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-. Em quemedidaa literatura deveater-seàvidacircundantee, a seumodo,refleti-Iae procurar transformá-Ia?Enfrentandocora- josamenteessaquestão- que,de resto,atingeaprópriaessênciada criaçãoliterária- ]ean-PaulSar- treescreveuQueéaliteratura?,pu. blicadooriginariamenteem1947 na revistaLes TempsModernes, eagoralançadonoBrasilpelaAti- ca.Tendocomofundohistóricoa recém-terminadaSegundaGuerra Mundialeasmarcasdoterrorna- zifascistasobrea Europa,Sartre defendeatesedoengajamentodo escritorcomoformaobjetivadein- terferirnacoletividadee, assim, relacionar-secoma História. A reflexãosartrianapõeem discussãonoçõeselementares,mas nempor issodesimportantes,e avançaparaumareflexãofilosófi- cadeextremaargúcianaindaga- çãosocialefenomenológicadaati- vidadeliterária."O queé escre- ver?","Por queescrever?","Pa- raquemseescreve?"sãoquestio- namentosqueoautorprocuraana- lisara partirdeumavisãoanti- individualistadoescritore,conse- qüentemente,contraanoçãodear- tepelaarte.Pressupondoque"a palavraéação",Sartrefazumapa- nhadohistóricodarelaçãodoes- critorcomasociedade,edecomo aliteraturarefleteesseelo.Noen- saiofinal,"Situaçãodoescritorem 1947",especificao impassede quemescreve,divididoentreafi- liaçãoburguesanomododevero mundoeanecessidadedesuperar essavisão,refletindoumauniver- salidadehistórica. J ean-Paul Sartre Que é a literatura}? Tradução:CartasFelipeMoisés Ô'., 3.a edição ~fj" ~l: ~;f' ~ I Que é escrever? NãO, nósnãoqueremos"engajartambém"a pintura, a esculturae a música,pelomenosnãodamesmamaneira. E porquehaveríamos.dequerer?Quandoumescritordossé- culospassadosexpressavaumaopiniãosobreseuofício,por acasoseexigiadelequea aplicasseàsoutrasartes?Masho- jeéelegante"falardepintura",nojargãodomúsicooudoli- terato,ou"falardeliteratura",nojargãodopintor,comose nofundosóexistisseumaúnica.arte,exprimindo-seindiferen- tementeemqualquerdessaslinguageI1s,àmaneiradasubstân- ciaspinozista,quecadaumdeseusatributosrefletecomade. quação.Pode-seencontrar,'semdúvida,naorigemdetodavo. caçãoartística,umacertaescolhaindiferenciadaqueascircuns. tâncias,a educaçãoe o contatocomo mundos6maistarde irãoparticularizar.Tambémnãohádúvidadequeasartes 10 (Jt:E (, A LlTEHATt:HA? QUE f: Ii:SClmVER? 11 deumamesmaépocaseinfluenciammutuamenteesãocondi- cionadaspelosmesmosfatoressociais.Masaquelesqueque- remprovaro absurdodeumateorialiteráriamostrandoque elaé inaplicávelà músicadevemantesprovarqueasartes sãoparalelas.Ora,esseparalelismonãoexiste.Aqui,como emtudoomais,nãoéapenasaformaquediferencia,mastam- bémamatéria;umacoisaétrabalharcomsonse cores,outra é expressar-secompalavras.As notas,as cores,as formas nãosãosignos,nãoremetema nadaqueIhessejaexterior. Semdúvida,éimpossívelreduzi-Iasestritamenteasimesmas, e a idéiadesompuro,porexemplo,é umaabstração;como demonstroumuitobemMerleau-PontynaPhénoménologiede Iaperception[Fenomenologiadapercepção].,nãoexistequalida- deousensaçãotãodespojadasquenãoestejamimpregnadas designificação.Maso pequenosentidoobscuroqueashabi- ta, levealegria,tímidatristeza,lhesé imanenteou tremula aoseuredorcomoumhalodecalor;essesentidoobscuroé corousom.Quempoderiadistinguiroverde-maçãdesuaáci- daalegria?E já nãoseráexcessivodizerliaalegriaácidado verde-maçã"?Háoverde,háo vermelho,ebasta;sãocoisas, existemporsi mesmas.É verdadequesepodeconferir-Ihes, ,porconvenção,ovalordesignos.Fala-se,porexemplo,emlin- ;guagemdasflores.Mas depoisdeestabelecidoumacordo, \seasrosasbrancasparamimsignificam"fidelidade",é que deixeidevê-Iascomorosas:meuolharasatravessaparami- rar,alémdelas,essavirtudeabstrata;euasesqueçõ,nãodou atençãoaoseudesabrocharaveludado,aoseudoceperfume estagnado;nãochegosequerapercebê-Ias.Issosignificaque nãomecomporteicomoartista.Parao artista,a cor,o aro- ma,o tinidodacolhernopiressãocoisasemgraumáximo; elesedetémnaqualidadedosomoudaforma,retomaaelas milvezes,maravilhado;é essacor-objetoqueirátransportar paraatela,eaúnicamodificaçãoporqueafarápassaré,trans- formá-Iaemobjetoimaginál'io.Ele está,portanto,muitolonge - Adotou-seoseguintecritérioparaasobrascitadasnotexto:o titulooriginalapa- rect'seguidodotituloemportuguêsentrecolchetes.noscasosemqueselocali- zouecliç~obrasileira.(N. E.) deconsiderarascoreseossonscomoumalinguagem1.Oque; valeparaoselementosdacriaçãoartísticavaletambémpara. assuascombinações:o pintornãodesejatraçarsignossobre a tela,quercriar2algumacoisa;e seaproximao vermelho doamareloe doverde,nãohárazãoalgumaparaqueo con- juntopossuaumsignificadodefinível,istoé,paraquereme- taespecificamenteaalgumoutroobjeto.Semdúvidaessecon- juntotambémé habitadoporumaalma,e já queo pintorte- ve motivos,mesmoqueocultos,paraescolhero amareloe nãoo violeta,pode-sesustentarqueosobjetosassimcriados refletemassuastendênciasmaisprofundas.Sóquejamaisex- primiriamsuacólera,suaangústiaousuaalegriadomesmo modoqueo fariamaspalavrasoua expressãodeumrosto; estãoimpregnadosdissotudo;e porterem.penetradonessa~I cores,queporsi mesmasjápossuíamalgocomoumsentido,!! assuasemoçõesseembaralhameseobscurecem;alininguém',I serácapazdeidentificá-Iascomclareza.Aquelerasgoamare- lonocéusobreo Gólgota,Tintorettonãooescolheuparasig- mficarangústia,nemparaprovocá-ia;'eleéangústia,e céu amareloaomesmotempo.Nãocéudeangústia,nemcéuan- gustiado;éumaangústia'feitacoisa,umaangústiaquesetrans- formounumrasgoamarelodocéu,eassimfoisubmersa,reco-7' bertapelasqualidadesprópriasdascoisas,pelasuaimpermea-I bilidade,pelasuaextensão,pelasuapermanênciacega,pelaI- suaexterioridadee poressainfinidadederelaçõesqueelas mantêmcomasoutrascoisas;valedizer,a angústiadeixou deserlegível,écomoumesforçoimensoevão,sempreinter- rompidoa meiocaminhoentreo céuea terra,paraexprimir aquiloquesuanaturezaIhesproíbeexprimir.Domesmomo- do,o significadodeumamelodia-. seéquenestecasoain- dasepodefalardesignificado- nãoé nadamaisqueapró- priamelodia,aocontráriodasidéias,quepodemsertraduzi: dasadequadamentedediversasmaneiras.DigaQuea melodia éOalegreousombria;elaestarásemprealémouaquémdetu- doquesepossadizera seurespeito.Nãoporqueo artistate- nhapaixõesmaisricasoumaisvariadas,masporquesuaspai- xões,quetalvezestejamnaorigemdotemainventado,aose incorporaremàs notas,sofreramumatransubstanciaçãoe umadegradação.UmgritodedorésinaldadorQueoprovoca., 12 ()l' E (:; ..\ I.ITEIL\TI' R.-\? Masumcantodedoré aomesmotempoaprópriadoreuma outracoisaquenãoador.Ou,sesequiseradotarovocabulá- rioexistencialista,éumadorquenãoexistemais,éumador queé.Mas,dirávocê,eseopintorfizercasas?Poisbem.pre- cisamente,eleasfaz,iS,toé,criaumacasaimagináriasobl'ea tela,enãoumsignodecasa.E acasaassimmanifestaconser- -'vatodaaambigüidadedascasasreais.O escritorpodedirigir o leitore,sedescreveumcasebre,mostrarneleosímbolodas injustiçassociais,provocarnossaindignação.Já opintorému- do:elenosapresentaumcasebre.sóisso;vocêpodevernele o quequiser.Essachoupananuncaseráo símbolodamiséria; paraissoseriaprecisoqueelafossesigno,maselaé coisa.O maupintorprocuraotipo,pintaoÁrabe,aCriança,aMulher; obompintorsabequeoÁrabeeoProletárionãoexistem,nem narealidade,nemnasuatela;elepropõeumoperário- deter- minadooperário.E oquepensardeumoperário?Umainfinida- dede'coisascontraditórias.Todosospensamentos,todosos s~ntimentosestãoali,aglutinadossobreatela,emindiferencia- çãoprofunda;cabea vocêescolher.Artistasbem-intenciona- dosjá tentaramcomover;pintaramlongasfilasdeoperários aguardandonaneveumaofertadetrabalho,osrostosesquáli- dosdosdesempregados,oscamposdebatalha.Nãocomoveram maisqueGreuzecomseuFilhopródigo.E OmassacredeGuel'- nica,essaobra-prima,alguémacreditaqueelatenhaconquista- doumsócoraçãoà causaespanhola?Contudo,algumacoisa foiditaquenãosepoderájamaisouvirequeexigiriaumainfi- nidadedepalavrasparaexpressar.OsesguiosArlequinsdePi- casso,ambíguos,eeternos,possuídosporumsentidoindecifrá- vel,inseparáveldasuamagrezaarqueadaedoslosangosdesbo- tadosdeseustrajes,sãoumaemoçãoquesefezcarnee que a carneabsorveucomoo mata-borrãoabsorveatinta,uma emoçãoirreconhecível,perdida,estranhaparasimesma,esquar- tejadaeespalhadapelosquatrocantosdoespaçoe,noentan. to,presente.Nãoduvidodequeacaridadeouacólerapossam produziroutrosobjetos,masneleselasficarãoatoladasdames- maforma;perderãoo seusignificado,restarãoapenascoisas 'habitadasporumaalmaobscura.Nãosepintamsignificados. nãosetransformamsignificadosemmúsica;sendoassim,quem ousariaexigirdopintoroudomúsicoqueseengajem? . :.'. 081' .-' ;li' .-1 ri' Qcr~ É ESCRE\'''R? 13 i' Oescritor,aocontrário,lidacomossignificados.Masca- bedistinguir:o impériodossignoséaprosa;apoesiaestála- doa ladocoma pintura,a escultura,a música.Acusam-me dedetestara poesia:aprova,dizem,équeLesTempsModer. nesraramentepublicapoemas.Ao contrário.issoprovaque nósaamamos.Paraseconvencerdisso,bastaveraprodução contemporânea."Pelomenosaela",dizemoscríticosemtriun- fo, "vocênãopodenemsonharemengajar".Defato.Mas porquehaveriaeudequererfazê-lo?Porqueelaseservede palavras,comoa prosa?Maselanàoo fazdamesmamanei- ra;naverdade.apoesianãoseservedepalavras;eudiriaan- tesqueelaasserve.Ospoetassàohomensqueserecusama' utt'lizaralinguagem.Ora,comoénalinguagemepelalíngua-." gem,concebidacomoumaespéciedeinstrumento,queseope-, raabuscadaverdade,nãosedeveimaginarqueospoetas pretendemdiscerniroverdadeiro,oudá-loaconheçer,Eles' tampoucoaspirama /tomem'omundo,eporissonãonomeiam nada,poisa nomeaçãoimplicaumperpétuosacrifíciodono- meaoobjetonomeado/'ou,parafalarcomoHegel,o nome serevelainessencialdiantedacoisa- esta.sim,essencial. Os poetasnãofalam,nemsecalam:trata-sedeoutracoisa. Diz-sequeelespI'etendiamdestruiroverbopormeiodeacasa- lamentosmonstruosos,masissoé falso;seriaprecisoquejá estivessemlançadosnomeiodalinguagemutilitáriae procu- rassemretirardaíaspalavrasempequenosgrupossingulares. como,porexemplo,"cavalo"e"manteiga",escrevendo"ca- valodemanteiga"3.Alémdetalempreendimentodemandar umtempoinfinito,nàoseriaconcebívelmanter-senoplano doprojetoutilitário,considerandoaspalavrascomoinstrumen-, tose,aomesmotempo,quererretirardelassuautensilidade../ Naverdade,opoetaseafastouporcompletodalinguagem-ins- trumento;escolheudeumavezportodasa atitudepoética queconsideraas palavrascomocoisase nàocomosignos, Poisa ambigüidadedosignoimplicaquesepossa,a seubelo'i prazer,atravessá-locomoaumavidraça,evisaratravésdele \ acoisasignificada,ouvoltaroolharparaa realidadedosigno: e considerá-locomoobjeto.O homemquefalaestáalémdas\___palavras,pertodoobjeto;opoetaestáaquém.Paraoprimei-\ ro,aspalavrassãodomésticas:parao segundo,permanecem :rr..; 14 (l1'E E .\ LlTEH,\Tl'I{.\', noestadoselvagem.Paraaquele.sãoconvençõesúteis,instru- mentosquevãosedesgastandopoucoa poucoe sãojogados foraquandonãoservemmais;paraosegundo.sãocoisasnatu- raisquecrescemnaturalmentesobrea terra,comoa relvae asárvores. Masseo poetasedetémnaspalavras,comoo pintor nascoresouo músiconossons,issonãoquerdizerqueaos seusolhoselastenhamperdidotodoosignificado;defato,so- menteo significadopodeconferiràspalavrasa suaunidade verbal;semele,osvocábulossedispersariamemsonsouem -traçosdepena.Sóquetambémelesetornanatural;deixa desera metasempreforadealcancee semprevisadapela transcendênciahumana;é umapropriedadedecadatermo. análogaà expressãodeumrosto,aopequenosentido,triste oualegre,dossonse dascores.Fundidoà palavra,absorvi- dopelasuasonoridadeoupeloseuaspectovisual,adensado. degradado,osignificadotambémécoisa,incriada,eterna;pa- rao poeta,a linguagemé umaestruturadomundoexterior. \ Ofalanteestáemsituaçãonalinguagem,investidopelaspala- vrãs;sãoos prolongamentosdeseussentidos,suaspinças.. ; suasé!,.Dt~n.p:.s,seusq_culo~;eleasmanipulaapartirdedentro. sente-ascomosenteseucorpo.estárodeadoporumcorpo verbaldoqualmaltem_c01)S.çi~nciaequeestendesuaação50- ,breo mundo.O poetaestáforadalinguagem,vêaspalavras rdo'avesso,comosenãopertencesseà condiçãohumana,e. ao dirigir-seaoshomens,logoencontrassea palavracomo , umabarreira.Em vezdeconhecerascoisasantesporseusno. !mes,'parece'quetemcomelasumprimeirocontatosilencio- i soe,emseguida,voltando-separaessaoutraespéciedecoi- sasquesão,paraele,as palavras,tocando-as,tateando-as. palpando-as,nelasdescobreumapequenaluminosidadepró- i priaeafinidadesparticularescomaterra,océu,aáguaeto. dasascoisascriadas.Nãosabendoservir-sedapalavracomo signodeumaspectodomundo.vênelaa imagemdeumdes- sésaspectos.E aimagemverbalqueeleescolheporsuaseme. lhança.como salgueiroouo freixonãoénecessariamentea palavraquenósutilizamosparadesignaressesobjetos.Co- moelejáestáfora,aspalavrasnãolheservemdeindicadores queo lancemparaforadesi mesmo,parao meiodascoisas; "1:'.' j;;, :~ i, ._~ ~ ! :11 ~...I~ "0 ;11 ... .~., QL:E (, ESCRIWlm? 15 emvezdisso,considera-ascomoumaarmadilhaparacapturar umarealidadefugaz;emsuma,alinguageminteiraé,paraele, o Espelhodomundo.Emconseqüência,importantesmudan- çasseoperamnaeconomiainternadapalavra.Suasonorida- de,suaextensão,suasdesinênciasmasculinasoufemininas, seuaspectovisual,tudoissojuntocompõeparaeleumrosto'I carnal,queantesrepresentadoqueexpressaosignificado.ln-J versamente,comoo significadoé realizado,o aspectofísico dapalavraserefletenele,e o significadofunciona,porsua1 vez,comoimagem.docorpoverbal.E tambémcomoseusig-.:.. no,poisperdeuapreeminência,ejáqueaspalavrassãoincria-\das,comas coisas,o poetanãodecidese aquelasexistem emfunçãodestas,ouestasemfunçãodaquelas.Estabelece,seassim,entreapalavraeacoisasignificada,umaduplarela. . çãorecíprocadesemelhançamágicae designificado.Eco-.J moo poetanãoutilizaa palavra,nãoescolheentreacepçães diversas,ecadaumadelas,emvezdeapresentar-secomofun' çãoautônoma,sedáaelecomoqualidadematerialquesefun' de,SQbosseusolhos,comasdemaisacepções.Assimreali. zaeleemcadapalavra,tão.somentegraçasàatitudepoética, asmetáforascomquesonhavaPicassoquandodesejavafazer umacaixade fósforosquefosseinteiramentemorcegosem' deixardesercaixadefósforos.Florençaécidadeefloremu- lher,é cidade.flore cidade-mulhere donzela-floraomesmo tempo.E o estranhoobjetoqueassimaparecepossuia liqui- dezdofluirdorio,odocee fulvoardordoouroe,porfim, seabandonacomdecênciaeprolongaindefinidamente,peloen- fraquecimentocontínuodoa finalátono,seudesabrocharple- noderecato..A issose agregao esforçoinsidiosodabio. grafia.Paramim,Florenceétambémumacertamulher,uma atrizamericanaqueatuavanosfilmesmudosdaminhainfân- ciae dequemesquecitudo,salvoqueeraesguiacomoum'a longaluvadebailee sempreumpoucoentediadae sempre casta.semprecasadae incompreendida,e queeua amava,e quesechamavaFlorence.Poisapalavra,quearrancaoprosa. dordesi mesmoe o lançanomeiodo mundo,devolveao .Sartre joga com as palavras!7l'lIr~f1I'II/,('.flor/rio: descobre01'.ouro. no interior de Flnrence;e chegaa décl'lIcl'.decéncia.pela rima. (N. T.) 16 (WE I~.-\LlTEJ~.-\Tt'IL\~ ()t .(.; (~E~CH I':\"E I~~ 17 poeta,comoumespelho,asuaprópriaimagem.É oquejustifi- cao duploempreendimentodeLeiris,que,deumlado,emseu Glossaire,procuradara certaspalavrasumadefiniçãopoética, istoé, quesejaporsi mesmaumasíntesede implicaçõesrecí- procasentreo corposonoroe a almaverbal.e, deoutrol"do. numaobraaindainédita,selançaembuscadotempoperdido. tomandocomopontodereferênciaalgumaspalavrasparticular- mentecarregadas,paraele,deafetividade.Assim,apalavrapo- -éticaé ummicrocosmo.A criseda linguagemqueeclodiuno iníciodesteséculoé umacrisepoética.Quaisquerquetenham sidoos seusfatoressociaise históricos,elase manifestoupor acessosdedespersonalizaçãodoescritoremfacedaspalavras. Estenãosabiamaiscomoseservirdelase, segundoa célebre fórmulade Bergson,só as reconheciapelametade;abordava- as comum sentimentode estranhezaextremamentefrutífero; elasnãomaiseramdele,nãomaiseramele;masnessesespe- lhosestranhosserefletiamo céu,a terrae a suaprópriavida; finalmente,elasse tomavamas próplÍascoisas,ou melhor.o negrocoraçãodascoisas.E quandoo poetajuntaváriosdesses microcosmos..dá-secomeleo mesmoquesedácomos pinto- resquandojuntamcoressobreatela;dil"-Se-iaqueelecompõe umafrase,masé sóaparência;elecriaumobjeto.As palavras- coisasse agrupampor associaçõesmágicasde conveniência . ou desconveniência,comoas corese os sons;elasse atraem. , serepelem,sequ('imallle suáassociaçãocompõea verdadeira unidadepoéticaqueé a frase-objeto.Commaisfreqüênciaain- da, o poetajá temno espíritoo esquemada frase,e as pala- vrasvêmemseguida.Mas esseesquemanãotemnadaemco. mumcomaquiloquede ordináriose chamaesquemaverbal: nãopresideà construçãodeumsignificado;aproxima-seantes doprojetocriadoratravésdoqualPicassoprefiguranoespaço. antesmesmodetocaro pincel.essacoisaquesetornaráum saltimbancoouumArlequim. por inteiro.Do mesmomodo,certospoemascomeçampor "e". Essaconjunçãonãoé mais,parao espírito,a marcade umaoperaçãoa efetuar:elaseestendeportodoo parágrafo. paraconferir-lheaqualidadeabsolutadeumacO'ltinuaçào.Pa- rao poeta,a frasetemumatonalidade,umgosto;eledegus- ta,atravésdela.eporsimesmos,ossaboresirritantesdaob. jeção,dareserva,dadisjunção;eleoslevaaoabsolutoe faz dessessaborespropriedadesreaisdafrase;estasetornapor.~ inteiroumaobjeção,semserobjeçãoa nadaemparticular. Voltamosa depararaquicomasrelaçõesdeimplicaçãorecí- procajáassinaladashápoucoentrea palavrapoéticaeo seu sentido:o conjuntodaspalavrasescolhidasfuncionacomo'-'. i/llagemdanuançainterrogativaourest~itivae, inversamente. a interrogaçãoé imagemdoconjuntoverbalqueeladelimita. Comonestesversosadmiráveis: Fugir. !imgcfugir, ('usillt{las a{'('$f!brias Mas ou/.'('.Ócoração.o ali/todoslIIarujos. 6estações.'6castelos.' Queal/llaéSCIIIdefeito? Ninguémé interrogado.ninguéminterroga:o poetaes-''\. táausente.E ainterrogaçãonãocomportarespostaou,antes, elaéasuaprópriaresposta.Será,portanto,umafalsainterro-' gação?MasseriaabsurdocrerqueRimbaud"quisdizer"que todomundotemseusdefeitos.ComodiziaBretonacercade', Saint-PolRoux:"Se elequisessedizer,teriadito".Tampou~ co quisdizeroutracoisa.Fezumainterrogaçãoabsoluta;con-' feriuàbelapalavra"alma"umaexistênciainterrogativa.Eis. a interrogaçãotornadacoisa,talcomoaangústiadeTintoret. tosetornoucéuamarelo.Nãoé maisumsignificado,éuma substância;évistadefora,e Rimbaudnosconvidaavê.lade foracomele;suaestranhezavemdofatodequenoscoloca- mos.paraconsiderá-Ia,dooutroladodacondiçãohumana; eloladodeDeus. Seassimé.compreende-sefacilmenteatolicequeseria exigirumengajamentopoético.Semdúvidaaemoção,apró- priapaixão- e porquenãoa cólera,a indignaçãosocial,o ódiopolítico- estãonaorigemdopoema.Mas nãoseexpri- memnele,comonumpanfletoounumaconfissão.À medida queo prosadorexpõesentimentos.eleosesclarece;o poeta. Esse"mas",queseerguequalmonolitonolimiardafra- se,nãoligao versoanterioraoversoseguinte.Colore-ode certa nuançareservada,deum"ensimesmar-se"queopenetra 18 l)I'L I': ,\ I.ITJ':I~,\'('I 1,,\ aocontrário,quandovazasuaspaixõesemseupoema.deixa dereconhecê-Ias;aspalavrasseapoderamdelas,ficamimpreg- nadasporelaseasmetamorfoseiam;nãoassignificam,mes. -moaosseusolhos.A emoçãosetornoucoisa,passoua tera opacidadedascoisas;é turvadapelaspropriedadesambíglla~ dosvocábulosemquefoiconfinada.E, sobretudo,hásempre muitomaisemcadafrase,emcadaverso,comonocéuamare. IaacimadoGólgotahámaisqueumasimplesangústia.A pa. lavra,afrase-coisa,inesgotáveiscomocoisas,extravasampor todaparteo sentimentoqueassuscitou.Comoesperarqueo poetaprovoquea indignaçãoouo entusiasmopolíticodolei. tal'quando.precisamente.eleo retiradacondiçãohumanaL' , oconvidaaconsiderar,comosolhosdeDeus,oavessodalin. 'guagem?"Vocêestáesquecendo"I alguémdirá,"ospoetas da Resistência,VocêestáesquecendoPierreEmmanuel", Masnão;euiajustamentecitá-Iasparaendossaro meuargu- mento~, Masofatodeaopoetaservedadoengajar-seserárazão suficienteparadispensaro prosadorde fazê-Io?QueháeleL'O mumentreeles?Oprosadorescreve.éverdade.eopoetatam, bém.Masentreessesdoisatosdeescrevernãohánadaem comumsenãoo movimentodamãoquetraçaasletras.Quan- toaomais,seusuniversospermanecemincomunicáveis.e o quevaleparaumnãovaleparao outro.A prosaé utilitária poressência;eudefiniriadebomgradoo prosadorcomoum homemques('ser/'c daspalawas.MOl/sicl/rJourdainfaziapro saparapedirseuschinelos,e Hitler,paradeclararguerra11 Polônia.Oescritoréumfalador;designa,demonstra,ordena. recusa,interpela,s~plica,insulta,persuade,insinua.Seo faz novazio,nemporissosetornapoeta:é umprosadorquefa- laparanãodizernada.Já vimossuficientementealinguagem peloavesso;convémagoraconsiderá-Iadoladodireito:i, A artedaprosaseexercesobreo discurso,S~lamatéria é naturalmentesignificante:valedizer.aspalavrasnàosão, deinício.objetos,masdesignaçõesdeobjetos.Nãosetrata desaberseelasagradamoudesagradamporsi próprias,mas simseindicamcorretamentedeterminadacoisadomundoou determinadanoção.Assim,acontececomfreqüênciaquenos encontremosdepossededeterminadaidéiaquenosfoiCOI1lU' ..., .'.', '. ;", (Jl'(o; J~ (o;~l:I~E\'I':I~~ 19 nicadaporpalavras,semquenospossamoslembrardeuma sódaspalavrasquea transmitiram.A prosaé antesdemais nadaumaatitudedoespírito;háprosaquando.parafalarco-, moValéry,nossoolharatravessaapalavracomoo solaovi- dro.Quandose estáemperigooudificuldade,empunha-se uminstrumentoqualquer.Passadaadificuldade.nemnoslem- bramosmaissefoiummarteloouumpedaçodelenha.Aliás. nemchegamosá sabê-Io:faltavaapenasumprolongamento donossocorpo.ummeiodeestenderamãoatéogalhomais alto;eraumsextodedo.umaterceiraperna- emsuma,uma purafunçãoqueassimilamos,Assimalinguagem:elaénos- sacarapaçae nossasantenas.protege-noscontraosoutrose informa-nosa respeitodeles.éumprolongamentodosnossos sentidos.Estamosnalinguagemcomoemnossocorpo:nósa se11timosespontaneamenteultrapassando-aemdireçãoaou- trosfins,talcomosentimosasnossasmãose osnossospés; percebemosalinguagemquandoéooutroqueaemprega.as- simcomopercebemososmembrosalheios.Existea palavra ,'h'idae a pala\Taencontrada.Masnosdoiscasosissosedá nocursodeumaatividade.sejademimsobreosoutros.seja dooutrosobremim.A falaé umdadomomentoparticular daaçãoe nãose,compreendeforadela.Sabemosquecertos afásicosperdemapossibilidadedeagir,deentenderassitua- ções,demanterrelaçõesnormaiscomo sexooposto.Noseio dessaapraxia.adestruiçãodalinguagempareceapenasodes- moronamentodeumadasestruturas:amaisfinae maisapa. rente.E sea prosanãoé senãoo instrumentoprivilegiado decertaatividade,sesóaopoetacabecontemplaraspalavras demaneiradesinteressada,temoso direitodeperguntarao prosadorantesdemaisnada:comquefinalidadevocêescre- ve?Emqueempreendimentovocêselançoueporqueneces-, sitaeledorecursoàescrita?E emcasoalgumesseempreen-, dimentopoderiater comofinalidadea puracontemplação. Poisa intuiçãoésilêncioeafinalidadedalinguagemécomu. nicar.O prosadorpode,semdúvida,fixarosresultadosdain- tuição.masnessecasobastarãoalgumaspalavrasatiradasàs pressasnopapel:oautorsempresereconheceránelas.Seas palavrassearticulamemfrases.comumapreocupaçãopela clareza,é precisoqueintervenhalimadecisãoestranhaà 20 ql'I-; J:; .-\ I.ITJ';R,\TIOI~,\' Ql'E É ESCRI;;\'ER? 21 intuição,àpróprialinguagem:a decisãodecomunicaraosou. trososresultadosobtidos,Em cadacaso,éessaadecisãoque cabequestionar.E o bomsenso,queos nossosdoutostãofa- cilmenteesquecem,nãose cansaderepeti-!o.Pois nãoé cos- otumecolocarparatodososjovensquesepropõema eSCr0\'er ; estaquestãodeprincípio:"Vocêtemalgumacoisaa dizer?" Por aí deve-seentender:algumacoisaquevalhaapenaserco- municada.Mas comocompreendero que"vale a pena".se- nãorecorrendoa umsistemadevalorestranscendente? Aliás, se considerarmosapenasessaestruturasecundá- riadoempreendimentoqueé o momentol/erbal,o graveerro dosestilistaspuroséacreditarquea falaé apenasumzéfiro queperpassaligeiramentea superfíciedascoisas.queasafio- ra semalterá-Ias.E queo falanteépuratestemunhaqueresu- omenumapalavrasuacontemplaçãoinofensiva.Falar é agir: . umacoisanomeadanãoémaisinteiramentea mesma,perdeu a suainocência.Nomeandoa condutadeum indivíduo,nósa revelamosa ele;elesevê.E comoaomesmotempoa nomea- mosparatodosos outros,no momentoemqueelese tê.sa- bequeestá'sendovisto;seugestofurtivo,quedelepassava desperceb.ido,passaa existirenormemente,a existirparato- dos,integra-senoespíritoobjetivo.assumedimensõesnovas, .é recuperado.Depoisdisso,como'sepodequererqueelecon- tinueagindodamesmamaneira?Ouiráperseverarnasuacon- dutaporobstinação,ecomconhecimentodecausa,ouiráaban- doná-Ia.Assim,aofalar,eudesvendoa situaçãopormeupró' prio projetode mudá-Ia;desvendo-aa mimmesmoe aosou- o tros,paramudá-Ia;atinjo-aemplenocoração,traspasso-aefi. o , xo.asob,todososolhares;passoadispordela;acadapalavra :quedigo,engajo-meumpoucomaisnomundoe.aomesmo I tempo,passoaemergirdeleumpoucomais,já queoultrapas- I 50nadireçãodoporvir,Assim, o prosadoré um homemque o escolheudeterminadomododeaçãosecundária.quesepode- riachamardeaçãopordesvendamento,É legítimo,pois,pro- por-lheestasegundaquestão:queaspectodo mundovocê querdesvendar,quemudançasquertrazeraomundopores- sedesvendamento?O escritor"engajado"sabequeapalavra éação:sabequedesvendarémudarequenãosepodedesven- darsenãotencionandomudar.Eleabandonouo sonhoimpos- sívelde fazerumapinturaimparcialdaSociedadee daccmdi1/ çãohumana.O homemé o seremfacedequemnenhumou- tro ser'podemanter.aimpa;-cialidade~nemmesmoDeus.Pois Deus,seexistisse,estaria.comobemviramcertosmísticos. emsitllaçãoemrelaçãoaohomem.E é tambémoserquenào podesequerverumasituaçãósemmudá-Ia,poiso seuolhar imobiliza,destrói,ouesculpe,ou,comofazaeternidade,trans- formao objetoemsi mesmo.É noamor,no6dio,nac6lera. nomedo,naalegria.naindignação,naadmiração,naesperan. ça,nodesesperoqueo,homemeo mundoserevelamemsua ,verdade.Semdúvida,o escritorengajadopodesermedíocre. podeteratémesmoconsciênciadesê-Io.mascomonãoseria possívelescreversemopropósitodefazê-Iodomelhormodo. a modéstiacomqueeleencaraa suaobranãodevedesviá.lo daintençâodeconstruí-IaC01110seeladevesseatingiramáxi. maressonãncia.Nuncadevedizer:"Bem,tereinomáximo trêsmilleitores";massim."oqueaconteceriasetodoo muno dolesseoqueeuescrevo?"Ele'selembradafrasedeMosca diantedocochequelevavaFabrícioeSanseverina:"Seapala. vraAmorviera surgirentreeles,estouperdido".Sabeque eleéo homemquenomeiaaquiloqueaindanãofoinomeado, ouquenãoousadizeropróprionome;sabequefaz"surgir" a palavraamore apalavra6dioe,comelas.o amore o ódio entreduaspessoasquenãohaviamaindadecididosobreos seussentimentos.Sabequeaspalavras,comodizBrice-Pa- rain,sã'o"pistolascarregadas".Quandofala,eleatira.Pode calar-se,masumavezquedecidiuatiraré precisoqueo faça comoumhomem,visandoo alvo,e nãocomoumacriança. ",oacaso,fechandoosolhos,s6peloprazerdeouvirostiros. Tentaremosmaisadiantedeterminarqualpoderiaseroobjeti. vodaliteratura.Masdesdejápodemosconcluirqueo escri- tor.decidiudesvendaro mundoeespecialmenteohomempa. ra os outroshomens,a fimdequeestesassumamemface doobjeto,assimpostoa nu,a suainteiraresponsabilidade. Ninguém'podealegarignorânciadalei,poisexisteumc6di. goea leié coisaescrita:apartirdaí,vocêélivreparainfrin- gi-Ia,massabeosriscosquecorre.Domesmomodo,afunção' doescritoré fazercomqueninguémpossaignoraro mundo e considerar-seinocentediantedele.E umavezengajadono/ 22 (}I"E I~A LlTERA1TH..\: Qt'E I~I':~CHE\'EI{:- 23 universodalinguagem.nãopodenuncamaisfingirquenãosa- befalar:quementranouniversodossignificados.nãoconse- guemaissair;deixemosaspalavrasseorganizarememliber- dade.eelasformarãofrases.ecadafrasecontémalinguagem todae remetea todoouniverso;oprópriosilênciosedefine emrelaçãoàs palavras,assimcomoa pausa.emmúsica.ga- nhao seusentidoa partirdosgruposdenotasquea circun- '-'dam.Essesilêncioéummomentodalinguagem;calar-senão éficarmudo.érecusar-seafalar- logo,aindaéfalar.Portan- to,seumescritordecidiucalar-sediantededeterminadoas. pectodomundo.ou,comodizumalocuçãocorrente.particu. larmenteexpressiva,decidiudfixflrpassar{'/lisilencio.élegíti- mopropor-lheumaterceiraquestão:porquevocêfaloudisso e nãodaquilo.e já quevocêfalaparamudar.porquedeseja mudarissoenãoaquilo? . Nadadissoimpedequehajaamaneiradeescrever.Nin- guémé escritorporhaverdecididodizercertascoisas.mas \[ porhaverdecididodizê-Iasdedeterminadomodo.E oestilo., decerto,é o quedeterminao valordaprosa.Maselede\"(' passardespercebido.Já queaspalavrassãotransparentese , oolharas,atravessa,seriaabsurdointroduzirvidrosopacosen- treelas.A belezaaquiéapenasumaforçasuaveeinsensível. Sobreumatela,elaexplodedeimediato;numlivroelasees- conde,ageporpersuasãocomoocharmedeumavozoude umrosto;nãoconstrange.maspredispõesemqueseperce- ba,eacreditamoscederaargumentosquandonaverdadeesta mossendosolicitadosporumencantoquenãosevê.A etique- tadamissanãoé a fé.elapredispõeparaa fé;a harmonia daspalavras,suabeleza,o equilíbriodasfrasespredispõcm aspaixõesdoleitor,semqueestesedêconta;organizam-nas. comofaza missa,comoamúsica.comoumadança;seo lei- torpassaa considerá-Iasporelasmesmas.perdeo sentido: restamapenascadênciastediosas.Napl'osa.o pl'azcl'estc'ti cosóépuroquandovemporacréscimo.Éconstrangedorlem- braraquiidéiastãosimples.masparecequehojeemdiaelas foramesquecidas.Seassimnãofosse.comoviriamnosdizer queestamospremeditandoo assassinatoda literatul'a.Otl maissimplesmente,queoengajamentoprejudicaaal'tedees- crever?Seacontaminaçãodedeterminadaprosapelapoesia nãotivesseembaralhadoasidéiasdosnossoscríticos,pensa-',' riamelesemnosatacarquantoàforma,sendoquenuncafala-' mossenãodoconteúdo?Quantoà forma.nãohánadaa dizer deantemãoe nadadissemos:cada um inventaasuaesóde-, poiséquesejulga.É verdadequeostemassugeremoestilo.' masnãoo comandam:nãohátemassituadosaprioriforada arteliterária.Oquepodehaverdemaisengajado,maistedio- so.doqueo propósitodeatacara CompanhiadeJesus?Pois PascalfezcomissosuasPl'ol'illciales[Provinciais].Emsuma. trata.sedesaberarespeitodequesequerescrever:deborbo- letasoudacondiçãodosjudeus.Equandojásesabe,restade-I cidircomoseescreverá.Muitasvezesocorrequeasduases.J colhassejamumas6,masjamais.nosbonsautores,asegun-. daprecedeaprimeira.SeiqueGiraudouxdizia:tOAúnicatare- faéencontraroestilo;aidéiavemdepois".Maseleestavaen- ganado:a idéianãoveio.Seos temasforemconsideradosco- moproblemassempreemaberto,comosolicitações,expectati- vas.compreendet'emosqueaartenãoperdenadacom<;>enga- jamento;aocontrário.Assimcomoafísicasubmeteaosmate- máticosnovosproblemas,queosobrigamaproduzirumasim- bologianova,assimtambémasexigênciassemprenovasdo' socialoudametafísicaobrigamo artistaadescobriru~ano- valínguae novastécnicas.Senãoescrevemosmaiscomono séculoXVII. é porquea línguadeRacineoudeSaint-Évre- mondnãoseprestaparafalardelocomotivasoudoproletaria- do.Depois,..disso.ospuristastalveznosproíbamdeescrever sobrelocom'otivas.Masaartenuncaestevedo.ladodospuristas. Seesteé'o princípiodoengajamento,queobjeçõeslhe poderãoserfeitas?E, sobretudo,queobjeçõesjálheforam feitas?Parecequeosmeusadversáriosnãoestavamcommui- tadisposiçãoparaatarefa.eseusartigosnãocontinhammais queum longosuspiroescandalizado.quesearrastavapor duasoutrescolunas.Gostariadesaber('11/1/011/('d('qur.de qualconcepçãodaliteraturaelesmecondenavam;masnãoo disseram,elesmesmosnãosabiam.Omaisconseqüenteteria 8ic1obasearseuveredictonavelhateoriadaartepelaarte. Masnenhumdelesaceitaria.Éumateoriaigualmenteincômoda. Sabe-sequeartepurae artevaziasãoa mégmacoisa,e que opurismoestéticofoiapenas\lmabrilhantemanobradefensiva 24 (){'E I~.-\ I.ITERAT\'I~..\:. do::;burguesesdoséculopassado,queachavammelhorserde- nunciadoscomofilisteusdoquecomoexplorad6res.É preci- so,pois- eelespróprioso reconhecem-, queoescritorfa- ledealgumacoisa.Masdequê?Creioqueoseuembaraçose- ria extremoseFernandeznãoth'esseencontradoparaeles, apósa PrimeiraGuerra,a noçãodemensagem.O escritorde hoje,dizemeles.nãodeveemcasoalgumocupar.sedascoi- sastemporais;nãodevetampoucoalinharpalavrassemsigni- ficado.,nemprocurarapenasa belezadasfrasese dasima- gens:asua:'funçãoépassarmensagensaosseusleitores,Que vemaser.então.umamensagem? É precisolembrarquea maioriadoscríticossãohomens quenãoti\'~rammuitasortenavida.equequandojáesta\'am àbeiradodesespero.encontraramumlugarzinhotranqÜiloco-moguardaC;lecemitério.Deussabequantooscemitériossão tranqüilos:'nàoexistemmaisridentesqueumabiblioteca.Os mortosláestão:nadamaisfizeramsenãoescrever,hámuito tempo,estãolavadosdopecadodeviver.e.deresto.sóconhe- cemosassuasvidasatravésdeoutroslivrosqueoutrosmor- tosescrevera'ma seurespeito.Rimbaudestámorto.Mortos PaterneBerrichoneIsabelleRimbaud;osimportunosdesapa- recer3.m,.só'r.estampequenosataúdesdispostossobretábuas aolongodosmuros.comoasurnasdeumcolumbário.Ocríti- covivemal;suamulhernãoo apreciacomoseriadesedese- jar,seusfilhossãoingratos,osfinsdemêssãodifíceis.Mas eleaindapodeentraremsuabiblioteca.apanhar,umlivrona estanteeabri.Jo.Dolivroescapaumleveodordeporão,etem inícioentãoumaestranhaoperaçãoqueeledecidiuchamar deleitura.Por umlado,é umapossessão;empresta-seo cor- poaosmortosparaquepossamreviver,Poroutro,éumcon- tatocomo além.Defato,o livronãoé umobjeto,tampouco umato,nemsequerumpensamento:escritoporummorto acercadecoisasmortas,nãotemmaisnenhumlugarnesta terra.nãofaladenadaquenosinteressediretamente;entre. guea si mesmo,eleseencarquilhae desmorona,nãorestam maisquemanchasdetintasobreo papelembolorado,equan- doo críticoreanimaessasmanchas,transformando-asemle. trase palavras,estaslhefalamdepaixõesqueelenãosente. decólerassemobjeto,detemorese esperançasdefuntas.É I, Ol'E E ES(,RE\'EI~~ 25 todoummundodesencarnadoqueo rodeia.ummundoem queasafeiçõeshumanas,comonãocomovemmais,passaram' à categoriadeafeiçõesexemplares.emsuma.det'alores.As-,' simeleseconvencedehaverentradoemcontatocomum mundointeligívelqueécomoquea verdadee arazãodeser dosseussofrimentoscotidianos.Acreditaquea naturezaimi- taaarte.comoparaPiatãoomundosensívelimitavaodosar. quétipos.E enquantolê,suavidacotidianasetornaaparên- cia.Aparênciasuamulherrabugenta.aparênciaseufilhocor.' cunda:equeserãosalvasporqueXenofontedescreveuXanti- pa,e Shakespe'areretratouRicardom. É umafestaparaele quandoosautorescontemporâneoslhefazemofavordemar, rer:seuslivros.muitocrus,muitovivos.muitoexigentes.pas- samparaa outramargem,emocionamcadavezmenose se tornamcadavezmaisbelos:apósumabrevetemporadano purgatório,irãopovoarocéuinteligíveldenovosvalores.Ber- gotte,Swann.Siegfried.BellaeMOllsieltl'Teste:eisalgumas aquisiçõesrecentes.Aguardam-seNathanaeleMénalque.Quan- to aosescritoresqueseobstinamemviver.pede-seapena~ quenãoseagitemdemasiado.e queseempenhemdesdejá emseparecercomosmortosquefuturamenteserão.Valéry saiu-sebastantebem,poisvinhapublicandolivrospóstumos hávintee cincoanos.Eisporque,comoacontececomalguns' santosdefatoexcepcionais.foicanonizadoemvida.MasMal- rauxescandaliza.Nossoscríticossãocomoosheregescátaros: nãoquel'emternadaa vercomo mundoreal.salvocomere beber.ejáqueé imperiosamentenecessárioconvivercomos nossossemelhantes,decidiramfazê-Iacomos defuntos.Só seapaixonampelosassuntosarquivados,pelasquestõesfecha. das,pelashistóriasdequejáseconheceofim.Nuncaapostam numdesfechoincerto,ecomoa históriadecidiuporeles.co. mooso'bjetosqueaterrorizavamouindignavamosautoresli. dosporelesjádesapareceram,comoadoisséculosdedistân. ciaavaidadedasdisputassangrentasaparececomclareza.po' demencantar-secoma cadênciadasfrases.e tudosepassa. a seusolhos.comosetodaa literaturafosseapenasumavas- tatautologiaecadanovoprosadortivesseinventadoumano. vamaneiradefalarparanãodizernada.Falardosarquétipos e da "naturezahumana".falarparanãodizernada?Todas 26 QI'E (~,\ f.ITEHATI 'I~A:' l)1 'I,: E E:-;l'I~,,, I';I~: ?--, asconcepçõesdosnossoscríticososcilamentreessasdua~ idéias.Naturalmente,ambassãofalsas:osgrandesescritores queriamdestruir,edificar,demonstrar.Masnósnãoguarda- mosasprovasqueapresentaram,porquenãonospreocupa- moscoriloqueelesquiseramprovar.Osabusosquedenuncia- ,ramnãosãomaisdonossotempo;hojeháoutrosquenosin- dignamequeelesnemsequerimaginavam;ahistóriadesmen- tiu algumasdesuasprevisões,e aquelasqueserealizaram setornaramverdadeirashátantotempoquejá nosesquece- mosdequeforam,antes,traçosdoseugênio;algunsdosseus pensamentosestãointeiramentemortos,eháoutrosqueogê- nerohumanointeiroassimilouequeagoratomamoscomolu- gares-comuns.Segue-sequeosmelhoresargumentosdesses autoresperderamasuaeficácia;hojeadmiramosapenasasua ordemeoseurigor;pormaisbemestruturadosquesejam,pa- ra nósnãopassamdeornamento,umaarquiteturaelegante dademonstração,semmaisaplicaçãopráticadoqueaarquite- turadasfugasdeBachoudosarabescosdeAlhambra. Nessasgeometriasapaixonadas,quandoageometrianão convencemais,apaixãoaindacomove.Ouantes,arepresen- taçãodapaixão.As idéiassetornaraminsossasaolongodos séculos,maspermanecemcomopequenasobstinaçõespes- soaisdeumhomemquefoidecarnee osso;portrásdasI'a- zõesdarazão,queesmaecem,percebemosasrazõesdocora- ção,asvirtudes,osvíciose essagrandedorqueoshomens têmdeviver,Sade'fez tudoparanosconvencere, quando muito,conseguenosescandalizar:nàoé maisqueumaalma corroídaporumbelomal,umaostraqueproduzpérolas,A LeUreSUl'lesspectacles[Cartasobre0$espetricu/os]nãodissua. demaisninguémdeir aoteatro,masachamosdivertidosaber queRousseaudetestavaaartedramática.Seformosumpou- coversadosempsicanálise,nossoprazerseráperfeito:expli- caremosDu contra!social[Docontratosocianpelocomplexo deÉdipoeL 'espritdes/ois[O('s/JíritodasleisI pelocomplexo deinferioridade;istoé,desfrutaremosplenamentedareconhe- cidasuperioridadequeoscàesvivostêmsobreosleõesmor- tos.Assim,quandoumlivroapresentapensamentosinebrian- tesqueoferecemaaparênciaderazõessóparasedissolverem sobo nossoolharesereduziremàsbatidasdocoração,quan- doo ensinamentoquesepodeextrairdeleé radicalmentedife- rentedaquelequeoautorquisdar,chama-seaesselivromen- sagem.TantoRousseau.paidaRevoluçãoFrancesa,comoGo-\ bineau.paidoracismo.nosenviarammensagens,Eocrítico. asconsidel'acomigualsimpatia.Fossemvivos.eleteriadeop. . tal'porumcontraooutro,amaraum,odiarooutro.Maso queosaproxima.antesdemaisnada,équeelescompartilham deummesmodefeito,profundoedelicioso:ambosestãomortos. Assim.deve-serecomendaraosautorescontemporâneos :}uepassemmensagens.istoé.quelimitemvoluntariamente seusescritosàexpressãoinvoluntáriadesuasalmas.Digoin- ,'oluntáriaporqueosmortos,deMontaigneaRimbaud.pinta. ramasi mesmosporinteiro,masnãointencionalmenteeco- moporacréscimo;justamenteissoquenoslegarama mais. semquerer,é quedeveconstituiro fimprimordiale confes- sodosescl'itoresvivos.Nãoseexigedelesquenosentreguem confissõessemretoques.nemque'seabandonemaolirismo demasiadonudosromânticos.Masjáquetemosprazeremde- sarmarasartimanhasdeChateaubriandoudeRousseau..em -' surpreendê-Iosnasuaprivacidadeno mesmomomentoem quesefazemdehomenspúblicos,emdeslindarascausaspar- ticularesdesuasafirmaçõesmaisuniversais.pede-seaosre- cém-chegadosquenosproporcionemdeliberadamenteesse mesmoprazer.Queraciocinem.pois,queafirmem.neguem. !'efuteme provem;masa causaquedefendemdeveserape- nasafinalidadeaparentedosseusdiscursos:afinalidadepro- fundaé entregar-sesemo aparentar.Quantoa seusraciocí- nios,éprecisoqueelesprimeiroosdesarmem,comofezotem. poemrelaçãoaosclássicos;queosapliquemaassuntosque nãointeressama ninguém.oua verdadestàogeraisqueos leitoresjáestejamconvencidosdelasantecipadamente;quan- to a suasidéias.devemdara elasumar deprofundidade. mas,'azio.e formá-Iasdetalmaneiraqueela::;seexpliquem. e\'identcmente.porumainfânciainfeliz.umódiodeelasse ouumamorincestuoso.Quenãoseatrevamapensardever- dade:o pensamentoescondeo homem,e é sóo homemque nosinteressa.Umsoluçototalmentenunãoébelo;eleofen- de.Umbomraciocíniotambémofende.comoStendhalbem percebeu.Masumraciocínioqueocultaumsoluço.eisoque 28 'lI I. ,.: .\ I.ITI-:I~,\TI'''..\:' ()1'J': E lê~L'I~E\'I':I~: 2~) , nosinteressa.Oraciocíniotiradaslágrimasoqueestastêm deobsceno;aslágrimas,revelandoasuaorigempassional.ti- ramdoraciocínioo queeletemdeagressÍ\'o;nàoficaremos muitocomovidos,nemdetodoconvencidos.epoderemosen- . tregar.noscomsegurançaàquela\'oluptuosidademoderada que,comotodossabem.é proporcionadapelacontemplaçào dasobras'dearte.Tal é,pois.a "verdadeira"e "pura"litera- tura:umasubjetividadequeseentregasobaaparênciadeob-jetividade,umdiscursotãocuriosamenteengendradoqueequi- valeaosilêncio;umpensamentoquesecontestaasi mesmo, umaRazãoqueé apenasá máscaradaloucura.umEterno quedáa entenderqueé apenasummomentoeleHistória, ummomentohistóricoque.pelosaspectosocultosquerevela. remetedesúbitoaohomemeterno;umperpétuoensinamen' to,masquesedácontraavontadeexpressadaquelesqueen- sinam. Enfim,a mensageméumaalmafeitaobjeto.Umaalma; e oquefazercomumaalma?Nósa contemplamosaumadis- tânciarespeitosa.Nãotemoso costumedeexibirnossaalmél emsociedadesemummotivoimperioso.Mas.porconvenção e com'algun:tas.reservas,é permitidoaalgumaspessoascolo- carsuaalmaemcirculaçào,equalqueradultopodeadquiri-Ia, Assim,hoje,paramuitaspessoas,asobrasdoespíritosãope- quenasalmaserrantesquesepodemadquirirporpreçomódi. co:háaqueladobomevelhoMontaigne,adocaroLaFontai. ne;adeJean-Jacques,adeJean-PauleadodeliciosoGérard. Chama-searteliteráriaaoconjuntodebeneficiamentosque astornaminofensivas.Curtidas,refinadas,quimicamentetra- tadas,elasfornecemaosseuscompradoresa oportunidade : 'deconsagrarà culturadasubjetividadealgunsmomentosele umavidainteiramentevoltadaparao exterior.Pode-seutili- zá-Iassemperigo:quemlevaráasériooceticismodeMontaigne. já queo aUtordosEssais[Ensaios]sentiumedoquandoapes- tedevastavaBordeaux?E o humanismodeRousseau,saben- do que"Jean-Jacques"colocouseusfilhosnumorfanato?E asestranhasrevelaçõesdeSylvie[Sílvia],umavezqueGérard deNervaleralouco?Quandomuito,o críticoprofissionalesta. beleceráentreelesdiálogosinfernaisenosensinaráqueopen- samentofrancêsé umaperpétuaconversaçãoentrePascale Montaigne.Comisso.a suaintençãonãoé tornarPascale Montaignemais\'ivos,massimMalrauxeGidemaismortos. Quando,enfim,ascontradiçõesinternasdavidaedaobrator' naremambasinutilizáveis.quandoa mensagem,emsuapro- fundidadeindecifrável.nostiverensinadoestasverdadescapi- tais:"o homemnãoé bomnemmau","hámuitosofrimento numavidahumana"."o gênioésóquestãodeumalongapa- ciência"- entãoofimúltimodessaculináriafúnebre'seráatin- gido,e o leitor,repousandoseulivro,poderáexclamar,com aalmatranqüila:"Tudoissonãopassadeliteratura", Masumavezque,paranqs,umescritoéumaempreita' da.uma\'ezqueos escritoresestàovivos.antesdemorre- rem,umavezquepensamosserprecisoacertaremnossosli- vros,eque,mesmoquemaistardeosséculosnoscontradigam. issonãoé motivoparanosrefutaremporantecipação,uma vezqueacreditamosqueoescritor.deveengajar-seinteiramen- tenassuasobras,e nãocomoumapassividadeabjeta,colo- candoemprimeiroplanoosseusvícios.assuasdesventuras eassuasfraquezas.massimcomoumavontadedecidida.co- moumaescolha.comessetotalempenhoemviverqueconsti- tuicadaumdenós- entãoconvé,mretomaresteproblema desdeo inícioe nosperguntarmos.pornossavez,porqu('se escl~eve? (H'" I:: "SCH""EI{? 31 NOTAS Somenteo fraca,:so.interrompendocomoumapar~deasélieinfinita elosseusprojetos.o de\'olvea si mesmo.emsuapureza.O mundopt!r- maneceinessencial.mascontinuapresente:agora.comopretextopa. ra a derrota.A finalidadedacoisaédevol\'ero homema si mesmo. barrando-Iheocaminho.Nãosetrata.aliás,deintroduzirarbitrariamen. teaderrotae aruínanocursodomundo,masantesdesóterolhospa. ra elas.A empresahumanatemduasfaces:é aomesmotempoexito e frncasso.Parapensá-Ia.o esquemadialéticoé insuficiente:é preciso tomaraindamaisflexívelo nossovocabulárioeasestruturasdanos, sa razão,Tentareiqualquerdia descre\'eressaestranharealidade.11 História.quenãoénemobjeti\'a.nemjamaisabsolutamentesubjeti\'a. emquea dialéticaé contestada.penetrada,corroídaporumaespécie deantidialética.quenoentantoseguesendodialética.Masessatarefa é dofilósofo:normalmentenãoseconsideramasduasfacesdeJano: o homemde ação\'e uma e o poetaveaoutra. Quandoos instrumen. tosestàoquebrados.foradeuso.osplanosfrustrados.osesforçosim\. teis.o mundoaparececomumfrescorinfantile terrí\'el,sempontos deapoio.semcaminhos.Eletemaío máximoderealidadeporqueéêS' magaelorparao homem,e.comoa açãodequalquermodogeneraliza, a derrotaconfereàscoisassuarealidadeindi\'idual.Mas.porumain, \'ersãoprevista,o fracassoconsideradocomofimderradeiroé aomes' motempocontestaçãoe apropriaçãodesseuniverso.ContestaçàopOl" queo homemmiemaisdoqueaquiloqueo esmaga;elenãocontesta maisascoisasemseu"poucoderealidade",comoo engenheiroouo capitão.mas.aocontrário.emseuexcessoderealidade.exatamentepor suacondiçãode\'encido;o homeméoremorsodomundo.Apropriaçào pOI'queomundo,deixandodeserinstrumentodoêxito.torna.seinsu'Ú, mentodofracasso,Ei.lopercorridoporumélobscurafinalidade:onum. dopassaasen'irporseucoeficientedead\'ersidade:tantomaishuma. noquantomaishostilaohomem,Ofracassosetransformaemsah'açào. 1'\ãoquenosdêacessoaalgumplanodoalém:pOl'si mesmo,eleosci. Iaesemetamorfoseia,Porexemplo.a linguagempoéticasurgedasruí, nasdaprosa.Seé \'erdadequea palawaé umatraiçãoé quea comu. nicaçãoéimpossí\'el.entàocada\'ocábulo.porsi só.retomasuaindÍ\;. dualidade.torna-seihstrumentodanossaderrotaereceptadordoinco- municá\'el.~ãoqueexistaou/ra('riisaacomunicar:é que.tendomaio' gradoa comunicaçãodaprosa.é o própriosentidoelapala\'l"aque:;l\ tornao puroincomunicá\'el.Assim,o fracassodacomunicaçãosetor- nasugestãodo incomunicá\'el:e o projetodeutilizaraspalavras,con. trariado.dálugarà puraintuiçãod'?sinteressadadafala,Assim,,'olta. mosaencontraradescliçãoensaiadanaapresentaçãodestaobra.,masago. ra soba perspecti\'amaisgeralda valorizaçãoabsolutado fracasso. 1Ao menosemgeral.A grandezaeoerrodeKleeresidemnasuatenta- tivadefazerumapinturaquesejaaomesmotemposignoeobjeto. ~Digo"criar".e não"imitar".o quebastaparareduzira nadatodo() patéticodosr.CharlesEstienne.queevidentementl'nàocompreendeu nadadomeupropósitoeteimaematacarassombra,:. :!É o exemplocitadoporBatailleemL '('xprl'i('l/(c;II/('/,;C/(/,('[A ('.I'pc/'i';/I' cia;nferio/']. ~Casosequeiraconheceraorigemdessaatitudeemrelaçãoàlinguagem. dareiaquialgumasbrevesindicações.Originalmentea poesiacriaoII/i- /0dohomem.enquantoo prosadortraçaoseu/'('/m/o,1'\arealidade.o ato hUmano.comandadopelasnecessidades.solicitadopelol1til.l'. emcertosentido,UI11II/eio.Comotal,passadespercebido,e éo resulta. doqueconta:quandoestendoa mãoparaapanharacaneta.tenhoapl' nasumaconsciênciafugidiaeobscuradomeugesto:oque\'ejoéaca- neta.Assim,ohomeméalienadopelosseusfins. A poesiain\'el'teare. lação:o mundoeascoisaspassamparao inessencial.con\'ertem-se empretextoparaoato.quesetornao seuprópriofim.O \'asoexiste paraqueajo\'emfaçao gestograciosodeenchê.lo:a guermdeTróia, paraqueHeitoreAquilestravemessecombateheróico,A ação.desli- gadadosseusfins.que\'ãoseatenuando.torna-seproezaoudança. Contudo.porindiferentequesejaaosucessoeloempreendimento.oPOl" ta.antesdo ~éculoXIX. mantém.seemacordocoma sociedadeem seuconjunto;elenàousaa linguagemcoma finalidade\'isadapelapro- sa.masdepositanelaa mesmaconfiançadoprosador. Apósoad\'entodasociedadeburguesa.opoetafazfrentecomum como prosadore a declarainsuportável.Paraele.trata-seaindade criaro mitodohomem.maspassadamagiabrancaparaamagiane- gra.O homemcontinuasendoapresentadocomoo fimabsoluto.porém alcançandoêxitonoseuempreendimento.eleseéltolanumacoletÍ\'icla. eleutilitária.Aquiloquenoseuatoestáemsegundoplano.e quepcr. mitinia passagemaomito.mi.oé.portanto.o suce,:so.maso fracasso, Trata-se da "Aprt'scntação de L!'s TcII/p.< .\Iod('J'//c's".'lu,' abre o \'olul11<'Si/I/ti I: 'io/l5. 11. onde originariamente foi incluído o presente ensaio. G\, E,I 32 ()I'!-; f.:,\ I.IT"'~,\T{ 't~.-\' que me pareceser a atitudeoriginal da poesiacontemporânea.i\ote. se tambémqueessaescolhaconfereao poetauma funçãomuitopreci. sa na coletividade:numasociedademuito integradaou religiosa,o fra- cassoé mascaradopeloEstadoou resgatadopelaReligião: numasocie. dade menosintegradae laica. como sào as nossasdemocracias.cabe à poesiaresgatá-Ia. A poesiaé um quemperdeganha.E o poetaautênticoescolhe perder a ponto de morrer para ganhar. Repito que se trata da poesia contemporànea;a históriaapresentaoutrasformasdepoesia.i',.Ieuobje. tivo nãoé mostraros vínculosentreessasoutrasfOI'masea nossa.Por. tanto, se se desejai'ealmentefalar do engajamentodo poeta.digamos que ele é o homemquese empenhaem perder, É o sentidoprofundo desseazar,dessamaldiçãoqueelesemprereivindicae quesempreatri- bui a uma intervençãodo exterior,quandona verdadeé a suaescolha mais profunda- nãoa conseqüência,masa própria fonteda sua poe. sia. Ele tem certezado fracassototal da empresahumanae dá umjei. to de malograrnasuaprópria\'ida. a fim de testemunhar.por sua der. rotaparticular,aderrotahumanaemgeral.Ele contesta,pois.como\'e.. remos,assimcomofaz o prosador,Mas a contestaçãoda prosase fa7. em nomede um êxito maior.e a da poesiaem nomeda derrotaoculta que todavitória traz consigo. 5 É claro queem todapoesiaestápresenteumacertaformade prosa.is- to é, de êxito; e reciprocamente,a prosa mais seca encerra sempre um poucode poesia,isto é, certa formade fracasso:nenhumprosador. mesmoo maislúcido,entendeplcl/Gmclltco quequerdizer;oudizde- mais,ounãodiz o suficiente,cadafraseé um desafio,um riscoassumi- do; quantomais se vacila, mais a palavrase singulariza:ninguém,co. mo mostrouValéry, co"nseguecompreenderuma palavraaté o fundo. Assim, cadapalavraé empregadasimultaneamentepor seusentidoela. , ro e social e por certasressonânciasobscuras;eu quasediria: por sua fisionomia.É exatamentea isso que tambémo leitor é sensível.E já nãoestâmosmaisno planoda comunicaçãoconcertada,masno'dagra- ça e do acaso;os silênciosda prosasão poéticosporquemarcamseus limites, e é por umaquestãode clareza queescolhi os casosextremos da pura prosae da poesiapura. Não se deveriaconcluir, porém.que se podepassarda poesiaà prosaporumasériecontínuadeformasin. . termediárias,Se o prosadorcultiva demasiadamenteas palavras.o ri. dos "prosa" se rompee caímosnumaalgaraviaincompreensível.Se o poetanarra, explicaou ensina,a poesiase tornaprosaica;ele perdeua partida.Trata-sedeestruturascomplexas,impurasmasbemdelimitadas. I t 11 Por que escrever? Cadaumtemsuasrazões:paraeste,aarteéumafu. ga;paraaquele,.umamaneiradeconquistar.Maspode-sefu'- gir paraumclaustro,paraa loucura,paraa morte;pode-se conquistarpelasarmas.Porquejustamenteescrever,empreen- derporeSC11tosuasevasõese suasconquistas?É queexiste.: portrásdosdiversosdesígniosdosautores,umaescolhamais profundaemaisimediata,queé comumatodos.Tentaremos elucidaressaescolhaeveremossenãoéemnomedaprópria opçãodeescreverquesedeveexigiroengajamentodosescri-" tores. Cadaumadenossaspercepçõeséacompanhadada.cons-' ciênciadequearealidadehumanaé"desvendante";istoquer dizerqueatravésdela"há"o ser,ouaindaqueohomeméo meiopeloqualascoisassemanifestam;é nossapresençano 34 lJ{"E E ,\ J.lTI';I{'\TI'I{,\' POR lH'1-: ESL'RE\'EI{! 35 mundoquemultiplicaasrelações,somosnósquecolocamos essaárvoreemrelaçãocomaquelepedaçodecéu;graçasa ~ósessaestrela,mortahámilênios,essaluanovaeesserio escurosedesvendamnaunidadedeumapaisagem;éaveloci- dadedonossoautomóvel,donossoaviãoqueorganizaasgr.an- desmassasterrestres;a cadaumdosnossosatos,o mundo nosrevelaumafacenova.Massesabemosquesomososele- tectadoresdoser,sabemostambémquenãosomososseus produtores.Essapaisagem,sedelanosdesviarmos,seestag- nará,longedosolhos,emsuapermanênciaobscura.Pelome- noselasóseestagnará:nãoháninguémsuficientementelou- coparaacreditarqueeladesaparecerá.Nóséquedesaparece. remos,eaterrapermaneceráemsualetargiaatéqueumaou- . traconsciênciavenhadespertá-Ia.Assim,ànossacertezainte. riordesermos"desvendantes",sejuntaaqueladesermosines- senciaisemrelaçãoàcoisadesvendada. Umdosprincipaismotivosdacriaçãoartísticaé certa- mentea necessidadedenossentirmosessenciaisemrelação aomundo.Esteaspectodoscamposoudomar,estear de umrosto,pormimdesvendados,seosfixonumatelaounum texto,estreitandoasrelações,introduzindoordemondenào havial1enhuma,impondoa unidadedeespíritoà diversidade dacoisa,tenhoaconsciênciadeproduzi-Ios,valedizer,sinto- meessencialemrelaçãoà minhacriação.Masdestavezé o objetocriadoquemeescapa:nãopossodesvendareproduzir. aomesmotempo.A criàçãopassaparao inessencialemrela- çãoàatividadecriadora.Primeiramente,mesmoqueapareça .aosoutroscomodefinitivo,o objetocriadonospareceestar r sempreemsuspenso:podemossemprealterarestalinha,es- tecolorido,estapalavra;assimo objetojamaisseimpõe.Um . pintoraprendizperguntouaoseumestre:"Quandodevocon- siderarconcluídoomeuquadro?"Eomestrerespondeu:"Quan- dovocêpuderolhá-Iacomsurpresa,dizendo:Fuieuquefizisso!" É omesmoquedizer:nunca.Poisissoequivaleriaacon- . sideraraprópriaobracomosolhosdeoutrem,edesvendar . aquiloquesecriou.Masé evidentequetemostantomenos consciênciadacoisaproduzidaquantomaioré a consciência danossaatividadeprodutora.Quandosetratadeumapeça decerâmicaoudeumaestruturademadeirae nósasfabrica- mossegundonormastradicionais,comferramentascujouso estejacodificado,éo famoso"man",o sujeitoindeterminado deHeidegger,quetrabalhapornossasmãos.Nessecaso,ore- sultadopodeparecer-nossuficientementeexteriorparaconser. vara suaobjetividadeaosnossosolhos.Massenósmesmos produzirmosasregrasdaprodução,asmedidaseoscritérios, e seo nossoimpulsocriadorvierdomaisfundodocoraçào, entãonuncaencontraremosemnossaobranadaalémdenós mesmos:nóséqueinventamosasleissegundoasquaisajul~ gamos;é a nossahistória,o nossoamor,a nossaalegriaque. reconhecemosnela;aindaqueacontemplemossemtocá-Ia,ja- maisrecebemosdelaessaalegriaouesseamor:nósoscoloca- mosali;osresultadosqueobtivemosnatelaounopapelnun- canosparecemobjetivos;temosdemasiadafamiliaridadecom' osprocessosqueosoriginaram.Essesprocessospermanecem,' umachadosubjetivo:sãonósmesmos,sãonossainspiração,! nossaastúcia,equandotratamosdepercebernossaobraacria-o mosoutravez,repetimosmentalmenteasoperaçõesqueapro-i duziram,ecadaumdosseusaspectosaparececomoumresul- tado.Assim,napercepção,o objetosedácomoo essenciale o sujeitocomoo inessencial;esteprocuraa essencialidade nacriaçãoeaobtém,masentãoéoobjetoquesetornaoines- sencia!. Emnenhumaoutraatividadeessadialéticaé tàomani- festacomonaartedeescrever.Poisoobjetoliterárioéumes- tranhopião,quesóexisteemmovimento.Parafazê-Iasurgir é necessárioumatoconcretoquesechamaleitura,e ele.só duraenquantoessaleituradurar.Foradaí,háapenastraços, negrossobreopapel.Ora,oescritornãopodeleroqueescre- ve,aopassoqueo sapateiropodecalçarossapatosqueaca. boudefazer,casoesteslhesirvam,eoarquitetopodehabitaf acasaqueconstruiu.Lerimplicaprever,esperar.Preverofim'! dafrase,a fraseseguinte,a outrapágina;esperarqueelasi confirmemouinfirmemessasprevisões;aleiturasecompõeI deumaquantidadedehipóteses,desonhosseguidosdedes- I ' \pertar,deesperançase decepções;os leitoresestãosempre adiantedafrasequelêem,numfuturoapenasprovável,que empartesedesmoronae emparteseconsolidaàmedidaque aleituraprogride,umfuturoquerecuadeumapáginaaoutra 36 \)1".; J: .\ I.ITI';H.\TI'I~,\: I'OI{ lH"E ESCRI';\'EI{: 37 , 'eformaohorizontemóveldoobjetolitcrtlrio.Semespera,sem futuro,semignorância,nãoháobjetividade.Ora,aoperação deescrevercomportaumaquase-leituraimplícitaquetornaim- possívela verdadeiraleitura,Quandoaspalavrasseformam sobapena,oautorasvê,semdúvida,masnãodamesmama- neiraqueo leitor,poisjá asconheceantesdeescrever;seu olharnãotema funçãodedespertarcomlevetoqueaspala- vrasadormecidasqueaguardamserlidas,massimdecontro- laro traçadodossignos;é umamissãopuramenteregulado- ra,emsuma,eaquiavistanãoinformanada,anãoserpeque- noserrosmanuais.Oescritornãoprevênemconjectura:ele projeta.Acontecemuitélsvezesquefiqueà esperaelesi mes- mo;queespere,comosediz,ainspiração.Masnãoseficaà esperadesimesmocomoseficaàesperadosoutros;elehesi- ta,sabequeo futuroaindanão,estáfeitoe queé elemesmo quemofará;seaindanãosabeoqueaconteceráaoseuherói, é quesimplesmenteaindanãopensounoassunto,aindanào , .decidiu;paraele,o futuroé umapáginaembranco,enquan- too futurodoleitorsãoessasduzentaspáginassobrecarrega- dasdepalavrasqueo separamdofinal.Assim,paraonde querquesevolte,o escritorsóencontrao seusaber,a sua vontade,osseusprojetos,emsuma,a si mesmo;nadaatinge, alémdasuaprópriasubjetividade;o objetoporelecriadoes- táforadoseualcance,elenãoocriapara si,Quandoserelê. já étardedemais;a seusolhos,suafrasejamaisseráinteira- . -menteumacoisa.Elechegaatéoslimitesdosubjetivomas nãoosultrapassa;apreciaoefeitodeumtraço,deumamáxi. ma,deumadjetivobemcolocado;mastrata-sedoefeitoque produzirãonosoutros;elepodeavaliá-Io,masnãosenti-Jo. Proustnuncadescobriua homossexualidadedeCharlus,pois já sehaviadecididoporelaantesmesmodecomeçara escre. vero seulivro.E seaobraganhaumdia,aosolhosdoautor. umafeiçãoobjetiva,é queosanospassaram,elea esqueceu. nãoentramaisnelaesemdúvidanãoseriamaiscapazdees. crevê-Ia.É ocasodeRousseaurelendoDo cOlltmtosocialno fimdavida. Nâoéverdade,pois,queo escritorescrevaparasi mes. mo:seriao piorfracasso;projetarasprópriasemoçõesnopa. pelresultaria,quandomuito..emdar-Ihesumprolongamento enlanguescido.Oatocriadoréapenasummomentoincomple- toe abstratodaproduçãodeumaobra;seo escritorexistis- sesozinho.poderiaescreverquantoquisesse,eaobraenquan- toobjetojamaisviriaà luz:sólherestariaabandonara pena oucairnodesespero.Masa operaçãodeescreverimplicaa deler,comoseucorrelativodialético.eessesdoisatoscone. xosnecessitamdedoisagentesdistintos.É oesforçoconjuga-I dodoautorcomo leitorquefarásurgiresseobjetoconcretol e imaginárioqueé aobradoespírito.Sóexistearteporepai raoutrem. A leitura,defato,parecesera síntesedapercepçãoe' dacriaçàoI;elacolocaaomesmotempoaessencialidadedo sujeitoea doobjeto.O objetoé essencialporqueérigorosa-- mentetranscendente,porqueimpõeassuasestruturaspróprias eporquesedeveesperá-Ioeobservá-ia;masosujeitotambém éessencialporqueénecessário,nãosóparadesvendaroobje- to(istoé.parafazercomquehajaumobjeto),mastambém paraqueesseobjetosejaemtermosabsolutos(istoé, para produzi-lo).Emsuma,o leitortemconsciênciadedesvendar eaomesmotempodecriar;dedesvendarcriando.decriarp'e- 10desvendamento.Nãosedeveachar,comefeito,quealeitu- rasejaumaoperaçãomecânica,queoleitorsejaimpressiona- dopelossignoscomoaplacafotográficapelaluz.Seestádis: traído,cansado,confuso,desatento,a maiorpartedasrela- çõeslheescaparão,elenãoconseguiráfazer"pegar".oobje- to(nosentidoemquesedizqueo fogo"pegou"ou"nãope-... gou");tirarádasombrafrasesqueparecerãosurgiraoacaso:' Seestiveremsuamelhorforma,projetaráparaalémdaspala-'-\ vrasumaformasintéticadaqualcadafraseseráapenasuma,'. funçãoparcial:.o"tema",o"assunto"ouo "sentido".Assim,./ desdeo início,o sentidonãoestámaiscontidonaspalavras. poiséele.aocontrário,quepermitecompreenderasignifica- çãodecadaumadelas;eoobjetoliterário,aindaqueserealV zeatravésda linguagem,nuncaé dadolia linguagem;aocon... trário,eleé,pornatureza.silêncioe contestaçãodafala.DQ mesmomodo,ascemmilpalavrasalinhadasnumlivropodem serlidasumaa umasemqueiss.ofaç~surgiro sentidoda obra;o sentidonãoéa somadaspalavrasmassuatotalidade orgânica.Nadaaconteceráseo leitornãosecolocar,logode 38 ()I'!,: f,; t\ I.ITJo:I~,\TI'I~..\.' I'()H ()('Jo: Jo:~CI~Jo:\'lm? 39 rsaídaequasesemguias,à alturadessesilêncio.Senãoo in- .ventar,emsuma,senãointroduzire mantiverneleaspala- vraseasfrasesquedesperta.E sealguémmedisserquese- riapreferívelchamaressaoperaçãodereinvençãooudesco- berta,respondereique,emprimeirolugar,umatalreinvenção seriaumatotãonovoetãooriginalquantoainvençãoprimei- ra.E sobretudo,quandoumobjetonuncaexistiuantes,não é possívelreinventá-lonemdescobri-Jo.Poisseo silênciode quefaloé,defato,ofimvisadopeloautor,pelomenosesteja- maisoconheceu;seusilêncioé subjetivoe anteriorà lingua- gem,éaausênciadepalavras,éosilêncioindiferenciadoevi- vidodainspiração,quea palavraparticularizaráemseguida \ - aopassoqueo silêncioproduzidopeloleitoré umobjeto. E dentrodessemesmoobjetoaindaháoutrossilêncios:aqui- loqueo autornãodiz.Trata-sedeintençõestãoparticulares quenãopoderiammantersentidoforadoobjetoquealeitura Ifazsurgir;sãoelas,porém,queconferemdensidadeao obje-. toe lneatribuemseusemblantesingular.É poucodizerque nãoestãoexpressas:elassão,justamente,o inexprimíveLE porissonãoasencontramosemnenhummomentodefinido daleitura;estãoemtodolugareemlugarnenhum:aqualida- dedemaravilhosodeLegrandMeaulnes,o babilonismode f!.rmallCe,o grauderealismoe verdadedamitologiadeKaf- i. ka- nadadissojamaisédado;é precisoqueo leitorinvente tudo,numperpétuoir alémdacoisaescrita.Semdúvida,oau. ',!toroguia,massomenteisso;asbalizasquecolocouestãose- iIparadaspor espaçosvazios,é precisointerligá-Ias,é preciso i!iralémdelas.Emresumo,a leituraé criaçãodirigida.Defa- . to,porumladoo objetoliterár:ionão.temoutrasubstânciaa nãosera subjetividadedoleitor:a esp'eradeRaskolnikoffé ,aminhaespera,queeuemprestoaele;semessaimpaciência Idoleitornãorestariamsenãosignosesmaecidos;seuódiocon- :traojuizqueoestáinterrogandoéomeuódio,solicitado,cap- :tadopelossignos,e o própriojuiz nãoexistiriasemo ódio quesintoporeleatravésdeR~skolnikoff;é esseódioqueo anima,éasuaprópriacarne.Mas,poroutrolado,aspalavras estãoali como'armadilhas,parasuscitarnossossentimentos e fazê-losrevertersobrenós;cadapalavraé umcaminhode \\ transcendência,dáforma'e nomeàsnossasafeições;elaas atribuiaumapersonagemimagináriaqueseincumbedevi. vê-Iaspornósequetemcomoúnicasubstânciaessaspaixões emprestadas;apalavralheconfereobjetos,perspectivas,um'\: horizonte.Assim,parao leitortudoestáporfazere tudojá I estáfeito;aobrasóexistenaexatamedidadassuascapacida-; des;enquantolêecria,sabequepoderiair sempremaisacÚan-' teemsualeitura,criarmaisprofundamente;comissoa obra. lhepareceinesgotáveleopaca,comoascoisas.Essaprodução. absolutadequalidade,sque,à medidaqueemanamdanossa subjetividade,seimobilizamdiantedosnossosolhoscomoob. jetividadesimpermeáveis,nósaaproximaríamosdebomgra- dodaquela"intuiçãoracional"queKantreservavaà Razão divina. Umavezqueacriaçãosópod.eencontrarsuarealização finalnaleitura,umavezqueo artistadeveconfiara outrem atarefade.completaraquiloqueiniciou,umavezqueés6atra- vésdaconsciênciadoleitorqueele.podeperceber-secomoes- sencialàsuaobra,todaobraliteráriaéumapelo.Escreveré; apelaraoleitorparaqueestefaçapassaràexistênciaobjeti.,1 vao desvendamentoqueempreendipormeiodalinguagem.L .' ., Casosepergunteaqueapelaoescritor,arespo$taésimples. ' ....... Comonuncaseencontranolivroa razãosuficienteparaque', o objetoestéticoapareça,masapenasestímulosàsuaprodu- "~ ção;comotampoucohárazãosuficientenoespíritodoautor, ,: '" ecomoasuasubjetividade,daqualelenãopodeescapar,não '~ I consegueesclarecerapassagemparaaobjetividade,aapari-i "~ çãodaobradearteéumacontecimentonovo,quenãopode-ji' ,t) riaexplicar-sepelosdadosanteriores.E comoessacriaçãodiri-l gidaé umcomeçoabsoluto,elaé operadapelaliberdadedo" leitor,naquiloqueessaliberdadetemdemaispuro.Assim,o ' escritorapela.àliberdadedoleitorparaqueestacolaborena produçãodasuaobra.Haveráquemdigaquetodasasferra- mentassedirigemànossaliberdade,poissãoosinstrumentos deumaaçãopossívele,sobesseaspecto,aobradeartenão éespecífica.E éverdadequeaferramentaéoesboçoimóvel deumaoperação.Maselasemantémnoníveldoimperativ9 hipotético:possoutilizarummartelotantoparapregaruma. caixacomoparadarumamarteladanovizinho.Considerada emsimesma,aferramentanãoéumapeloàminhaliberdade, I:-.. "}\ 40 ()I'I': I:; ..\ I.ITEIL\TI'I\,\ 1'()1~lWE ESl..'HE"I,:W' 41 nãomecolocaemfacedela,visaantesa servi-Ia,substituin- do a livre invençãodosmeiospor umasucessãoreguladade .condutastradicionais.O livronãoserveàminhaliberdade:ele a requi,sita.Comefeito,nãoseriapossíveldirigir-sea umali- berdadéenquantotalpelacoerção,pelafascinaçãooupelassú- 'plicas.Paraatingi.la,háapenasummétodo:primeiroreconhé- cê-Ia,depoisconfiarnela;por fim,exigirdelaumato,emno- 'me delaprópria,istoé, emnomedessaconfiançaquedeposi- tamosnela.Assim,o livronãoé, comoa ferramenta,ummeio queviseaalgumfim: elese propõecomofim paraa liberda- de do leitor. E a expressãokantiana"finalidadesem fim" mepareceinteiramenteimprópriaparadesignara obradear- te. Tal expressãoimplica,de fato,queo objetoestéticoapre- senteapenasaaparênciadeumafinalidadee se limitea soli- citar o jogo livre, masregulado,da imaginação.É esquecer quea imaginaçãodo espectãCiortemnãoapenasumafunção reguladoramasconstitutiva;elanãoapenasrepresenta:écha- madaa recomporoobjetobeloparaalémdostraçosdeixados peloartista.A imaginação,comoas demaisfunçõesdoespíri- to, nãop9deusufruirdesimesma;estásempredoladodefo- ra, sempreengajadanumempreendimento.Haveriafinalida- desemfimsealgumobjetooferecesseumaordenaçãotãore- guladaquenosconvidassea admitirparaeleum fim,quando nósprópriosfõssemosincapazesdelheatribuiralgumfim.De- finindoo belodessamaneira,seriapossível- e é exatamen- teoobjetivodeKant - assimilara belezadaarteàbelezana- tural,poisumaflor,porexemplo,mostratantasimetria,co- restãoharmoniosas,curvastãoregulares,queimediatamen. , te temosa tentaçãodeprocurarumaexplicaçãofinalistapa- ratodasessaspropriedades,vendonelasumconjuntodemeios , dispostoscomvistasa umafinalidadedesconhecida.Masé Ii justamenteaí queestáo erro:a belezada naturezanãoé em , nadacomparávelàdaarte.A obradeartenãotemlimafinali- dade;nissoestamosdeacordocomKant. Mas é porqueelaé umafinalidadeemsi mesma.A fórmulakantiananãoexplica oapeloqueressoanoãmagodecadaquadro,decadaestátua, de cadalivro.Kant crê queprimeiroa obraexistedefato,e 1 1 sódepoisé vista.No entanto,a obrasó existequandoa vc- : mos;elaé primeiramentepuroapelo,puraexigênciade exis. Lir.A obranàoé lIminstrumentocujaexistênciaé manifesta e cujofim é indeterminado:elaseapresentacomoumatare. fa a cumprir,coloca-sedeimediatoaoníveldo imperativoca-' tegórico.Vocêé perfeitamentelivreparadeixaresselivroso- brea mesa.Mas umavezqueoabra,vocêassumearesponsa- bilidade.Poisa liberdadenão se provanafruiçãodolivrefun.' cionamentosubjetivo,massimnumatocriadorsolicitadopor um imperativo.Esse fim absoluto,esseimpera~iYQ.tr:<m~ç~n-/ dent~,porémconsentido,assumidopelapróprialiberdade,é '; aquiloaquesechamavalor.A obradearteévalorporqueéapelo. ;' Serecorroa meuleitorparaqueelelevea bomtermo a tarefaqueiniciei,é evidentequeo considerocomoliberda- depura,puropodercriador,atividadeincondicionada;emca.\. so algumpoderiadirigir-meà suapassividade,isto é, tentar afetá-Io,comunicando-lhedeimediatoemoçõesdemedo,de desejooudecólera.Semdúvidaháautoresquesepreocupam. apenasemprovocaressasemoções,poiselassãoprevisíveis, governáveis,e elesdispõemde meioscomprovados,segura. mentecapazesdesuscitá-Ias.Mas é verdadetambémquesão recriminadospor isso,comoocorreucomEurípedesjánaAn- tiguidade,porquecolocavacriançasemcena.Na paixão,a li- berdadeéalienada;abruptamenteengajadaemempreendimen- tos parciais,ela perdede vistaa sua tarefa,queé produzir umfimabsoluto.E olivronàoémaisqueummeiodealimen- taroódioouodesejo.Oescritornàodeveprocurartranslor.I /lar, senãoentraráemcontradiçãoconsigomesmo;sequerI exigir, é preciso que apenasproponha a tarefa a cumprir. Daí i o caráterde pura apresentaçãoquepar~ceessencialàobrade" arte:o leitordevedispordecertorecuoestético.É oqueGau':.-' tier tolamenteconfundiucom"artepelaarte";e os parnasia.'/ noscoma impassibilidadedoartista.Trata.seapenasdeumaL precaução,eGenetachama,maisacertadamente,deumacor. tesiado autorparacomo leitor.Mas issonãoquerdizerque o escritorfaçaapeloanãoseiqueliberdadeabstrataeconcei. tua!.De fato,é comsentimentosqueserecriao objetoestéti. co;se eleé comovente,sóapareceráatravésdãsnossaslágri- mas;seécõmico,seráreconhecidopeloriso.Acontecequees. sessentimentossãode umaespéciepeculiar:têma liberda. :le comoorigem;sãodadospor empréstimo.Toda crençaé .' 42 (~{'E ,::..\ LlTEHATI'IU:' livrementeconsentida,mesmoaquelaquedepositonanarrati- {va.Trata.sedeumaPaixão,nosentidocristéioelapalavra,is- Ito é, umaliberdadequesecolocaresolutamenteemestado , depassividade,a fimdeobter,por essesacrifício,umcerto , efeitotranscendente.Oleitorsefazcrédulo,desceatéacl:edu- !idadee esta,emboraacabepor sefecharsobreelecomoum sonho,éacompanhadaa cadainstantepelaconsciênciadeser livre.Já sedesejouaprisionarosautoresnestedilema:"Ou seacreditanasuahistória,e entãoelaé intolerável,ounão seacredita,eentãoelaéridícula".Masoargumentoéabsur- do,poiséprópriodaconsciênciaestéticasercrençaporenga- jamento,porjuramento,crençacontínuapelafidelidadea si mesmaeaoautor,opçãodeacreditar,perpetuamenterenova- da.A cadainstantepossodespertareseidisso;masnãoode- sejo:a leituraéumsonholivre.Demodoquetodosossenti. . mentosqueseagitamnocampodessacrençaimagináriasão comomodulaçõesparticularesdaminhaliberdade;longede absorvê-Iaouocultá-Ia,sãomeiosqueelaescolheuparasere- velara si mesma.Raskolnikoff,comojá disse,nãopassaria .deumasombrasema mescladerepulsaeamizadequesinto porelee queo fazviver.Mas,porumainversãoqueé pró- priadoobjetoimaginário,nãoésuacondutaqueprovocami.' nhaindignaçãoouminhaestima,masminhaindignação,mi- , nhaestimaquedãoconsistênciaeobjetividadeaosseuscom- i. portamentos.Assim,asafeiçõesdoleitornuncasãodomina- r daspeloobjetoe,comonenhumarealidadeexteriorpodecon- "!dicioná.las,têmsuafontepermanentenaliberdade,istoé,to- : 'dassãogenerosas- poischamodegenerosaumaafeiçãoque :,:temaliberdadepororigemeporfim.Assim,aleituraéum ,exercíciodegenerosidade;e aquiloqueo escritorpedeaolei- tornãoéaaplicaçãodeumaliberdadeabstrata,masadoação de todaa suapessoa,comsuaspaixões,suasprevenções. suassimpatias,seutemperamentosexual,suaescaladevaio- . res.Som~nteessapessoaseentregarácomgenerosidade;a li- berdadeaatravessadeladoaladoevemtransformarasmas- sasmaisobscurasdasuasensibilidade.E comoa atividade " sefezpassiva,paramelhorcriaro objeto,reciprocamentea passividadesetornaato;o homemquelê seelevaaoplano maisalto.Eisporquevemospessoasreconhecidamenteduras J.'!~ .~ "I '. ,: i". :~:, .."4i .... I. . . ..i t~{J,.. ,',., :.i ~t " ! ~~ ,,. 'f' i' I'OI~QI'E ESCRE\'EH~ 43 verteremlágrimasdiantedorelatodeinfortúniosimaginários;: porummomentoelassetornamaquiloqueseriamsenàoti. I Ivessempassadoavidamascarandoapróprialiberdade. I Assim,o autorescreveparasedirigirà liberdadedos leitores,e asolicitaparafazerexistirasuaobra.Masnãose limitaa issoeexigetambémqueelesretribuamessaconfian- çanelesdepositada,quereconheçama liberdadecriadorado autore asolicitem,porsuavez,atravésdeumapelosimétri- coe inverso.Aquiapareceentãoo outroparadoxodialético" Idaleitura:quantomaisexperimentamosa nossaliberdade,: maisreconhecemosa dooutro;quantomaiseleexigedenós, ! maisexigimosdele. -~ Quandomeencantocomumapaisagem,sei muitobem quenãosoueuquea estoucriando,masseitambémque,sem mim,as relaçõesquese estabelecemdiantedos meusolhos entreasárvores,a folhagem,a terra,a relva,emabsolutonão existiriam.Essaaparênciadefinalidade'quedescubronavarie.~ dadedascores,naharmoniadasformas,nosmovimentospro-. vocadospelovento,seibemquenãopossoexplicá-Ia.Elaexis. te,porém,estáaí,diantedosmeusolhos;afinal,nãopossofa- zer com'quehajao sera menosqueele já seja;porém,mes. moqueeucreiaemDeus,nãopossoestabelecernenhuma passagem,anàoserpuramenteverbal,entreauniversalsoli- citudedivinae o espetáculoparticularqueestouconsideran- do:dizerqueDeusfeza paisagemparameencantar,ouque mefezdetalmodoqueapaisagemmeagrade,étomaruma perguntaporresposta.O casamentoentreesse,azule essel verde,foipremeditado?Comosaber?A idéiadeumaprovidên-J ciauniversalnãopodegarantirnenhumaintençãosingular,so. bretudono'casoemquestão,poiso verdedarelvaseexplica porleisbiológicas,porconstantesespecíficas,porumdeter- minismogeográfico,aopassoqueoazuldaáguaencontrasua razãonaprofundidadedorio,nanaturezadosolo,narapidez dacorrenteza.A combinaçãodascores,seédesejada,sópo;, desê-loporacréscimo,éoencontrodeduassériescausais,is. toé,àprimeiravista,resultadodoacaso.Namelhordashipó-, teses,a finalidadecontinuaproblemática.Todasasrelações' queestabelecemospermanecemhipóteses;nenhumfimnosé propostoàmaneiradeumimperativo,jáquenenhumserevela 44 (H"E J:: :\ LlTER..\TI 'IU:' 'expressamentecomo tendosido desejadopor umcriador,I ;Em conseqüência.nossaliberdadejamaisésolicitadapelabele- zanatural.Oumelhor:nesseconjuntodefolhagens.formase movimentosháumaaparênciadeor.dem,portantoumailusão deapelo,queparecesolicitaressaliberdade.masquelogo sedesvanecesobo nossoolhar.Mal começamosa percorrer comosolhosessaordenaçãoe o apelodesaparece:ficamos sós,livresparaassociarestacoràquelaoutraouaumatercei- ra,pararelacionara árvorecoma água,oua árvorecomo 'céu,ouaárvorecomo céue aágua.Minhaliberdadesetor- 'na capricho;à medidaqueestabeleçorelaçõesnovas,mais meafastodailusóriaobjetividadequemesolicitava;sonl1oso- brecertosmotivosvagamenteesboçadospelascoisas,areali- dadenaturalnãoé maisqueumpretextoparadevaneios.Ou então,porterlamentadoprofundamentequeaquelaordena- ção,percebidaporuminstante,nãometenhasidooferecida porninguém,e portantonãosejaverdadeira,podeacontecer queeufixeomeusonho,queo transponhaparaumatela.pa- raumtexto.Assim,interponho-meentrea finalidadesemfim queaparecenosespetáculosnaturaise oolhardosoutrosho- mens;transmito-aaeles;porestatransmissão,elasetornahu- mana;aarteéaquiumacerimôniadodomesóodomopera umametamorfose:existeaíqualquercoisacomo,a transrriis- sãodetítulose poderesnomatronimato,emquea mãenão detémosnomesmasé a intermediáriaindispensávelentreo tioe o sobrinho.Umavezquecapteidepassagem'essailu. são,umavezquea proponhoaosoutroshomens,e quejá a pusemevidência,repensadaparaeles,estespodemexaminá- Iacomconfiança:elasetornouintencional.Quantoa mim,é claro,mantenho-menolimiteentreasubjetividadeeoobjeti- vo,semjamaispodercontemplara ordenaçãoobjetivaque transmito. Oleitor,aocontrário,progridecomsegurança.Pormais longequevá,o autorjá foimaislongeainda.Quaisquerque sejamasrelaçõesqueestabeleçaentreas diferentespartes dolivro- entreoscapítulosouentreaspalavras- o leitor temumagarantia:é queessasrelaçõesforamexpressamente desejadas.Elepodeaté,comodizDescartes,fingirqueexis- te limaordemsecretaentrecertaspartesqueparecemnão ')1;-.: !t... " I ::' ! r; ~~ . fi ,'~I,( i f. ~~~~ ir' POR Ql:(': (,:SCJ{(.:\'lm:' 45 ternenhumarelaçãoentresi;ocriadoroprecedeunessadire'~çãoeasmaisbelasdesordenssãoefeitosdaarte,istoé,conti~: nuamsendoordem.A leituraéindução,interpolação,extrapo.; , lação,e o fundamentodessasatividades.repousanavontade \ : "~ doautor,domesmomodocomoseacredItou,pormuitotem- . po,queofundamentodainduçãocientíficarepousavanavon- tadedivina.Umaforçasuavenosacompanhaenossustenta: daprimeiraatéaúltimapágina.Isso.nãoquerdizerquedecio fraremossemdificuldadeasintençõesdoartista:comodisse- mos,elassãoobjetodeconjecturas,e existeumaexperiência. doleitor;masessasconjecturasseapóiamnagrandecerteza'~', quetemosdequeasbelezasqueaparecemnolivronuncare- sultamdeencontros.A árvoreeocéu,nanatureza,sósehar- monizamporacaso;no romance,aocontrário,seos heróis seacham11estatorre,nestaprisão,sepasseiamporestejardim, trata-seaomesmotempodarestituiçãodesériescausaisinde- pendentes(apersonagemestavaCOJl1certoestadodeãnimo devidoa umasucessãodeeventospsicológicosesociais;por outrolado.dirigia-separadeterminadolugareaconfiguração dacidadea obrigavaa atravessarcertoparque)e daexpres- sãodeumafinalidademaisprofunda.poisoparquesóganhou existênciaparaseharmonizarcomdeterminadoestadodeâni. mo,paraexprimi-Iopor meiodascoisasou destacá-Iopor meiodeumvivocontraste;e o próprioestadodeânimofoi concebidoemligaçãocoma paisagem.Aquia causalidadeé' queé a aparênciae poderíamosdesigná-Iapor"causalidade semcausa",e afinalidadeéqueéa realidadeprofunda.Mas seposso,assim,subordinarcomtantasegurançaaordemdos finsà ordemdascausas,équeafirmo,aoabriro livro,queé daliberdadehumanaqueo objetoextraia suafonte.Sesus- peitassequeoartistaescreveumovidopelapaixãoeemesta- do de paixão,minhaconfiançadesapareceriade imediato. poisdenadavaleriaterapoiadoa ordemdascausassobrea ordemdosfins;estaúltimaseriasustentada.porsuavez,por umacausalidadepsíquicae,finalmente,aobradeartereingres- sarianacadeiadodeterminismo.Quandoleionãonego,éver- dade,queo autorpossaestarapaixonado,oumesmoquete- nhaconcebidoo primeiroesboçodasuaobrasobo império dapaixão.Masasuadecisãodeescreversupõequeassuma\\, 46 (JI'E I~.\ LITERATI.'JC\:' umdistanciamentoemrelaçãoàssuasafeições;empoucaspa- lavras,quetenhatransformadoas suasemoçõesememoções livres, comofaçocomas minhas,ao lê-lo,isto é, queesteja ematitudedegenerosidade.Assima leituraéumpactodege- nerosidadeentreo autore o leitor;'cadaum confiano outro. contacomo outro,exigedo outrotantoquantoexigede si mesmo.Essaconfiançajá é, emsi mesma,generosidade:nin- guémpodeobrigaro autora crer queo leitorfaráusodasua liberdade;ninguémpodeobrigaro leitora crer queo autor fez usoda sua.É umadecisãolivre quecadaum delestoma . independentemente.Estabelece-seentãoumvaivémdialético; quandoleio,exijo;oqueleio,então,desdequeminhasexigên- ciassejamsatisfeitas,meincitaa exigirmaisdo autor,o que significa:exigirdoautorqueeleexija maisde mimmesmo. Reciprocamente,a exigênciado autoré queeu leveao mais , altograuasminhasexigências.Assimaminhaliberdade.ao se manifestar,desvendaa liberdadedooutro. Poucoimportaqueo objetoestéticosejao produtode umaarte"realista"(ouquese pretendacomotal)oudeuma arte"formal".De qualquermaneira,as relaçõesnaturaissão invertidas:estaárvore,noprimeiroplanodeumquadrodeCé- zanne,surgedeiníciocomoprodutodeumencadeamentocau- sal.Mas a causalidadeé umailusão;permanecerá,semdúvi- da, comoproposição,enquantofitarmoso quadro,masserá sustentadaporumafinalidadeprofunda:seaárvorefoicoloca- da ali é porqueo restodo quadroexigiaque se colocassem noprimeiro planoestaformae estas cores. Assim, através dacausalidadefenomênica,o nossoolharatingea finalidade, comoaestruturaprofundadoobjetoe,paraalémdafinalida- de,atingea liberdadehumanacomosuafontee fundamento original.O realismodeVermeeré tãoacentuadoquese pode- riacrer,numprimeiromomento,queé fotográfico.Mas quan- doseconsiderao esplendordesuamatéria,a glóriaróseae aveludadadesuasparedezinhasde tijolo, a densidadeazul deumramode madressilva,a obscuridadeenvernizadade seusvestíbulos,acarnealaranjadadeseusrostosbrunidosco- moa pedradaspiasdeáguabenta,sente-sederepente,pelo prazerquese experimenta,que a finalidadenão estátanto nasformasou nascorescomoemsuaimaginaçãomaterial:é i: 'I!.;,:. ; , ' Ii, ",.,; .:} :'lrh :~" :,1\1' ;11. 'o! " ..,')' ~J l'OJ{ (~I.:E ESCJW\'ER? 47'. 'f! ,- ,,' a própriasubstância,amassadascoisas,queconstituiaquia razãodeserdesuasformas;comesserealistachegamos,tal- vez,o maispróximopossíveldacriaçãoabsoluta,já queé na própriapassividadedamatériaqueencontramosa insondável liberdadedo homem. Ora, a obrajamaisse limitaao objetopintado,esculpi- do ou narrado;assimcomosó percebemosascoisassobreo fundodo mundo,tambémos objetosrepresentadospelaarte aparecemsobreo fundodo universo.As aventurasde Fabrí- cio têmcomopanode fundoa Itália de 1820,a Áustria e a França,o céucomseusastros,consult~dospelopadreBlanes e, por fim, a terrainteira.Se o pintornosapresentaumcam- po ouumvasodeflores,seusquadrossãojanelasabertaspa- ra o mundointeiro;essecaminhovermelhoquepenetrapelos trigais,nóso seguimosbemmaislongedoqueVanGogho pintou,entreoutroscamposdetrigo,soboutrasnuvens,até um rio quese lançano mar;e prolongamosao in.finito,atéo outroladodomundo,a terraprofundaquesustentaaexistên. ciadoscamposedafinalidade.Demodoque,atravésdospau. cosobjetosqueproduzou reproduz,o atocriadorvisaa uma retomadatotaldomundo.Cadaquadro,cadalivroéumarecuo peraçãodatotalidadedoser;cadaumdelesapresentaessato- talidadeà liberdadedoespectador.Poisé bemestaa finalida- deúltimadaarte:recuperarestemundo,mostrando-otal co- mo ele é, mas como setivesseorigemnaliberdadehumana. Mas comoaquiloqueo autorcria só ganharealidadeobjeti- vaaosolhosdoespectador,é pelacerimôniado espetáculo - eparticularmentedaleitura- queessarecuperaçãoécon- sagrada.Estamosagoraemcondiçãoderesponderà pergun- ta feitahá pouco:o
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