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4~ o PRIlNCiPIO IDA CONTRADIÇÃO o que se chama "princípio da contradição" é o princípio segun- do o qual é impossível que um enunciado que se contradiga seja verdadeiro. Para ser exato, ter-se-ia portanto que falar em prin- cípio da contradição excluída. Vimos no capítulo 3 que um enun- ciado é necessariamente (analiticamente) verdadeiro se ele é verdadeiro devido ao mero Significado das expressões nele uti- lizadas, e isso significa: a negação de um tal enunciado implica - devido ao mero significado das expressões nele utilizadas - urna contradíção. A verdade necessária de um enunciado se funda portanto na falsidade necessária de uma frase explicitamente con- tradítória; i. é, ela se funda na verdade necessária do princípio da contradíção (excluída). Com isso se coloca a questão sobre o que exatamente o próprio princípio da contradíção significa e onde se funda, por sua vez, a necessidade desse princípio. Ou será que é mesmo sensato se perguntar pela fundamen- tação de um tal princípio que é, de algum modo, último? O recuo na fundamentação não tem que encontrar um fim em algum lugar? Ora seria certamente insensato querer fundamentar a ver- dade necessária desse princípio através de um outro princípio qualquer; isso seria insensato porque se colocaria então de novo, com respeito a este princípio, a questão sobre sua fundamenta- ção. Isso mostra apenas que não podemos buscar nessa direção resposta à nossa questão; mas não mostra, que a questão en- uanto tal não é sensata. A questão não pode ser: sobre o que ~, é, sobre que outro princípio)se funda a necessidade do princí- io da contradição? Podemos apenas perguntar em que se funda ua necessidade, em que ela consiste. 43 44 Se se quisesse, ao invés, rejeitar totalmente essa questão, então essa rejeição significaria que o princípio da contradição seria reduzido ao estatuto de mera pressuposição, de uma hipó- tese cega. Essa concepção segundo a qual a aceitação do prin- cípio da contradição representa simplesmente um ato decisório, uma decisão prévia racíonalísta, é freqüentem ente defendida. Seria então possível "decidir-se" contra esse princípio pelo fato de se defender um "irracíonalísmo" ou um racionalismo "díalé- tíco", pretensamente mais elevado, que incluiria a afirmação da possibilidade e realidade da contradição. Não deve ser discutido aqui se seria impossível "decidir-se" contra o princípio da con- tradição. É importante apenas que se explique o que uma tal decisão implica e isso é feito justamente ao se esclarecer o que se entende por esse princípio e em que consiste sua necessi- dade. Isso foi feito raramente. Entre os lógicos, o princípio é na maioria das vezes pressuposto simplesmente; também entre os filósofos apenas poucos se ocuparam dessa questão. A exposi- ção mais importante do princípio da contradição, que em sua idéia fundamental não foi até hoje superada, se encontra na Me- tafísica de Aristóteles. A exposição contemporânea mais elu- cidativa está contida em Introduction to Logical Ttieoiv, de Strawson. O que se entende por "contradição"? Alguém se contradiz quando diz que algo é e ao mesmo tempo afirma que esse algo não é. Se tomamos "p" como uma variável para uma frase enun- ciativa qualquer, então toda contradição terá forma do seguinte enunciado composto: "p e não-p". Pode não ser sempre claro se uma frase determinada na qual ocorre um sinal de negação é a negação de "p". Trataremos de tal dificuldade no capítulo 5. Precisamos portanto de um critério claro por meio do qual pos- samos reconhecer uma frase dada como a negação de uma outra frase. Aqui nos auxilia a conexão entre negação e falsidade. Se negamos uma frase (ou o enunciado feito por meio dela), afirma- mos que ela (ou o enunciado feito por meio dela) é falsa. Uma frase "q" é portanto a negação de uma frase "p" (e está conse- qüentemente no lugar de "não-p") se ela só é verdadeira quando "p" é falso. Chama-se também a frase que só é verdadeira quan- cio "p" é falso de oposto contraditório de "p". Isso nos fornece ao mesmo tempo uma outra formulação do princípio da contradição quivalente à precedente: dois enunciados contraditoriamente postos um ao outro não podem ser verdadeiros ao mesmo tempo. Ambas as formulações também já se encontram em Aristó- L les (Metafísica 1006al; lOllb13s). Elas são válidas, de modo totalmente geral, para todos os enunciados, não importando a strutura destes últimos. Aristóteles, no entanto, faz sua expo- uíção do princípio da contradição voltado para o caso especial cios enunciados predicativos. Isso se explica, por um lado, pelo r to de Aristóteles, como já vimos, considerar apenas enuncia- elos predicativos. Em segundo lugar, essa limitação é, nesse c se, também justificada e exigida por razões de caráter conteu- dístíco. já que, como ainda veremos mais tarde (13.4), a verdade falsidade de todas as outras formas sentenciais remetem a essa forma e, por isso, é aqui, na forma predícatíva, que tem que se expor o problema, na base, por assim dizer. Se aplicamos a formulação geral sobre o caso particular das rr ses predicativas, então obtém-se o seguinte resultado: "É ne- 1 ssariamente falso que a seja F e a não seja F". Mas já vimos ( m relação ao "não" que é problemático fixar o príncíplo da con- i,r dição em uma formulação verbal determinada. A formulação 'I ssica do princípio da contradição dada por Aristóteles é a II guinte: "É impossível que um e o mesmo (predicado) se aplí- 'que e não se aplique, sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo, 1 um e ao mesmo (sujeito)" (1005b19s). Essa formulação se dife- I ncia da formulação formal, há pouco exposta, através do acrés- cimo "sob o mesmo aspecto" e "ao mesmo tempo"; Aristóteles nlnda completa a formulação acima citada com a observação: "e 11 isso sejam ainda acrescentadas as outras determinações adi- cionais devido às objeções lógicas". Por que esses acréscimos são necessários? Uma das objeções 111 ís naturais ao princípío da contradição está em se dizer: é completamente possível que um e o mesmo predicado se aplí- ru e não se aplique a algo; sem dúvida ele pode se aplicar ao objeto em um momento e não se aplicar em um outro momento. li; ssim que Hegel também escreve o seguinte em sua Logik: "O movimento sensível exterior" é "a existência imediata" da con- 45 tradição'. Por isso Aristóteles acrescenta propositadamente a ex- pressão "ao mesmo tempo". Mas o tempo é, na verdade, apenas um aspecto entre muitos outros sob o qual um predicado pode tanto se aplicar quanto não se aplicar a um objeto. Do mesmo modo que não há contradição quando um predicado se aplica e não se aplica a um objeto em tempos diferentes, não há também contradição quando um predicado se aplica e não se aplica a um objeto em lugares diferentes. Se uma tulipa for, com efeito, ver- melha, mas possuir uma mancha branca, pode-se, dado o caso, responder veridicamente à pergunta "Essa tulipa é vermelha?" apenas com "sim e não". Essa necessidade de precisão de um enunciado predicativo pode surgir contudo também com respei- to a outros aspectos. Mesmo que a tulipa tenha a mesma cor em todos os lugares, sob certas circunstâncias pode-se responder veridicamente à pergunta sobre se ela é vermelha apenas com "sim e não" (Ela é vermelha e contudo também não-vermelha), quando p. ex. o predicado "vermelho" é demasiadamente pouco preciso para atingir a nuance determinada de cor entre o verme- lho e o violeta que a tulipa em questão possui. Aristóteles pode- ria então ter abandonado o acréscimo "ao mesmo tempo" porque este está contido no segundo acréscimo "sob o mesmo aspecto". O segundo acréscimo é contudo indispensável, já que não podemos saber antecipadamente quantos aspectos diferen- tes podem ser destacados, aspectos estes que exigiriam sempre mais uma vez um "sim e não'". Esse acréscimo contém portanto uma indicação aberta para precisões eventualmente necessá-rias. Com respeito a isso pode-se ter a impressão de que quem quer preservar o princípio da contradição corre, por assim dizer, atrás daquele que consegue, sempre, mostrar mais uma vez con- tradições aparentes. Desse modo poderia parecer quase arbitrá- rio querer preservar o princípio da contradição. Por isso torna-se ainda mais premente a questão de sua fundamentação. 1. Hegel, Wissenschaft der Logik, t. 2, p. 59. . 2. Cf. a exposição do princípío da contradição feita por Nagel em seu artigo "Logic Without Ontology". . • 46 Aristóteles trata desse problema na Metafísica N, 4. Ele in- dica inicialmente ser impossível que o princípio da contradição /loja demonstrado diretamente (1006a5s). A única coisa que se poderia fazer seria refutar aquele que nega o princípio. Só que uma demonstração indireta normal através da refutação do oposto também não é possível, pois uma tal demonstração pres- supona que se pudesse indicar uma contradição na hipótese do oposítor. Mas isso não poderia atínqi-lo nesse caso em que sua hipótese consiste justamente na negação do princípio da contra- (lição. A refutação tem que ter portanto um caráter especial. A única coisa que se quer que o opositor admita é que ele f Ia, que ele diz algo. E isso ele faria quando negasse o princípio (I contradição. Se ele, ao contrário, não dissesse nada, então 11 ria ridículo que se devesse argumentar com alguém que, por nua vez, não diz nada, "pois uma tal pessoa é, desse modo, ape- 11 s como uma planta". Ora, o que está implícito quando alguém dmite que diz algo? Dizer algo significa "dar algo a entender (,'emaínein) tanto para si mesmo quanto para um outro" (1006a21). D r algo a entender significaria contudo dar algo de determinado (lJorismenon) a entender (1006a24). Quem não desse uma coisa (llgo de determinado) a entender não daria nada a entender (1006b7). No capítulo 1 já levantamos a questão sobre se a necessi- cl de do princípio da contradição - e, com base nesta, sobre se I necessidade da lógica em geral - se fundaria na essência do , IJGr (da realidade), do pensar ou do falar. Aristóteles dá uma res- posta inequívoca a esta pergunta: A condição de possibilidade Il ra que se fale - e isto significa: para que se dê algo a entender é que se fale algo de deterrnínado''. 3. Aquelas demonstrações que fundamentam a necessidade de um princípio mostrando que aquilo que está dito nele é a "condição de possibilidade" de uma atividade uom a qual nós não poderíamos nos imaginar foram caracterizadas, na época mais recente, IIIlQulndo-se Kant, como "argumentos transcendentaís". É assim que Kant tentou funda- montar determinados princípios - p. ex., a lei da causalidade": de modo que esses 1IIInolpios representassem condições de possibilidade de nossa experiência. Nesse uonuoo a argumentação aristotélica sobre o príncípío da contradição seria portanto um "/11 umento transcendental", já que aí é mostrado que o princípio da contradição é a uondíçêo de possibilidade para se falar significativamente. No geral esses argumentos 1IIII1I11adostranscendentais parecem contudo, se vistos íormalrnente, ser simplesmente nxuosrções de relações analíticas. Só que a fundamentação do princípio da contradição I\li/lume aqui uma posição Singular, pois ela não pode ser caracterizada como analítica já uu todas as frases analíticas, por sua vez, se fundam no princípio da contradição. 47 48 Ainda não está totalmente evidente como disso deve se se- guir o princípio da contradição. Aristóteles tenta mostrar isso no texto subseqüente (l006a31s): Podemos dizer algo de determi- nado através de uma frase predicativa apenas quando o predica- do significa algo de determinado. Contra isso erguem-se duas objeções. A primeira está no fato de predicados possuírem fre- quentemente múltiplos significados. Essa objeção é, assim res- ponde Aristóteles, irrelevante se pelo menos a pluralidade dos significados de uma palavra for, por sua vez, uma pluralidade determinada (l006a34-b2). A segunda objeção diz que os objetos aos quais aplicamos predicados têm sempre uma pluralidade (e talvez uma pluralidade indeterminada) de determinações. Aris- tóteles responde a essa objeção do seguinte modo: "O (predíca- do) 'homem' não somente é aplicado a um objeto, mas também significa algo determinado" (l006b14). Usando uma terminologia atual, pode-se dizer que há que se diferenciar, portanto, entre o significado do predicado e o objeto ao qual ele é aplicado. En- quanto o objeto está, com efeito, dado em uma multiplicidade indeterminada de aspectos, o significado do predicado tem que ser um significado determinado de modo inequívoco. Aristóteles conclui então seu pensamento do seguinte modo (l006a28-34): Se um predicado (p. ex., "homem") significa algo de determi- nado, então ele não pode significar ao mesmo tempo o seu opos- to (p, ex., "não-homem"); é portanto impossível que, quando se diz, veridicamente, de algo que este algo é um homem, se possa dizer ao mesmo tempo também veridicamente deste algo que ele não é um homem. Por mais convincente que seja o princípio da argumentação aristotélica, os últimos passos não podem ser satisfatórios. O valor posicional que a palavra "não" possui em conexão com a determinação do predicado não é mostrado de um modo real- mente claro. Com respeito à determinação do predicado, a obje- ção adicional de que muitos (ou talvez todos) os predicados são vagos também permanece fora de consideração. No que toca essa questão podem nos auxiliar as reflexões de que se serve Strawson para o esclarecimento do princípio da contradíçâo", Enquanto que em Aristóteles tem-se a impressão 4. Cf. Strawson, IntrQduction to Logical Theory, capo 1. de que o predicado representa algo de fechado em si, algo que é ligado de algum modo ao objeto", Strawson compreende o predicado, de antemão, a partir da função que ele, relacio- nando-se ao objeto, desempenha no discurso (em um ato de predicação): "Um dos fins principais para os quaís empregamos a linguagem é o de relatar acontecimentos e descrever coisas e pessoas. Tais relatos e descrições são como que respostas a perguntas da forma 'como era isso?', 'como é isso (ele, ela)?' Descrevemos algo - dizemos como ele está constituído - ao usarmos palavras para isso, palavras que também estamos dispostos a usar para outras coisas. Contudo não para todas as outras coisas. Uma palavra que usássemos para todas as coisas sem exceção (...)seria inútil para as finalidades da descrição. Pois, se dizemos como uma coisa está constituída, então nós não apenas a comparamos com outras coisas, mas também a diferen- ciamos de outras coisas (Estas não são duas atividades, mas sim dois aspectos de uma mesma atívídade)"." É evidente que as palavras das quais fala Strawson aqui são justamente aquelas que são também caracterizadas por ele no restante do texto como predícados" O sentido do emprego de um predicado - sua função - é, segundo Strawson, o fato de lassificarmos (compararmos-e-diferenciarmos) através dele um bjeto. O contraste entre o "é assim" e o "não é assim" pertence I ortanto, de antemão, ao sentido do predicado, predicado este ue não podemos de modo algum entender independentemente to ato de predicação que é expresso no enunciado predicativo tnteíro. O uso de um predicado pressupõe - assim esclarece Straw- non no texto subseqüente - algo como o traçar uma fronteira: ao 6. Isso se conecta com a concepção da predícação como síntese, ct, capo 3 e 110111tudo a crítica dessa concepção no capo 6. 6. Strawson, Jntroduction to Logical Theory, p. 5. 7. Estamos ainda usando aqui o termo ambíguo "predicado". A explicação dada por llilllwson já corresponde contudo à explicação puramente semântica que daremos para "uurnos gerais" no capo 6. 49 aplicarmos o predicado a um objeto, damos a entender que o objeto se encontra de um lado dessa linha de fronteira e não dooutro. Essa descrição permite que a relação salientada por Aris- tóteles entre o sentido do falar como um dar -algo-a-entender e a determinação seja compreendida mais claramente do que o permitiram as exposições do próprio Aristóteles: a razão de nós, ao dizermos algo, dizermos algo de determinado está no fato de uma predicação só poder ser informativa (e isso significa justa- mente: poder dar algo a entender) quando é afirmado com ela que o objeto está de um e não do outro lado da linha de fronteira, traçada através do predicado. Pode-se agora formular também o ganho para o princípio da contradição de modo concludente: se o valor informativo de uma predicação consiste no fato de, atra- vés dela, um objeto ser colocado de um lado ao invés de do outro lado de uma linha, segue-se imediatamente que, se colocamos o objeto tanto de um quanto do outro lado da linha, o valor in- formativo do enunciado é igual a zero. A formulação de Arístó- teles pode ser aqui rigorosamente aceita: Não demos, no sentido estrito, nada a entender. Comportar-nos-íamos como se, no jogo de xadrez, fizéssemos um lance e imediatamente depois recuás- semos o lance. Pode-se agora eliminar um equívoco que vinha sempre es- capando aos filósofos que não esclareceram a estrutura exata da predicação. É que de acordo com a exposição de Aristóteles desse assunto poder-se-ia ser levado a dizer o seguinte: "Todo predicado é portanto algo de determinado e, enquanto tal. algo de diferente de todos os outros predicados. Disso teria que se seguir o fato de já surgir uma contradição quando dois predíca- dos diferentes são atribuídos a um objeto, p. ex. ele ser vermelho e ser anguloso. Pois o ser-anguloso não é idêntico ao ser-verme- lho. Se portanto se diz de um objeto que ele é vermelho e angu- loso, isso parece ser o mesmo que dizer que ele é vermelho e não vermelho". E quem tem uma tendência para a 'dialética' acres- centará: "Isso mostra que a realidade assim como nossa lingua- gem são em si contraditórias; lógico formal evade essa intuição apenas por meio de díferencíações ad hoc". A exposição de Strawson mostra onde está o erro neste equí- voco. A determinação de um predicado não está no fato de este 50 . 1'1 dicado estar diferenciado de todos os demais predicados, mas 111mno fato de o objeto ser diferenciado de outros através deste Pl dicado. Se alguém diz "Isso não é vermelho" , ele afirma ape- li que o objeto está no outro lado da linha traçada pelo predi- ; do. Isso não exclui certamente possíveis enunciados positivos I terminados. É que nós também podemos empregar um predi- , do positivo para o outro lado da fronteira traçada pelo predica- (10. Ao invés de dizer "Isso não é curvo", podemos dizer "Isso é r to". Podemos, no entanto, também - e esse é o caso mais omum na linguagem - subdividir, por sua vez, o campo deixado nn aberto para além da fronteira através do traçamento de outras üonteíras. como fazemos, p. ex., quando dividimos o âmbito il ra além da fronteira traçada por "vermelho" em azul, amarelo, te. Os predicados "vermelho", "azul", "amarelo", etc. estão em \ Im plano e portanto se excluem reciprocamente do mesmo modo que "vermelho" e "não-vermelho". Strawson usa nesse .ontexto o termo "âmbito de incompatibilidades" (p. 6). Os pre- dlcados "vermelho", "azul", "amarelo", etc. pertencem ao mes- mo âmbito de incompatibilidades. Um âmbito de incompa- I.Ibilidades é definido do seguinte modo: dois predicados "F" e " "são incompatíveis um com o outro, i. é, pertencem a um mbito de incompatibilidades, se o enunciado "a é G" implica o nunciado "a não é F" e o enunciado "a é F" implica o enunciado " não é G". Uma vez que "a é G" é apenas um caso de "a não ]'i''' (se "F" e "G" pertencem ao mesmo âmbito de incompa- , ühílídades), "a é G" tanto está em contradição com "a é F" como .orn "a não é G". Uma vez que um predicado como, p. ex., "an- iuloso" não está em um âmbito de incompatibilidades com "ver- melho" (i. é, não está no mesmo campo de traçados predicativos to fronteiras), ele pode, naturalmente, apesar de não ser idêntico 1 "vermelho", ser aplicado ao mesmo objeto a que se aplica "vermelho". A idéia de que existiria um tipo de contraditorieda- cio no fato de uma coisa ter várias qualidades não idênticas urnas com as outras se apóia portanto em um equívoco sobre o valor posícíonal da palavra "não" ou em uma confusão do "é" no sen- U o da cópula e do "é" no sentido da identidade (cf. sobre isso c pítulo 12). Com auxílio dos esclarecimentos de Strawson podemos ago- r esclarecer também mais precisamente em que sentido o prin- cípío da contradição também é válido quando o predicado em- 51 pregado não está perfeitamente determinado. Foi mostrado que uma predicação consiste essencialmente no fato de um objeto ser colocado de um lado da linha de fronteira classificatória, ao invés de ser colocado do outro lado. Surge uma contradição quando se coloca o objeto de um e também do outro lado dessa fronteira. A fronteira é, contudo, sempre mais ou menos pouco precisa. É essa circunstância que leva a dificuldades naqueles casos em que se mostra que o objeto se encontra justamente no risco pouco claro entre os dois campos. Pode-se então, como já vimos há pouco, responder apenas com "sim e não" à pergunta sobre se o objeto é, p. ex., vermelho, e é legítimo em tais situa- ções responder desse modo. É legítimo pressupondo-se que se esteja disposto a precisar até que ponto "sim" e até que ponto "não", p. ex. pelo fato de o objeto ser apenas parcialmente ver- melho ou estar na fronteira entre o vermelho e o violeta ou algo de semelhante. Apenas quem não está disposto a fazer nenhuma precisão deste tipo, quem diz "Eu não tenho nada disso em vis- ta; tenho em vista exatamente aquilo que digo, a saber: que ele é vermelho e não é vermelho", é que se contradiz, e isto significa, como vimos nesse meio tempo, que, ao dizer algo e retirar de novo imediatamente esse algo, ele não diz nada. O princípio da contradição não pressupõe portanto, de modo algum, que tenhamos predicados perfeitamente determinados; ele (ou, melhor dito, o sentido da predicação) implica contudo sermos forçados, em situações determinadas, a determinar mais precisamente nossos predicados. O "ser determinado de modo mais preciso" é portanto algo que não existe de antemão, mas sim algo que surge de modo progressivo justamente através do princípio da contradição. Essa é também a razão por que não se pode enurrierar antecipadamente todos os aspectos limitadores que, como vimos, seriam necessários em uma formulação for- malista do princípio da contradição. Torna-se agora também in- teligível por que quem se mantém preso ao princípio da contradição tem que, de certo modo, sempre correr atrás daque- le que consegue apresentar constantemente novas contradições aparentes. A tensão aqui existente é uma tensão entre o sentido da predicação, o qual exige uma determinação no sentido de um "sim ou não", e os predicados que estão efetivamente à dísposí- 52 ção, os quais estão sempre apenas mais ou menos determi- nados. Isso nos leva finalmente à questão sobre se talvez, através da natureza da realidade, não se poderiam traçar limites à pos- sibilidade de uma determinação que progrida continuamente. Isso pode de fato se dar. A relação de indeterminação na física um exemplo. Só que tem que se ter exatamente claro o que uma tal situação acarreta como conseqüência. A conseqüência ó que, em âmbitos determinados, não se pode mais fazer ne- nhum enunciado referente a certos aspectos de um objeto. Isso não acarreta contudo a conseqüência de que o princípio da con- tradição não seria mais válido nesses âmbitos. O princípio da ontradição sempre pressupõe que se possa dizer algo de deter- minado e, quando isso não é possível, não podemos também dizer nada que pudéssemos contradizer. O princípio da contradição não é uma lei sobre arealidade; I necessidade que ele expressa se funda no significado de nos- 11 s expressões verbais, especialmente no significado das duas xpressões "não" e "é", e no significado da forma da predicação. ,'ob este aspecto passa-se com o princípio da contradição exa- L mente o mesmo que com toda frase analítica. O fato de uma li se analítica ser necessariamente verdadeira significa que ela empre válida para a realidade, mas ela é válida para esta nlmplesmente por ser mera conseqüência do fato de determi- 110 as palavras estarem em uma relação significativa determi- 11(1 a. A frase "Se alguém é solteiro, ele é não casado" é neces- Illriamente verdadeira independentemente de se há ou não sol- 1,( Iras; e o princípio da contradição é necessariamente verdadei- 10 independentemente do fato de se poder ou não fazer (11 nciados sobre algo. Só que: Se um ser na realidade é solteiro, ( IIL o ele não pode ser casado; e se é possível fazer um enuncia- (11) obre algo, então não se pode fazer o enunciado oposto sobre (11t algo. oder-se-ia ainda perguntar o que significa esse "então não 11(pode"? O que significa essa impossibilidade? E o que síqní- II~\ dizer que o princípio da contradição é 'válido'? Essas ex- 111 ões têm todas em si algo de equivocante, pois elas podem III1 impressão de que uma força qualquer estaria instalada na 53 realidade, ou na linguagem, ou mesmo em nosso pensamento, ou de que reinasse aí uma lei sobre o céu e a terra a qual não se poderia transgredir. No entanto, o fato de uma frase analítica ser válida - de não poder ser de outro modo - signífica meramente que, se ela não fosse válida, haveria uma contradição - e não significa nada além disso. E o fato de o princípio da contradição, por sua vez, ser válido significa meramente que, se ele não fosse válido, não diríamos nada, nosso próprio falar seria suprimido - e não significa nada além disso. 54 INDICAÇÕES BffiLIOGRÁFICAS: Aristóteles, Metafísica N, 3-4. Nagel, "Logic Without Ontology" . Strawson, Introduction to Logical Theory, capo 1, §§ 1-8. Patzig, "Widerspruch". l !J ARACTERJSTICAS BA~ICAS DA tÓ<tnCA TRADICIONAL: TEORIlA DO JUÍZO E SIL06ÍSTICA A lógica tradicional, no sentido estrito de lógica da inferência, .onsístía na silcqístíca. Aristóteles definiu uma inferência (syllo- (jlsmós) como uma frase (Jógos) na qual, se se aceitam como (I das determinadas coisas, segue-se necessariamente uma ou- tr diferente das inicialmente aceitas (Analytica priori 24b18s). ontudo Aristóteles só considerou aquelas inferências nas quais lima conclusão predicativa resulta de duas premissas predicati- v S, pois ele se limitou, como já vimos no capítulo 2, à forma predícatíva de frases enunciativas. Já sabemos que Aristóteles concebe as frases predicativas corno consistindo de um nome e de um verbo, O nome nos dá o uujeíto do qual algo é dito, e o verbo nos dá o predicado que é IILO do sujeito. Contudo tais frases em que algo é dito de algo 11 ~ o parecem ser todas iguais. Consideremos os três exemplos a li guir: 1) Sócrates anda, 2) Todos os homens são mortais, 3) Alguns homens não são sábios. Inicialmente ocorre que apenas (1) consiste exatamente de (luas palavras, um nome e um verbo, enquanto que o predicado m (2) é "é mortal", sendo portanto composto do adjetivo "mor- 55 tal" e da palavra "é"; o predicado determinado aparece, neste caso, no adjetivo, enquanto que a palavra "é" expressa a cone- xão entre o conceito sujeito e o conceito predicado, sendo ela por esta razão caracterizada como cópula (do lat. copulare 'conectar'). Poder-se-ia dizer, com Aristóteles, que essa forma com "é" é a básica, pois a "conexão" entre o conceito sujeito e o conceito predicado, mesmo que ela não seja visível na superfície, tem que estar também contida em (1), implícita no verbo "anda". Aristó- teles esclarece isso ao dizer que, ao invés de "anda", se poderia dizer "é andante" (Metafísica 1017a28s). Contudo devem-se ainda observar outras diferenças. Assim, (1) é um enunciado sobre um objeto individual determinado, en- quanto que em (2) é dito algo sobre a totalidade dos homens - ou, como também se pode dizer, sobre a classe dos homens - e em (3) é dito algo sobre uma subclasse dessa classe. De modo análogo, a cópula em (2)e (3)não está no singular, mas no plural. Poder-se-ia contudo, ao invés da formulação "Todos os homens são mortais", dizer "Todo humano é mortal". Na lógica tradi- cional, os enunciados chamados singulares como (1) possuem apenas um pequeno papel. Aristóteles assimilou-os aos enuncia- dos universais como (2); e de certo modo isso parece sensato já que'se pode dizer que em ambos os casos o predicado se aplica sem exceções ao sujeito (cf. Kant, Logik, § 21, nota). Ainda ve- remos que essa assimilação encobre diferenças importantes. Além disso permanece ainda a diferença entre "todos", "alguns" e "nenhum" , pertencendo este último também à mesma série de expressões. Enunciados que começam com essas palavras são chamados enunciados gerais. Finalmente há ainda uma terceira diferença: (3) contém a palavra "não", isto é: (3) é um enunciado negativo, enquanto que (1) e (2) não contêm nenhuma expressão de negação e são ca- racterizados por isso como enunciados positivos ou afirmativos. Os juízos que Aristóteles considera têm portanto a forma Todo/AlgurnlNenhum S é / não é P.-Sujeito 56 "S" e "P" são marcadores de lugar (já indicamos no capo 3 iue o próprio Aristóteles utiliza tais letras variáveis), os quais I odem ser substituídos por palavras conceituais determinadas O ,como também se diz, por termos. A expressão "termo" tem ( r1gem no próprio Aristóteles. Ele a introduz na Analytica priora (24b16s) do seguinte modo: "Chamo, contudo, um termo àquilo m que a premissa é analisada, i. é, àquilo que se predica e uilo de que se predica, sendo que se acrescenta 'é' ou 'não é'. "Terminus" é a tradução latina da palavra grega "hóros", empre- 1 da por Arístóteles'. "S" e "P" estão portanto no lugar dos ter- mos do juízo. O fato de um juízo ser positivo ou negativo é , racterizado como sendo sua qualidade; a diferença entre "to- los" e "alguns", como sendo sua quantidade (sobre essas dife- r nciações, cf. Aristóteles, Ana1ytica priora 24a16, onde elas parecem pela primeira vez). Enunciados sobre "todos os S" ou "nenhum S" são chamados universais; enunciados sobre "alguns " são chamados particulares. Se se combinam entre si as dife- r nciações quanto à qualidade e as diferenciações quanto à quantidade, então se obtêm quatro formas possíveis de juízos eraís: A Todos os S são P E Nenhum S é P IAlguns S são P O Alguns S não são P universal positivo universal negativo particular positivo particular negativo Pode-se agora tornar claro que entre essas quatro formas de juízos" existem determinadas relações. Se negamos um enuncia- o da forma A, então obtemos um enunciado da forma O. Por 1. Em alemão é usual até hoje o emprego da expressão latina. A palavra "Term" que entretanto é encontrada com freqüência no lugar de "Terrninus" é um neologismo {l snecessário, no qual foi simplesmente tomada a tradução inglesa do lat. "termínus" (Isso não diz respeito ao uso determinado da palavra "Terrn" na matemática e na física, onde ela tem significados própríos e não o seu Significado clássico-lógico). 2. As letras "A", "E", "I", "O" são auxilias para nossa memória; pensa-se quanto a "1\" e "I" em "afirmo" (lat., 'eu afirmo'); quanto aos esquemas que contêm uma expressão n gativa, pensa-se em "nego" (lat., 'eu nego'). 57 exemplo: Se não é o caso que todos os filósofos sejam tediosos, então isso significa que alguns filósofos não são tedíosos''. De modo análogo, se negamos um enunciado da forma E, obtemos um enunciado da forma 1: Se não é o caso que nenhum filósofo seja tedioso (e isso significa que não é o caso que todos os filó- sofos não são tediosos),então isso significa o mesmo que dizer que alguns filósofos são tediosos. Como vimos no capítulo 4, aquela frase que é verdadeira exatamente quando "p" é falso é chamada o oposto contraditório de "r". Podemos portanto dizer que A e O, assim como também E e I, estão em uma relação contraditória (Aristóteles a chama de antiphasis), que A e O ou E e I se contradizem, que eles não podem ser, ambos, verdadei- ros. A e E também estão em uma certa oposição, contudo de um modo mais fraco; eles são juízos contrários (Aristóteles usa a expressão enantia; cí. De interpretatione 7). Na verdade também é válido com respeito a A e E que eles se contradizem, que eles não podem ser verdadeiros ao mesmo tempo. Mas E não é a negação pura e simples de A, mas sim - poder-se-ia dizer - apenas um caso particular da negação de A: o fato de não todos os filósofos serem tediosos (negação de A) é tanto o caso se um único não é tedioso como também se três ou cem ou todos não são tediosos. E é portanto apenas um caso possível da negação de A e "entre" A e E há os outros casos mencionados. A e E, na verdade, não podem portanto ser ao mesmo tempo verdadeiros, mas podem ser ambos falsos ao mesmo tempo, sendo um tercei- ro juízo verdadeiro. Com A e O ocorre algo diferente, pois eles estão em uma relação direta de negação: Ou todos os filósofos são tediosos ou não todos os filósofos são tediosos (i. é, alguns 3. Já é mesmo suficiente que um único não seja tedioso. A expressão "alguns" é usada na lógica com o mesmo sentido que "pelo menos um". Isso não corresponde, com efeito, ao uso da linguagem ordinária, onde só falaríamos de "alguns" quando houvesse mais de um. O fato de a lógica se desviar, nesse ponto, da linguagem ordinária possui boas razões, já que desse modo, podem-se mostrar relações de implicação importantes. De resto, não é necessário considerar esse ponto como um problema porque a dificuldade poderia ser simplesmente eliminada ao se ler o "alguns" na lógica sempre como o "pelo menos um" da linguagem ordinária. 58 não o são). A e O não apenas não podem ser verdadeiros ao mesmo tempo, eles também não podem ser falsos ao mesmo tempo: um dos dois tem que ser verdadeiro e o outro, falso. O f to de, de dois enunciados contraditórios "p" e "não-p", sempre OU "p" ou "não-p", ter que ser verdadeiro é chamado de lei do terceiro excluído. Essa lei é portanto válida para enunciados con- traditórios, mas não para enunciados contrários. O fato de essas duas espécies de oposições, a contraditória a contrária, serem possíveis resulta aqui do fato de um juízo da [arma A poder ser negado de dois modos. Pode-se primeiramen- Le negar o enunciado todo; teríamos deste modo "não: Todos os são p", resultando um enunciado contraditório com relação a fi.. Em segundo lugar o sinal de negação poderia estar no interior e A; teríamos deste modo: "Todos os S não são P", resultando m enunciado que está apenas em uma posição contrária com A. O fato de ambos os tipos de negação serem possíveis e leva- rem a resultados diferentes já nos deveria tornar céticos face à L oria tradicional que concebe as frases gerais como frases com urna estrutura simples de sujeito-predicado; esse fato leva-nos, o invés, a supor tratar -se de frases com uma estrutura mais complexa (cf. capo 6). A diferença entre oposição contraditória e oposição contrária nNo possui importância apenas no caso dos enunciados gerais: la é importante em geral. Lembremo-nos do conceito de predi- , dos incompatíveis de Strawson (cap. 4). Havíamos visto que um predicado (p. ex., "vermelho") pertence respectivamente a um âmbito determinado de incompatibilidades ou, como tam- hém se poderia dizer, pertence a um âmbito de possibilidades (I predicação (p. ex., "cor") e com a atribuição de um tal predi- . do são excluídos todos os outros predicados que pertençam [O mesmo âmbito de possibilidades de predicação (p. ex., " zul", "verde", "não-vermelho"). Uma concepção semelhante já /' encontra em Aristóteles (cf. Categorias, capo 10). Ele diz que predícados como "vermelho", "azul", etc., que caracterizam ob- 1 tos sob um mesmo aspecto, pertencem ao mesmo gênero. Há (J6neros como o das cores aos quais pertence toda uma série de predícados: há contudo também gêneros com exatamente ape- 11 s dois predicados (não só no caso de só termos faticamente 59 dois predicados, sendo que, ao encontrar novas diferenciações, poderíamos introduzir, para tanto, outros predicados, mas sim também no caso de só poder haver essas duas possibilidades; p. ex.: um número é par ou ímpar; não há nenhuma terceira possi- bilidade). Podemos obter uma tal contraposição entre dois pre- dicados em todos os outros casos, na medida em que reunimos, p. ex., através do predicado "não-vermelho", todos os predicados de cores excluídos pelo predicado "vermelho". É então válido para todos os objetos coloridos que eles têm que ser ou verme- lhos ou não-vermelhos, que não há nenhuma terceira possibi- lidade. Isso significa que o princípio do terceiro excluído é valido para este caso, que a relação dos predicados ou dos juízos cor- respondentes é portanto contraditória. Mas entre os predicados particulares de um gênero com mais de duas espécies só existe uma oposição contrária. Há na verdade uma contradição entre o juízo "O livro é vermelho" e o juizo "O livro é azul", mas o prin- cípio do terceiro excluído não se aplica aqui; os juízos podem ser ambos falsos ao mesmo tempo, p. ex., se o livro for preto. Voltemos, após esta digressão que visava esclarecer a pos- sibilidade mais geral do emprego da diferenciação entre juízos contrários e contraditórios, aos juízos gerais da tradição lógica. Uma relação semelhante à que existe entre A e E existe entre I e O; não se trata contudo da mesma relação. Os enunciados "Alguns filósofos são tediosos" e "Alguns filósofos não são tedio- sos" não se contradizem, podendo portanto ser ao mesmo tempo verdadeiros. Suas negações contudo se contradizem: "não: al- guns filósofos são tediosos" (i. é: "Nenhum filósofo é tedioso") e "não: alguns filósofos não são tediosos" (i. é: "Todos os filósofos são tediosos") se contradizem. Enquanto que A e E podem ser, ambos, ao mesmo tempo falsos, I e O podem ser, ambos, ao mesmo tempo verdadeiros. O princípio do terceiro excluído, por- tanto, também não é válido para I e O, e existe uma relação de contradição apenas para suas negações. Essa relação entre I e O foi caracterizada na lógica tradicional como subcontrária. Pode-se finalmente ainda considerar a relação entre A e I e entre E e O. É evidentemente válido para estes casos que A implica logicamente I (de "Todos os gatos são animais" segue-se "Alguns gatos são animais"), mas a recíproca não é válida: I não 60 ímplíca A ("Se alguns animais são gatos, então todos os animais ,~o gatos" não é válido). Analogamente E implica 0, mas a re- ciproca não é válida. Essa relação de implicação entre A e I ou ntre E e ° foi caracterizada como subalternação. As relações acima mencionadas podem ser classificadas no hamado quadrado das oposições: (Todo S é P) (Nenhum S é P) subcontrário o (Algum S é P) (Algum S não é P) Há ainda uma série de outras propriedades e relações entre A. E, I e ° consideradas pela lógica tradicional. Mencionemos penas um exemplo: as regras da conversão simples e da con- versão per accidens. Nas formas E e I é formalmente válido de- uzír, a partir de um enunciado, seu inverso: A partir de "Nenhum S é P" pode-se inferir "Nenhum PéS"; a partir de "Algum S é P" pode-se inferir "Algum PéS". Essa conversão simples não funciona no caso de A; p. ex., a inferência de "Todos os animais são gatos" a partir de "Todos os gatos são animais" não é válida; apenas a inferência do juízo mais fraco "Alguns nímaís são gatos" é válida neste caso. Essa conversão na qual não apenas os dois termos são trocados, sendo também a quan- tidade do juízoalterada, é chamada conversão per accidens. Juí- zos da forma 0, finalmente, não são conversíveis. 61 As relações apresentadas entre as várias formas de juízos gerais já possibilitam deduzir, de modo formalmente válido, a partir de um único juízo dado outros juízos. Aristóteles contudo não considerou tais deduções como inferências no sentido pró- prio; uma inferência (syllogismós) tem lugar, para Aristóteles, apenas quando deduzimos algo de duas premissas. Como já foi mencionado no início do capítulo 5, Aristóteles, mesmo neste caso, não leva em consideração todas as inferências formalmente válidas, mas apenas aquelas cujas premissas são enunciados ge- rais de forma A. E, r. O. Isso significa que a silogística aristo- télica investiga apenas formas de inferência cuja validade se baseia exatamente na estrutura desses enunciados; e o caracte- rístico desses enunciados consiste, para Aristóteles, como já vi- mos, no fato de eles serem enunciados da forma "S é P''. enun- ciados que contêm determinadas relações entre dois termos ou conceitos. Um exemplo de silogismo é: Todos os homens (M) são mortais (P) Todos os gregos (S) são homens (M) Todos os gregos (S) são mortais (P) Cada premissa contém dois conceitos dos quais um, o cha- mado terminus medius ou termo médio (M), é comum a ambas as premissas. M está numa relação determinada com S e numa relação determinada com P, e essas relações são de tal modo que permitem inferir uma relação entre S e P na qual o termo médio não mais ocorre. Há quatro figuras de tais silogismos: r. M P lI. P M III. M P N. P M SM SM MS MS-- -- -- -- S P ·S P S P S P 62 Dentro de cada uma dessas figuras há, por sua vez, várias formas, já que os juízos podem se diferenciar segundo a quanti- dade e a qualidade. Por exemplo, as quatro formas válidas da primeira figura são': 4. As expressões "Bárbara". "Darií", etc. também têm a função de auxiliar nossa memória, na medida em que as vogais contidas nos títulos são sempre aquelas que caracterizam as frases gerais correspondentes. Por exemplo: A caracterização "Barbara" torna claro que nesse silogismo tanto as duas premissas quanto também a conclusão são da forma A (i. é: Todos os S são P"). Ou tomemos "Feria": esse nome mostraria que a primeira premissa tem a forma E, a segunda, a forma I. a conclusão, a forma O. 13rbara Todos os M são P 'rodos os S são M 'l'odos os S são P I" rio Nenhum M é P Algum S é M Algum S não é P Darii Todos os M são P Alguns S são M Alguns S são P Celarent Nenhum M é P Todo S é M Nenhum S é P As outras formas possíveis da primeira figura não produzem íníerêncías válidas. Em que consiste então o fato de muitas formas produzirem Ir ferências válidas e outras não? Aristóteles não tem nenhuma I. aria sistemática para mostrar como se podem diferenciar as formas de inferência válidas das não válidas. Ele diz, acerca das formas de inferência válidas da primeira figura, que sua validade vidente imediatamente, razão pela qual ele caracteriza estes IlUogismos como perfeitos. Os outros são chamados imperfeitos porque sua validade só pode ser demonstrada por meio de vários procedimentos. Por exemplo, muitas formas podem ser trans- lormadas por procedimentos baseados nas propriedades men- .lonadas dos diversos tipos de frases gerais, p. ex., através da ionversão dos termos das premissas, sendo essa transformação (I tal modo que eles assumem a forma da primeira figura e sua v lidade ou invalidade pode então ser reconhecida imediata- mente. Aristóteles não explica em que se funda a evidência ime- cli ta das inferências da primeira figura. Na tradição posterior se Ilsse que o princípio dessa evidência seria o dictum de omni et Ilullo. Esse princípio diz o seguinte: aquilo que vale positiva ou negativamente para tudo de uma espécie vale também positiva ou negativamente para todos os objetos determinados que , iam sob essa espécie. Contudo essa explicação também, no fundo, não é mais do que uma formulação mais explícita das formas válidas de silogismos da primeira figura. 63
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