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Fernando Tavares- Limiares criticos

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Os Limiares Críticos da Educação na “África Lusófona”.
 Fernando Jorge Pina Tavares 
 Universidade de Santiago-Cabo Verde
 jtavares42@hotmail.com 
tavaresfjorge@us.edu.cv
Resumo
A presente comunicação tem por objecto analisar as tendências coloniais e 
pós-coloniais da Educação nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa 
(PALOP), com o intuito de averiguar o modelo de homem e de sociedade 
preconizado pela Educação, seus princípios enformadores e sua ideologia 
dominante, a partir de dois marcos históricos emblemáticos: o regime colonial 
cuja “acção educativa” se afigura como “Missão Civilizadora”; o período 
emancipatório decorrente das independências e auto-determinação políticas 
caracterizado pela ideologia da “Reconstrução Nacional” e “Reafricanização 
das Mentes”. Trata-se, do ponto de vista metodológico, de um enfoque 
hermenêutico sobre o processo educacional, sob o intuito de fornecer pistas 
epistemológicas ao projecto de constituição de uma Filosofia da Educação na 
“Comunidade Lusófona”.
Palavras Chaves: Educação, Colonialismo, Missão Civilizadora, Pós-
colonialismo, Emancipação, Multiculturalismo.
1 –Educação, “Missão Civilizadora” e “Des-africanização das Mentes”
O estudo da Educação nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa 
(PALOP) exige a priori uma análise sobre os discursos e as narrativas que 
enformam a sua génese e a sua constituição histórica. No período colonial, 
particularmente , durante o “Estado Novo” de Salazar, a “acção educativa” 
afigura-se como “missão civilizadora” com o intuito de legitimar a presença e 
dominação colonial portuguesa em África. Antes da independência das ex-
colónias, as escolas funcionavam como locais políticos em que as “iniquidades 
de classe, sexo e raça eram produzidas e reproduzidas” (Macedo, 1990: 91).
A ação educativa do regime colonial tinha como dogma a “des-africanização 
das mentes” dos colonizados e a sua integração na cultura e civilização 
europeias, com o intuito de transformá-los em trabalhadores obedientes e 
conformados com o status quo colonial. Nessa ótica, as escolas foram espaços 
de excelência na reprodução da cultura europeia dominante, fazendo-se tábua 
rasa da história e da cultura nativa dos africanos. As escolas eram, na sua 
essência, “fontes purificadoras” em que os africanos podiam ser salvos de sua 
“ignorância” profundamente arraigada de sua cultura “selvagem” e de sua 
língua “abastardada” que, “segundo alguns estudiosos portugueses, era uma 
forma corrompida do português sem regras gramaticais” (id., ib., p. 91); esse 
sistema não podia fazer outra coisa senão reproduzir, nas crianças e nos 
jovens, a imagem que deles havia criado a ideologia colonial, a saber, a de 
seres inferiores, sem capacidade para nada. 
A escola, na sociedade colonial, conjugava, assim, uma dupla função: deserdar 
os nativos de sua cultura, e aculturá-los a um modelo colonial preestabelecido. 
Nesse sentido, ela funcionava como parte de um aparato ideológico do estado 
(Althusser, 1985:93), destinado a assegurar a reprodução ideológica e social 
do capital e de suas instituições, cujos interesses se alicerçam na dinâmica da 
acumulação de capital e na reprodução da força de trabalho.
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A “missão civilizadora” é a categoria que melhor exprime a justificação 
ideológica da dominação portuguesa nos territórios colonizados e na qual se 
inseria toda a sua “acção educativa”. O recurso à metáfora “missão civilizadora” 
como justificação ideológica da presença colonial em África estava sempre 
presente nos discursos políticos da época, como se pode confirmar pelo 
extracto a seguir:
Estamos aqui depois de mais de quatro séculos e meio, estamos 
aqui mais engajados hoje do que nunca numa grande e bem 
sucedida tarefa. Domesticando o mato, construindo cidades e 
fazendo-as progredir, ensinando e dirigindo a massa rude dos 
indígenas para uma vida melhor, disciplinando os seus instintos 
primitivos (...), moldando suas almas nas formas superiores de 
cristandade, administrando-lhes a justiça, com compreensão afectiva 
e desgastante, mas nobre e dignificante, como poucas há. É a nossa 
vocação histórica emergindo outra vez (...). Tudo seja para o bem 
comum e engrandecimento da Mãe-Pátria1.
Após a Conferência de Berlim (1884/1885) e a Conferência Anti-esclavagista 
de Bruxelas (1889) que determinaram, respectivamente, a partilha da África 
entre as principais potências coloniais europeias e a abolição do trabalho 
escravo, Portugal passa a se preocupar com a ocupação efectiva das suas 
possessões em África, tendo uma presença mais efectiva nas suas colónias, 
justificando a dominação colonial como “missão civilizadora” e desenvolvendo 
uma praxis coerente com os interesses político-económicos do sistema. Essa 
praxis foi afirmada, nas ex-colónias, pela política de assimilação que atribuía ao 
“nativo civilizado” o status de “cidadão português” (Mazula, 1995:70). 
O Estatuto do Indigenato decretado pelo “Estado Novo” de Salazar, previa a 
separação entre os indígenas e os assimilados, tendo engendrado, nas ex-
colónias portuguesas da África, uma “elite” restrita de indivíduos “letrados”, 
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 Discurso proferido em 1946 pelo Governador do Distrito de Manica e Sofala na cerimónia de recepção do 
então Presidente de Portugal Craveiro Lopes em Moçambique. In: MAZULA B. “Educação, Cultura e 
Ideologia em Moçambique”, 1995:67. 
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“utilizados” como pequenos e médios funcionários na “colonização indireta”. 
Essa força de trabalho “instruída” compunha-se principalmente de funcionários 
de nível inferior, cujas tarefas mais importantes eram a promoção e a 
manutenção do status quo colonial. 
Neste sentido, as escolas coloniais foram “bem-sucedidas”, na medida em que 
criaram uma classe pequeno-burguesa de funcionários que haviam 
internalizado a crença de que haviam se tornado brancos ou negros de alma 
branca e, por isso eram superiores aos camponeses africanos que ainda 
praticavam o que se considerava uma cultura bárbara. Esse processo de 
assimilação penetrou até o nível mais profundo de consciência, especialmente 
na classe burguesa (Macedo 1990:91). Perante o insucesso desta política 
assimilacionista o regime passou a reconhecer as reivindicações dos nativos 
pela sua personalidade como indivíduos, mas não como sujeitos políticos 
(Mazula, 1995:70).
A política assimilacionista instituída pelo governo colonial pretendia criar uma 
“sociedade multirracial”, legitimada pelo estatuto do indigenato que não 
passava, na realidade, de “um apartheid à portuguesa” (Cabral, 1978:61). O 
pretendido “não civilizado” é tratado como um objecto e entregue aos caprichos 
da administração colonial. Ao classificá-lo como “não civilizado”, a lei oficializa 
a discriminação e justifica a dominação portuguesa em África. 
Estudo apresentado por Cabral (1978:61), revela que 99,7% da população 
africana de Angola, Guiné e Moçambique era considerada “não civilizada” 
pelas leis coloniais portuguesas e 0,3% era considerada assimilada. Nos 
termos da política assimilacionista, para que uma pessoa “não civilizada” 
adquirisse o estatuto de “civilizada” teria que fazer prova de estabilidade 
económica e gozar de um nível de vida mais elevado do que a maior parte da 
população de Portugal.Teria de viver “à europeia”, pagar impostos, cumprir o 
serviço militar, saber ler e escrever correctamente o português.
Uma ínfima minoria de africanos ditos civilizados e, consequentemente, 
considerados, teoricamente, portugueses, não gozava, mesmo assim, dos 
privilégios reservados aos europeus. Alguns deles encontravam-se numa 
situação de isolamento entre a massa da população africana e os colonos, e 
estes últimos rejeitavam-nos através de uma discriminação declarada ou 
dissimulada.
A comunidade multirracial portuguesa não passava de um mito. A realidade 
que esta designação encobre é uma total segregação racial, excepção feita 
para as relações de trabalho, onde se serve os desígnios do colonialismo. 
Salvo raras excepções, não há nenhum contacto social entre as famílias 
africanas e europeias. Os únicos contactos directos praticam-se nas escolas, 
ou noutros locais exteriores ao ambiente familiar, entre as crianças europeias e 
os raros alunos “assimilados”. As crianças misturam-se espontaneamente, mas 
estas relações já estão imbuídas de preconceitos e complexos. Os cinemas, os 
cafés, os bares, os restaurantes, etc. são quase exclusivamente frequentados 
por europeus. Um africano suficientemente audacioso para penetrar num 
destes locais deve estar preparado para enfrentar a humilhação. 
A teoria colonialista da pretendida “assimilação” era inaceitável não só do ponto 
de vista teórico, como mais ainda na prática. Tal teoria se baseava na ideia 
racista da incapacidade e da falta de dignidade dos africanos e tinha implícito o 
nulo valor das culturas e civilizações africanas. 
A acção educativa desenvolvida por Portugal nas antigas colónias africanas, 
está directamente relacionada com a sua política de exploração colonial. Em 
finais do século XIX, “intelectuais” e teóricos do colonialismo português 
sustentavam ideias muito pessimistas e racistas em relação à educação e 
escolarização dos africanos. Refira-se, entre outros - Oliveira Martins, 
Mouzinho de Alburquerque e António Enes, “verdadeiros teóricos” da nova 
política colonial portuguesa do período pós-conferência de Berlim e de 
Bruxelas.
Oliveira Martins considera absurda a ideia de uma educação para negros: “Só 
pela força se educam povos bárbaros; a educação dos negros era absurda não 
só perante a história, como também perante a capacidade mental dessas raças 
inferiores”; o autor prossegue ainda afirmando ser uma ilusão pensar em 
“civilizar os negros com a bíblia, educação e panos de algodão”, tendo em vista 
que “toda a história prova, (...) que só pela força se educam povos bárbaros” 
(Martins, apud Mazula, 1995).
Mas as depreciações de Oliveira Martins não param por aí. O extracto a seguir 
evidencia a magnitude do preconceito que esse teórico do colonialismo 
português sustentava relativamente à raça e cultura negras:
A precocidade, a mobilidade e a agudeza própria das crianças, não 
lhes faltam; mas essas qualidades infantis não se transformam em 
qualidades intelectuais superiores (...). Há decerto, e abundam 
documentos que nos mostram ser o negro um tipo 
antropologicamente inferior; não raro do antropóide, e bem pouco 
digno de nome de homem. A transição de um para outro manifesta-
se, como se sabe, em diversos caracteres; o aumento da capacidade 
da actividade cerebral, a diminuição inversamente relativa do crânio 
e da face, a abertura do ângulo facial. Em todos estes sinais os 
negros se encontram colocados entre o homem e o antropóide 
(Martins apud Mazula, 1995:70).
Criticando ainda os missionários portugueses católicos que segundo Eduardo 
de Noronha “ensinavam ao preto em língua europeia, moendo-lhe a inteligência 
com dogmas incompreensíveis”, Oliveira Martins ironiza, interrogando: 
E se não há relações entre a anatomia do crânio e a capacidade 
intelectual e moral porque há de parar a filantropia do negro? Porque 
não há de ensinar-se a bíblia ao gorila ou ao orangotango, que nem 
por não terem fala, não deixam de ter ouvidos, e hão de entender 
quase tanto como o preto, a metafísica da encarnação do Verbo e o 
dogma da Trindade?
Na mesma linha ideológica, Albuquerque considera a educação dos negros 
uma ficção: “As escolas são uma ficção (...). Quanto a mim o que nós 
devemos fazer para educar e civilizar o indígena é desenvolver-lhe de forma 
prática as habilidades para uma profissão manual e aproveitar o seu trabalho 
na exploração da província” (Albuquerque apud Mazula, 1975:70). Por seu 
lado, Enes considerava que a educação não era prioritária; era mais “uma 
exigência formal que necessidade real”. 
Os discursos supra citados tornam evidentes o ambiente agressivo e 
controverso em que se desenrolou a “missão civilizadora”, metáfora 
educacional do regime colonial em África, mas revela igualmente a hostilidade 
da relação social em contexto colonial. De igual modo, os depoimentos de 
Amílcar Cabral (1978:62), citados no quadro a seguir, ilustram a percepção 
desse controverso ambiente “civilizacional” nos territórios colonizados: 
As línguas africanas estão proibidas nas escolas. O homem branco é 
sempre apresentado como um ser superior e o africano como um ser 
inferior. Os conquistadores coloniais são descritos como santos e 
heróis. As crianças africanas adquirem um complexo de inferioridade 
ao entrarem na escola primária. Aprendem a temer o homem branco 
e a ter vergonha de serem africanas. A geografia, a história e a 
cultura de África não são mencionadas, ou são adulteradas e a 
criança é obrigada a estudar a geografia e a história da Europa.
Moldada na pedagogia da dominação e opressão, a “acção educativa” do 
regime colonial não oferece tréguas à diferença cultural e dignidade do homem 
africano, transformando-se, por vezes naquilo que a “Teoria da Reprodução 
Cultural” denomina de “violência simbólica”. Nesse sentido, cabe o argumento 
de Bourdieu (1975) o qual considera que “toda a acção pedagógica é 
objectivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder 
arbitrário, de um arbitrário cultural”. Não obstante as restrições epistemológicas 
que hoje se colocam à “Teoria da Reprodução Cultural”, a ideia de “violência 
simbólica” encaixa-se perfeitamente na análise da “acção educativa” do regime 
colonial. Nesse contexto, a educação escolar não tem outra finalidade senão a 
produção e reprodução da força de trabalho com vista à exploração económica 
dos territórios colonizados. Com efeito, o lucro e somente o lucro, afigura-se 
princípio axiológico essencial da sociedade colonial, sobrepondo-se, esse 
princípio, aos outros valores fundamentais da dignidade da pessoa humana. 
A catequização, a educação e o ensino (aprendizagem das primeiras letras) 
constituíram a trilogia que Portugal confiou às ordens e congregações 
religiosas que desde os primórdios da expansão europeia procuraram a 
conquista das populações para a Igreja Católica. A acção missionária como 
prática assente na ideologia do poder colonial, implicou uma conjugação 
recíproca de interesses entre o Estado e a Igreja. Apesar de serem concepções 
aparentemente contraditórias, Estado e Igreja conseguiram, no entanto, 
complementar-se, pois a instituição religiosa vai representar um papel político: 
ensinar e espalhar os valores ocidentais em colaboração com o poder colonial.
A participação dos missionários no processo de expansão portuguesa tinha a 
pretensão não só de instalar ou consolidara Igreja, mas também preparar 
estruturas sólidas para que a política colonial se instalasse definitivamente. 
Com efeito, a par da evangelização propriamente dita, estava a divulgação da 
cultura e do saber. Assim, não se pode separá-los porque foram as “missões 
católicas” que primeiramente se encarregaram do ensino nas colónias, 
constituindo-se em veículos de uma verdadeira política de assimilação que 
visava fazer dos autóctones da África, trabalhadores ou artesãos na óptica 
exclusivamente materialista e economicista da expansão europeia. 
As missões católicas detinham assim, o monopólio da educação dos 
pretendidos “não civilizados”. Os acordos concluídos entre Portugal e o 
Vaticano determinavam que esta educação deveria estar conforme os 
princípios doutrinais da constituição portuguesa e seguir a linha dos projectos e 
dos programas emanados do Governo. De acordo com essa concordata, 
99,7% da população africana ficava impedida de frequentar as escolas laicas. 
Para uma população de cerca de quatro milhões de habitantes, apenas 
quarenta mil crianças frequentavam as escolas das missões em Angola. No 
entanto, na mesma época no Congo Belga, 1.300.000 crianças frequentavam a 
escola primária, ou seja, proporcionalmente, dez vezes mais do que em 
Angola. Em Moçambique, em Angola e na Guiné Bissau, 99% da população 
era analfabeta.
Os filhos dos assimilados (0,3% da população ) tinham o direito de frequentar 
as escolas primárias oficiais, as escolas secundárias e as universidades. Mas 
as várias formas de que a discriminação racial se revestia nas escolas 
coloniais, especialmente em Angola e em Moçambique, assim como a enorme 
miséria das famílias africanas, limitavam o número de alunos que podiam ser 
diplomados. Só os alunos capazes de um extraordinário esforço conseguiam 
terminar os estudos. 
O objectivo de Portugal consistia principalmente em assegurar a sua 
continuidade como nação e difundir o mais possível os valores da vida 
portuguesa. Assim, “a transmissão de conhecimentos era feita nas escolas de 
suas colónias a partir de manuais preparados de acordo com padrões 
europeus, não tendo em conta as realidades locais” (Lopes, 1996: 2006). De 
acordo com essa política, seguia-se um ensino uniforme para todas as 
províncias não dando assim respostas às reais necessidades de cada 
comunidade. A escola ignorava os tradicionais padrões culturais das 
comunidades, tentando integrá-las numa cultura que lhes era totalmente 
estranha. Na medida em que foi privilegiada toda uma cultura europeia, a 
língua e costumes portugueses foram os elementos utilizados nesse processo 
de colonização. Os saberes nativos e tradicionais de cada povo foram 
abandonados e quando não sofreram deformações, interpenetraram-se com a 
cultura europeia. 
Ao introduzir este processo de enculturação, o objetivo do colonizador, foi 
talvez, “unir a grande diversidade de culturas que integravam um ‘império’ 
espalhado por vários continentes e, daí a escola ter servido como um dos 
meios escolhidos para a obtenção desse resultado” (id., ib., p. 207). A 
“instrução”, no regime colonial, foi um processo demasiado drástico e violento, 
impondo ao aluno o estudo de matérias como a história e a geografia de um 
país que ele nunca visitou e provavelmente nuca chegaria a conhecer. 
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Nas ex-colónias portuguesas, a escola tornou-se, deste modo, o veículo de 
excelência na consolidação do poder vigente, preparando homens com uma 
formação moral, religiosa e política baseada nos padrões europeus, com o 
intuito de incrementar o poder da metrópole nas colónias. O conformismo e a 
obediência afiguram-se, assim, premissas fundamentais da “acção educativa” 
do regime colonial em África.
2 - Educação, Emancipação e Re-africanização das Mentes
A independência e a auto-determinação política das ex-colónias, no início da 
década de 1970, inaugura uma nova fase na história política, económica e 
cultural dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. A ideologia da 
“reconstrução nacional” e a “reafirmação da identidade cultural” foram a 
palavra-de-ordem consignada nos discursos políticos das novas elites 
dirigentes. Com efeito, a instauração de uma nova ordem política e institucional 
coincide com a proliferação de um novo discurso pedagógico-educacional, 
marcado pela busca de “re-africanização das mentes”, dilaceradas pelas 
práticas sociais coloniais.
Esse novo discurso começa a configurar-se já nas narrativas do nacionalismo 
independentista, liderado pelos activistas políticos, nomeadamente, Amílcar 
Cabral, Agostinho Neto, Eduardo Mondelane2, entre outros, no decurso da luta 
de libertação das ex-colónias. Na mesma perspectiva que Gramsci (1986), os 
lideres do movimento independentista postulavam o “suicídio da pequena 
burguesia como classe, e sua ressurreição com o povo”, como condição para 
a autenticidade da revolução. Esse postulado é reconfirmado por Pereira3 
2 Os activistas supra mencionados, Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Eduardo Mondlane são, 
respectivamente, líderes da luta de libertação que conduziu à independências de Cabo Verde e Guiné, de 
Angola e de Moçambique.
3 Aristides Pereira foi combatente e primeiro Presidente da República de Cabo Verde Independente.
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(1990) em discurso proferido nos primórdios da independência nacional, em 
que afirmava: “expulsamos os colonizadores, agora precisamos descolonizar 
nossas mentes” (apud Macedo, 1990:91). 
Como observamos na primeira parte desta comunicação a “missão 
civilizadora”- princípio orientador da “acção educativa” do regime colonial - 
tinha como meta fundamental a “desafricanização” das mentalidades e sua 
integração na “civilização” europeia, mediante assimilação e apropriação da 
cultura dominante. Com a proclamação da independência política, e no âmbito 
do projecto de reconstrução de uma nova sociedade nas ex-colónias, as 
escolas assumiram como tarefa mais importante, a “descolonização e a 
“reafricanização das mentes”. Para as novas elites dirigentes, era 
imprescindível a criação de um sistema de ensino em que se formulasse uma 
nova mentalidade purgada de todos os vestígios do colonialismo. “Sistema de 
ensino em que era imprescindível reformular os programas de geografia, 
história e língua portuguesa, mudando todos os textos de leitura que estavam 
tão visceralmente impregnados da ideologia colonialista” (Macedo, 1990:92).
Para os novos dirigentes, tornava-se imperiosa uma reforma curricular 
consentânea com a realidade endógena dos educandos. Uma reforma radical 
que possibilitasse aos alunos o estudo da sua própria história e geografia e não 
a de Portugal. “Era absolutamente necessário que estudassem a própria 
história, a história da resistência de seu povo ao invasor e da luta por sua 
libertação, que lhes devolveu o direito de fazer a própria história - não a história 
de Portugal e das intrigas da corte” (id., ib., p. 92). 
A “descolonização das mentalidades”, que equivale à “reafricanização dos 
espíritos”, pressupõe, mais do que a emancipação política, também a 
“revolução cultural”, que deveria traduzir-se principalmente na valorização e 
inclusão da língua e cultura nativas no sistema de ensino.
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Não obtante iniciativas empreendidas pelos governos pós-coloniais na 
promoção e democratização do acesso à educação e emancipação, as escolas 
perpetuam a alienação cultural, excluindo línguas e culturas nacionais dos 
sistemas de ensino. 
A proposta de incorporar às escolas uma “pedagogia radical” (Giroux, 1999; 
McLaren, 1997; 2000) foi recebida com pouco entusiasmo pelas elites 
dirigentes que assumiram o comando do poder no período pós-colonial em 
África. Como faz notar Macedo (1990: 92), a desconfiança de muitos 
educadores africanos está profundamente enraizada na questão da língua 
(africana versus portuguesa) e levou à criação de uma campanha de 
alfabetização neo-colonialista sob a bandeira superficialmente radical de 
acabar com o analfabetismo nas novas repúblicas.
A resistência à utilização das línguas nativas nos programas curriculares de 
“instrução” levou à criação de “alfabetizados funcionais” em língua portuguesa. 
Ignorando o capital cultural dos africanos, o programa de alfabetização, nas ex-
colónias, incorporou abordagens positivistas e instrumentais de alfabetização, 
marcadas principalmente pela aquisição mecânica de habilidades na língua 
portuguesa.
A única abordagem da alfabetização compatível com a construção de uma 
sociedade anticolonial nova é a que se alicerça na dinâmica da produção 
cultural e que é animada por uma “pedagogia radical”. A “reconstrução 
nacional” e a “reafricanização dos espíritos” pressupõe um programa de 
alfabetização que represente a afirmação do povo oprimido e lhe permita 
recriar a própria história, cultura e identidade; aquele que ao mesmo tempo 
ajude a levar os indivíduos assimilados que se sentem cativos da ideologia 
colonial, a “cometer suicídio de classe’”.
Sem descurar a importância estratégica da língua portuguesa nas relações 
nacionais e internacionais do PALOP, é pertinente perguntar: como operar a 
descolonização das mentes pela educação, utilizando, para o efeito, a única 
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língua, isto é, a língua que as oprimiu? O recurso ao uso do português como 
única língua de instrução nos PALOP, ameaça o projecto político de 
“reafricanização das mentalidades”, perpetuando a reprodução daqueles 
valores colonialistas que eram e que ainda são inculcados por meio do uso da 
língua portuguesa. Como diz Paulo Freire (1975) é impossível “reafricanizar” o 
povo utilizando o meio que o “desafricanizou”.
A abertura ao multi-partidarismo no início da década dos anos noventa, 
conduziu alguns Países Africanos de Expressão Portuguesa para a senda da 
liberalização económica e do mercado global, fazendo emergir um novo 
discurso, dominante em todos os sectores do desenvolvimento, inclusive, 
educação. Trata-se da lógica neoliberal economicista, substituindo, o discurso 
económico estatizante, outrora informado pela ideologia do “Estado-Nação”. 
Com efeito, aliado a uma certa mentalidade neocolonial emergente no período 
pós-independência, o discurso neoliberal passa a ter um papel preponderante 
na re-definição de políticas educacionais na “África Lusófona”. 
Sob o signo do Banco Mundial (BM) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), 
o processo educativo conhece uma nova fase nos PALOP, a partir da década 
de noventa. Esse período coincide com a publicação da primeira Lei de Bases 
do Sistema Educativo , por conseguinte, o início das “grandes reformas” 
operadas na educação, sob o financiamento do BM e do FMI. Com efeito, as 
grandes opções políticas implementadas no setor da educação passam a ser 
diretamente determinadas pelos princípios neoliberais postulados pelos 
“experts” das instituições financeiras supra mencionadas. É o início da era 
neoliberal e da “mercantilização da educação”. 
No contexto africano a educação e a escolarização teêm sido, historicamente, 
enformadas por um legado teórico-cultural eurocêntico e neoliberal, ancorado 
em princípios universalistas, homogeneizantes e unificadoras do sujeito, do 
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conhecimento e da história, relegando o “Outro” para as margens do poder, 
porquanto exclui a sua própria história, cultura e identidade, do sistema de 
ensino. 
As orientações pedagógicas emanadas do regime colonial, do pós-
colonialismo e do neoliberalismo em África, refletem uma profunda crise de 
identidade ideológica, repercutindo diretamente no processo de construção de 
sujeitos e identidades na educação e escolarização. Aliada a essa crise, 
reporta-se, ademais, a agravante de os diferentes sistemas educativos dos 
PALOP não conseguirem incluir as línguas e culturas nativas nas escolas.
A construção de sistemas educativos consentâneos com a realidade endógena 
das nações africanas, sugere um discurso pedagógico transformador e 
emancipatório, passível de superar as narrativas educacionais eurocêntricas e 
homogeneizantes dominantes, estabelecendo um diálogo intercultural 
permanente com as diferentes sensibilidades étnicas existentes em cada país. 
Refira-se, concretamente, à problemática da exclusão da língua e cultura 
nativas dos sistemas de ensino, constituindo-se numa das maiores lacunas do 
processo educacional em África ”.
Os limiares críticos da educação contemporânea, nos Países Africanos de 
Língua Oficial Portuguesa, revelam uma face oculta da Escola, marcada pela 
proliferação de discursos e identidades subalternas, formatados na fronteira da 
cultura e do currículo oficiais. Contudo, o território escolar não se confina ao 
espaço oficial da sala de aula. A Escola dispõe, igualmente, de um outro 
território não oficial, de um “espaço descolonizado” (Habermas, 2003), de 
entreternimento. No “espaço descolonizado” da Escola, na região de fronteira, 
da “cultura da escola” (Candau, 2000), configuram-se outros discursos, outras 
identidades. Discursos e identidades formatados nas margens e fronteiras da 
cultura oficial, cuja interpretação e reconhecimento requerem uma nova 
abordagem pedagógica, uma “pedagogia de fronteira” (McLaren, 1997; 2000).
A “pedagogia de fronteira” é um discurso pedagógico de oposição, estruturado 
no bojo dos discursos pós-coloniais, da “pedagogia crítica”. É um novo 
paradigma epistemológico germinado nas margens da pedagogia 
convencional, do paradigma pedagógico dominante. A pedagogia de fronteira é 
uma tendência pedagógica pós-colonial que se demarca substantivamente dos 
modelos pedagógicos tradicionais, universalistas, eurocêntricos, e 
homogeinizantes do sujeito, do conhecimento e da história. É um discurso 
pedagógico heterogéneo, centrado na valorização das “subculturas” 
endógenas, das esferas epistemológicas não convencionais, centradas na 
afirmação do “outro” e do “diferente”, na emancipação das múltiplas vozes e 
histórias de vidas dos diferentes sujeitos que interagem na construção social da 
escola. 
Ao contrário da “pedagogia de exclusão”, a “pedagogia de fronteira” deve ser 
uma “pedagogia de inclusão” da língua e da voz oprimidas, que se coloca na 
fronteira do conhecimento e das culturas dominantes. É uma nova abordagem 
pedagógica ancorada nos princípios dos direitos humanos e da cidadania 
activa. É uma pedagogia de vanguarda na luta pela inclusão do corpo e da voz. 
A “pedagogia de fronteira” é um projecto pedagógicoe curricular compartilhado 
e negociado no contexto do multiculturalismo e da interculturalidade, da 
globalização e da “diasporização” (Hall, 1999). Uma pedagogia de 
oportunidades para “sujeitos sem pessoa”, para “discursos sem voz”.
Referencia Bibliográfica
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Palavra. Trad. Lólio de Oliveira. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990;
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Brasileira, 1996;
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de Leitores, s./d. ;
HABERMAS, J. - Mudança Estrutural da Esfera Pública. Rio de Janeiro, 
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DP&A, 1999;
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Mudança Cultural. Vol. II, Cabo Verde, S. G. do M. E., 1996 
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1997
McLAREN, P. - Multiculturalismo Revolucionário. Pedagogia do Dissenso para 
o Novo Milénio. Trad. Márcia Moraes e Roberto Costa. Artes Médicas. Porto 
Alegre, 2000;
MAZULA, B. - Educação, Cultura e Ideologia em Moçambique. Lisboa, 
Afrontamento, 1995;
	2 - Educação, Emancipação e Re-africanização das Mentes

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