Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Gestão do Conhecimento Tema 2: A empresa criadora de conhecimento Autor: Ronaldo Barbosa CONVITE À LEITURA Nesta aula, iniciamos o estudo do modelo de criação do conhecimento organizacional, descrito em detalhes no Livro-Texto da disciplina Gestão do Conhecimento, obra consagrada de Nonaka e Takeuchi. Para entendermos melhor o modelo, precisamos antes conhecer as ideias principais de duas obras relacionadas à era do conhecimento e que são indispensáveis para um bom administrador do século XXI; essas ideias estão nos livros Capital Intelectual, de Thomas Stewart, e Organizações que Aprendem, de Peter Senge. Os autores do Livro-Texto, Nonaka e Takeuchi, são abertamente inspirados em Senge e Stewart. Iniciamos o estudo do modelo por meio dos seguintes elementos: conhecimento tácito e conhecimento explícito. Na sequência, estudamos como um tipo de conhecimento se transforma no outro por meio de quatro processos: Socialização, Externalização, Combinação e Internalização. Um dos focos mais importantes que se pode atribuir à gestão do conhecimento é a inovação. Muitas vezes, a inovação provém de lugares improváveis, de pessoas comuns que aparentemente nada tem a ver com a inovação, mas que tem um problema que precisa ser resolvido e um insight de como resolvê-lo. Imagine, por exemplo, uma dona de casa que está cansada de ver a pia entupir cada vez que lava o arroz e por isso inventa um utensílio de cozinha. É a história verídica da dentista Therezinha Beatriz Alves, que inventou o escorredor de arroz, um utensílio simples, que ela conseguiu patentear e licenciar e que passou a ser utilizado em milhares de lares brasileiros. Vamos agora imaginar outra situação: a empresa existe, mas necessita de soluções inovadoras para se desenvolver. Um empresário, engenheiro civil, brinca com peças Lego com seu filho pequeno todas as noites antes de dormir. As peças Lego têm uma tremenda funcionalidade, porque permitem construir inúmeras formas, e divertem ao mesmo tempo que estimulam a imaginação e a criatividade. O engenheiro tem o insight de levar o conceito de peças Lego para a construção de paredes em edifícios: basicamente, tijolos de diversos tamanhos que se encaixam. O novo conceito de construção de paredes permite construção otimizada, menos desperdício de material e a realização em menos tempo. Esses são exemplos de como nascem as ideias, de como o conhecimento restrito e individualizado se transforma em inovações que modificam uma empresa ou um setor inteiro da economia. Para isso, existem modelos que facilitam o percurso, como o que estudaremos nesta aula. Bom estudo! Gestão do Conhecimento | Tema 2 2 TEXTO E CONTEXTO Base da Gestão do Conhecimento: Organizações que Aprendem Falar de conhecimento é falar de aprendizado, tanto para os indivíduos quanto para as empresas, pois ambos são “vivos”. O autor Arie de Geus, de A Empresa Viva, foi o primeiro pesquisador a considerar a empresa um “ser vivo” porque existe para sua própria sobrevivência e aperfeiçoamento. O objetivo da empresa é, além de obter lucro, realizar todo o seu potencial e se tornar tão grande quanto possível. A “empresa viva” é aquela que aprende e se transforma com o que aprende porque as decisões tomadas resultam de um processo de aprendizado (GEUS, 1998 apud GOLEMAN, 2007). Muito do que se discute sobre aprendizagem organizacional vem dos estudos de Peter Senge. Peter Senge escreveu A Quinta disciplina, livro que orienta a construir uma organização que aprende e se tornou uma referência obrigatória, fazendo de Senge uma espécie de guru moderno da Administração. Existem cinco componentes necessários para transformar uma organização em uma organização que aprende, segundo Senge (2006): 1 – Domínio pessoal: significa aprender a expandir as capacidades pessoais para obter os resultados desejados e criar um ambiente empresarial que estimule todos os participantes a alcançar as metas escolhidas. 2 – Modelos mentais: padrões de pensamento que existem na organização; incluem conhecimentos, hábitos e crenças que determinam a percepção do mundo. Colaboradores devem ser capazes de ajustar esses modelos à realidade. 3 – Visão compartilhada: importância do hábito da criação em grupo em que as pessoas se identificam com o grupo, sentindo-se estimuladas e unidas na busca de ideais comuns. 4 – Aprendizado em equipe: estímulo ao diálogo e à discussão, à interação autêntica entre as pessoas. 5 – Pensamento sistêmico: enxergar a organização como um sistema integrado e compreender quais são as forças internas e quais são suas inter-relações. É essa quinta disciplina que permite mudar os sistemas com maior eficácia e agir mais de acordo com os processos do mundo natural e econômico. Uma frase importante de Peter Senge que sintetiza o pensamento sistêmico é a seguinte: – “Dividir um elefante ao meio, não cria dois elefantes pequenos.” Gestão do Conhecimento | Tema 2 3 PONTO IMPORTANTE Segue um resumo da teoria geral dos sistemas e pensamento sistêmico em organizações, baseado em alguns pontos de partida: 1. A realidade é feita de sistemas, mas não de sistemas isolados sem qualquer relação entre si. 2. Para compreender a realidade, não basta examinar os sistemas isolados. É necessário compreender suas inter-relações, pois sistemas devem ser estudados globalmente envolvendo todas as interdependências de suas partes. A busca é pelo “geral no particular” e pelo “particular no geral”. Já o “todo” apresenta propriedades e características próprias que não são encontradas em nenhum dos elementos isoladamente. A abordagem sistêmica permite compreender as várias partes de uma organização, considera que ela possui dentro de si um conjunto de sistemas, mas, por outro lado, considera também a própria empresa como parte de sistemas maiores, que fazem parte de uma sociedade. Não é possível descartar uma interdependência entre as partes externas e internas. Uma empresa entendida como sistema fechado (abordagem não sistêmica), não leva em conta mudanças no ambiente, é insensível a mudanças e adaptações. Isso quer dizer também que as teorias de Administração falham quando se restringem às regras de funcionamento interno das empresas (o que seria uma abordagem fechada). Uma empresa deve responder eficazmente às mudanças rápidas no ambiente e não acreditar que o ambiente retornará ao mesmo ponto inicial de equilíbrio após um evento determinado. Isso explicaria o fracasso da importação acrítica de técnicas e soluções em muitas empresas. Por exemplo, o sucesso de celulares que navegam na internet modificou para sempre a indústria de celulares. Lembre-se: empresa é um sistema aberto, vivo, cujas mudanças são o oxigênio de que ela precisa para respirar. Mais uma vez estamos falando de inovação! Base da Gestão do Conhecimento: Capital Intelectual Como dissemos antes e você verá repetidas vezes, a empresa deve saber transformar informações (tanto aquelas que provêm do ambiente externo quanto as do ambiente interno) em conhecimentos novos, isto é, ela deve saber aprender. Transformar dados e informações em conhecimento para a empresa ocorre, por exemplo, na forma de aumento de “ativos”. Vamos esclarecer um ponto aqui! O conhecimento nas pessoas é a utilização da informação e dos dados ajustados ao potencial que possuem, suas competências, ideias, intuições, compromissos e motivações. Já o conhecimento nas empresas se expressa, por exemplo, na forma de “ativos”. Gestão do Conhecimento | Tema 2 4 Existem “ativos tangíveis” e “ativos intangíveis”. Ativos estão associados a bens de uma empresa como estoques, caixa, equipamentos e prédios (ativos tangíveis) e também a bens não físicos (ativos intangíveis), como patentes, capacidade de inovação e até capacidade de aprendizado. Os ativos intangíveis formamo “capital intelectual” da empresa, que depende da capacidade de seus colaboradores de transformar informação em conhecimento. Assim, o conhecimento organizacional está ligado ao conhecimento dos colaboradores! Mas precisamos elaborar um pouco mais o que é “capital intelectual”, e recorremos ao autor mais importante associado ao tema: Thomas Stewart. Thomas Stewart é considerado a primeira autoridade do mundo em administração do conhecimento, e seus pontos de vista são valiosos para qualquer organização que queira melhorar o retorno de seu “capital intelectual”, que está deixando de ser visto exclusivamente em termos financeiros ou físicos. O capital intelectual está dividido em três áreas, segundo Stewart (2008): Capital humano: capital humano é o conhecimento na cabeça dos empregados e que é rel- evante para os objetivos da organização. Esse capital é mobilizado quando os colaboradores se devotam a atividades intelectuais e de inovação. Capital em clientes: representa o valor dos relacionamentos que a empresa mantém com as pessoas e as organizações com as quais negocia. É medido em fatia de mercado, índice de fidelização de clientes, lucro, etc. Capital estrutural: é o conhecimento retido dentro da organização, pertence a todos, portan- to pode ser retido e compartilhado. Stewart recomenda uma série de princípios para administrar o capital intelectual, destacamos três deles: os capitais humano, em clientes e estrutural trabalham em conjunto, não é suficiente investir separadamente em cada um deles; empresas deveriam se concentrar mais no fluxo de informações do que no fluxo de materiais; o capital humano é criado em equipe por isso deve-se estimular formas sociais de aprendizado. Saiba Mais No texto a seguir, Peter Senge explica, em entrevista para a revista HSM, o que são as cinco disciplinas de aprendizagem das organizações: SENGE, Peter. As cinco disciplinas. Disponível em: <http://www.perspectivas.com.br/ g13.htm>. Acesso em: 26 dez. 2013. Em outra entrevista, Peter Senge fala sobre gestão de pessoas nas empresas e emenda com o tema da abordagem sistêmica: SAPONARA, Janine. Entrevista com Peter Senge: “Desistam de dar aulas”. Revista da Associação Brasileira de Recursos Humanos. Rio de Janeiro, ano 14, n. 148, p. 5-6, jun. 2008. Distribuição Dirigida. Disponível em: <http://www. abrhrj.org.br/typo/fileadmin/user_upload/RHNEWS/rh_news_junho.pdf>. Acesso em: 26 dez. 2013. Gestão do Conhecimento | Tema 2 5 Agora que entendemos as ideias de capital intelectual e empresas que aprendem, podemos finalmente entrar no mundo das empresas que criam conhecimento e estudar o modelo de criação de conhecimento empresarial. Duas categorias fundamentais: conhecimento tácito e conhecimento explícito Um dos pontos de partida para entender o modelo de Nonaka e Takeuchi é que eles consideram que o Ocidente e o Oriente têm modos diferentes de lidar com o conhecimento. Enquanto no Ocidente predomina o conhecimento quantificável, objetivo, mais fácil de expressar, no Oriente, predomina o conhecimento ambíguo, inexato e de difícil representação. Isso tem a ver com a tradição e a cultura dos povos orientais e ocidentais. Essas mesmas formas de conhecimento existem nas empresas e nas pessoas: formas fáceis de comunicar (uma descrição no manual de como uma máquina funciona) em contraposição a formas difíceis de comunicar (um jeito de operar a máquina que extrai dela o máximo desempenho, mas que não está escrito em nenhum manual porque é baseado na experiência do operador). Vamos considerar duas categorias gerais de como o conhecimento é dividido nas pessoas e nas empresas, segundo Nonaka e Takeuchi (1998): Conhecimento explícito: é o conhecimento facilmente comunicável, registrado em livros, revistas, artigos e documentos de um modo geral. É fácil de articular, manipular e transmitir. Esse foi o modo dominante de conhecimento na tradição ocidental. Um exemplo de conhecimento explícito ocorre quando um operário pede explicações a um colega sobre como operar uma máquina ou quando consulta o manual de funcionamento dessa máquina para aprender a operá-la. Conhecimento tácito: é o conhecimento que existe na cabeça das pessoas, obtido através da experiência que cada uma adquiriu ao longo de sua vida. O conhecimento tácito é pessoal, sensível ao contexto, por isso difícil de formalizar e comunicar. É o conhecimento incorporado à experiência individual, envolvendo fatores intangíveis como, por exemplo, crenças pessoais, “perspectivas naturalizadas”, intuições, emoções e habilidades. O conhecimento tácito é considerado como um importante fator de competitividade entre as organizações. Ainda no exemplo da máquina, embora as explicações sobre como operá-la e o manual possam ser os mesmos, alguns operários mais experientes irão operar a máquina de forma melhor do que outros – eles têm um conhecimento tácito acumulado. A interação entre essas duas formas de conhecimento (tácito-explícito) compõe o modelo de espiral do conhecimento que começaremos a estudar nesta aula. Como já foi mencionado, o conhecimento se origina na cabeça de um indivíduo, desenvolve-se, dissemina-se, podendo modificar toda a empresa. Para isso, são necessárias várias conversões de conhecimento tácito-explícito em um processo contínuo. A figura seguinte mostra que o conhecimento tácito é a base do conhecimento explícito, um não existe sem o outro, mas o conhecimento tácito é mais valioso. Se você pensar na forma como hoje em dia as informações e os conhecimentos se tornaram facilitados pelas novas tecnologias, entenderá melhor o desafio que é lidar com o conhecimento tácito, alheio às tecnologias porque ligado, por exemplo, às emoções, crenças e atitudes das pessoas. Gestão do Conhecimento | Tema 2 6 Existe muito mais conhecimento na forma tácita. Explícito só existe porque existe o tácito. Tácito é mais importante. Introdução ao modelo de criação do conhecimento organizacional Quando se discute inovação nas organizações, no sentido de criar um conceito novo ou um conhecimento novo, é necessário recuar um pouco às formas como conhecimento é interpretado. O conhecimento não se restringiria às pessoas, mas estaria diluído na organização. Sobre conhecimento nas organizações, Davenport e Prusak (1998) declaram que conhecimento é uma mistura fluida de experiência, valores e insights experimentados e estaria embutido em documentos ou repositórios, mas também em normas, rotinas, processos e práticas dentro de uma organização. Conforme já dissemos, uma ideia comum no discurso de administradores é a de que o principal ativo das organizações estaria no conhecimento dos seus funcionários, conhecimento traduzido em ideias, julgamentos, talentos individuais e coletivos, relacionamentos, perspectivas e valores, armazenados na mente das pessoas ou embutidos em produtos, serviços e sistemas (DRUCKER, 2003). Entretanto, muito do “conhecimento acumulado” nos colaboradores nem sempre é facilmente representável por encontrar-se em dimensão tácita, necessitando de uma espécie de força indutora para se converter e se traduzir em inovações. Lembre-se de que “gestão de conhecimento” é um conjunto amplo de mecanismos para estimular a criação, disseminação e internalização de conhecimento nas organizações. Nas organizações, a gestão do conhecimento está relacionada, por exemplo, à retenção de conhecimentos de colaboradores quando estes trocam de empresa, afastam-se ou se aposentam. Está relacionada à transformação positiva que a organização pode sofrer a partir de um insight criativo de um colaborador de qualquer nível hierárquico. A criação do conhecimento nasce desse Gestão do Conhecimento | Tema 2 7 insight criativo e individual que é gerador de um novo conceito, âmago da inovação. Uma das correntes de pesquisa sobre inovaçãoe gestão do conhecimento atribui especial importância à liberdade criativa, às interações humanas e ao ambiente. É uma linha que se opõe a uma aposta excessiva nas novas tecnologias como condicionante para as inovações. Encontramos na gestão das organizações um modelo que pragmaticamente interpreta a inovação como “criação do conhecimento” na forma de insights para criação de processos e produtos. Com base nessa plataforma, o modelo propõe mecanismos para criação, difusão e interiorização da inovação nas organizações. Na década de 1990, em pesquisas sobre o que seria necessário para colocar as empresas no caminho das inovações, pesquisadores japoneses propuseram um modelo em que a negociação do par “conhecimento tácito-conhecimento explícito” seria geradora da inovação, cabendo aos gestores das organizações impulsionar tais interações, a fim de enfrentar melhor os desafios do século XXI (NONAKA; TAKEUCHI, 2008). O modelo alude, por exemplo, que a capacidade de criação do conhecimento novo está potencialmente presente em todas as pessoas em forma tácita, que não se pode controlar o conhecimento novo e que somente a empresa capaz de criar conhecimento novo pode ser uma empresa inovadora, habilitada a sobreviver no regime de altíssima concorrência do século XXI. O modelo é também uma espécie de apologia ao “aprender- fazendo” e ao compartilhamento de experiências quando aquilo que se busca aprender tem parcelas importantes de conhecimento tácito. Tal estímulo estaria vinculado a uma estratégia de lidar com o conhecimento organizacional: a empresa cria conhecimento à medida que age e interage com o ambiente, sintetizando contradições como um organismo vivo, e não como uma máquina. Na cultura empresarial japonesa, haveria a necessidade de um alto grau de comprometimento de seus colaboradores, cada colaborador deveria compreender sua tarefa como parte de um todo e as interações entre as partes estariam comprometidas para uma evolução de forma contínua. Como os indivíduos têm diferentes metas e contextos, as contradições são inevitáveis. Para superar tais contradições, conhecimento deve ser criado a partir da síntese de contradições, daí os autores denominarem a empresa criadora de conhecimento como “empresa dialética”. Os quatro processos de transformação do conhecimento A criação do conhecimento organizacional é uma interação contínua e dinâmica entre o conhecimento tácito e o explícito. Nasce do conhecimento individual e se amplifica, atingindo grupos maiores, setores e toda a organização. Durante os processos de conversão de conhecimento tácito-explícito, ocorreria toda a cadeia de transformações, desde o “insight criativo” de um indivíduo que cria um novo conceito até a etapa final de um ciclo que se converte em inovação, que chega aos mercados. Novos ciclos aprofundam o processo e geram inovações. As conversões de conhecimento explícito- tácito classificam-se nas seguintes categorias, nessa ordem, segundo o modelo de Nonaka e Takeuchi (2008): Gestão do Conhecimento | Tema 2 8 S – Socialização: conversão do conhecimento tácito para tácito A Socialização é um processo de compartilhamento de experiências e, a partir daí, da criação do conhecimento tácito, na forma de modelos mentais e habilidades técnicas compartilhadas. Um indivíduo pode desenvolver conhecimento tácito diretamente de outros indivíduos, sem usar a linguagem. Os aprendizes trabalham com seus mestres e aprendem sua arte sem depender da fala, mas por meio da observação, imitação e prática. Portanto, Socialização está associada a aprender pelo exemplo e a aprender fazendo. A Socialização opera em um campo específico de interação, por exemplo, no diálogo com o cliente, pela observação do cliente ou pela experiência compartilhada com o cliente. E – Externalização: conversão do conhecimento tácito para explícito A Externalização é um processo de articulação do conhecimento tácito em termos explícitos, que pode ser definida também como um processo de criação de um conceito novo. É considerada como o processo de conversão mais importante no modelo, porque está diretamente associada ao aparecimento de um novo conceito, germe da inovação. Para o desenvolvimento de um novo conceito, quando a expressão diretamente por meio da linguagem se mostra insuficiente, utilizam-se, esboços, representação por gestos, metáforas, analogias, modelos e até linguagem gestual. Na etapa de Externalização, emergem as hipóteses que irão motivar diálogos e uma espécie de reflexão coletiva. C – Combinação: conversão do conhecimento explícito para conhecimento explícito A Combinação corresponde a um processo de sistematização de conceitos face a um sistema de conhecimento preexistente. Esse modo de conversão do conhecimento envolve a combinação de conjuntos diferentes de conhecimento explícito. Os indivíduos trocam e combinam conceitos por meio de documentos, reuniões, conversas diretas ou redes de comunicação. Há reconfiguração das informações existentes por meio da classificação, do acréscimo, da categorização do conhecimento explícito (como realizado em bancos de dados de computadores), que pode levar a novos conhecimentos. Na indústria, é constante a evolução e o aperfeiçoamento de produtos que ocorrem por meio de discussões internas entre os departamentos. I – Internalização: conversão do conhecimento explícito para tácito Internalização é o processo de incorporação do conhecimento explícito, que se converte em conhecimento tácito na forma de mudança de base de conhecimento, espécie de aprendizagem coletiva. Quando a maioria dos membros da organização compartilha tal modelo mental, o conhecimento tácito passa a fazer parte da cultura da organização. Exemplos são o know-how técnico acumulado e a aplicação das melhores práticas para execução de processos. Gestão do Conhecimento | Tema 2 9 Fonte: Adaptado de Nonaka e Takeuchi (1998). Saiba Mais Link: para entender melhor o que é o conhecimento tácito, um professor de Portugal, Eduardo Beira, mergulha na teoria do conhecimento pessoal de Michael Polanyi. BEIRA, Eduardo. Michael Polanyi: O estudo do homem. WP 90 (2009) Working papers “Mercados e Negócios”, out. 2009. Disponível em: <http://www3.dsi.uminho.pt/ebeira/wps/WP90estudodohomem.pdf>. Acesso em: 26 dez. 2013. Link: Resumo da obra e das ideias de Polanyi, pelo matemático Claudio Saiani. SAIANI, Claudio. A epistemologia de Michael Polanyi. Disponível em: <http:// nilsonjosemachado.net/lca5.pdf>. Acesso em: 26 dez. 2013. Um exemplo real de aplicação do modelo de criação do conhecimento Um fabricante japonês de máquinas de fazer pão da cidade de Osaka necessitava aprimorar a qualidade de seus produtos. Embora a equipe de engenheiros e projetistas da empresa fosse competente, a máquina produzia pães de qualidade inferior: queimados por fora enquanto a massa ficava um tanto crua por dentro. Gestão do Conhecimento | Tema 2 10 Um dos engenheiros da empresa tem a ideia de observar o trabalho dos padeiros da melhor padaria da cidade: as máquinas de pão caseiro deveriam tentar imitar da melhor maneira possível a forma como trabalha o mestre padeiro. O padeiro domina a técnica, mas não saberia explicá-la, existe uma experiência compartilhada; o engenheiro observa durante semanas o padeiro enquanto este prepara o pão. O engenheiro tenta descobrir o segredo do mestre padeiro, parece que ele estica enquanto torce a massa de um jeito diferente, mas isso ainda não está totalmente claro, beira a intuição (conhecimento tácito do padeiro transformado em conhecimento tácito do engenheiro: Socialização). O engenheiro procura externar tudo o que viu o padeiro fazer. Pode ser que ele não consiga escrever, então ele fará um desenho, um esquema ou imitará os gestos do padeiro, afinal, a forma como o padeiro estica e torce a massaé um movimento difícil de explicar (conhecimento tácito do engenheiro convertido em conhecimento explícito do próprio engenheiro: Externalização). O engenheiro apresenta o relatório utilizando esquemas, analogias e esboços a seus colegas em reunião. Todos discutem formas de transformar a habilidade do padeiro em uma nova estrutura interna das máquinas de fazer pão (conhecimento explícito do engenheiro combinado ao conhecimento explícito de um conjunto de pessoas: Combinação). As pessoas têm agora uma nova noção do que é fabricar pão. Passou a fazer parte do conhecimento da organização que projetos de máquinas de fazer pão caseiro devem se basear na arte dos mestres padeiros (conhecimento explícito do grupo convertido a conhecimento tácito do grupo). Note como o processo evoluiu de um conhecimento individual até uma inovação em que a cultura da empresa é modificada. Neste ponto já temos uma noção de como a gestão do conhecimento opera a inovação nas empresas que criam conhecimento. Essas etapas de conversão do conhecimento serão aprofundadas nas próximas aulas. Vamos dar uma parada para nos abastecer um pouco com mais iniciativas reais como essa. Gestão do Conhecimento | Tema 2 11 Poderíamos pensar: - Como uma “vontade” se transforma em uma inovação? A aviação possui vários exemplos interessantes que enriquecem nossa visão sobre o assunto. O maior inovador brasileiro de todos os tempos, Santos Dumont, está ligado para sempre à história mundial da aviação. Mais tarde, influenciado pelo herói Santos Dumont, Ozires Silva se perguntava, ainda jovem: “– Se inventamos o avião, por que não podemos fabricá-los?”, e tempos depois, fundou a Embraer, uma das mais importantes empresas fabricantes de aviões do mundo. Cabe também estudar um projeto de avião que superou todos os outros, mas esbarrou em dificuldades não previstas: o projeto do mais inovador dos aviões: o Concorde. Saiba Mais Santos Dumont: maior aviador brasileiro. Documentário O homem pode voar. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=3cRc-MA0IS0>. Acesso em: 26 dez. 2013. Ozires Silva fala sobre a organização que ajudou a criar, a Embraer. Palestra da Endeavor com Ozires Silva. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=Cxkelcp4jL0>. Acesso em: 26 dez. 2013. Documentário sobre o último voo do avião supersônico de passageiros Concorde, projeto extraordinário que desafia o que entendemos como sucesso de uma inovação. A despedida do Concorde. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=cgwGsp3f9MM>. Acesso em: 26 dez. 2013. Gestão do Conhecimento | Tema 2 12 FILME Ponto de Mutação (1990, Dir. Bernt Amateus Capra). Não deixe de conferir! Este filme é um curso inteiro sobre conhecimento! Talvez o mais belo filme a tratar de diferentes percepções sobre conhecimento. Na história, três pessoas se encontram em um castelo à beira do mar e discutem o sentido das próprias vidas: uma cientista, uma atriz e um político. É baseado no livro best-seller de Fritjof Capra, que tem o mesmo nome. AGORA É A SUA VEZ Questão 01 O gráfico acima é uma representação clássica de conhecimento, que vem dos antigos pensadores gregos. Observe o gráfico e escolha a alternativa mais adequada: a) Uma verdade sempre é um conhecimento no qual se crê. b) Uma crença sempre é um conhecimento que se acredita ser verdadeiro. c) Conhecimento é uma crença verdadeira e justificada. d) É possível ter conhecimento sem crença. e) É possível ter conhecimento sem verdade. Gestão do Conhecimento | Tema 2 13 Resposta: C Observação: para se aprofundar no vasto tema da noção de conhecimento, sob diversos pontos de vista, visite o link: http://www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index.php/revcesumar/article/download/798/769. Questão 02 A Estatística é uma fonte importante para gerar conhecimento a partir de dados e informações, mas pode maquiar a realidade quando mostra a informação conveniente e omite outras. Ou mesmo quando dá destaque a uma informação irrelevante num conjunto de dados. Veja para onde nos levam dados mal-interpretados: Informação Interpretação possível Informação adicional oculta Conclusão “Nos EUA havia muito mais árvores em 2004 do que em 1894.” Os EUA estão mais preocupados com a flora do que no passado. A fonte da informação foi uma associação de madeireiras. Os peritos consideraram “árvore” tanto uma sequoia centenária quanto uma muda de pinus plantada há pouco tempo, assim, o problema está na definição de “árvore”. É importante saber quem diz o quê e porque diz! “Metade das pessoas na reunião pratica exercícios físicos regularmente.” A empresa estimula a prática de esportes entre os funcionários. Só havia duas pessoas na reunião. Uma amostra muito pequena produz resultados aleatórios! “Um jornal afirma que a safra de um ano é quatro vezes maior do que a do ano anterior.” Houve elevado aumento de produtividade do trabalho do campo. No ano anterior houve uma enchente que dizimou cerca de 80% da safra prevista. Distorcemos a verdade quando omitimos uma parte importante da informação! “A população de uma grande área da China era de 28 milhões. Cinco anos depois, chegava a 105 milhões. “ A população dessa área da China cresceu espantosamente. O primeiro censo foi para fins de tributação e serviço militar; o segundo, para ajuda em caso de necessidade. A finalidade da coleta de dados pode interferir (e geralmente interfere mesmo) nos resultados! Fonte (adaptado): LIMA. R. Falácia e eficácia das Estatísticas. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/showNews/fd020420035.htm>. Gestão do Conhecimento | Tema 2 14 Com base no que foi apresentado acima, podemos dizer: a) Dados mal-interpretados podem mascarar a realidade. b) A Estatística pode maquiar a realidade quando mostra uma informação e omite outra. c) Divulgadores de estatísticas podem fazer uso ideológico de informações para induzir uma interpretação da realidade. d) Informação exata pode gerar conhecimento inexato. e) Todas as sentenças são verdadeiras. Resposta: E Questão 03 A Ponte de Tacoma em Washington, Estados Unidos, ruiu algumas semanas depois de inaugurada devido ao fenômeno físico da ressonância. Moradores haviam alertado os construtores de que, naquela área, às vezes, ventava muito. A ressonância é o fenômeno no qual sistemas oscilantes passam a ter amplitude máxima para determinadas frequências, denominadas frequências ressonantes. Um exemplo desse fenômeno ocorre quando uma criança em um balanço descobre o momento exato de dobrar as pernas para aumentar a amplitude do seu movimento, ou seja, o seu corpo passa a oscilar com a mesma frequência que as cordas do balanço, resultando na ressonância. Na madrugada do dia em que ocorreu o colapso, os ventos atingiram a velocidade de 64 km/h, fazendo com que a ponte oscilasse muito juntamente com os cabos de sustentação, alcançando o valor de uma das frequências naturais da ponte. Além disso, faltava rigidez transversal e torcional na estrutura da obra. Depois da experiência, a engenharia de construção de pontes passou a considerar a possibilidade da ressonância nos cálculos estruturais e não há notícia de que outras pontes tenham ruído pelo mesmo motivo. (Adaptado do Portal Educação. Disponível em: <http://www.portaleducacao.com. br/pedagogia/artigos/41429/ressonancia-o-curioso-caso-da-ponte-tacoma-narrows>. Acesso em: 7 jan. 2014). a) A história da ponte de Tacoma mostra como o conhecimento tácito é mais importante do que o conhecimento explícito. b) A história da ponte de Tacoma, e a mudança que provocou na engenharia de construçãode pontes, é exemplo de aplicação de gestão do conhecimento. Gestão do Conhecimento | Tema 2 15 c) A ponte ruiu porque faltou conhecimento tácito por parte dos construtores. d) A ponte ruiu porque os construtores haviam sido alertados. e) A ponte ruiu como qualquer ponte ruiria nesse lugar em que ventava muito. Link: A ponte de Tacoma balançando até cair. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=mfQk6ac4res>. Resposta: B Questão 04 Relembre a história do padeiro de Osaka que estudamos nesta aula, mas imagine que há outros cenários possíveis para o desfecho da história. Cenário 1 – O engenheiro não conseguiu compreender os segredos do mestre padeiro e desistiu do projeto: ele sugere mexer no livro de receitas que acompanha o produto para “driblar” o problema da massa crua usando outros ingredientes. Cenário 2 – O engenheiro apresentou corretamente a interpretação de esticar/torcer a massa, mas os demais engenheiros não chegaram a um acordo sobre como projetar a máquina de fazer pão de tal forma que fosse capaz de imitar esses movimentos do mestre padeiro. Cenário 3 – O mestre padeiro, ciente de seu próprio talento e temeroso de ser copiado, procura um órgão do governo e requer patente sobre o conceito que desenvolveu sobre como fazer o melhor pão da cidade. Tem também o projeto de buscar apoio e parceiros para transformar sua habilidade em inovação. Qual ou quais processos do modelo de criação do conhecimento estudado estão associados a cada um dos cenários? Responda com base em conhecimento tácito e/ou explícito. Resposta: Cenário 1 – Externalização. O engenheiro falhou no processo de Externalização. Embora tenha tido a experiência compartilhada de acompanhar o trabalho do mestre padeiro durante meses, não foi capaz de externalizar corretamente o conhecimento tácito do mestre padeiro em termos explícitos. Cenário 2 – Socialização. A equipe de engenheiros não teve sucesso na etapa de Socialização porque as experiências e conhecimentos explícitos individuais não chegaram a um consenso explícito geral de como reprojetar as máquinas para contemplar a mudança na forma de misturar a massa. 3 – Externalização. O mestre padeiro foi capaz de transformar o seu próprio conhecimento tácito em conhecimento explícito e de externalizá-lo na forma de um novo conceito na arte de pães caseiros, a patente representa conhecimento explícito. Gestão do Conhecimento | Tema 2 16 Questão 05 O professor Sergio leciona Língua Portuguesa em um colégio público da periferia de uma grande cidade. Sergio irá logo se aposentar depois de muitos anos dedicados à docência e ficou conhecido como um professor de aulas inesquecíveis. O diretor está preocupado com o prejuízo que os alunos terão sem as aulas do estimado professor e gostaria muito que o João, professor substituto, desse continuidade às boas aulas do professor Sergio. Para isso, o diretor solicita ao professor Sergio que entregue todas as suas anotações e planos de aula ao professor João, seu substituto. Sergio se afasta e tempos depois, as aulas recomeçam com o professor João. Depois de alguma expectativa, os alunos do professor João estão frustrados, já não têm o mesmo entusiasmo pela disciplina e lembram-se com saudade das aulas do professor “Sergião”. O que aconteceu? As aulas não eram equivalentes? Pense em uma forma de ajudar o professor João, utilizando a teoria da criação do conhecimento e os quatro processos de transformação do conhecimento que começamos a estudar nesta aula. Resposta: Esse é um exemplo de como o conhecimento tácito se manifesta de forma diferente do conhecimento explícito. Os cadernos de anotações do professor Sergio representam um conhecimento explícito que não substitui seu conhecimento tácito, ligado à experiência e intuição. Para os alunos, o conhecimento tácito do professor Sergio é mais importante do que o conhecimento explícito que o professor João tentou copiar. Por outro lado, o professor João poderia tentar ser um bom professor a seu próprio modo, sem descartar o talento do professor Sergio, e poderia tentar trazer para os demais professores um pouco do entusiasmo daquelas aulas inesquecíveis. A proposta é a seguinte: antes de Sergio se afastar por completo, João poderia aproveitar para assistir às aulas do professor Sergio (experiência compartilhada, Socialização), a fim de tentar extrair o que encontrasse de mais importante por meio de desenhos, esquemas e modelos (processo de Externalização). Depois, discutiria com os outros professores o que observou de excepcional naquelas aulas (processo de Combinação de ideias com ideias dos colegas), fazendo com que o talento e a inventividade do professor Sergio pudessem se tornar um legado positivo para todos na escola (processo de Internalização, de operacionalização das mudanças). Com isso, a criatividade e inventividade do professor Sergio dispararia inovação na escola, aumentando a aceitação dos alunos pelas aulas dos demais professores, caso o processo fosse bem-sucedido. CONCEITOS FUNDAMENTAIS Capital – Aquilo que constitui fundo ou valor suscetível de produzir lucros ou vantagens. Conjunto de bens e valores necessários para manter a atividade de uma empresa ou de um negócio. Valores, dinheiro, numerário. Fortuna. Conhecimento – Utilização de informação e dos dados ajustados ao potencial das pessoas, suas competências, ideias, intuições, compromissos e motivações. É relacionado com a ação humana e depende do contexto. Conhecimento explícito – Tipo de conhecimento facilmente comunicável, registrado em livros, revistas, artigos e documentos de um modo geral. É fácil de articular, manipular e transmitir. Gestão do Conhecimento | Tema 2 17 Conhecimento tácito – Tipo de conhecimento pessoal, sensível ao contexto, que existe na cabeça das pessoas, obtido através da experiência que cada uma adquiriu ao longo de sua vida. Por isso, é difícil de formalizar e comunicar. Insight – Conhecimento, percepção ou revelação repentina. Capacidade de introspecção ou de autoconhecimento. Know-how – Perícia. Domínio de uma determinada habilidade ou conjunto de saberes e/ou conhecimentos. Sistema – Modo de organização. Modo de governo, de administração. Conjunto de meios e processos empregados para alcançar um determinado fim. Conjunto de métodos e/ou processos didáticos. Método, modo, forma. FINALIZANDO Nesta aula demos os primeiros passos para compreender como a gestão do conhecimento dialoga com a inovação. Utilizamos conceitos ligados a organizações que aprendem e capital intelectual. Vimos os tipos de conhecimento (tácito/explícito) e os quatro processos de transformação do conhecimento: Socialização, Externalização, Combinação e Internalização. Na próxima aula aprofundaremos o olhar sobre o modelo de inovação e veremos porque o processo de Externalização é o mais importante dos quatro processos. Bons estudos! REFERÊNCIAS DE GEUS, A. A Empresa Viva. Rio de janeiro: Campus/Elsevier. 1998. DRUCKER, P.F. Inovação e espírito empreendedor: prática e princípios. São Paulo: Pioneira Thompson, 2003. GOLEMAN, D. (org.) Textos fundamentais (Biblioteca de gestão). Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. NONAKA I.; TAKEUCHI, H. Gestão do Conhecimento. Porto Alegre: Bookman, 2008. SENGE, P. A Quinta Disciplina. Rio de Janeiro: Best Seller, 2006. STEWART, T. Capital Intelectual – a nova vantagem competitiva das empresas. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
Compartilhar