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• Andrew Wheatcroft Infieis o Conflito entre a Cristandade e 0 Isla 638-2002 Tradw;:ao Marcosjose da Cunha IMAGO !, i, , 'E~~~j' 12 "De Turbante e Cimitarra" Exist!, uma pequena e 50mbr!a litografia de Nicolas<Toussaint Charletque mostta como as parisienses souberam da destruiO;ilo da esquadra egfpcio-otomana em Navarino em 1827. Charll't nos conduz ao interior de urna casa muito humilde, aande as vizinhos foram ollvir as notidas, Urna criano;a esta de pc sobre uma mesa com 0 jarnal e Ie para os ~dultos ali reuni- dos. Outras crian ••as brincam e coles rolam no chao, uuma cena tipicamcnte domestica. Essa gravura nos diz muito sobre quem era alfabetizado e quem nolo era, e maSU-a 0 processo peiD qual a palavra eserita e impressa sc disse. minou rnuito alem dos limites das pessoas que m10sabiam ler. Mas desde as primordias da imprensa, na decada de 1450. meSilla as analfabetos tinham sido capazes de "11'1'"algumas coisas par si mesmos: imagt'lls, ~~ imagens ttm em geral uma mensagem superficial, mas, para aqudes que tinham aprendido a chave, as figmas eram impregnadas de significados mais profundos.l Ale os analfabetos cstavam acostumados a interpretar imagens, Ncm tadas as famllias da Inglaterra que po<;s111amurn exemplar de History of thc Acts and Monuments of the ChurclJ /Histllria do~ Alos e MOrlU- mcnlo, da IgrcjaJ (1563), deJohn Foxe, mais conheciclo como sen Book of Martyrs [Livro dos Mdrtirnj, conseguiam compreender 0 texto de suas mais de mil paginas.l Elas tampoueo deviam estar neeessariamente intercssadas nas anti gas persegui~(")es a crist~os no reinado de imperadores romanos havia rnuito esquecidos, Mas podiam cntender as cOllvinccntes xiJogravuras e decifravam com csfor~o as brevcs legendas que descrcviam os tormentas sofridos em seu pr6prio tempo. Para os protestantcs ingleses, cssas imagens I' as historias cram remanescttHes da 0plessao c tirania catolica. 0 livro de Foxe era t<la duradauramente popular que novas edi~Oes ainda cram imprcs- sas tres seculos depois de sua primeira publica~1o . .:\S represema~Oes dos tllrcOS eram. an~loga_~~~!.c reple.tas de simbo- ,lis_mo.Espadas, areas I' lano;as (QITIavam 0 hlgar das piras nas quais as marti. res protestantes sofreram, mas eram igualmeme lembranps perpetuas de v'p~~ncia, amca~a ee,c.t,igo._E as vezes ex;eesso sexual e perve~~idadc cram J!l~in:Jad-os em vez de selvagcria. Em algumas imagens, todos esses elemen- tos estavam presemes. :'1uitos curoreus estavam convencidos de que os A concep~:io do. mundo islamico no Ocidente foi em gra~~!y}!!~i,!!pr.n5a d~aili"e'os dois.scculos ap6s a queda' de-'Conslantinop!!:, ~,~}.i23,Esse perlodo coincidlu'com 0 desenvolvimcnto e a dlsselnina~ao da palavra e da imagem impressas no Ocidente. Em fins do scculo xvn, todos sabiam como o inliet se parecia e COmOseCOm(lOrtava.A hostilidade ao mundo ishlmico, conforme afjrmei antes, tinha antecedentes muito remotos.1 Mas as imagens impressas, as pinturas, as esculturas e as objetos de arte deram a essa hostili- muo;ulmanoseram peqerastas e:sodomitas. as turcas C!3.J!15.t)llsideradQs ~~;:;;;:;a;t;d-a'~~.!i2.ala~;lo,urna das poucas f~nna~de punir;ao crud naD p~-;'ii-c-;;E~~-6~ide~t~.As representa<;6es dela implicavam tanto Sl':XO anti- natural quanta erueldade excessiv3.l Mas nem tadas as image-os erarn desse tipo. Muitas mostravam.a pompa da vida otomana, os trajes suntuosos dos turcas e suas dra.ma.ticas vistas de eidades repletas' de be1as edificios. A imagem do cureD no Renascirnent9 tinha muhiplas facetas, algumas admiraveis e curiosas, outras terriveis. Mas assim como era diflcil para urn inglt-s do sceula XVII ycr uma gravura de Roma ~elll Sf:lemhrar dos mdrtircs protestantes queimados em Smithfield, a imagern do Oriente era maculada com insinuar;Ces sombri~~.~~"_~~~. Cacfil-re-presen'la~ao, corifonne Lacan-aITrmou,-----ror-soorecarregada pebs formas com que foi usada antes. Imagens cspeelficas desenvolviam-se devagar, Ap_rindpio, P~llCO;>pinto- res euror.eus tinham nQ(;:aodnoQlo desenll;Ir um M;>,a~E~,~e~o"'J?~r~.!- ranl-nos parecer-se com ocid~~!ais, usando as mesmas armaduras,.cavai--- gando os ;~esti.~(;~cavalose..com (reqOencia ponando as,fl'IeSlpa';;.-;lrlllOS. Assim, num quadro da batalha de M:lllsur<i em 1250 (dmante a SHima Cruzada), Luis IX da Fran~a s6 e distingu{vcl de seus advers<lrios mu~ulma- nos pela coma na cabe~a.~ Aos poucos, s'inais idcntificadores foram apare~ eendo. Nas janelas da capda dos Habsburgos em Konigsfcldm, na Sui~a, as sarracenos eram diferenciados dos cristaos pelos emblemas estilizados em forma de escorpiao em seus escudos,~ Mas des ainda usavam annaduras no estilo europeu. Foi na Espanha, como era de esperar, que imagens mais rcalistas (oram pinladas pela primeira vez mostrando os infWs como sendo muito di(crentes de seus adversarios cristaos,6 Urn ret.lbulo em Valfncia mostrava 0 reiJaime 1de Aragj(l ajudado porum santo numa batalha com as mouros. Seus advers<lrios, com suas fci~Oes eseuras, tunicas esvoat;:anles e escudos em forma de COr<u;ao,jamais poderiam scr confundidos com cava- leiros cristaos. 299 dade uma i"dentidade...vis,ual, que ate certo ponto se transformou com a passar do tempo, ilmedida que novos elementos eram introduzidos. Portm, a essfncia que constitula 0 inimigo innel permaneceu mais ou menos a mesma, emhora sua ordem e c1assificat;:aose alterassem atravE':sdos stculos. o processo de identifica~ao era lanto visual quanto textual. Com bastante frequfncia, imagens e palavras nao se harmonizavam. As vezes as gravuras evocavam reat;:~es mais antigas e mais viscerais do que os lextos que as acompanhavam. A lacuna enlre imagem e texto aumentou durante 0 seculo XVIll, estreitou-se durante a seculo XIX e tomou-se ainda mais estreila no sccnlo xx. AS atores tambem mudaram._~~.e.Q sec.ulQ.i<IX,_oinfieLua.:2 turco", mas, na prtmeira melade daquele seculo, a Europa tambcm reclescobriu 0 que '0' escrilor viajante A. W, Kinglake chamou de "0 verdadeiro hedulno" im~eu livro Eallun (1847).6p habitante dO,deserto era imbuldo por muitos europens das qualidades doSe1vagem Nobre que jamais poderiam ser aplica. das a~9.t9manos-Quarenta anos depois de Eothen, Charles Momagu tloughty publicon seu Travels in Arabia Deserta {Viagens na Arabia Deserla] em dois grandes volumes, !,:l,et.~~.~s}(mn01:!.eI1)-~h~r~isnao s~ o~9_e.s_e!t2J.J!las ~'1mbc.mquem nell' vivia, A conquista francesa do Norte da Africa tambtrn produziu her6ls' carac~teristicamente Mabes. tais como 0 argelino Abd e! Kader, que se tornou urn Saladino e Inimigo Nobre modemo. Amudan~a no pape! das imagens nas pubHca<;Oesdo seculo XIXsignificou uma diversidade muito maior no que era representado e na fonna como era apresentado. As imagens impressas trans(ormaraill-se em jogos que urn mercado cada vez mais instruldo podia ler c decifrar. Como consequEneia dessa mudant;:a cultural, e UlTieno procurar UlTiaunica percept;::lo estereotlpica, a implaca- vel hostilidade da Idade Mt':dia.As imagens e os texlOs no seculo XIXe poste- riormente sao mais complexos e mais alusivos, pois pressupoem um publico letrado. as cartuns de Pundl sabre os quais discorri no Capitulo 10 tinham de scr lidos em delerminado contcxto: nao era a toa que 0 subtituJo de Punch era "0 Charivari de Londres", express~o coloquial panl cacofoniJ ou alga. zarra. Era necessario cuta habilidade para perceber a discordancia. Todavia, apesar desses novos estilos e formas de apresentat;:ao, ainda restavam opinioes mais anligas acerca do Oriente infiel. N;'io51' sabe bem cle que modo essa sombra sc desenvolveu peb primeira vez. Na minlm opiniao, as primeiras imagens (des seeules XVe XVI) nao poderiam por si sos fixar a ideia do infie! de uma mane ira particularmente profunda. Em primeiro lugar, elas Ililo cxistialll em grande quantidade.9 Soble os "tUlCOS"nao havia nada parecido com 0 exccsso de imagens IUlcranas causticamcnle ofcilsivas(e altamr.nte memonlveis) do papa c seus cardcais. NessI' caso, em geral as \ InfWs298 imagens tornavam vis!ve1e espccifico 0 que j<i tinha sido mendonado. Mas com 0 "LUrce" a forma visual as vezes antecipava as palavras. Consideremos o sabre acentuadamente encurvado, muitas vezes com uma ponta laIga demais que 0 fazia parecer-se com algum tipo de cutelo de a<;:ougueiro:noso chamamos de"~i,?_~larr<l.'0 primeiro emprego da palavra ~cimilarra" regis_ trado em ingles para reCent-5e a uma espada lurea encurvada DeOITeUtm 1548, muite depois de a imagem leI-5e tornado umsignlficante...visuaLiQ.- l.ureoviole.nto e perigos9. Ninguem sabe exatamente cnde a palavra se origi- nou. Nao sctratava de urn terme lurco, e sua etimologia mio e 6bvia.1o No entanlo, torneU-Sf emblematico do iofie\. Por exemplo, na comedia 0 Bur. guts Gentil-Honlem:de MoTi1~re,-~~'~enad"pela primeira vcz em 1670, uma _ cstranha ~eerimCmiaturea", apresentada numa ~lingua franca" csquisita, foi usada para cnobreeer 0 simp16rio burgu~s, Monsieur Jourdain.1! O~_~jetos que 0 transformam num tureo nobre sao U!I:u~rE.~~.~..!.2.'!!1_acirnitana, a' burguts aparece priIneiro ~vestido a mada turca, mas sem tmbante [turvanta] ou cimitarra [scarcina]". Ent<lo,cerirnoniosamente, ~omufti" os outorga a ell' e, pimba!, de se transfomla nUIDtureo. A "cimi!~~ ~lUrbalHe" continua ram a ser slmbolos do turco ate ja bern adentrado 0 se~io-XX. 0" Dr. George Horton, celnsul-gerai amc;'i'cano em Esmima~ .;;;-~li\.~;;'i;re6fobo TheBlight of Asia [APraga da Asia], publieado em 1922, dcscreveu como ~o turco, aonde quer que sua eimitarra chegasse, degradava, contaminava e dcnegria, arruinando com decadfncia ctema a civihza<;<lO romana, latina, ate que, quando tudo havia passado, ele se sentava satisfeito com a selvagcria para cair numa decrepitude irremediavel". II Uma ~cimitarra" apareceu com deslaque nas primeiras lmagens impres- SflSdos exoticos turcos bascadas nJ observa<;ao.n Estas foram publicadas em P~regrina{110a Trrra San/a (Peregrinatio in terram sanctarn), escrito por urn funciomirio secular da Catedral de Moguncia, Bernard von Breydenbach. Em abril de 1483, ele come<;ouuma peregrina<;<'oa Terra Santa na compa- nhia do pintar Erhard Reuwich e de varios viajames aristocratic os. a tempo todo Hreydenbach tencionou fazer urn relalO impressu tom xilogravuras, porque fez Reuwich desenhar as lugares que visitaram, bem como urn eonjunto de imagens dos habilanles da Terra Santa. As caracteristicas mais impressionantes do livro eram as vistas panor3micas dos panos pelos quais a grupo havia passado, em especial a vista de Veneza, uma xilogravura dobravel com mais de 1,80 metro de comprimento e uma das primeiras rcpresenta<;ocs da Rainha do Adriatico. Rellwich, mesmo em seus panoramas, tinha urn alho maravilhoso p;na 0 de-talhe social. Ele as vezes optava par uma perspectiva mais ampla, debru- <;ando-sc sabre uma cena urbana, mas tambem incorporamlo 0 campO circundante. Aqui podemos vcr salteadores assaltando viapntes e outTOS crimes, mulheres lavando roupas e puni<;Oessendo aplicadas. a texto de Breydenbach era competente, mas as xilagravuras de Erhard Reuwich c que fizerama obra sobressair. Outras imagens l:stavam inerustadas no texto, tais como urn grupo de mrcos andando a cavala, sarracenos com suas mulheres, urn judeu com sacos de dinheiro, viapotes preparando-se para fazer uma ufei<;ao. A imagem do judeu parecia urn tanto vaga, mas 0 resto exibia apenas curiosidade e nenhuma hostilidade obvia.l~ a Hvrode Breydenbach foi impresso pela primeira vez par Reuwich em Moguncia, em 1486, e I'm seguida apareeeu em eerca de doze edi<;Ocs,em latim, holandes, alemao, espanhol e francl':sl' Tomou-se um elemento essencial em compila<;Ocsposteriores, como 0 ramoso eompendio de Samuel purchas, ou historia do mundo, Purchas, His Pilgrirnn [Purchas, Seus Perc- grinosJ. publicado pela primeira vez em 1625. l~Na dedicatoria da Primein P~rtea Carlos, principe de Gales (que logo se tomari~ 0 rei Carlos 0, 0 autor cscreveu que ~deste caos de inronna<;Oesconfusas coneebera este mundo hist6rico por lOciode uma nova forma de testemunho oeular~. "Tcstemunho ocular~ era bern diferente das fantasias de Sir John Mandeville, e por mais que algumas das testemunhas de Purchas possam ter estado erradas ou sido grotescamente opiniaticas, elas de fato tinham vista com seus pr6prios olhos o que descrcvcramY Mas 00 caso de Peregrina~do a Terra Santa tanto 0 autor quanta 0 ilus- trador tinham vista as lugares - 0 que na tpoca era muito ineomum, as dcsenhos de Rellwich tornaram-se uma fonte padrao para futuras imagcns do Oriente. Seus tureos e sarracenos usavam turbantcs c tunicas esvoac;an- \~. Todos estavam armados, com areos e ~cimitarras~ caracteristicos. Seus IOStoSeram descarnados c aquiiinos. No cntanto, nem todososleitorcs viam a;iilcslllas imigen.s quando ham 0 texto de Breydenbach. A ecli<;<1ofraneesa, publlcada em Lyon em 1488, era uma adapta<;il.olivre de Nicholas Ie Huen, co~ fantasiosas gravuras em eobre em vez das xilogravuras originais de Reuwich. Com 0 tempo, a gama de imagens que supostamente retratavam os otomanos, algumas baseadas no ~testemunho ocular~, aumentou cnorme- mente. Com efeito, essas representa~oes vieram a sintetizar a misterioso Oriente em todos as seus aspectos. Em muitas ccnas blblicas, juJeus cia epoea deJesus Cristo llsavam as tunicas csvoac;antese os grandes turbantes dos turcos do seculo XVI. ~sses me-smoselementos - tunicas, espadas encurvadas e turbantes- ~.!!~r:am-se (junto com 0 onipresente crcseente) 0 emblema de UIll inimigo !!lanaI. Em Otela, Shakespeare descreveu sucintamente 0 inimigo-(o"'-cao circuncidado~) em tcrmos que seu publico reconhecerla. Ell' 0 chama de 301"De Turuanle e Clmilarra" l"jitis300 "U.ill turco maltvolo e de turbanfe~.M Detalhes .sugestivos eram essenciais. Em 1522, 0 conhecido pi~~torHans Sebald Beham, de Nuremberg, produ_ ziu UillOl gravura de uma 56 Lhiiina do ataque lurea na ~poca a ilha de Roues, entaD oeupada pelo.'> Cava\eiros de Solo jO<1o. Alguns dos detalhcs pareccm deslocados. A sitiada eidade de Rodes de Beham se parcee com uma cidadezinha do SuI dOlAlemanha. Seus tureos disparam armas de campanha do ripo ocidental e avanr;am como a infantaria merceniria alem~ conhecida como Landshnedtte, para as brechas nos mllras da [idade. Seu~ navios ilU maT sa-o embarcar;Ocs abauladas do AtUntico, e mlo suaves gaIts mediterrilneas. Mas algumas hjbeis almOes sirnb6licas especiHcavam urn inimigo inc_ qUlvocamente oriental e poderoso.19 Todos os atacantes usam turbantes e portam espadas encurvadas. T~rn tendas de guerra no estilo oriental, cad~ qual uecorada com uma Illeia-lua crescenle, enquanlO na praia urn infdiz crist<Io(~o que presumimos) foi empalado numa estaca. as turcos aparecem '~como advers<lrios disciplinados e implaC<lveis.A grande gravura de Heham uestinava-se a urn publico rico, mas elementos visuais semelhantes aparece_ ram em numerasos panfletos e volantes mais baratos na Alemanha na pri- meira metade do seculo XVI. Tambtm em 1522, urn panfleto anOnimo chamado A Little Booh aoout llu Turks: A Useful Discourse or Conversatitm among Several People [Urn Livrelc sobre os Turcos: Um Debate Proveitoso enlre Varias Pessoasl passou par quatro edi<;:Oese foi reimpresso de novo em 1527 e 1537.10 Havia muito mais puhlica<;:6es ~informativas", todas insistindo sobre 0!l0vo terigo turco, urn inimiga poderoso que havia capturado a i!lex- pugmivel ilha de Rodes e a hem defendida fortale<:ade Belgrado no espa<;:ode alguns meses. A maioria clessas publica<;:oeslinha textos muito curtos, de apenas quatro ou cinco paginas, e muitas linham capas ilustradas ou algu- mas gravuras na parte inlerna. E imposslvel saner como as pessoas ~ham" esses panfletos e hvros ilus. trados.2i Mas pareee-me que as imagens em si forneciam a chave. Michel de Ceneau cunhou uma express<Io maravilhosamentevfvida _ "urn texID laminado" - para descrever a situa<;:aoem que dois tipos de material dife- rentes e ccnmirios est<Io interligados,21 Ell': estava pcnsando em tipos de (eXIO escriw, e n<Iona rela<;:<Ioentre imagem e texto, mas as tensoes que encontrei eram semdnantes aos exemplos que ele deu. Laminar urna im<lgem com urn texto na mesma pagina cria instabilidade. a tfxto e lido em sequen- cia, desde 0 alto a esquerda ate a parte inferior direita dOlpagina; qualquer coisa que inlerrompa esse fluxo distoree 0 significado. Assim, ate mesmo a imagem mais apropriada jamais esta em completa harmonia com 0 texto. A imagem esta ali para chamaI' aten<;:ao.Elida ou compreendida de formas muito diferentes das palavras que a cercam. a repert6rio disponlvc1 para urn xilografo era mnito mais limitado do que os reeursos it disposi<;:<Iode um escritor. Na pratica, pretendia-se que as xilogravuras fossem simples e dramaticas, e com muila frequencia, nesse contexto, elas ~xageravam os atrihutos violentos e belicosos dos inficis nlU5.l,!l!!llif.!9-:i-.Q~ando0 irnpressor Johann Haselberg escreveu e publicou ~ proprio p;mOeto em 1530, exortando 0 imperador Carlos V a ataear os turcos, ell':encomendou uma capa representando os dais exercitos. a exer~ ciID de turbante. lidcrado pelo su1r<IoSuleiman, "0 arquiinimigo dOlfc crist<I",enfrenta as for<;:asda cristandade, lideradas pelo imperador Carlos. Este usa penas de pav;1o em seu capacete, simbolizando a imortalidade e a ressurrei~;lo. A imagem da capa exercia forte inOuencia sobre a forma como o lexto no inlerior era entendido. Naquela cpoca, eOlliOhoje, 0 lei tor absor- via 0 texto com aquela imagem em mente. No perfodo demarcado pela destrui~ao dos hl1ngaros pel os turcos na batalha de Mohacs em 1526 e pela<derrota dos turcos em Lepanto em 1571, for!Ilassa.da vez mais convincentes e complexas de retratar os ma- It.Y.Q~sk£~~~ ..O:tomanos fo.ram idealizadas. As imagens bastante simples de Beham foram superadas por dcsenhos cada vez mais intrinca- dos. No fim do seculo XVI, os pintores da corte do sobrillho-neto de Car- los V, 0 imperador Rodolfo n, come~aram a trabalharna "Amea<;:aTurea" e prodmiram obras-primas harrocas. Contudo, a dcspeito de"Stias-otfsricacao, aS1inagerisainda cram govemadas pela mesma gama de temas b<lsicosque rcmontavam aos incunabufa, os primciras livros impressos, As gravuras de Jan Muller dessa fpoca most ram espadas e cimitarras, areos e flechas, e ate tt!...r1:~!ll.-e:~m<lieres. Esses elementos continuaram a ser a marca visual funda- !}lental dos tureos. A disposi~ao e 0 emprego desses sfmbolos _ armas e indument<1ria _ comer;aram a se alterar sutilmenle nas primeiras decadas dO.2~fUlo..JSY!!I.' em p.nte, notavelmente, em consequeneia de urn interesse comum por flores, Estas passaram a ser vistas em profusao na capital OlOrnanaa partir de ;;;;dos do scculo XVI. Na decada de 1630, 0 [amoso viajantc turco Evliya Chelebi cstimou que havia cerca de 300 floristas em Constantitlopla, As c<lltlpinas abenas ao longo do Como de Duro ficavam repletas de tulipas e hlases na primavera, e a fragrancia dos lilases era inebriantc. A introdu<;:<IodOl tulipa na Europa a partir da Turquia em meildos do stculo XV1,primciro em Augsburgo, em 1559, e entao em Antuerpia c tlos dominio$ dos llabsburgos nos Paises Baixos, entre 1562 e 1583, renovou a pai:'I"<lopor florcs ejardins no Ocidente, A produ<;:aoem massa de flores evoluiu para uma industria nos )0)"Df Turban!f f Cimirarm"lnJiti,302 500,000bulbos no Jardim do grao-vizir.Quandoas tulipasestaoem flor e 0 grao.vizir qUH mastni.las aa grand seigneur[0 sultao], des euidan' de preenchu quaisqucrespa~oscomtulipaseolhidasnoutro•• jardinSe colocadasemgarrafas,Acadaquarta nor, vdas s;loflncadas no chao na mesma altura das tuEpas,e as caminhossao deconcios com gaiolascom todas as e.speciesde passaros,Todas as lreh~assao ladeadasd~vasosde flarese iluminadaspor uma grandequantidade de lampadasde crislal de virias eOles.14 Ess<ln~o era bern a antiga imagem de crueld<lde. E imposslvel saber a data exata, mas cenament.e a partir da Era das Tuli- pas as conota~oes simbolicas do "turco"' comei;aram a adquirir novos-e a~n"2.16:Ssignificados. A selllelhati~a da aparencia da tulipa com urn turbanle f;;l ~~l;;:Ia'p-ela-primeira vez pdo embaixador do Imptrio Habsburgo em Const;mlinopla, Ghislain de Busbecq, na Meada de 1550. fIe era apaixo- ludo por nares e, COOl base nessa associa~;lovisual, dell por engano as tuli- pas 0 nome que tem-l1ma corruptela do termo tmco para lurbante, tIl1ban. Mas os lurbantcs outrora 0 simbolo da violencia oriental, adquiriam agora, ,,,,~, uma associa~ao adicional, mais branda. Quando as primeiras embaixadas ;', otomanas foram a Franca na decada de 1720, turbantes, sedas encorpadas, "~I pelcs e tlinicas csvoai;antes de repente se tornaram imensamente procura- \ dos. A moda de sec pintadc em trajes orientais, a fa Turque, disseminou-se '! par todas as aristocracias da Europa. Para 0 Ocidente, flores, sedas e tunicas ~ 305"De Tur/xJnu e Cimil<lrr<l" csvoa~antessugeriam uma vida indolente em vez dos rigores do campo de batalha (embora os indlcios de imagens antcriores reve1assemque turbantcs ecafetas nada linham fcito para estorvar os otomanos na guerra). A la rurql:!.{.l~Ul~.I!ler!Ul.!!!amoda sugestiva doboudoir, e imagens alta- 1J\e~te~~~'ti~iJ.'!.-U-qL9JQ!!!!!l~.Lc_~.f!I.epr~1"t]a pro~~~erar.Onde out~~ra a ~m limiles nem fronteiras do sultao e seus paxas havia evocado sangue e earnificina, a~ora as imagens ddes sugeriam. desejo voraz, sexo desabridoe paixoes bnllais no harem. I' Em princfpios do seculo XIX,as sati- r.B-delhomisRo~Iandson a a Hartm descreviam essa associa~ao com uma franqueza obscena, mas a mesma associa~ao aparecia numa infinidade de imilgensmenDs diretas. a ccnano tinha mudado do campo de gl6ria para 0 quarto de donnir. As "jovcns sultanas no serralho" no harem de garotinhas (e no de garolinhos) em Cento e VinteDias de Sodoma, do marqnes de Sadc. eram() lado obscuro de a fa lurque:.•• N:loha um lotal exato das imagens produzidas em massa no mundo ociden- tal entre 1480 e 1800, S6 nos Palses Baixos, no seculo XVll, 0 numero chegavaa muitos milhoesH A Iitcratura popular barata tinha com freqUl':n- ciauma ilustra~ao decorativa na capa, em geral scm nenhuma re1a<;aocom osdetalhes do texto. A i1uslra~aodefinia 0 genera, tal como urn assassinato chocanle ou urn romance. Mas por volta do scculo XVlll urn papel mais sublime para a irnagem impressa lambem surgira. 0 "livro padnlo" para esse COllccitode publicacao era a grande Encyc!optdie, publicada por Denis Dide- rOIentre 1751 e 1772 em dezessete volumes de texto e om:e volumes com i1ustra~oes.211Diderot tinha originalmente visado a uma estreita integra<;ao entre palavras e imagens, mas as drcunst<\ncias da publica~ao da obra c a sep;lTa~;1.ofisica entre as imagens e 0 lexto relacionado lornaram isso impos- sive!.No que sc referia ao emprego cOIIJuntode palavras e imagens, a obm tinha varios precursorcs bem-sucedidos.Um dos mais ambiciosos eraAs Ce- rimDnias e osCostumes Religiososd"s Vdria> Na(oes doMundo Conhrcido, em selevolumes, publicada pdo conhecido gravador l?"~!!!ard.!].Clrd.19 Nascido catalico em Paris, 0 \alento extraordin<irio de Pkard como desenhista manifestou-se pela primeira vez durante seu aprendizado na Academic Royale. Mas aos 37 anos de radicou-se em Amsterdil.e conver- teu-se ao protestantismo. Ja era urn gravador renomado e bem-sucedido quando teve a ideifl de um estudo abrangente e comparativo de tadas as reli- gi()esdo mundo. 0 condeJoseph de Maisne, eseritor catalico do s~cul0 XIX. desancou 0 "'buril protestanten de. Picard porque de atacou a Inquisi~ao espanhola, que Maistre procurou defcnder,34JIsso ball3lizou 0 objelivo de • lnfibl304 Paises Baixos, e bulbos de tulipa eram exportados para toda a Europa. a margrave do pequeno ESlado de Baden Durlach tinha maisde 4,000 tuli_ pas em scujardim em 1636, todas cuidadosamente catalogadas nos registros do jardim.lJ Essa "tulipomanian que tamou conta da Europa durante 0 sccula XVII por fnn diminuiu (depois de fazl'r muitas fortunas e de levar a rufna muitas mais). Mas vohou a recrudescer nos dominios otomanos no inldu do sl':culo XVlli. 0 sultM Ahmed 11I tinha uma paix;\o exccssiva par tulipas, e seu reinado, entre 1703 e 1730, tornau-se conhecido como lale dO'ri, Ma Era das Tulipas". As nores que decoravam seus pal<!ciosnao eram as variedades silvestres nativas turcas ou persas, mas produtos da habilidade horticola europeia. Esses espl':cimesexoticos (c com [requfncia doentes), Uo chamati. vos quanta papagaios, matizados de diferentes cores, nam chamados de "bizarros" ou "[antastlcos". Erarn muito diferenlt:s das 110res simples e fnigeis que havia muito os LUreos reverenciavam No entanta, eram encanu- dores e imensamente sedutores para 0 gosto otomano. a embaixador francfs rdatou em 1726 que havia '.: ,',., " ",i~, I" I' ' I :1 Picard, que era descre:ver tadas as religioC5 igualmente. Os textos cias lluilas edi\;oes do livro variam consideravelmente. A primeira vcrsJo, publkada fIll AmstcrdJ entre 1733 c 1713, era a obra na fonna que Picard lenciollava, Na segunda parte do sHima volume, numa Nota ao Leitor (Avis au fe:cteur), ele denunciou a edir;ao francesa de 1741, que tinha sido "adaptada" para satisfa_ zeT as cxig~ncias do censor. 0 volUme: publicado em Amsterdil. reimprimiu 0 noyo material que hal/ia desagradado a Picard. As varias edir;Oes inglesas roram abreviad3.s e reelaboradas. Mas, [onquanto as textos 51':alterassem, as ilustrar;oes permancciarn. Num sentido, isso nao e de surpreender: Picard era n:nomarlo como gravador, e as textos fOTam escritos e reescritos pur varias autores diferentes em tomo das imagens criadas par ele. Contudo, e estranho que urna ilustral;olo em particular, talvez a mai~ sofisticada em toda a abu, tenha escapado 11aten,>"ao do censor. No scculo XVII, a folha de rosto gravada- no interior do Iivro, em geral oposta a rolha de rosto comum - tinha evoluldo para urn epitome visual do livro, mais ou menos como a sobrecapa no seculo XX. Por volta do s~culo XVllI, as leitores tinham se acostumado a essts temas visuais.)l A gravura de Picard era extra_ ordinaria men Ie complexa, e, para deixar claro que nolo hav!a ambiguidade, ele forneceu uma longa legenda. Mas nolo descreveu nela tudo 0 que ele moslrava. Seetarios protes{anles eSlavam lado a lado com bispos e sacerdo_ tes da Igreja Catclica, Atras deles vcem-se pagodes e rdolos itnaginarios, enquanto de urn bdo animistas cultuam animais e as for,>"asda Natureza. 'Mas no primeiro plano ha urn pequeno penhasco, com apenas alguns metros de altura, e no chilO, ao pe desse penhasco, esUo sentados as mu,>"ulmanos.JI o leitor imediatamente inferia por suas roupas, armas e aparcncia selvagem que sc lralava de muculmanos. Outro sinal inequivoco era a fato de des esta- rcmagrupados em torno de um camelo caracteristico. Nao el"a par acaso que eSlavam sentados perto da boca do Infcrno, com as faces angustiadas dos condenados contoret.'Tldo-se em earelas alraves da grossa grade de ferro ESS.lunica imagem, ao contn1rio de quaLsquer outras nos illuitos volumes da hist6ria "dent/fica" de Picard, cap{urava uma ideia que lodo crist~o rteonhe- ceria: as infWs mw;:ulmanos estavam "abaixo" de qualquer outra fc e proxi. mas da boca do Inferno, peb qual dcveriam em breve passa!. Essa era uma impressao que qualquer leilor ocidentalleria dessa folha dc roslo, a essencia de loda a obra. Ela expressa a grande for,>"ado estere6tipo do inHcl, formado atraves dos scculos, apesar da inten,>"ao de Picard de se !sentar de todo preconceito. As Cerimonias e os CoslUmes Rdigiosos e urn exemplo inici~!(j:9 de.'!.cjo.do llum~~n--;; de do~ume.ntar -0-unh-crso-coiiheCid.o ':Ill {~d(ls as seus aspcctos. E:ssa~'~'astalarcfa inclula 0 registro do misterioso mundo do Oriente, mas esse projelO era imperfeito.Q ..'!.curopeus inslintivamentc a,:reditavam_ T!a ,il~l.l!.l.~~ vel atemporalldade g.\LQ!icnte, e esse ponto denyisla perrneava lUuitos.dos _~i-P.I.Oi@L9-.Lgm.hee!rn.~n~()_ aC~f!l.~~do. Urn dos primeiros foi a pcsquisa do poderio rnilitar do Imp~rio Otomano empreendida peIo conde Luigi Ferdinando Marsigli. Este fizera uma visita sul.J-reptfcia as terras otomanas !'.nfre 1679 e 1680, e na yalta rcdigiu seu relato,}) Cinqo.ema anos mais tardc, dois anos apas a mane de Marsigli, em 1730, este foi puhlieado, Ele cstivera nahalhanda nas ilustra,>"ocs ate alguns dias antes de sua morte. J< Mas naquela epoca a estmtura militar dos otomanos jj nilo era a poderosa mjquina que tinha sido no periodo que anteeedcu 0 desaSlroso fracasso al~1ll dos limites de Viena eui 1683. Nada desse ciec1inio aparece no livro eonforme publicado. Elc foi abun- dalliemente ilustrado, C os manuscr!tos de Marsigli na biblioteca do Arsenal Real em Estocolmo exibem um texto eserito caprichosamente ;l m~o com desenhos c aquarelas na devida posi,>"~o. Pelo res{o do seeulo XVlll (e, estra- nhamente, alem) a visao de Marsigli do seculo XVll foi considerada urn relato em grande parte atuaIL:o:ado do poderio militar otomano Seu livro foi publicado em francfs, depois em Italiano e ate em russo, em 1737, em Solo PClersburgo.J5 Urna suspensolo mais notavel cia temporalidade oconeu com a lradu,>"ao para 0 ingles cias famosas C'-lr!<Jslatinas do embaiKador imperial Bushecq, que desere:veu 0 Imperio Olornano com base em suas rcminiscfn- cias da decada de 1550, Em 1H-f, suas Carta, foram lan,>"aclasem inglfs par uma <1udaciosa livraria edilora como "con tendo 0 mais acurado relata dos lurcos e de na,>"i'iesvizinhasM J6 No deeorrcr do s~culo XVlIl, um numero cada vez maior de pimores ocidentals visitou as domfnios otornanos e pintou ou desenhou 0 que viu Alguns, como Jean-Baptiste Van Mocur e Jean-Eticnne Liotard, passaram longos perlodos em Constantinopla, porem 0 mundo que des descrcveram era pane real, parte fanlasia. Lictard e outros especializaram-se em pintar ocident.1is em Constantinopla mando roupas otornanas autfnlicJs. 0 quadro de Antoi!l_~eJavrcy de 1754 foi inti{uladQ.Mul.h~rc.LJHrfa~, !l1e-s_~ alt~- l11ente-i~~p~ov.a~eique sellS modelos fossem, confornlc ell' insinuava, mu,>"ul. n~;;n~.~'ton;~;~~:' As i'~agens que esses p.intoreS'-cri~r;-n; ~~;~nufio'.'lnii's exatas e:~a~radas" tlo que aq'-lelas produzidas um Meulo alltes. Mas ell'S lnmbern pintavam para UIll mercado que exigia que retratass<:m 0 que possi- vehnente n;1o poderiam tn visw.,Nenhum pin tor p()deria ter entraJo na cas" ~~~ b~.n!1,()de urna rnulhl':r ou nos aposentos privados de uma c~sa olo~l;Hia. ~Jlde as m1,1]!leres e as crian~as viviam. tmpl"e.ss~cs fugazes tornararn-se fixas cumo.uma descri~ao imove\ do imperio. Qs artistas pi.n~r~n!~~.r.~i~~ ~oi- ,1l1oni.ais forrnais da COrle usado.s.~JodundOJLirioS-OtQmatl~m,'-l!!P~,tcs 30'!"D~T",banle e CimiMfT(I"Infitisl06 solenidades do Estado. 0 publico ocidental sup<')~~Nee5sas.foss~m'as_r-ou. pas que os otornanos U5ayam~.~~~sos dias, no inv~?~~.?'P:~!L!l.9.ver.~..lL.Qs pintores europeus viviam entre diplomatas e e~pat'n.a.~,~ci~~n~_ais,ou_l!9 seio de comunidades judias ou cristasotomanas. Nao t de surpreender que refletissem os costumes, interesses e precollccito~~:d~"~!,_ii~~~l.it.r.i6cs.---- Todavia, no seculo XVlll, houve urna imensa obra sabre 0 lmp~rio Otomano que apresentava 0 que 0 autor, Ignatius Mouradgea d'Ohsson, viu--como a realidade encoberta do imperio. Ele estava determinado a rnostrar pe1a primtira vez, de mandra sistematica, a mundo otomano ao Ocidente, ilustrando fidmente 0 texto de modo que palavra e imagem contassem a mesma hist6ria elll QuaJro Gaal [Tableau gtnl'ralj do Imptrio Olomano. Dividido tm Duas Partes, Uma das Quais C011ftm a Lcgisla,ao Mup.lmul1u e a Dutra a Histaria do Imptrio Olomano. Esse objetivo nasceu da frustra,ao,Mdo arm~nio, rodo franas, catolico, nascido vassa10 otomano e tendo vivido ate a meia-idade nos dominios otomanos, de estava cada vez mais irritado com 0 exeesso de livros e imagens que nao conseguiam retratar aque1emundo como elc 0 conhecia. Em seu Preambulo (Discours prtlimi_ naire), ele foi muilO preciso na sua inten~ao. Outros autores, declarou ele, tinham apenas olhado para a superffcie clessevasto Estado, "sem entender as causas [subjacentesJ. l1usoes e eTTOresultam dessas perspectivas distantes, superficiais e fugazes". Essa falsa impressao tinha serias consequt'ncias. "lgnorJncia absoluta" e "barbarie", disse D'OhssOll, eram os cpItetos usuais aplicados na Europa aos otomanos. Na realidade, ele era ate mais entusiasta do imperio do que a maioria dos otomanos mUl;ulmanos. Urn, Ebu Bekir Ratib, embaixador otomano em Viena em 1792, escreveu que "Deus sabe, ele e til.oentusiasmado pelo Sublime Estado que, se eu dissesse [que e] mais do que nos lsomosJ. m10estaria mentindon•l1 Aambil;itode d'Ohsson par esse prejeto ml0 tinha limile. Seu livre deve- ria ser publicado peb Imprensa Real, a Imprimerie de Monsieur, usando os melhores tipografos de Paris, 51.1pervisionadospc1a familia Didot. As gravu- ras deveriam ser feitas por Charles-Nicolas Cochin, 0melhor profissional da cpoca. Os trfs volumes em forma to maior e os sete volumes in-oitavo da edil;i1opopular continham apenas uma pequc.na parte de sua pretensiosa visaO,311Carter Findley descreveu 0 empreendimento como "Ulna vasta pcsquisa, que jamais sera conclufda, dOlhisl6ria islamica e pre-islamica, desde 0 antigo Egito e 0 (r<'iate os mongois: a esta deveria seguir-se uma hist6ria do Imptrio Otomano (da:>origens remOlasa 1774], e depois - esta parte sendo a Tableaugl'ntral-a legis1al;<l.odo Imperio Otomano".39Assim, apenas uma parte do grandioso prOJeto foi impressa em todo 0 seu esplen- dar. Se 0 lennos agora, ele parece urn preClusor (em termas editoriais) dOl maior publical;ao do seculo XIX:a Desai(do do Egito (Descriptiol1 de l'Egyple) franco-imperiaL Os dois imensos primeiros volumes de D'Ohsson, publica- dos em fins da decada de 1780, devem ter sido do conhecimento de Napo- leao quando de planejou imortalizar sua propria entrada no Egito em 1798-9. Par quase dois secu10s, ~M.de M". d'Ohsson" pareceu urn pcrsonagem t~o romantica e misterioso quanto 0 conde de Monte CJisto de Alexandre Dumas. 0 barao D'Ohsson era mesma deseendente de uma antiga familia nobre sueca, ou era simplesmente urn mercador amli:':nioque trabalhou na embaixada sueea em Constantinopla? Ele era mho de Oannes Mouradgea, llln arm~nio otomano a servil;o do consulado sueco em lzmir, I' de Claire Pagy, mha de urn funcionario do consulaclo frances no mesmo porto. Em 1740, Ignatius nasceu em Pera, urn bairro europell de Constantinopla no outro lado do Como de Ouro. He seguiu 0 cxemplo do pai e lomou-sc tradutor da embaixada sueca em 1763; em 1768, era tradutor-chcfe. Foi nomeado encarregado de neg6cios em 1795, e mais tarde Ocupou par urn breve perfodo 0 posto mais alto na embaixada em Constantinopla, 0 de chefI' de missao. Um casamento vantajoso com a filha de urn rico banqueiro mercantil arm~nio, Abraham Kuliyan, Hnanciara urn estilo de vida muito alem de sua rerlda (omo tradutor. Em 1780, Ignatius estava trabalhando com 0 sogro, bern como para a embaixada. Em 1786, a rei da Suecia permitiu.lhe mudar seu nome em homenagem a urn tio que the demonstrara ~bondade paterna". Ao que parecia, essa Hgura se chamava convenientemente O'Ohsson, uma imaginaliva lraduo;ao feila pOI'Ignatius do patronfmico arm~nio de seu tio, Tosunyan, que significavamais ou menos Mtouro enfurecido". Essa apela~ao francofona levou-o longe. Em 1780, ele recebeu urn tftulo de nobreza succo, e progrediu de ~1cSitur Mouradgea"para "IeChevalierMouradgcaM, chegando par fim a ~IcChevalier d'Ohsson", Na corte francesa, ele se apresentou como uma Figura inequivocamente oriental. Em mdo a perucas, cetins e scclas, andava de urn lado para Dutro trajando as tunicas esvoa~antes de um funcio- nario otomano e 0 chapeu de pele alto e pontudo usado pelos tradUlores da embaixada. Sua esposa bleceu em 1782, I' de 1784-a 1792 de viv('u em Paris para supervisionar a publica~ao de sua grande obra. o projeto tinha estado em sua mente desde 1764, quando de leu urn dos primeiros livres turcos impressos peIa havia muito desativada prensa de Ibrahim Muteferrika, sobre a qual discorrerei lIO pr6ximo capitulo. D'Ohssoll planejou seu Tablrau com cuidado durante mUltos anos. Contratou pintores para pintarem e desenharem lugares, trajes I' grandes eventos em segredo. Os principios pelos quais ele se pautava eram exatidao c utilidade, e 0 resul- 309.D~ TUrVant((Cimilarra" • loifitis308 ! ' , , rado foi uma obra scm 0 sensacionalismo de muitas imagens ociJcmais a cKemplo mais notavcl dessa diferem;a csta no desenho que seu gravador fez.do bill)ll.~,-~"g[lulheres. Em fins do 5~cul0 XVlll, csrc ja havia Sf transfor_ mada nUll local de luxuria febril para os oddcntais. a. qu~ aco.~ltr:;cia..ali denlro 56 podia .s~r imaginado, uma vel que 0 accsso em vedado aDs .- - .. . ~--"'-'-'-'- ,., ..•. -: ... --'." ..., ..-homcns. Mas as pinturas posteriores de lngres de Tne Batlt [0 Banllo I"cram 'tanto o_apogc.u de uma 10nga lradil;:iO deterralar mulheres nt\;S ';'~n~as~ \ qu'a~-t~_ocome~o de um.le!nafcnil na anc orientalista. 'C:o'mc;o livIOd~ , D'OhsSOIl exibia a casa de banhos das mulheres (e tambem ados homens,/ '] que fkava separada)1 a unico corpo nu a mostra era a de uma mae alimen_ tando discrelamelltc seu bebe; IOdas as omras mulheres estavam vestidas na tracli~ao de recato orientaL Mesmo nesse aspecto, onde 0 pllblico ocidental espcrava urna visao diferente (c talvez excitantc) dos otomanos, D'Ohsson mantcve-se fiel ao que sabia seT verdade. o primeiro volume da cdir;;~o de luxo foi publicado em 1787, 0 segundo em 1789. 0 lerceiro e ultimo volUme foi publicado em 1820, treu anos ap6s a morte de D'Ohsson, par seu mho Abraham. A publicao;ao do que cle espe- rava fosse uma edicao para 0 mercado de massa comeo;ou em 1788, mas s6 terminou em 1824. Os pIanos para uma traduo;ao inglesa jamais foram reali- ladas, e lampouco os projetos para uma grande edio;iio vienense em lingua alema, embora partes dOlobra aparccessem em alemao, succo e russo, ao P;lSSOque uma curiosa vers<1.ohibrida foi ptiblicada em Filadelfia em 1788. Esta ultima ofcrecia {1 chamariz de "Exibindo Muitos Exemplos Curiosos do Ilemisferio Oricnlal Rebtivos as Dispensao;oes Crista eJudaica; com Varios Ritos e Misl~rios dos Franeo~Mao;ons Orientais~ A aprescntao;~o seria de uma verdadeira imagem do Oriente por D'Ohsson tinha sido degradada, Existe mna extraordim\ria qualidade grafica lanto em seu texto quanto llas imagens ntidadosaIlH,"nte executadas que tornam suas palavras reais, Mas 0 l1icrcado exigia algo diferenlc: "Exemplos Curiosos", descrevendo a luxliria, o despotismo e a crueldade orienlais, 1\'a ocasiao em que a pl1blicar;ao foi afinal conc1Ulda, qUillquer publico substancial par;! 0 Tab/e(lu cstava presles a desvi1necer. Depois do massacre de Quios em 1822, poucas pessoas na Frano;a queriam In ou vrr- qU:aIq{ier--coisa que ap~entasse os otomanos nllilla lu~ favori1vcl A,Jemaliva de: D'Ohsson de opor-se ao discurso domi~~nte:..c.<;tava COndeLlada ao fracasso: nem sequer tres volumes em '(onnalo grande pode- rEiiti'impedi-lo. Mas a forma que 0 dLscurso assumiu nilo era imove\. A imagem que 0 Oddt'ntc fazia do Oriente olomano. afirma Asli C;:irakmall, mudou de lima ampla disparidade de pontos de vista confiitante.s nos seeu- los XV1 e XVII para uma hostilidade singular e constantc no seeuio XVlIl. )11"De Turbal1/e e Cimitarra" Contudo, esse processo de mudanr;a conlinuou, e nern sempn: na mesma direr;ao. Na opini<iO dela, no primeiro peliodo a imagem era uma tirania silnples, no segundo ela aparecia como urn despotismomais complexo.i0 Mas se levarffios a hislOria adiante, ateo seculo XIX, a forma lorna a mudar. Depois de 1829, quando os otomanos ab;!ndonararn as serlutoras sedas e peles e puseram de lado 0 lurbanle em favor do fez e da sobrecasaca Slam- bouline, des cumeo;aram a ser descritos no Ocidente como novas hom ens, Rrmes na senda do progresso. No entanto, des ainda traziam a irredimivd macula de suas origens, conforme Gladstone a apresentou em sua di;!tribe de 1876: Eles n10 s:lo os l11u~ulmanos meigos da india, nem os C"lvalheirescos Saladin05 da Siria, nem os mouws cuilOS da Espanha. De modo geT'll, desde 0 dia funeslo em que emraram pela primeira vez na Europa, cram a linica grande esptcie anti-humana da humanidade. (..,) Para as normas desla vida, des tinham urn falalismo inexoravd: como recompensa delas no futuro, urn parafso sensual,41 Atraves dos seculos, aos olhos dos ocir1enlais, os infieis muo;ulmanos ~;- a~~_mh~o,.muitos'~spectos diferentes.ll Eles tinham sido agartnos, ismClc1itas, sarraCtrlOS, mouros, (urcos, tarlaros, bedu.ll1os drool'S. A cada itcra- ~o a imagem d-;;'inficl fica~~-mais plecis3. Em termos ~isuais, um agareno, urn ismaclila au mesmo urn sarraceno n~o passui uma aparencia e.spcclfica. Trata-se apenas de nomes. Mas motlf.os, ItlfCO.~ ou beduinos tern uma i!n<JgCUL.\lisuaLmuita preci~,a ~gefiniia. Eles se IOrparam fixos - no semido em que uma imagem fotografica c quimica~-;;~e "fixada" e tomada perma- nente - P.RT..,illelOde imagens impressas c de obms de artc.. -_._-~. ,,_.~c~ c « InfitisllO•
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