delega o poder e de quem agora o exerce . Essa delegação do poder dos homens ao Estado pode torná-lo um ente poderoso. A dominação exercida pelo Estado pode ser originada na tradição, no carisma ou na burocracia, que garantem legitimidade ao poder exercido. Contudo, há também formas de dominação que podem ser legítimas, mas que têm por objetivo subjugar parcelas da sociedade. Por fim, o Estado pode também ser um instrumento de transformação social e ter sua base ampliada, com a participação de parcelas maiores da sociedade, garantindo assim uma sociedade mais justa e igualitária. Nessa aula você verá essas formas do Estado e como elas coexistem, ainda mais quando pensamos em um Estado capitalista, o qual deve atender aos anseios da classe dominante, mas não pode perder de vista as demais classes, de forma a manter o pacto social. Unidade 2 • Estado como pacto, dominação, instrumento e ampliado34/201 1. Estado como Pacto e Domi- nação Na aula passada você viu a formação do Estado Moderno pelas premissas de Thomas Hobbes e John Locke. Conhecidos como jusnaturalistas, por defenderem os direitos naturais, esses pensadores e suas teorias também são chamados de contratualistas. Junto com Jean Jacques Rousseau, Hobbes e Locke entenderam que para a preservação dos direitos naturais (posteriormente denominados direitos fundamentais) era preciso estabelecer um pacto entre os homens, no qual estes renunciassem ao seu poder em favor da garantia dos direitos por um poder maior, qual seja, o poder político, exercido pelo Estado. Rousseau, tal como Locke, acreditava que os homens eram bons, mas que a vida em sociedade os corrompia. Contudo, para Rousseau o poder não emana de um ente específico, mas de todos, da unidade de todos, sendo o povo soberano. Assim, o pacto é estabelecido pelos homens de forma que a vontade de todos possa prevalecer. O povo é soberano e delega a um homem a sua representação, sendo ele responsável por garantir a vontade geral e a soberania do povo. O Estado então surge a partir do pacto – em Hobbes, um pacto de submissão, em Locke, um pacto de consentimento, em Rousseau, um pacto de renúncia – como forma de garantir, em Hobbes, a proteção Unidade 2 • Estado como pacto, dominação, instrumento e ampliado35/201 à vida, em Locke, a proteção à propriedade, e em Rousseau, a proteção à vontade do povo. Esse pacto concede àquele que detém o poder a autoridade para governar e decidir sobre aqueles que estão sob seu poder. Porém, autoridade e poder não são a mesma coisa. O poder é concedido, mas só tem autoridade para exercê-lo quem é considerado legítimo pelos homens para fazê-lo. É preciso então entender autoridade como legitimidade do exercício do poder, e compreender que a autoridade legítima pode desencadear um processo de dominação. Ao conceder o poder a outro, mesmo em Rousseau, no qual o poder deve ser exercido para a garantia da vontade de todos, aquele que o detém exerce alguma forma de dominação. Dominação, nas palavras de Max Weber (2003, p. 128), pode ser considerada “[...] a probabilidade de encontrar obediência a um determinado mandato [...]”, ou seja, aquele a quem se delega o poder encontra nos representados a obediência necessária ao exercício desse poder. A dominação é assim parte do exercício do poder no Estado e tem seu fundamento, segundo Max Weber, na tradição, no carisma ou no estatuto. A dominação tradicional é atribuída ao líder a partir da tradição. A autoridade do líder é legitimada pela posição que ele possui em um determinado grupo cuja tradição é o elemento principal de regulação das Unidade 2 • Estado como pacto, dominação, instrumento e ampliado36/201 atividades. Os reinados na época do feudalismo assentavam-se na dominação tradicional, com o poder espiritual ratificando a autoridade do rei, e assim, a legitimidade de seu poder. A dominação carismática é proveniente do carisma do líder. Nesse caso, não interessa quais são os costumes que regulam a sociedade ou mesmo qual é a estrutura do Estado, o que está em jogo é a capacidade do líder de agregar a vontade do povo e de, por seu carisma, ser considerado seu representante. Weber considera o demagogo como um tipo ideal de líder carismático. Por fim, a dominação racional-legal tem seu fundamento na crença dos indivíduos na estrutura burocrática do Estado e no estatuto legal que a sustenta. Aqui não interessa quem lidera o povo, mas que o líder tenha a estrutura necessária para conduzir o Estado e garantir os anseios do povo. Dessa forma, a autoridade é legitimada pela crença na burocracia. Em seu ensaio Ciência e Política: duas vocações (2005), Weber ratifica essas ideias, mostrando a importância da distinção entre o político por vocação e o político profissional. Para ele, o político por vocação pode ser o líder e exercer sua dominação por meio da tradição ou do carisma, contudo, na sociedade capitalista moderna, ele sempre precisará do político profissional, que será o responsável por fazer a máquina do Estado trabalhar, por permitir que aquilo que é prometido pelo Unidade 2 • Estado como pacto, dominação, instrumento e ampliado37/201 líder possa ser concretizado.Para saber mais Os cientistas políticos brasileiros consideram Getúlio Vargas um líder carismático. Apesar de à época o Estado já ser baseado na dominação racional-legal, a sua liderança carismática era muito forte, sendo boa parte das conquistas sociais realizadas à época, como os direitos do trabalho, creditadas não ao Estado, mas à figura de Getúlio Vargas. Por fim, o Estado pode também ser usado como instrumento de dominação. Como você viu na aula anterior, o Estado Moderno entra em crise pela necessidade de se reconfigurar a partir da nova estrutura social, decorrente do desenvolvimento do modo de produção capitalista. O Estado deve atender não apenas aos anseios do povo, mas também das novas classes nascentes, em especial, a classe burguesa. Como apresenta Locke, o Estado deve garantir o direito à propriedade e a apropriação do produto do trabalho, contudo, ele deve ir além. Como apresentado na definição do Estado Social, ele não deve apenas garantir direitos, mas também as formas de valorização do capital. Assim, o poder não pode ser atribuído a qualquer um. Ele deve ser destinado a alguém que esteja em consonância com as classes interessadas nessa valorização. O Estado então adquire o papel de Unidade 2 • Estado como pacto, dominação, instrumento e ampliado38/201 instrumento de dominação, pois a sua intervenção permitirá a conformação de um sistema que, ao mesmo tempo em que permite a criação e realização do lucro, também constitui a infraestrutura necessária para a valorização do capital (GOZZI, 1998). O Estado pode, contudo, também ser instrumento de transformação social, a partir da composição de uma aliança entre as classes, que possibilite o desenvolvimento de um Estado ampliado. 2. O Estado como Instrumento e Ampliado No final da aula anterior, você conheceu o Estado Social. Foi ressaltado que o Estado Social é um ente que procura, além de garantir as liberdades econômicas, também assegurar um conjunto de direitos sociais. Contudo, esses direitos sociais, em muitos casos, tentam amenizar as precárias condições em que vivem a classe trabalhadora e os pobres, assim como reduzir os conflitos entre capital e trabalho. Um Estado Social de fato só será visto a partir da década de 1930. Sua origem está no keynesianismo, doutrina econômica que pregava a intervenção do Estado não apenas como meio de valorização do capital, mas como forma de diminuir as desigualdades entre as classes, garantindo aos mais pobres o acesso a determinados bens imateriais, só então adquiridos por aqueles que podiam pagar. Unidade 2 • Estado como pacto, dominação, instrumento e ampliado39/201 O keynesianismo ganhou força com o New Deal, do presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt, e foi adotado na Europa a partir de 1940, como forma de induzir o desenvolvimento dos Estados após a Segunda Guerra Mundial. Para saber mais O New Deal foi um conjunto de medidas empreendidas pelo Presidente dos Estados Unidos Franklin Delano Roosevelt em resposta à crise econômica de 1929. Com o objetivo de intervenção do Estado na economia, o New Deal reduzia a auto-regulamentação dos mercados, incentivada pelo liberalismo econômico, comum nos Estados Unidos do início do século XX. O Estado de Bem-Estar Social não foi apenas uma forma de intervenção na economia, mas pode ser considerado um meio para a transformação social. O Estado de Bem-Estar Social previa, além da regulação econômica pelo Estado, o investimento estatal em educação, saúde e seguridade social. Cabia ao Estado garantir à população o acesso a esses serviços, promovendo a redução das desigualdades sociais. Unidade 2 • Estado como pacto, dominação, instrumento e ampliado40/201 Link Sobre o surgimento do Estado de Bem-Estar Social, veja também o artigo de Vicente Navarro, intitulado Produção e estado de bem-estar: o contexto político das reformas e publicado na Revista Lua Nova. Disponível em: <http:// www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102- 64451993000100007&script=sci_arttext>. Contudo, como você viu anteriormente, o Estado também é uma forma de dominação, e assim, o Estado de Bem- Estar Social também serviu para que as classes economicamente dominantes pudessem aumentar suas taxas de lucratividade, expandindo o modo de produção capitalista, com base nos modos de organização fordista-taylorista. O fordismo-taylorismo é caracterizado pela homogeneização do trabalhador e pela fragmentação do trabalho, permitindo aos capitalistas extrair do trabalho humano grandes quantidades de produção excedente, que permitiram a expansão das taxas de lucro. Por mais que o Estado de Bem-Estar Social tenha por base o pacto entre capital, trabalho e Estado, o capital, com a adoção do modo de organização fordista-taylorista e a anuência do Estado, pode continuar a explorar, em níveis altos, o trabalho humano. O Estado de Bem-Estar Social, no entanto, pode ser considerado um instrumento de transformação social, pois integrou Unidade 2 • Estado como pacto, dominação, instrumento e ampliado41/201 socialmente milhões de pessoas pela via da seguridade social, do trabalho e da educação. A sua crise, a partir da década de 1970, colocou em discussão qual modelo de Estado seria adotado e como ficaria o acesso da população aos direitos sociais básicos. Link Para saber mais sobre o Estado de Bem-Estar Social e as razões da sua crise, leia o artigo de José Luís Fiori, intitulado Estado de Bem-Estar Social: Padrões e Crises e publicado na Physis. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ physis/v7n2/08.pdf>. Para superar essa crise do Estado de Bem- Estar Social, optou-se pelo chamado Estado Neoliberal, no qual o Estado reduz drasticamente a sua posição na economia, como interventor e às vezes como regulador, e também a salvaguarda dos direitos sociais, que serão paulatinamente reduzidos. Contudo, o Estado Neoliberal também terá sua saturação, a partir da crise financeira de 2008. A crise do Estado Neoliberal traz para a discussão não apenas o modelo do Estado, mas a forma de governo. Os Estados capitalistas assumiram majoritariamente a democracia como forma de governo. Por ser um governo da maioria e por ser o Estado o órgão da classe dominante, a democracia assumiu a forma de Unidade 2 • Estado como pacto, dominação, instrumento e ampliado42/201 democracia representativa, na qual os cidadãos delegam, por meio do voto, o poder a um cidadão ou a um corpo de cidadãos. Durante décadas a democracia representativa foi a forma de governo adotada pelos Estados, sejam eles Social, de Bem-Estar Social ou Neoliberal. Ela fez com que os cidadãos, por meio da representação, se afastassem da política, tornando o Estado um lugar para “entendidos”. Mas as conduções dadas pelo Estado à política econômica, que geraram crises como a de 2008, nos levaram a questionar, enquanto cidadãos, se realmente deveríamos delegar o poder ao Estado ou se deveríamos participar do exercício desse poder. O Estado ampliado surge como um modelo no qual pode haver maior participação da chamada Sociedade Civil, em um uma relação equilibrada entre esta e a sociedade política. O conceito de Estado ampliado, constituído por Antonio Gramsci, pode ser entendido pela divisão: a) sociedade política (Estado em sentido estrito, Estado-coerção): formada pelo conjunto dos mecanismos através dos quais a classe dominante detém o monopólio legal da repressão e da violência e que se identifica com os aparelhos coercitivos ou repressivos de Estado, Unidade 2 • Estado como pacto, dominação, instrumento e ampliado43/201 controlados pelas burocracias. Pormeio da sociedade política, as classes exercem sempre uma ditadura, uma dominação mediante coerção; e b) sociedade civil (Estado ético): organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideologias, compreendendo as escolas, as igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, as organizações profissionais, os meios de comunicação etc. No âmbito e por meio da sociedade civil, as classes buscam exercer sua hegemonia (buscam ganhar aliados para suas posições mediante a direção política e o consenso). Os seus portadores materiais são os “aparelhos privados de hegemonia”, organismos sociais coletivos voluntários e relativamente autônomos em face da sociedade política. Como a sociedade civil pertence ao Estado ampliado, ela seria estatal em sentido amplo. (VIOLIN, 2006, p. 6) A Sociedade Civil compõe o Estado ampliado, entendido aqui como aquele no qual a classe dominante exerce sua dominação, mas que permite a participação de outros grupos sociais a partir de inúmeras formas, como sindicatos, igrejas e partidos políticos, que são responsáveis pela difusão de ideologias buscando a hegemonia política. No momento em que se procura a maior participação dos grupos sociais na sociedade política, o Estado ampliado pode ser uma forma de responder a esses anseios, visto que sua essência Unidade 2 • Estado como pacto, dominação, instrumento e ampliado44/201 reside na relação entre Sociedade Política e Sociedade Civil, com esta minimizando os efeitos coercitivos daquela. Assim, o Estado ampliado é uma forma contemporânea do pacto social, com a pactuação estabelecida pelo aumento da participação de grupos tradicionalmente excluídos da sociedade política, no sentido de buscar a hegemonia política e reduzir as desigualdades sociais. Para saber mais Antonio Gramsci discutiu o conceito de Sociedade Civil em um texto clássico, escrito nos anos em que esteve na prisão, na década de 1920. Cadernos do Cárcere é a principal obra de Antonio Gramsci, na qual estão contidos os seus principais conceitos e reflexões. Para conhecer mais sobre Antonio Gramsci, sua obra e sua influência no Brasil, visite o site Gramsci e o Brasil. Disponível em: <http://www.acessa.com/gramsci/index.php>. Unidade 2 • Estado como pacto, dominação, instrumento e ampliado45/201 Glossário Hegemonia: pode ser definida como a capacidade de uma determinada classe em produzir consenso ou a conformação da maioria com vistas à promoção do bem coletivo. A hegemonia política é resultado da correlação de forças entre os diversos grupos sociais - na sociedade capitalista, as classes sociais -, visando ao exercício do poder político no sentido de realização dos interesses coletivos. Classe Social: determinada camada social que é caracterizada por critérios econômicos, culturais e sociais, implicando em uma determinada posição na estrutura social. No capitalismo podem ser chamadas de classes sociais a burguesia, a classe média e a classe trabalhadora. Há autores que trabalham com a divisão de classe alta, classe média e classe baixa. Contudo, essa caracterização retira o conteúdo referente à posição dos indivíduos no processo produtivo, importante elemento para a caracterização econômica da classe. Keynesianismo: nome dado à teoria econômica desenvolvida por John Maynard Keynes, cujo fundamento é a regulação estatal da economia como forma de combater a recessão econômica e promover o equilíbrio econômico, em conjunto com o investimento social estatal. Questão reflexão ? para 46/194 Como você viu anteriormente, o Estado pode ser um instrumento de transformação social, mas também pode servir à dominação. Faça um texto discutindo as implicações positivas e negativas do Estado como instrumento de transformação social e do Estado como instrumento de dominação. 47/201 Considerações Finais » O Estado, seja ele moderno ou contemporâneo, é assentado no pacto social. » O pacto social permite o desenvolvimento de formas de dominação, que podem ser apenas formas de exercício legítimo do poder, ou podem ser utilizadas para subjugo de uma população. » Existem, segundo Max Weber, três tipos de dominação utilizados para o exercício legítimo do poder: a dominação carismática, a dominação tradicional e a dominação racional-legal. » O uso do Estado como instrumento de dominação é comum na sociedade capitalista, na qual o poder é exercido pela classe dominante, garantindo a ela as formas de valorização do capital. » O Estado também é instrumento de transformação social, promovendo o acesso aos direitos sociais básicos. 48/201 Considerações Finais » O Estado também pode ser ampliado, com a participação das organizações da Sociedade Civil na Sociedade Política, estabelecendo uma relação equilibrada entre Estado e Sociedade. Unidade 2 • Estado como pacto, dominação, instrumento e ampliado49/201 Referências GOZZI, Gustavo. Estado Contemporâneo. In: BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 11. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 401-409. VIOLIN, Tarso Cabral. A Sociedade Civil e o conceito de Estado Ampliado, por Antonio Gramsci. Revista Eletrônica do CEJUR, v. 1, n. 1, p. 3-14, ago./dez. 2006. Disponível em: <http://ojs.c3sl. ufpr.br/ojs/index.php/cejur/article/view/14846>. Acesso em: maio 2015. WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. 13. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. ______. Os três tipos puros de dominação legítima. In: COHN, Gabriel (Org.). Weber. 7. ed. São Paulo: Editora Ática, 2003. 50/201 Aula 2 - Tema: Estado como Pacto, Dominação, Instrumento e Ampliado – Parte I Disponível em: <http://fast.player.liquidplatform.com/ pApiv2/embed/dbd3957c747affd3be431606233e0f1d/ 574d7e69575959c1f9e80f329ba75ba5>. Aula 2 - Tema: Estado como Pacto, Dominação, Instrumento e Ampliado – Parte II. Disponível em: <http://fast.player.liquidplatform.com/pA- piv2/embed/dbd3957c747affd3be431606233e0f1d/2ed- 11fd1108680223d3fd586f535a362>. Assista a suas aulas 51/201 1. Para Rosseau, o Estado tem o objetivo de salvaguardar: a) O direito à propriedade. b) O direito à vida. c) O direito aos bens. d) A vontade do povo. e) A honra. Questão 1 52/201 2. A dominação racional-legal tem fundamento na força: a) Do carisma. b) Da burocracia. c) Da tradição. d) Do costume. e) Do líder. Questão 2 53/201 3. O Estado como instrumento de transformação social, vigente entre 1940 e 1970, ficou conhecido como: a) Estado Civil. b) Estado Neoliberal. c) Estado de Bem-Estar Social. d) Estado Ampliado. e) Estado de Direito. Questão 3 54/201 4. O Estado ampliado é formado pela relação equilibrada entre: a) Sociedade Política e Sociedade Econômica. b) Sociedade Econômica e Sociedade Civil. c) Não há relação equilibrada no Estado ampliado. d) Sociedade Política e Sociedade Civil. e) Sociedade Política, Econômica e Civil. Questão 4 55/201 5. A crise financeira de 2008 originou a crise de qual modelo de Estado? a) Estado de Bem-Estar Social. b) Estado Civil. c) Estado Neoliberal. d) Estado de Direito. e) Estado Ampliado. Questão 5 56/201 Gabarito 1. Resposta: D. Para Jean Jacques Rousseau, o poder está no povo. Ao delegar o poder a um homem, esse homem deve salvaguardar a vontade do povo. 2. Resposta: B. A dominação racional-legal assenta sobre a burocracia e o estatuto legal que a sustenta. Atribui-se autoridade legítima não ao líder em si, mas à estrutura burocrática que administra o Estado. 3. Resposta: C. O Estado como instrumento de transformação social ficou conhecido como Estado de Bem-Estar Social, e seu propósitofoi estabelecer uma relação equilibrada entre economia e sociedade, através da concessão de direitos sociais básicos ao conjunto da população. 4. Resposta: D. O Estado ampliado é uma relação equilibrada entre Sociedade Política e Sociedade Civil. A sociedade econômica não entra nessa relação, pois, a partir da teoria marxista, a economia é parte da infraestrutura, sendo a política e a sociedade parte da superestrutura. É a esta que está ligado o Estado ampliado. 57/201 5. Resposta: C. A crise financeira de 2008 levou à crise do Estado neoliberal, adotado após a crise do Estado de Bem-Estar Social. O Estado neoliberal teve por objetivo reduzir a participação do Estado na economia, como interventor e regulador, e também diminuir o investimento do Estado na área social. Gabarito 58/201 Unidade 3 Conceito de Sociedade Civil e o Público e Privado Objetivos Objetivo geral: compreender o conceito de Sociedade Civil e as distinções entre público e privado. Objetivos específicos: • Apresentar o conceito de Sociedade Civil. • Discorrer sobre os conceitos de público e privado. • Discutir as diferenças e as confluências entre público e privado em relação ao espaço e às esferas. Unidade 3 • Conceito de Sociedade Civil e o Público e Privado59/201 Introdução Nas aulas anteriores você viu a constituição do Estado e quais modelos que ele assume no decorrer do tempo, como instrumento de transformação ou dominação social ou como Estado ampliado. Segundo o que foi apresentado, o conceito de Estado ampliado parte de uma relação equilibrada entre Sociedade Política e Sociedade Civil, sendo a Sociedade Política o Estado, com seus instrumentos de coerção, e a Sociedade Civil o conjunto de associações civis, partidos e sindicatos que participam da política, na busca por fazer valer seus interesses. Esse é o conceito de Sociedade Civil vigente. Contudo, ele é o único? Como chegamos a esse conceito? Nesta aula você verá a construção histórico-conceitual da Sociedade Civil. Essa construção é importante, pois ela tem relação direta com o conceito e modelos de Estado que você estudou nas aulas anteriores. Além disso, esse resgate histórico-conceitual permite a você também entender a relação equilibrada entre Sociedade Política e Sociedade Civil, existente no Estado ampliado, a partir do entendimento do que é público e do que é privado, em termos do Estado, da sociedade e do território, observando de que forma a Sociedade Civil se configura a partir desses conceitos e, então, atua. Unidade 3 • Conceito de Sociedade Civil e o Público e Privado60/201 1. O Conceito de Sociedade Civil Na aula anterior você viu o conceito de Sociedade Civil, baseado na obra de Antonio Gramsci. Esse é o conceito adotado atualmente, considerando-se Sociedade Civil as organizações que elaboram e difundem as ideologias, sendo elas as igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, a mídia, entre outros (VIOLIN, 2006). Assim, Sociedade Civil não é apenas um conjunto de instituições que fazem parte da sociedade, mas instituições que possuem um determinado propósito, qual seja, o de difundir determinadas linhas de pensamento entre a população, linhas essas elaboradas a partir de posições de classe. Em termos do conceito de Estado ampliado que você viu na aula anterior, a Sociedade Civil serve então às classes sociais como forma de difusão das ideologias e de promoção de meios para estabelecer a hegemonia política e, consequentemente, conquistar o poder da Sociedade Política. O Estado ampliado tem, então, relação direta com o desenvolvimento da sociedade capitalista. Unidade 3 • Conceito de Sociedade Civil e o Público e Privado61/201 O conceito de sociedade civil foi concebido por Gramsci [...] como parte de uma operação teórica e política dedicada a interpretar as imponentes transformações que se consolidavam nas sociedades do capitalismo desenvolvido. (NOGUEIRA, 2003, p. 189) Contudo, ressalta Nogueira, o conceito gramsciano de Sociedade Civil tem por base os conceitos desenvolvidos nos séculos XVIII e XIX. Vale então ver que conceitos são esses e de que forma eles contribuem para a conformação do conceito gramsciano, adotado atualmente tanto no âmbito teórico como no âmbito político. Para saber mais A obra Cadernos do Cárcere, na qual está a definição de Sociedade Civil, foi escrita nos anos que Gramsci passou na prisão (1926- 1934), onde adoeceu. Gramsci obteve liberdade condicional em 1934, falecendo poucos anos depois, aos 46 anos. Unidade 3 • Conceito de Sociedade Civil e o Público e Privado62/201 Como você viu na primeira aula, o conceito de Sociedade Civil já está nos jusnaturalistas, principalmente em Locke, quando estabelece a diferença entre o estado de natureza e o Estado Civil. O Estado Civil é a sociedade política, que para Locke tem o mesmo significado de Sociedade Civil, sendo ela responsável por salvaguardar os direitos naturais. No jusnaturalismo, então, não há distinção entre o Estado e a Sociedade Civil, que pode ser definida como aquela que se reúne sob o pacto estabelecido entre os homens de forma a garantir os direitos naturais. Mesmo não estando ela no poder, é ela que atribui poder ao soberano ou à assembleia de homens, e assim, tem a influência de, em caso de falha do soberano, destituí-lo desse poder. Já em Hegel, a Sociedade Civil precede o Estado. É “o momento no qual a unidade familiar, através do surgimento de relações econômicas antagônicas, produzidas pela urgência que o homem tem em satisfazer as próprias necessidades mediante o trabalho, se dissolve nas classes sociais” (BOBBIO, 1998, p. 1208). É possível, a partir dessa definição, fazer uma relação entre o conceito de Sociedade Civil apresentado por Hegel e a passagem do Estado Moderno ao Estado de Direito, que você viu na primeira aula. O Estado de Direito se constitui no processo de desenvolvimento do capitalismo, com o objetivo de se coadunar com os anseios das nascentes classes sociais, Unidade 3 • Conceito de Sociedade Civil e o Público e Privado63/201 que reivindicavam um estado que fosse condizente com a atual estrutura social. A Revolução Francesa, marco da crise do Estado Moderno, é o ato que transforma essa Sociedade Civil, as nascentes classes sociais, em Estado. Segundo Bobbio, a partir da reflexão de Hegel (1998, p. 1.208), “se se troca em Estado a Sociedade Civil e a sua finalidade é colocada na segurança e na proteção da propriedade e da liberdade pessoal, o interesse do indivíduo como tal é o fim último onde tudo se unifica”. O Estado é, então, distinto da Sociedade Civil, mas atende aos interesses dela, que nada mais são do que os interesses das classes sociais (propriedade e liberdade individual). Essa definição foi refinada por Karl Marx, que, a partir do conceito de Hegel, ao entender que a Sociedade Civil se transforma em Estado, e que esse Estado tem por objetivo garantir o direito à propriedade e ao indivíduo, próprios da burguesia, compreende que a Sociedade Civil nada mais é do que a Sociedade Burguesa. Marx então incorpora o conteúdo econômico no conceito de Sociedade Civil, entendendo-a como a base econômica da qual emergem as disputas e os interesses econômicos. A superestrutura – as instituições políticas e jurídicas – corresponde aos anseios da Sociedade Civil, mas elas são esferas diferentes. Para Marx, a Sociedade Civil está na esfera do privado – do mercado –, enquanto o Estado – as relações políticas – está na esfera do público, estabelecendo Unidade 3 • Conceito de Sociedade Civil e o Público e Privado64/201 a distinção entre público e privado na relação Estado e Sociedade. Para saber mais Karl Marx foibastante influenciado pela obra de Friedrich Hegel. Em seus escritos de juventude, refere-se constantemente à obra hegeliana. A obra de Marx que marca a ruptura com o pensamento hegeliano é A Ideologia Alemã, escrita em coautoria com Friedrich Engels. Por fim, vale retomar o conceito gramsciano de Sociedade Civil. Como você viu no início dessa aula, o conceito de Sociedade Civil de Antonio Gramsci tem relação, assim como o de Marx, com o desenvolvimento da sociedade capitalista. A expansão das classes sociais, o crescimento da organização de interesses e o aumento da presença da política na sociedade são alguns dos motivos que levam Gramsci a considerar que há um movimento importante na sociedade e que esse movimento se agrega ao Estado. Unidade 3 • Conceito de Sociedade Civil e o Público e Privado65/201 O próprio Estado estava sendo reconfigurado: era invadido pela socialização da política que se verificava e levado a ir além do aparato repressivo e coercitivo. O Estado se “ampliava”, articulando-se com a “nova” esfera do ser social que se objetivava em conjunto com uma maior diferenciação social e uma melhor organização de interesses. A ideia gramsciana de sociedade civil espelharia a nova situação: abrigava a plena expansão das individualidades e diferenciações, mas acomodava também, acima de tudo, os fatores capazes de promover agregações e unificações superiores. Ela seria a sede de múltiplos organismos “privados”, mas nem por isso menos estatais. Seus integrantes estariam dispostos como vetores de relações de força, como agentes de consenso e hegemonia, candidatos a “se tornar Estado”. (NOGUEIRA, 2003, p. 190) O que se entende é que a Sociedade Civil, esse conceito amplo de diferenciação e agregação, condiz com a esfera privada, na qual as instituições que a compõem – igrejas, mídia, sindicatos e partidos políticos – representam interesses privados, relacionados a determinadas classes. O Estado ampliado, ao agregar a Sociedade Civil, incorpora uma “dimensão civil”, formando Unidade 3 • Conceito de Sociedade Civil e o Público e Privado66/201 assim, Estado e Sociedade Civil, uma unidade (NOGUEIRA, 2003). Link Para saber mais sobre a relação entre Sociedade Civil e participação social, leia o texto de Evelina Dagnino, intitulado Sociedade Civil, Participação e Cidadania: de que estamos falando? Disponível em: <http:// biblioteca.clacso.edu.ar/Venezuela/faces- ucv/20120723055520/Dagnino.pdf>. Assim, para apreender o que é a Sociedade Civil e a relação entre ela e o Estado, é de suma importância também entender o que é público e privado, suas esferas, espaços e quais são as relações entre eles. Desse modo, é possível compreender o completo significado de Sociedade Civil e as suas formas de atuação. 2. Público e Privado: Conceito, Esferas e Espaços Público e Privado são palavras constantemente utilizadas. Falamos em serviço público, funcionalismo público, escola pública, assim como falamos em propriedade privada, espaço privado, escola privada. Mas o que significam esses conceitos? Esses conceitos são, por natureza, opostos. Na Grécia antiga, público e privado Unidade 3 • Conceito de Sociedade Civil e o Público e Privado67/201 representavam não apenas espaços distintos, mas tinham funções distintas. O espaço público era o espaço da pólis, das discussões políticas, do exercício da cidadania. Já o espaço privado era o espaço daqueles que não eram considerados cidadãos e que eram responsáveis por garantir a sobrevivência material da pólis, ou seja, era o local do trabalho e do comércio (ARENDT, 2008). Essa distinção remete a dois significados: o público é o local do coletivo, da política e do exercício da igualdade; e o privado é o espaço do indivíduo, da economia, da diferença e da desigualdade. Assim, podemos falar não apenas em espaços, mas em esferas distintas, por terem delimitações territoriais diferentes e funções diferentes. O desenvolvimento do Estado, que você viu nas aulas anteriores, mostra que paulatinamente ele não será mais o local da coletividade, mas será instrumento de dominação de uma determinada classe. O Estado adquire características próprias do privado. Ele continuará sendo o lugar da política, mas estará a serviço de determinados interesses. As esferas pública e privada então se confundem. Quando olhamos para a sociedade brasileira essa confusão é bastante comum. Para nós, a diferença entre público e privado é bastante tênue. Entendemos bem quais são as funções da esfera pública e da esfera privada, mas não respeitamos os limites entre elas. Como você viu anteriormente, a esfera Unidade 3 • Conceito de Sociedade Civil e o Público e Privado68/201 não é apenas uma delimitação geográfica, mas possui uma função diferente. A esfera pública é o local da política, da coletividade, dos interesses públicos e da promoção da igualdade; enquanto a esfera privada é o local do trabalho, da economia, dos interesses privados e, portanto, da promoção da desigualdade. Desta forma, podemos dizer que o Estado – a esfera pública – é o lócus do povo e da promoção da igualdade, e o mercado – a esfera privada – o lócus da concorrência, dos interesses pessoais e da desigualdade. A questão é que no Brasil a esfera privada invade a esfera pública, em uma relação promíscua, na qual os interesses da esfera privada tentam interferir nas ações da esfera pública. Esse fenômeno pode ser chamado de patrimonialismo, cuja principal característica é a indistinção entre a “esfera pública” e a “esfera privada”, na qual a coisa pública é tratada como assunto puramente pessoal, assim como o patrimônio do Estado serve aos interesses privados dos governantes e de sua burocracia. Para saber mais Para saber mais sobre o patrimonialismo, fenômeno histórico da política brasileira, leia o clássico livro de Raymundo Faoro, intitulado Os Donos do Poder. Nesse livro, Faoro mostra como o patrimonialismo já era utilizado na época do Império, mantendo-se até os dias atuais. Unidade 3 • Conceito de Sociedade Civil e o Público e Privado69/201 Um fator que ilustra essa interferência nas esferas é o financiamento privado de campanhas. Ao receber financiamento de empresas, o político torna-se “devedor” dessas empresas e, quando eleito, tentará “passar” pautas que interessam àqueles que financiaram a sua campanha. A votação do projeto de lei da terceirização, em 2015, mostrou os efeitos deletérios que as interferências da esfera privada podem ter na esfera pública. Link Para saber mais sobre o patrimonialismo no Brasil contemporâneo, leia o texto de Elsio Lenardão, intitulado A relação entre “modernização” neoliberal e práticas políticas “atrasadas” no Brasil dos anos 1990. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/ v16n31/v16n31a14.pdf>. A partir dessas definições, é possível dizer que as esferas são os loci da política e do mercado, dos interesses, sejam eles públicos ou privados, nos quais se encontram Estado e Sociedade Civil. Já os espaços são diferentes, pois eles contêm Unidade 3 • Conceito de Sociedade Civil e o Público e Privado70/201 em seu significado a territorialidade. Os geógrafos diriam que os espaços nem sempre são concretos, delimitados territorialmente, mas quando fazemos a distinção entre espaços públicos e privados estamos – de forma a diferenciar do conceito de esfera – constituindo um significado concreto, territorialmente delimitado. O espaço público pode ser entendido como aquele espaço que deve, conforme o conceito de público, corresponder ao uso coletivo, voltado para o povo e com as regras delimitadas pelo Estado. Já oespaço privado é de uso restrito, cujas regras são feitas pelos indivíduos responsáveis pela sua gestão. Para exemplificar, podemos falar em praças como espaços públicos e casas de shows como espaços privados. O primeiro é lugar mantido pela esfera pública e voltado para agregar a coletividade. Já o segundo, por mais que vise também reunir o coletivo, só permite a entrada mediante pagamento de ingressos. No primeiro, as regras de uso se sustentam nas noções de cidadania, de que o local é de uso de todos, assim como deve por todos ser preservado. Já no segundo, as regras vigentes são estabelecidas pela casa, a partir de diretrizes do Estado, mas baseadas fortemente nos critérios do mercado. Quando pensamos a relação entre a Sociedade Civil e o conceito de público e privado, percebemos que o conceito de Sociedade Civil está relacionado Unidade 3 • Conceito de Sociedade Civil e o Público e Privado71/201 ao conceito de esfera. A Sociedade Civil, em termos gramscianos, é parte da esfera privada. Suas instituições possuem determinados interesses e seus objetivos estão em consonância com esses interesses. A sua participação na esfera pública tem por objetivo “casar” os interesses privados com os interesses públicos, de forma a “socializar a política” (NOGUEIRA, 2003), trazendo para a Sociedade Política a dimensão da Sociedade Civil. Contudo, deve-se tomar cuidado para não ultrapassar os limites dessa relação. Conforme você viu na aula anterior, o Estado ampliado é uma relação equilibrada entre Estado e Sociedade Civil. Caso haja muita interferência da Sociedade Civil no Estado corre-se o risco de, no lugar do Estado ampliado, ter-se um Estado patrimonialista. Unidade 3 • Conceito de Sociedade Civil e o Público e Privado72/201 Glossário Mercado: o termo refere-se a um local, físico ou não, no qual se estabelecem as relações de compra e venda. Esses mercados, que podem ser de produtos, de ativos financeiros ou de trabalho, são regulados pelo Estado e/ou pelo setor privado. A regulação refere-se às formas como serão estabelecidos os valores das mercadorias (produtos, ativos ou força de trabalho) comerciadas nesse mercado e as regras para a realização das relações comerciais. Cidadania: conceito que foi sendo modificado no decorrer da história e atualmente significa a participação do indivíduo na sociedade a partir do acesso a um conjunto de direitos (civis, políticos e sociais), que garantem o status de membro da Sociedade Política e da Sociedade Civil. Igualdade: termo utilizado para referir-se à promoção de relações iguais e de direitos iguais para todos os membros de uma sociedade. A igualdade pressupõe que não haverá discriminação entre os indivíduos de uma sociedade, dadas as suas condições sociais, políticas e econômicas. Quando houver, ela deve garantir que essa discriminação tenha por objetivo promover a igualdade, como é o caso das políticas de ação afirmativa. Questão reflexão ? para 73/194 No Brasil, pode dizer-se que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. (HOLLANDA, 1995, p. 146) A partir dessa afirmação, faça um texto falando sobre a relação entre esfera pública e esfera privada no Brasil e como a Sociedade Civil atua nessa relação. 74/201 Considerações Finais » O conceito de Sociedade Civil adquiriu vários significados no decorrer da história do pensamento social. » A partir de Hegel, o conceito de Sociedade Civil se contrapõe ao conceito de Sociedade Política. » Em Marx, o conceito de Sociedade Civil confunde-se com o conceito de Sociedade Burguesa, sendo a Sociedade Civil o lócus do privado, dos interesses pessoais. » O conceito gramsciano de Sociedade Civil é o conceito adotado atualmente e tem por objetivo distinguir o Estado (esfera pública) das associações de interesses privados (sindicatos, partidos políticos e igrejas). » Público refere-se à coletividade e à igualdade e privado significa individualidade e desigualdade. 75/201 Considerações Finais » Esferas são diferentes de espaços. As esferas referem-se a locais, não necessariamente territorializados, nos quais se desenvolvem relações que visam aos interesses do público e do privado. Já os espaços referem-se aos territórios que servem ao uso da coletividade ou ao uso pessoal. Unidade 3 • Conceito de Sociedade Civil e o Público e Privado76/201 Referências ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. BOBBIO, Norberto. Sociedade Civil. In: BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 11. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 1206-1211. HOLLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. NOGUEIRA, Marco Aurélio. Sociedade civil, entre o político-estatal e o universo gerencial. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 18, n. 52, p. 185- 202, jun. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 69092003000200010&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: maio 2015. 77/201 Aula 3 - Tema: Conceito de Sociedade Civil e o Público e o Privado – Parte I Disponível em: <http://fast.player.liquidplatform.com/ pApiv2/embed/dbd3957c747affd3be431606233e0f1d/ 0949f36f5bd9c021260f6f0e14811271>. Aula 3 - Tema: Conceito de Sociedade Civil e o Público e o Privado – Parte II. Disponível em: <http://fast.player.liquidplatform.com/ pApiv2/embed/dbd3957c747affd3be431606233e0f1d/ 81d62bfcc67a6bd97dcdea6d3e0dccc1>. Assista a suas aulas 78/201 1. Para qual autor a Sociedade Civil precede o Estado? a) Karl Marx. b) John Locke. c) Antonio Gramsci. d) Thomas Hobbes. e) Friedrich Hegel. Questão 1 79/201 2. Para Gramsci, a Sociedade Civil é: a) A dimensão civil do Estado. b) A dimensão econômica do Estado. c) A dimensão jurídica do Estado. d) A dimensão política do Estado. e) A dimensão social do Estado. Questão 2 80/201 3. À indistinção entre esfera pública e esfera privada no Brasil dá-se o nome de: a) Clientelismo. b) Assistencialismo. c) Patriarcalismo. d) Patrimonialismo. e) Paternalismo. Questão 3 81/201 4. O espaço público difere-se do estado privado por: a) Ser voltado ao uso da coletividade. b) Ser voltado ao uso privado. c) Ter regras próprias, diferentes das regras da coletividade. d) Ter acesso restrito. e) Ser de propriedade privada. Questão 4 82/201 5. Deve-se tomar cuidado para que o Estado ampliado não vire: a) Um Estado de Direito. b) Um Estado Moderno. c) Um Estado patrimonialista. d) Um Estado Civil. e) Um Estado burguês. Questão 5 83/201 Gabarito 1. Resposta: E. Para Hegel, a Sociedade Civil é o momento de união das classes, anterior ao Estado. O Estado substitui a Sociedade Civil, individualizando as relações. 2. Resposta: A. Em Gramsci, a Sociedade Civil é a “dimensão civil” do Estado, incorporando a ele associações privadas que atuam de forma distinta, porém, integrada ao Estado. 3. Resposta: D. Ao uso privado da coisa pública dá-se o nome de patrimonialismo. O nepotismo é uma forma de patrimonialismo. 4. Resposta: A. O espaço público é caracterizado por ser voltado ao uso da coletividade e pelo fato de as suas regras de uso serem determinadas pela esfera pública. 5. Resposta:C. As relações entre Sociedade Civil e Estado devem ser bem delimitadas, de forma que os interesses privados não interfiram nos interesses públicos. A interferência pode resultar em um Estado patrimonialista. 84/201 Unidade 4 Conceito de Democracia Participativa Objetivos Objetivo geral: compreender o conceito de democracia participativa. Objetivos específicos: • Apresentar o conceito de democracia. • Discutir o conceito de democracia em suas diversas acepções: direta, representativa e participativa. Unidade 4 • Conceito de Democracia Participativa85/201 Introdução Democracia é uma palavra que se tornou de uso corrente. Ela é invocada constantemente para nos referirmos a questões cotidianas. Por exemplo, quando queremos falar de uma decisão que não respeitou a vontade da maioria: “não foi uma decisão democrática”, ou mesmo quando queremos convidar as pessoas a participarem de uma reunião: “essa reunião será democrática, queremos a participação de todos”. Contudo, será que esse uso tem relação com o significado da palavra democracia? Sendo democracia um conceito, qual é a sua definição? O objetivo dessa aula é tentar responder a essas questões, permitindo a você compreender o que é democracia e quais são os diversos modelos de democracia existentes: direta, representativa e participativa. Unidade 4 • Conceito de Democracia Participativa86/201 1. O Conceito de Democracia Etimologicamente, democracia significa poder do povo (demos = povo, krato = poder). A partir do significado etimológico, democracia representa uma forma de governo na qual quem governa é o povo, não o monarca (monarquia) ou a aristocracia (oligarquia) (GIDDENS, 2005). Então perguntamos: quem é o povo? Afinal, povo tem diversas acepções ao longo do tempo. Como você viu na aula anterior, na Grécia antiga a esfera pública era destinada às questões políticas e ao exercício da cidadania. Mas quem eram os cidadãos? Na Grécia antiga apenas os integrantes de uma parcela da população eram considerados como cidadãos. Os homens públicos – os cidadãos – eram aqueles que se dedicavam à política e, por esse motivo, não pensavam em como garantir a sua sobrevivência. Essa era a obrigação dos escravos, mulheres e comerciantes, que não eram considerados cidadãos. Ter que dispensar tempo para a garantia da sobrevivência o impedia de ser cidadão. Assim, só os homens públicos, que destinavam sua vida à esfera da política, eram considerados como povo, e por isso, na Democracia grega, eram eles que governavam. Como você verá adiante, a Democracia grega é entendida como uma Democracia direta, na qual não há intermediários entre o povo e o exercício do poder. Na pólis grega, os homens públicos decidiam conjuntamente o destino do povo, podendo a democracia grega ser compreendida como um governo do povo. Mas se a democracia grega exclui a parcela Unidade 4 • Conceito de Democracia Participativa87/201 de trabalhadores da tomada de decisões, podemos dizer que ela era um governo do povo para o povo? A democracia grega era um governo do povo para o povo desde que se compreenda que povo, na Grécia antiga, significava o conjunto dos homens públicos responsáveis pelos rumos da Cidade- estado. Escravos, mulheres e comerciantes não eram considerados povo. Link A democracia grega foi e ainda é fonte de inspiração para muitos. Para saber mais sobre ela, leia o artigo de Luciano Canfora, intitulado Como entrou e como finalmente saiu de cena a democracia grega. Disponível em: <http:// www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103- 40142006000300018&script=sci_ arttext&tlng=es>. Assim, para entender a democracia como um governo do povo, precisamos entender o que cada país considera como povo. Para Hobbes, o monarca era o soberano. Para Locke, o Estado possuía um sistema Unidade 4 • Conceito de Democracia Participativa88/201 de governo no qual o monarca era parte dele, ficando outras partes delegadas ao magistrado (que poderia também ser o monarca) e à assembleia de homens. Por fim, para Rousseau o Estado deve seguir a vontade do povo. Aqui já são apresentadas algumas características do Estado contemporâneo, no qual o Estado seguirá a vontade do povo, sendo essa vontade a de determinada classe social. Paulatinamente, o desenvolvimento do modo de produção capitalista penetra na sociedade e no Estado, tornando o Estado, como você viu em aula anterior, instrumento de dominação. Aqui a noção de povo assume outra acepção. São considerados como povo todos aqueles que estão envolvidos em relações sociais de produção, inclusive aqueles que não conseguem participar dessas relações por uma variedade de impedimentos (qualificação, deficiências, restrições sociais – raça, gênero). Todos são parte do povo e devem ser representados pelo Estado, no caso, democrático. Assim, a democracia realmente torna- se um governo do povo, mas não quer dizer que seja para o povo. A máxima de Abraham Lincoln: “A democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo” não é condizente com todas as práticas democráticas existentes no mundo. Unidade 4 • Conceito de Democracia Participativa89/201 Para saber mais A democracia americana foi objeto de estudo de Alexis de Tocqueville, historiador francês que viveu durante a primeira metade do século XIX. Este estudo pode ser verificado na sua clássica obra A Democracia na América, baseada em viagem feita aos Estados Unidos na década de 1830. Dados os modelos que a democracia adota, o governo pode corresponder a um governo do povo, mas contar com representantes que podem vir ou não a atender aos anseios do povo; pode ser formado diretamente pelo povo, e então decidir pelas vontades do povo; ou pode ter a participação do povo, mas não necessariamente atender a todas as demandas do povo. Para entender melhor esse ponto, vale discutir o que é a democracia representativa, a democracia participativa e a democracia direta. 2. Democracia Direta, Represen- tativa e Participativa A democracia direta pode ser relacionada à democracia grega, na qual aqueles que podiam participar da pólis tinham direito a voz e a voto. Todos os membros do povo podiam decidir os rumos do Estado. Falamos em democracia direta pelo fato Unidade 4 • Conceito de Democracia Participativa90/201 desse direito a voz não ser intermediado, mas ser exercido diretamente pelo cidadão na ágora – local onde se realizava o debate político. Você sabe, pelo que foi discutido até o momento, que a democracia direta não foi vigente na Idade Moderna. Os Estados Modernos eram regidos por monarcas ou por assembleias de homens, a quem o povo atribuía o poder. A democracia então se tornou representativa. O pressuposto democrático da representatividade pautou o modelo ocidental do Estado Moderno, ou seja, uma relação proporcional entre os representantes e aqueles aos quais estes representam. Dito de outra forma, ao escolher os representantes (para o executivo ou o legislativo) há uma contrapartida equânime. As decisões políticas nada mais são, então, do que a vontade da maioria. Para tanto, as instituições democráticas criaram mecanismos de controle para que os cidadãos pudessem “cobrar” de seus representantes as decisões tomadas “em seu nome”; um desses mecanismos é o pleito periódico. Tecnicamente, a insatisfação pode ser comprovada nas eleições: representantes que não realizam seu trabalho a contento podem ser substituídos pelo voto. Certamente, a teoria democrática baseou-se na ideia da maioria, o desejo que prevalece é a regra que se institui. A maioria decide. As críticas ao modelo Unidade 4 • Conceito de Democracia Participativa91/201
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