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I I GORNELIUS GASTORIADIS A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO COMO LUTAR A Regra d01 Jogo, Edições 1979 : j ' f ' . • . ' USP-FEA 331.88 C354E MONOGRAFIAS EXPERIENCIA DO MOVIMENTO OPERARIO :COMO LUTAR 64572 MATERIAIS 2: C. Cas�oriadis, A Experiêneia do Movimento Operário 1- Gomo Lutar 't'.ítulo original : L'expérience du mouvement ouvrier 1- Comment lutter. © Uni'On Générale d'Editions et Coonelius Gastoria dis, 1974.. Reservados os direi1los de tradução para a língua portuguesa por A Regra do Jogo, Edições, Lda. R. Sousa Martins, 5, 2.0 Dt.0- 10100 Lisboa. Grup·a de João B. Trndução de José Viana e Miguel Serras Pereira I !f ' •J �· _, j Como em todos o·s outros volumes desta publicação, os terttos são aqui rep'l'oduzidos sem modificação, com ea: cepção dos e'N'os de. impressão e de alguns lapsus calami e, se necessário, a actualização das referêncú:ts. As notas nomeadas por letTas são novas. PaTa uma vista de conjunto das ideias· e da sua evo lução, deve o leitor reportar-se à «Introdução» de A so ciedade burocrática,. 1: As relações de produção na Rússia. Este volume é aqui designado po'l' Vol. l, 1; A sociedade burocrática, ,21: A revolução contm a hlll'o<eracia é desig nado por Vol. 1, 2. Alguns textos a que frequentemente se faz referência seTão designados por siglas, de acordo com a seguinte lista: CFP- Concentração das fo'l'ças p'l'odutivas (inédito, MaTço de 1948; Vol. I, 1). FCP- Fenomenologia da consciência proletá'l'ia (iné dito, Março de 1948; Vol. l, 1). ------�- c-=-··--·--=--- -----�======= •=========�-----------------=-=========-==-- SB-Sociali8mc ou barbárie (S. ou B.., n.• 1, Margo de 1949,· Vol. I, 1). RPR- As relações de produção na Rússm (S. ou B., n.• fJ, Maio de 1949; Vol. I, 1). DC I e II-Sobre a dinâmica do capitali8mo (S. ou B., n.•• 1fJ e 13, Agosto de 1953 e Janeitro de 1954). SIPP-Situação do impemlismo e perspectivas do proletariado (S. ou B., n.• 14, Abril de 1954). CS I, CS li, CS III- Sobre o conteúdo do sociali8mc (S. ou B., n.• 17, Julho de 1955, n.• 22, Julho· de 1957, n.• 28, Janeiro de 1958). RPB- A revolução proletám contro a burocraoia (S. ou B., n.• 20, Dezembro de 1956; Vol. I, 2). PO I e II-ProletaJrii:ulo e O'l'ganizag® (S. ou B., n.•• 27 e 28, Abril e Julho de 1959). MRCM I, II e III-O movimento· revolueionárw sob o capitalismc moderno (S. ou B., n.•• 31, 32 e 39, Dezem bro de 1960, Abril e Dezemb'l'o de 1961). PR-RecomeÇCII' a revolução (S. ou B., n.• 85, Janeiro de 1964). RIB- O papel da ideologm bolcheviata no nascimento da bU'l'OC'I"acia (S. ou B., n.• 85, Janeiro de 1964). MTR I a V-Marxismc e teorm revolueionáM (S. ou B., n.0'36 a 40, Abril, de 1964 a Junho de 1965). IG-Introduç® ao Vol. I, 1. 6 Introdução A QUESTÃO DA HISTóRIA DO MOVIMENTO OPERÃRIO A minha ideia inicial era separar, na presente reedição, os meus textos de Socialisme ou Barba,. rie consagrados às reivindicações e às formas de luta e de organização dos trabalhadores, e os relativos à organização política dos militantes («questão do partido») . Reflectindo melhor, esta solução pareceu-me apresentar muito mais in convenientes do que vantagens, uma vez que as duas questões estiveram, desde o início e cons tantemente� ligadas no meu trabalho. Mas, acima de tudo, reflecte e materializa uma posição que há já muito tempo não corresponde à minha. Com efeito, isso equivale a aceitar e a ratificar a ideia de dois campos de realidades separados não ape- nas de facto mas de direito. Num deles, encon- 7 A EXPERiltNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO trecno[ogia pela luta na produção, ver CS li e III. Sobre a luta na pl1odução nos países de Leste, ver RPB e CS III. (23) Marx, como s·e ·sabe, extrai e abstrai desta luta a metade que corresponde à actividxule do capitalista («compress.ão dos poros da jornada de trabalho»), dei xando aparecer o operário como puro obj-ecto pas,siV"o desta actividade. A resistência que este lhe pod·e opor na produção (e não fora da fábrica, pela agitação sin dical, etc.) não difeve, de acordo com esta óptica, da de um material inerte. A indignação moral de Marx está presente em cada linha, mas a lógica do exame é a que se aplicaria a uma cois,a. As duas V"ezes em que a «resis tência» dos operários é mencionada no Primeiro Livro do Capital (a propósito do controlo e da vigilância, e a propósito do s�wário à peça) é apre,S>Cntada CQI!llo fatal mente condenada ao malogro. (2�) Ver neste volume «As greves selvagens na in dústria automóvel 'americwna», p. 297 e seg. (25) Sobre a questão das condições de trabalho, ver, além do texto mencionado na nota precedente, a parte final de MRCM. (26) Ver MRCM I e II. (27) Para uma discussão destes factores, ver CS li e III e MRCM ll. (28) A sociedade bwrocnitica, 1, pp. (�9) Claude Lefort, por •seu lado, utilizou a ideia de experiência, tomada num sentido mais lato, num texto notável «A exp•eriência proletária», Socialisme ou Bar barie, n.• 111 (Março de 1953), retomado agora em Elé ments pour une critique de la burocracie, Droz, Genebra -Parjs, 1971, pp. 319 ·a 58. Ver também os seus artigos contra Sartre, ib., pp. 59 a 10:8. (3°) Sobre 'esta evolução, e os múltiplos factores que a condicionaram, ver MRCM e RR. (B1) Ver CS I e li, PO I, RR, PIE, MTR e IG. 126 O PARTIDO REVOLUCIONÃRIO * 1. A crise actual do grupo mais não é que a expressão mais aguda da crise permanente que atravessa desde que se constituiu, e que a.pre s�enta uma forma mais violenta sempre que se põem problemas respeitantes às suas relações com o exterior (saída do P. C. 1., primeira dis cussão sobre o carácter da revista no Outono de 1948, conteúdo da revista por altura da re dacção do n.o 1) . De todas as vezes reencontra mos na raiz das divergências a falta de clarifi cação sobre as questões do partido revolucioná rio e da nossa orientação estratégica e táctica. 2. A solução destes problemas, quer do ponto de vista teórico geral, quer do ponto de vista da nossa orientação, tornou-se numa questão (*) S. ou B. n.• 2 (Maio de 1:9149). Ver adiante o Posfácio a este texto. 127 A EXPERif:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO vital para o grupo. A atitude que consistisse em repelir a discussão e a tomada de posição frente a estes problemas, a pretexto de que a situação histórica ou as nossas forças subjecti vas nos não permitem responder-lhes por agora� equivaleria ao desmembramento do grupo. Tor nou-se evidente que nos é, desde já, impossível funcionar colcctivamcnte sem saber com exactidão que tipo de actividade é o nosso, em que quadro, histórico por um lado, imediato por outro, se inscreve esta actividade, qual é a nossa ligação com a classe operária e a luta que, mesmo sob as formas mais estropiadas, esta trava constan temente, qual é enfim o nosso estatuto organiza tivo e os princípios em que se baseia. O apare cimento da revista, que nos leva a assumir responsabilidades públicas, impõe-nos responder concreta e imediatamente a estas questões. 3. É indesmentível que o grupo se encontra actualmente perante uma viragem da sua exis tência, e que deve responder ao dilema radical que tem perante si. Este dilema é definido pela ambiguidade objectiva tanto do grupo no seu estado actual • como do primeiro número da revista. O grupo pode servir de ponto de partida quer para a for mação de uma organização proletária revolucio nária quer para a de um conjunto de indivíduos servindo de Comité de Redacção de uma revista mais ou menos académica. 128 O PARTIDO REVOLUCIONARIO Isto significa que o grupo não conseguiu dar ao seu trabalho um carácter político incontes tável. Para o fazer,teria sido necessário primeiro e antes de tudo que se considerasse a si próprio como uma organização política. O que implicaria conclusões teóricas, programáticas e organiza Uvas, que não foram até agora tiradas ou apli cadas. Ora, actualmente este carácter político do grupo é objectivamente contestado, ao pôr-se em questão a ideia da disciplina na acção, a ne cessidade de uma direcção efectiva do grupo, e a ligação entre o programa da revolução e as suas formas de organização. Estas concep ções, a serem adaptadas, retirariam definitiva mente ao grupo qualquer possibilidade de se tornar núcleo de uma organização política revo lucionária. 4. Se tais concepções, que equivalem objecti vamente à recusa do carácter político do grupo, prevalecerem, o grupo será inevitavelmente con duzido à desintegração. Isto porque essas posi ções estão em contradição consigo próprias e não podem servir de base e de critério a qualquer outra actividade que não seja a «Confrontação». É evidente que os camaradas que pertencem ao grupo (incluindo os que formularam as concep ções aqui criticadas) se reuniram no seu inte rior para exercer uma actividade política, e que o grupo não poderá nunca recrutar senão em bases e para fins políticos. A única solução da crise é a politização do grupo e do seu trabalho. 129 A EXPERI:f':NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO 5. Política é a actividade coerente e organi zada visando apoderar-se do poder estatal, para aplicar um programa determinado. Não é polí tica a redacção de livros, nem a publicação de revistas, nem a propaganda, nem a agitação, nem a luta nas barricadas, que são apenas meios que podem desempenhar um papel político enor me, mas que só se tornam meios políticos na medida em que estão consciente e explicitamente ligados ao objectivo final que é a tomada do poder estatal com vista à aplicação de um pro grama determinado. Tanto a forma como o con teúdo da actividade poUtica variam, evidente mente, segundo a época históvica na qual esta se situa e a classe social de que exprimem os interesses. Assim, a politica proletária é a acti vidade que coordena e dirige os esforços da classe operária para destruir o Estado capita lista, instalar em seu lugar o poder das massas armadas e realizar a transformação socialista da sociedade. Esta política é a antitese exacta de todas as que a precederam, em todos os pon tos, excepto num: tem como objectivo central, como ponto em torno do qual gira - precisa mente para o abolir -, o Estado e o poder. 6. Na medida em que se admite que a acti vidade política revolucionária é, no período actual, a forma suprema de luta da humanidade pela sua emancipação, reconhece-se por isso mesmo que a primeira tarefa que se impõe a todos os que tomaram consciência da necessidade da re- 130 O PARTIDO REVOL,UCIONARIO volução socialista é agruparem-se para preparar colectivamente esta revolução. Daqui resultam inevitavelmente os traços fundamentais de toda a acção política colectiva permanente, a saber: a base da coerência de toda a acção colectiva, isto é, um programa histórico e imediato, um estatuto de funcionamento, uma acção constante virada para o exterior. :Ê a partir destes traços que se pode definir o partido revolucionário. O partido revolucioná rio é o organismo colectivo, funcionando segundo um estatuto determinado e com base num pro grama histórico e imediato que tende a coorde nar e dirigir os esforços da classe operária, para destruir o Estado capitalista, instalar no seu lugar o poder das massas armadas e realizar a transformação socialista da sociedade. 7. A necessidade do partido revolucionário resulta simplesmente do facto de não existir, e de ser impossível que exista, outro organismo da classe capaz de executar estas tarefas de coordenação e direcção de uma maneira perma nente antes da revolução. As tarefas de coor denação e direcção da luta revolucionária em todos os campos são tarefas permanentes, uni versais e imediatas. Os organismos capazes de executar estas tarefas, abrangendo a maioria da classe ou reconhecidos por esta e criados a par tir das fábricas só aparécem no momento da re volução. Além disso, estes organismos (órgãos de tipo soviético) só se elevam à altura das ta- 131 A EXPERII!:NCIA DO MOVIMENTü OPERÃRIO refas históricas em função da acção constante do partido durante o período revolucionário. Ou tros organismos, criados a partir das fábricas e agrupando apenas elementos de vanguarda (Comités de Luta) , na medida em que encara rem a realização destas tarefas de uma forma permanente e à escala nacional e internacional, serão organismos do tipo do partido. Mas já explicámos que os Comités de Luta, devido a não terem fronteiras estritas e um programa clara mente definido, são embriões de organismos so viéticos e não de organismos do tipo partido. 8. O enorme valor dos Comités de Luta, no período que se vai seguir, não advem do facto de substituírem o partido revolucionário - o que não podem nem devem fazer - mas de re presentarem a forma permanente de associa ção dos operários que tomam consciência do ca rácter e do papel da burocracia. Forma perma nente, não no sentido de que um Comité de Luta, uma vez criado, persistirá até à revolução, mas de que sempre que os operários se quizerem agrupar com base em posições antiburocráticas, só o poderão fazer sob a forma de Comité de Luta. Com efeito, os problemas permanentes postos pela luta de classes nas suas formas mais imediatas e quotidianas tornam indispensável uma organização dos operários, de cuja neces sidade estes têm uma cruel consciência. o facto, por outro lado, de que a organização clássica das massas criada para responder a estes pro- 132 O PARTIDO REVOLUCIONARIO blemas, o sindicato, se tornou e só pode ser cada vez mais um instrumento da burocracia e do capitalismo estatal, obrigará os operários a or ganizarem-se independentemente da burocracia e da própria forma sindical. Os Comités de Luta traçaram a forma desta organização de van guarda. Se os Comités de Luta não resolvem a ques tão da direcção revolucionária, a questão do par tido, são contudo o material de base para a construção do partido no período actual. Com efeito, não só podem ser para o partido um meio vital para o seu desenvolvimento, tanto do ponto de vista das possibilidades de recrutamento como da audiência que oferecem à sua ideologia; não só as experiências do seu combate são um ma terial indispensável para a elaboração e a con cretização do programa revolucionário; mas também serão as manifestações essenciais da presença histórica da própria classe num período em que não há qualquer perspectiva imediata positiva, como é o período actual. Através deles, a classe lançará ataques parciais, mas extrema mente importantes, contra a burocracia e o ca pitalismo, assaltos que serão indispensáveis para que conserve a consciência das suas possibilida des de acção. Inversamente, a existência e a actividade do partido é uma condição indispensável para a propagação, a generalização e a conclusão da experiência dos Comités de Luta, porque s6 o 133 A EXPERií:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO partido pode elaborar e propagar as conclusões da sua acção. 9. O facto da classe não poder criar antes da revolução, para o cumprimento das suas ta refas históricas, outro organismo que não seja o partido, não só não é um produto do acaso, como corresponde a características profundas da situação social e histórica do capitalismo deca dente. A classe, sob o regime de exploração, é determinada na sua consciência concreta por uma série de poderosos factores (as flutuações temporais, as diversidades corporativas, locais e nacionais, a cstrat.ificnçiioeconómica) que fazem que, na sua exiAtência real, a sua unidade social e histórica esteja escondida por um conjunto de determinações particulares. Por outro lado, a alienação que sofre sob o regime capitalista torna-lhe impossível dedicar-se imediatamente à realização das infinitas tarefas que a preparação da revolução exige. Não é senão no momento da revolução que a classe supera a sua alienação e afirma concretamente a sua unidade histórica e social. Antes da revolução, só um organismo estritamente selectivo e construído sobre uma ideologia e um programa claramente definidos pode defender o programa da revolução no seu conjunto e considerar colectivamente a prepara ção da revolução. 10. A necessidade do partido revolucionário não acaba com o aparecimento de organismos autónomos de massas (organismos soviéticos) . 134 O PARTIDO REVOLUCIONÁRIO Quer a experiência do passado, quer a análise das condições actuais mostram que estes organismos não foram e não serão, à partida, senão formal mente autónomos e que de facto serão dominados ou influenciados pelas ideologias e pelas corren tes políticas historicamente hostis ao poder pro letário. Estes organismos só se tornam efectiva mente autónomos a partir do momento em que a sua maioria adapta e assimila o programa re volucionário, que até aí o partido era o único a defender sem compromissos. Mas esta adop ção nunca se fez nem fará automaticamente. A luta constante da vanguarda da classe contra as correntes hostis é uma das. suas condições indispensáveis. Esta luta exige uma coordena ção e uma organização tanto mais desenvolvidas quanto mais crítica é a situação social, e o par tido é o único quadro possível para tal coorde nação e organização. 11. A necessidade do partido revolucionário só termina com a vitória mundial da revolução. Não é senão quando o programa revolucionário e o socialismo conquistarem a maioria do pro letariado mundial que um organismo de defesa deste programa, para além da própria organiza ção desta maioria da classe mundial, se torna supérfluo, e que o partido pode realizar a sua própria supressão. 12. A crítica que fazemos da concepção de Lénine sobre «a introdução, a partir do exterior, da consciência política no proletariado, feita pelo 135 A EXPERI:f:NGIA DO MOVIMENTO OPEJURIO partido» não implica de modo nenhum que aban donemos a ideia de partido. Este abandono é igualmente estranho à posição de Rosa Luxem burgo que, no entanto, tantas vezes é invocada. Eis o que Rosa dizia sobre a questão: « . . . A ta refa da social-democracia não consiste apenas na preparação técnica e na condução das greves mas - e sobretudo - na direcção política de todo o movimento. A social-democracia é a mais esclarecida vanguarda do proletariado, a que possui em maior grau a consciência de classe. Ela não pode nem deve esperar com fatalismo e de mãos cruzadas pelo aparecimento da «situa ção revolucionária», esperar até que o movimento espontâneo do povo caia do céu. Pelo contrário, neste caso como nos outros, deve permanecer à frente do desenvolvimento das coisas e tentar acelerar este desenvolvimento.» De facto, a con cepção da espontaneidade que está hoje muitas vezes por trás das críticas à ideia de partido é muito mais a concepção anarco-sindicalista do que a de Rosa. 13. A análise histórica mostra que no desen volvimento da classe as correntes políticas orga nizadas desempenharam sempre um papel pre ponderante e indispensável. Em todos os momen tos decisivos da história do movimento operário, a progressão exprimiu-se pelo facto da classe, sob a pressão das condições objectivas, ter che gado ao nível da ideologia e do programa da frac ção política mais avançada e, ou se ter fundido 136 O PARTIDO REVOLUCIONARIO com esta - como na Comuna - ou se ter posto atrás desta - como durante a revolução russa. Não foram seguramente estas fracções organi zadas que, de fora, fizeram «penetrar» na classe o grau de consciência mais elevado da época - e isto chega para refutar a concepção de Lénine. A classe chegou lá pela acção de factores objec tivos e pela sua própria experiência. Mas sem a acção destas fracções a lu ta não teria sido le vada tão longe, nem teria tomado a forma que tomou. Foram estas fracções políticas organizadas que permitiram simultaneamente a distinção de etapas no movimento operário, a constituição do movimento em cada fase com base num pro grama exprimindo clara e universalmente as necessidades da época, e a objectivação da expe riência proletária (mesmo quando esta foi nega tiva) de modo a poder formar a base de partida para o desenvolvimento posterior. Pode-se dizer, sem hesitar, que todas as ve zes que o movimento não foi senão espontanei dade pura, sem preponderância de uma fracção política organizada - quer se trate de Junho de 1848, da Comuna de Paris, de 1919 na Alemanha ou da Comuna das Astúrias em 1934 -, chegou sempre ao mesmo ponto: demonstração da re volta dos operários contra a exploração, da sua tendência para uma organização comunista - e da sua derrota nesta base, derrota que exprimia 137 : ,' ' I I � A EXPJmiBNCIA DO MOVIMENTO OPERAHIO a falta de uma consciência clara e coerente dos objectivos e dos meios. A oposição entre as concepções igualmente falsas da «espontaneidade pura» e da «Consciên cia inculcada de fora» não pode ser resolvida se não se compreenderem correctamente, por um lado, as relações entre a parte e o todo, a frac ção da classe e a classe no seu conjunto, e, por outro lado, entre o presente e o futuro, a van guarda que se agrupa desde já sobre o programa revolucionário e começa imediatamente a pre parar a revolução, e a massa que não entra em cena senão no momento decisivo. 14. As concepções, que pretextando a possi bilidade de burocratização negam a necessidade de uma organização política anterior à revolução e executando as funções de direcção da classe,: dão prova de um desconhecimento completo das características e das leis mais profundas da es trutura e do desenvolvimento da sociedade mo derna. A racionalização da vida social, a transfor mação de todos os fenómenos históricos em fenómenos mundiais, a concentração das forças produtivas e do poder político são não só traços dominantes, mas também traços positivos da sociedade moderna. Não só a revolução proletá ria seria impossível sem o aprofundamento cons tante destes traços, como o papel da revolução será o de levar a realização destas tendências ao máximo. 138 O PARTIDO REVOLUCIONAHIO O cumprimento desta tarefa, a vitória da revolução - e até a simples luta contra adver sários arqui-racionalizados, ultra-concentrados e exercendo um poder mundial-- impõem ao pro letariado e à sua vanguarda tarefas de raciona lização, de conhecimento da sociedade actual em toda a sua extensão, de contabilização e inven tário, de concentração e de organização sem pre cedentes. O proletariado não poderá vencer, nem sequer lutar seriamente contra os seus adversá rios - adversários que dispõem de uma organi zação formidável, de um conhecimento completo da realidade económica e social, de quadros edu cados, de todas as riquezas da sociedade, da cul tura e da maior parte do tempo do próprio pro letariado - se não tiver um conhecimento e uma organização de conteúdo proletário, superiores às dos seus adversários melhor equipados neste aspecto. Tal como no plano económico, a nossa luta contra a concentração capitalista não signi fica o regresso a uma enorme quantidade de «produtores independentes», como o queria Prou dhon, mas o último passo na via desta concen tração ao mesmo tempo que a transformação radical do seu conteúdo -- também no plano polí ticoa nossa luta contra a concentração capita lista ou burocrática não significa de modo ne nhum um regresso a formas mais fragmentadas ou «espontâneas» de acção política, mas o último passo para um poder mundial, simultâneo com a transformação total do conteúdo desse poder. 139 -----------------------�----------------------------------------------------���------�� A KXPEIU�NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO :m da mais elementar evidência que a realiza ção de tais tarefas não se improvisa. É absolu tamente indispensável uma longa e minuciosa preparação. Não se pode imaginar que a solução destas questões seja inventada a partir do nada por organismos fragmentários, muitas vezes sem ligações entre si, e de qualquer modo extrema mente móveis e variáveis quer quanto ao seu conteúdo humano, quer quanto ao seu conteúdo político e ideológico. Ora, a questão da capaci dade do proletariado para derrubar a dominação dos exploradores e instaurar o seu poder, e até de lutar por este, não é apenas a questão da sua capacidade física, nem mesmo da sua capacidade política, ·no sentido geral e abstracto, mas tam bém a da sua capacidade no plano dos meios, da sua capacidade organizativa, racionalizadora e técnica. :li': completamente absurdo pensar que estas capacidades lhe são automaticamente con feridas pelo regime capitalista e que aparecerão com um toque de varinha no dia com «D:�> maiús culo. O desenvolvimento destas capacidades de pende de forma decisiva da luta permanente que as fracções mais conscientes da classe explorada travam já no interior do regime de exploração para estarem à altura das tarefas universais da revolução. Não há, nem aqui, nem em qualquer outro sítio, automatismo na história. 15. Mas a aquisição destas capacidades uni versais não só necessita de uma longa prepara ção, mas também se não refere, não se pode 140 O PARTIDO REVOLUCIONARIO referir, dadas as condições sociais do regime de classe e o peso da alienação, à totalidade indis tinta da classe, sobretudo não se pode referir unicamente ao proletariado manual. É preciso ter claramente consciência - e propagar esta cons ciência - do enorme papel que os trabalhadores intelectuais serão fatalmente levados a desempe nhar na revolução socialista e na sua preparação. Se nos demarcámos claramente da concepção do Que Fazer?, segundo a qual só os intelectuais podem e devem fazer penetrar do exterior uma consciência socialista no proletariado, é-nos ne cessário lançarmo-nos com a mesma força contra os que, hoje, querem levantar um muro - que a realidade económica há muito aboliu - entre os trabalhadores intelectuais e manuais, separar de facto uns dos outros, propagar um fetichis mo do trabalho manual e dos organismos «de fábrica». Se Lénine afirmava que separar os operários e os intelectuais significa entregar os primeiros ao trade-unionismo e os segundos à burguesia, podemos com muito mais verdade e força dizer hoje que separar assim intelectuais e manuais significa entregar os primeiros à bu rocracia e os segundos à revolta desprovida de universalidade, votar os primeiros à prostituição, os segundos à derrota heróica. Lénine cometia o erro de designar um limite objectivo - o trade-unionismo - à tomada de consciência autónoma da classe operária. Come tia igualmente o erro - essencialmente na prá- 141 A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO tica - de conceber a direcção da classe como um corpo organicamente separado desta e cris talizado com base numa consciência que a classe não podia receber senão de fora. Atacamos esta concepção porque a experiência histórica mostra que não existe um tal limite na tomada de cons ciência da classe explorada e que o conteúdo essencial da revolução proletária é a abolição da distinção entre dirigentes e executantes. Mas, ao fazer isto, recusamo-nos a levantar um muro entre trabalhadores intelectuais e manuais. O que assenta sobretudo numa base econó mica. O erro de Lénine era tanto mais grave quanto no seu tempo o intelectual era essencial mente o literato no sentido geral do termo, o teórico, o escritor «artesanal», trabalhando iso ladamente e sem ligação com a produção social, intelectual e material. Uma transformação enor me se desenrolou também neste domínio. Com efeito, por um lado, os métodos de produção in telectual tornam-se cada vez mais colectivos e industrializados, por outro lado, esta produção intelectual está cada vez mais directamente li gada à produção material primeiro, e depois à vida social em geral (no domínio não só da téc nica e das ciências exactas, mas também das ciências económicas, pedagógicas, sociais em 'geral, e estando a própria actividade inteledual «pura» cada vez mais socializada). 16. Mas a tentativa de separar manuais e intelectuais e a sua aplicação ao nosso grupo 142 ----------------- O PARTIDO REVOLUCIONAHIO não se opõe simplesmente à evolução económica; é também contrária à nossa orientação progra mática fundamental. A supressão da oposição entre direcção e execução torna-se essencial mente supressão da oposição entre trabalho.ma nual e intelectual. Esta supressão não se pode fazer nem ignorando o problema, nem separando ainda mais radicalmente os dois sectores ·da ac tividade humana e os seus representantes. A fusão do trabalho intelectual e manual e dos seus representantes tende a realizar-se, por um lado, no seio da própria produção através do movi mento da economia, mas, por outro lado, deve constituir, desde já, um objectivo essencial da vanguarda consciente, objectivo que esta deve começar a realizar no seu interior pela fusão das duas categorias e pela universalização das tarefas. :Ir: preciso, por conseguinte, afastar resoluta mente como arcaica e re,trógrada qualquer con cepção geral que leve a uma separação objec tiva entre manuais e intelectuais, e qualquer aplicação desta concepção ao nosso grupo que queira tirar da nossa composição social argu mentos sobre a nossa actividade, o nosso carácter histórico ou político. :m preciso compreender que uma das funções mais essenciais do partido con siste em que ele é o único organismo pré-revolu cionário no qual a fusão dos manuais com os intelectuais é historicamente possível. 17. Os termos «acção autónoma» e «organis mo autónomo» da classe, muitas vezes usados 143 A EXPERI:ítNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO no nosso vocabulãrio, devem ser clarificados sob pena de se tornarem uma fonte de erros e até um instrumento de aut()-mistificação. O simples facto dos operários, mais ou menos espontanea mente e para responderem a problemas postos pela luta de classes, se constituírem em organis mos ou empreenderem acções determinadas, por maior que seja a sua importância, não chega para definir estes organismos ou estas acções como «autônomas» no sentido completo do ter mo. Para nos convencermos disto, basta-nos ver o caso mais importante que se manifesta com o aparecimento, em grande escala, de organis mos de duplo poder (Sovietes, Comités de Fã brica, Milícias, etc.). Não só a experiência do passado, mas também a análise de todo o fu turo possível, mostram que no momento da sua constituição e durante um certo período estes organismos são directa ou indirectamente domi nados ou decisivamente influenciados por orga nizações políticas historicamente hostis ao poder prolt-tário. Se no interior destes organismos não se manifestar a acção constante de fracções -ou pelo menos de uma fracção - fatalmente minoritária de início, lutando por todos os meios políticos revolucionários para levar estes orga nismos a adaptar a ideologia e o programa que, nas circunstâncias dadas, exprimem os interes ses históricos da classe, é antecipadamente certo que estes organismos de massasserão conduzi- 144 O PARTIDO REVOLUCIONAH.IO dos ou ao malogro total ou à degenerescência burocrática. Por conseguinte, a questão da autonomia dos organismos e da acção da classe é idêntica à questão do conteúdo ideológico e político, da base programática destes organismos e desta acção. Se um relativo grau de autonomia se ex prime em toda a forma de organização proletá ria, se os Comités de Luta, traduzindo-lhe a to mada de consciência antiburocrática, represen tam um grau mais desenvolvido desta autono mia, se os Sovietes englobam numa consciência que tende a tornar-se completa a grande maioria da classe, é preciso contudo não esquecer nunca que só são autónomos, no verdadeiro e pleno sen tido do termo, os organismos e as acções que exprimem concreta e perfeitamente os interesses históricos da classe, a partir de um modo de organização proletária. Só organismos assim podem ser legitimamente a direcção incontestada da classe. 18. Não é senão a partir desta noção de au tonomia que se pode abordar o problema criado pela pluralidade das concepções políticas que se afrontam no interior da classe. O facto de, de cada vez, existir um único programa, uma única política que exprime os interesses históricos do proletariado, não impede que na realidade várias concepções contraditórias se oponham umas às outras e em que haja um critério formal a priori, um sinal material distintivo que permita reconhe- 145 I! A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO cer a organização que defende a orientação re volucionária. O dilema que se põe entre, por um lado, o facto de não existir organismo e acção autôno mos, de não existir vitória da revolução senão na base de um só programa, exprimindo os in teresses históricos da classe, e, por outro lado, o facto de o portador concreto deste programa não ser nunca conhecido antecipadamente (pelo menos não é nunca reconhecido imediatamente pela maioria da classe) e de várias organizações se pretenderem a expressão destes interesses - este dilema fundamental de qualquer política revolucionária não pode ser resolvido a partir de uma construção a priori. A solução, a síntese concreta destes dois termos, não se pode elabo rar senão a partJr da experiência e modificar-se à luz desta. 19. Duas correntes se apresentam hoje pe rante a história com a pretensão de dar uma solução a priori a este problema: o burocratismo e o anarquismo. A solução da burocracia estali nista ou da microburocracia trotskista é que o representante histórico da verdade e dos inte resses do proletariado é conhecido e designado de antemão: são as suas organizações respec tivas. Não há problema de síntese entre o pro grama único da revolução, a verdade única e a enorme quantidade de opiniões diferentes no in terior do proletariado, visto que o seu partido é, ele próprio, esta verdade personificada. 146 O PARTIDO REVOLUCIONARJO Para a concepção anarquista mais canse quente, pelo contrário, talvez haja uma verdade, mas não se sabe nunca onde ela está. Várias concepções opostas e contraditórias se colocam, portanto, no mesmo terreno, têm praticamente o mesmo valor. Também aqui não há problema : a história e a espontaneidade das massas deci dirão. Esta atitude não só é a simetria - nada decorativa - da primeira, como é ainda a sua cúmplice prática indispensável. Significa na prá tica entregar os organismos de massas à buro cracia, ou, pelo menos, sob pretexto de se fiar nas massas, nada fazer contra esta. Decidida mente, a demissão política e o «sacrifício da consciência» têm exactamente o mesmo valor, quer se verifiquem perante um Comité Central, quer perante a «espontaneidade das massas». 20. A nossa atitude relativamente a esta questão fundamental pode-se resumir da ma neira seguinte: a) Recusamos categoricamente o confusionis mo e o ecletismo que actualmente estão na moda nos meios anarquisantes. Para nós, não há em cada momento senão um só programa, uma só ideologia que exprime os interesses da classe. Só reconhecemos como autônomos os organis mos que se colocam neste programa, e só estes podem ser reconhecidos como a direcção legítima da classe. Consideramos como nossa tarefa fun damental lutar para que este programa e esta ideologia sejam aceites pela maioria da classe. 147 A EXPERIÊ:NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO Estamos certos que se isto se não verificar, qualquer organismo, por mais «autónomo» que seja formalmente, se tornará irremediavelmente num instrumento da contra-revolução. b) Mas isto não resolve o problema das re lações entre a organização que representa o programa e a ideologia da revolução e as ou tras organizações que se reclamam da classe operária, nem o problema das relações entre esta organização c os organismos soviéticos da classe. A luta pela preponderância do programa revolucionário no seio dos organismos de massa só se pode fazer através de meios que derivem directamente do objectivo a atingir, que é o exer cício do poder pela classe operária. Estes meios são, por conseguinte, dirigidos essencialmente para o desenvolvimento da consciência e das ca pacidades da classe, em cada momento e por ocasião de cada acto concreto que o partido em preenda perante esta. Daí resulta não só a de mocracia proletária, como meio indispensável para a construção do socialismo, mas também o facto do partido não poder nunca exercer o poder enquanto tal, e de o poder ser sempre exercido pelos organismos soviéticos das massas. c) Tendo em conta estes factores, é comple tamente supérfluo - seria · mesmo ridículo querermo-nos delimitar especificamente da bu rocracia. Seria como querermo-nos delimitar de Truman ou de Mussolini. Todo o conteúdo do nosso programa não é outra coisa senão a luta 148 O PARTIDO REVOLUCIONAJUO em todos os planos contra a burocracia e as suas manifestações. É evidente que este conteúdo não só não pode ser separado dos métodos pelos quais se fará valer, como é idêntico a eles. Pensar que se pode lutar contra a burocracia através de meios burocráticos é um absurdo que revela que pouca coisa se compreendeu quer da burocracia quer da luta contra esta. A luta e a vitória contra a burocracia só serão possíveis se a grande maio ria do proletariado se mobilizar a si própria, com base num programa antiburocrático até aos mais ínfimos pormenores. A universalidade da nossa época - e do nosso programa, cujo as pecto mais profundo aí reside - é que os objec tivos da revolução e as formas de organização proletárias se tornaram não «profundamente ligados» mas idênticos. O nosso «programa eco nómico», por exemplo, reduz-se de facto a uma forma de organização: a gestão operária. Não temos necessidade de um programa específico contra a burocracia, porque o nosso programa mais não é do que isso. O que é paradoxal neste assunto é que certas concepções, sob pretexto de fixar garantias ilu sórias contra a burocratização, têm como resul tado objectivo a travagem da única luta possível contra esta, que é o esforço máximo, mais siste matizado e mais coordenado, pela propagação das nossas concepções no seio da classe, pela edu cação de militantes operários, pela realização da 149 A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENT'O OPERÁRIO fusão entre manuais e intelectuais no interior de um partido revolucionário, 21. A definição que damos do nosso grupo como núcleo da organização revolucionária assen ta na avaliação quü fazemos du nossa plataforma ideológica. Conaidernm<m que oatn.: a) ReprPHPntn a t-tinü�Ho do que o movimento operúrio produziu nt6 nqui de válido. b) J'il n Úinil'n bn!-le n partir da qual se poderá opcrur ndequadanwnte n �:�intese e a integração do que produzirá. doravante a experiência prole tárin ou a deoutros grupos políticos. c) Deve, portanto, tornar-se a ideologia pre ponderante no interior do proletariado, para a revolução poder vencer. d) Adquirirá esta preponderância não por milagre, nem pelo simples facto da «espontanei dade das massas», mas -através de um longo e duplo processo: por um lado, acesso da classe, sob pressão das condições objectivas, ao essen cial desta ideologia, e por outro, o nosso perma nente trabalho de propagação e de demonstração desta plataforma junto da classe e de educação revolucionária da elite proletária. Desta caracterização da nossa plataforma re sulta imediatamente, como nossa tarefa central, a da construção do partido revolucionário. 150 A DIRECÇÃO PROLETÁRIA * A actividade revolucionária do tipo inaugu rado pelo marxismo é dominada por uma anti nomia profunda, que pode ser definida nos seguintes termos: por um lado, esta actividade é fundada numa análise científica da sociedade, numa perspectiva consciente do desenvolvimento futuro e, por conseguinte, numa p�lanificação relativa da sua atitude face á realidade; por outro lado, o factor mais importante, o factor decisivo desta perspectiva e desta antecipação do futuro é a actividade criadora de dezenas de milhões de homens, tal como desabrochará du rante e após a revolução, e o carácter revolucio nário e cosmogónico desta actividade consiste precisamente em que o seu conteúdo será original * S. ou B. n.o 10 (Julho de 1�52).- Ver adiante o Poli lácio a este texto. 1(';1 ' / A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO e imprevisível. Iil inútil tentar resolver esta anti nomia suprimindo-lhe um dos termos. Renunciar a uma actividade colectiva racional, organizada e planificada, porque as massas em luta resol verão todos os problemas, é, de facto, repudiar o aspecto «Cientüico», mais exactamente o as pecto racional e consciente da actividade revo lucionária, é apagar-se voluntariamente num misticismo messiânico'. Nã:o reconhecer, pelo con trário, o carácter original e criador da actividade das massas, ou só o reconhecer negligentemente, equivale a fundar teoricamente a burocracia, cuja base ideológica é o reconhecimento de uma minoria «consciente» como depositária da razão histórica. O campo em que esta antinomia aparece com mais evidência é o dos problemas relativos ao programa da revolução - e a questão da di recção do proletariado (partido) e das suas re lações com a classe é uma questão programática por excelência. Incontestavelmente, tudo o que se possa dizer sobre o carácter limitado e insa tisfatório dos esforços, tanto do nosso grupo como de outras correntes desde há vinte anos, . visando a resolução da questão do partido, re sume-se à impossibilidade de resolver a priori esta antinomia. Isto porque temos aí o próprio tipo de antinomia cuja solução é impossível no plano teórico, não podendo qualquer tentativa de solução deste género levar senão a mistificações desejadas ou não. 152 A DIREOÇÃO PROLETÁRIA A única «resposta» teórica que se pode dar consiste em dizer que a solução desta antino� mia no decorrer da revolução se faz porque a actividade criadora das massas é uma activi dade consciente e racional, portanto essencial mente homogénea à actividade das minorias conscientes agindo antes da revolução, mas cujo contributo único e insubstituível consiste numa subversão e num alargamento enorme do pró prio conteúdo desta razão histórica. Se desta maneira nos é dada uma base geral para a fusão da «consciência» das minorias com a razão ele mentar das massas, se podemos afirmar assim que a revolução não esbarra numa contradição insolúvel, não podemos, em contrapartida, pre tender encontrar de antemão as formas prático -concretas desta fusão. Esta «Solução» teórica não as indica, pelo contrário, faz saber desde já que o conteúdo concreto da revolução ultrapassa qualquer análise antecipada, uma vez que con siste em pôr novas formas de racionalidade his tórica. li:, portanto, essencial para uma organização revolucionária ter claramente consciência do problema nestes termos, e manter-se pronta a readaptar a sua ideologia e a sua acção à · luz da perspectiva que daí resulta, em vez de querer à viva força resolver artificialmente uma questão que está à escala da revolução e apenas dela. Sabe-se, aliás, a que conduziram os casos em que foram dadas «soluções» num espírito diferente. 153 --------------------------------------- ---- ---- -- ! . A EJ0PERI:ÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO Estas observações não visam de maneira ne nhuma repudiar as pesquisas e as discussões, nem a adopção de soluções provisórias, que são mais do que hipóteses de trabalho, que são verdadei ros postulados de acção. Renunciar a isto seria renunciar a qualquer concepção programática por pouco definida que fosse, ou o me:-1mo é dizer, a qualquer acção. A importância da delimita ção atrás operada consiste em que ela dá um alcance preciso a qualquer concepção programá tica a priori que pudéssemos elaborar e sobre tudo em que ela tende a educar a «minoria cons ciente e organizada» na compreensão do sentido e dos limites históricos do seu papel. O problema põe-se em termos relativamente diferentes quando se trata das formas de orga nização e de actividade desta própria minoria consciente. Aí, esta minoria deve, ela própria, apresentar as suas soluções. Uma minoria re volucionária, ou um militante revolucionário iso lado, age por sua própria responsabilidade. De outro modo, deixam de existir. Não podemos hoje pretender resolver a questão do poder pro letário de outra maneira que não seja sob a forma de um postulado, mas podemos e devemos responder ao problema das nossas tarefas e da nossa orientação. � evidente que um dos aspectos mais impor tantes do problema diz respeito à ligação entre a organização e a actividade actual de uma mino ria revolucionária e a sua perspectiva final re- 154 _ _ _L__ __ - - --- A DIRECÇAO PIWLETAIUA !ativamente ao poder proletário. As soluçOe11 actuais devem inscrever-se na linha de desen· volvimento que define a nossa perspectiva his tórica. As implicações deste aspecto do pro blema serão evocadas mais adiante. A DIRECÇÃO ANTES E DEPOIS DA RE:VOLUÇÃO O problema da direcção revolucionária apre senta-se como um nó de contradições. O pro cesso revolucionário apresenta-se sob a forma de uma infinidade de pessoas empenhadas numa infinidade de actividades. A menos que se faça apelo à magia, é impossível que este processo conduza aos seus fins sem uma direcção no sen tido preciso do termo, isto é, sem uma instância central que oriente e coordene as suas múltiplas acções, escolha os meios mais económicos para alcançar os objectivos propostos, etc. Por outro lado, o objectivo essencial da revolução é a su pressão da distinção fixa e estável - e de qual quer distinção, no fim de contas - entre os di rigentes e os executantes. Há, portanto, neces sidade da direcção, como há também necessidade de supressão da direcção. O objectivo final da revolução não implica imediatamente a supressão da distinção entre as funções de direcção e as funções de execução (este é um problema longínquo que não encara remos) . No entanto, implica necessariamente a 155 I i l A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO supressão de uma divisão social do trabalho cor relatívo a estas funções. Se se admite que a fun ção da direcção não pode ser imediatamente suprimida, a conclusão ressalta facilmente : é o próprio proletariado que deve ser a sua própria · direcção. A direcção da classe não pode, por tanto, ser distinta da própria classe. Mas, por outro lado, é evidente que a classe não pode ser imediata e directamcnte a sua própria direcção. Ê inútil argumentar sobre este ponto, visto que, de qualquer modo, e de facto, a classe não é a sua própria direcção e não o foi no decurso da sua história. Se, portanto, o pro cesso revolucionário começa na sociedade capi talista, se a luta de classe explícita tem um valor positivo e deve ser conduzida de uma maneira permanente, não pode ser senão uma fracção da classe, um corpo relativamente distinto, que pode e deve ser a sua direcção. A direcção da classe não pode, portanto, deixar de ser distinta da própria classe. A solução desta contradição encontra-se par cialmente no tempo, isto é, no desenvolvimento. Quando falamos na supressão da distinção entre dirigentes e executantes referimo-nos a uma etapa posterior, genericamente, ao período que se segue à vitória da revolução. A supressão da exploração, o desenvolvimento das forças produtivas são, com efeito, impossíveis sem a gestão operária e esta é inseparável do poder dos organismos de massa. Quando, pelo contrá- 156 A DIREOÇÃO PROLETÁRIA rio, falamos da necessidade de uma direcção dis tinta da classe, referimo-nos às condições do regime de exploração, sob as quais estas funções só podem ser desempenhadas por uma minoria da classe. Mas é também evidente que esta resposta não encerra a questão, porque a passagem de uma situação à outra - da fase durante a qual a classe explorada, alienada e mistificada não pode ser a sua própria direcção, àquela durante a qual a classe se dirige necessariamente a si própria - esta passagem aparece como, e é na realidade, um salto, uma contradição absoluta. Contradição que, diga-se entre parêntesis, não é mais chocante que a própria revolução, e que todos os momentos durante os quais uma coisa deixa de ser ela própria para se tornar outra. Ê impossível explicar de antemão, em termos teóricos, como terá lugar esta passagem. Para o marxismo, nunca esteve em questão deduzir a revolução, mas fazê-la. Isto não quer dizer que para nós o reconhe cimento da possibilidade desta passagem seja um acto de fé. Sem querer nem poder descrever as formas que ela poderá tomar, pensamos po der basear esta passagem em elementos exis tentes desde já. Estes elementos são, em pri meiro lugar, o desenvolvimento da consciência e das capacidades do proletariado, tal como é de terminado pela evolução da própria sociedade. Em segundo lugar, a existência, muito antes da 157 A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO revolução, no seio do proletariado, de camadas e de indivíduos que alcançam uma consciência dos objectivos e dos meios da revolução. Em terceiro lugar, a própria acção da direcção re volucionária sob o regime de exploração, que deve pretender constantemente desenvolver a capacidade de acção autónoma e de auto-direcção do proletariado. Esta passagem do proletariado, da posição de classe explorrada à de dasse dominante, eorres ponde a essa fase de tmnsição habitualmente 'cha mada período revolucionário e que podemos defi nir como iniciando-se no momento em que a classe começa a agrupar-se em organismos de massa que se colocam no terreno da luta pelo poder, e terminando no momento em que este poder é conquistado à escala universal. Esta definição permite-nos ver onde se situa exactamente o pro blema da direcção da classe pela própria classe : certamente, não antes do início deste período nem depois do seu fim. Não antes, porque não há problema da direcção da classe pela própria classe se a própria classe o não põe ; e ela só o põe pela constituição dos organismos de massa. Não depois, porque as razões que tornavam an teriormente impossível a direcção da classe pela própria classe são suprimidas pela vitória da revolução (de outro modo, não o seriam nunca) . :m certo que é durante este período que a questão das relações entre a direcção revolucio nária e a classe se torna decisiva. :m também 158 A DIREOÇÃO PROLET:A.RIA certo que a discussão desta questão agora não serve para nada. A constituição de uma direc ção revolucionária sob o regime de exploração não se opõe de modo nenhum à supressão de qualquer direcção separada durante o período pós-revolucionário. Pensamos, pelo contrário, que é um dos seus pressupostos. Sob este ponto de vista, tudo depende do espírito, da orientação e da ideologia nas quais esta direcção se desen volveu e foi educada e da maneira como concebe as suas relações com a classe e as realiza. Além disso, esta direcção do período pré-revolucionário só é direcção num sentido especial - propõe ob jectivos e meios, mas não os pode impor senão pela luta ideológica e pelo seu próprio exemplo. Neste sentido, a questão não é se deve ou não h a ver direcção, mas qual deve ser o seu pro grama. Durante o período revolucionário, pelo con trário, tudo se situa no plano das relações de força. Uma minoria constituída e coerente for mará um factor com um peso muito grande nos acontecimentos. Poderá - e quem pode afirmar de antemão que em certos casos não deverá - agir por sua própria responsabilidade e impor o seu ponto de vista pela violência. (Há no grupo pessoas para quem a diferença entre os 49 e os 51 por cento é a diferença entre o bem e o mal ? Ou que exigirão um referendo panproletário para decidir da insurreição ?) Ela poderá então ser uma direcção no sentido pleno do termo. Por 159 -----------------"'--------------------··-·-- I A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO outro lado, haverá a classe no seu conjunto, or ganizada e verosimilmcnte armada. Se a direcção se , tesenvolveu de acordo com o programa justo,, se a classe está suficientemente consciente e activa, a revolução significará a reabsorção da direcção na classe. No caso contrário, e de qual quer forma HE� n ClbtHKP Ke dHmitir - perante a direcção ou poratthl o dtabo .. _. 1m t.ii.o a burocra tização ou a «h-!rrota ó ftünl , 11 a questão de saber se a nova bnroer1wi 1t (l a 11x-direcção revolucio nária ou qualqtwr outra pouco interesse tem. Quanto à dlrt1cçfi.o, lliHia mais pode fazer do que educar-s:n n Pllll<':tr a vanguarda no espírito do descnvolvhnonto da actividade autónoma da classe operária e da consciência histórica. A DIRECÇÃO REVOLUCIONÁRIA SOB O H.EGIME DE EXPLORAÇÃO Se o problema da direcção revolucionária se põe para nós de maneira permanente - o que não quer dizer que seja sempre resolvido, e ainda menos que o seja correctamente - é porque reconhecemos por um lado que a própria luta de classes 6 permanente, e por outro - e sobre tudo - que o proletariado não pode ser nem continuar a ser uma classe revolucionária sem conduzir ou tender a conduzir constantemente uma luta explícita, aberta, na qual se afirma como classe à parte com objectivos históricos próprios, que são de facto universais. Ê esta 160 A DIREOÇÃO PROLETARIA característica da luta do proletariado, como se sabe, que diferencia o proletariado das outras classes exploradas que o precederam na história. Ora, desde que haja luta explícita, põe-se o pro blema da direcção desta luta. Que significa direcção'l Decidir a orientação e as modalidades de uma acção colectiva, decidir a acção de uma colectividade ou de um grupo. Direcção é esta actividade dirigente em si, e é depois - e é disto que aqui se trata - o sujeito desta actividade, o corpo ou organismo que o exerce. Este sujeito pode ser o próprio grupo ou a própria colectividade. Pode ser também um corpo particular, interior ou exterior ao grupo, agindo «por delegação» ou por vontade própria. Nos dois casos a noção de direcção está asso ciada à noção de poder, visto que a aplicação das decisões da direcção só pode ser garantida pela existência de sanções, ou seja, de uma coer ção organizada. Uma direcção no sentido plenodo termo só pode ser portanto exercida por uma classe do minante ou suas fracções. Isto assim será com o proletariado no poder, e vimos que surge um problema particular durante o período revolu cionário, devido à fragmentação do poder - ou a possibilidade generalizada de exercer a vio lência - que o caracterizam. Nestas condições, que pode ser a direcção de uma classe explorada e oprimida ? Dado o carácter absoluto do poder na sociedade actual 161 (e em oposição ao que se poderia passar anti� gamcnte, nas sociedades de casta, por exemplo) não pode haver coerção do interior da classe - a menos que aquele que exerce o poder par� t �ipe já, de uma maneira ou doutra, no sistema de exploração (tal o caso dos sindicatos e dos partidos reformistas ou estalinianos) . O acordo entre a direcção e a classe ( ou fracções da elas� se) não pode basear�se senão na adesão volun� tária da classe às decisões da direcção. O único meio de «Coerção», no sentido lato do termo, à disposição desta direcção, é a coerção ideológica, isto é, a luta pelas ideias e pelo exemplo. Seria estúpido querer impor limites a esta luta e a esta «Coerção». As únicas restrições que se lhe podem fazer referem�se ao conteúdo ideo� lógico e levantam, portanto, outras discussões. Por conseguinte, uma direcção revolucioná� ria em regime de exploração não pode ter outro sentido senão este : um corpo que decide a orien tação e as modalidades de acção da classe ou de fracc:ões desta, e que se esforça por lhas fazer adaptar através da luta ideológica e da acção exemplar. A questão que se põe agora é esta : há ne cessidade de uma tal direcção - não no sentido de uma actividade dirigente, o que é óbvio, mas no sentido de um sujeito particular de direcção ? A classe não pode ser imediata e directamente a sua própria direcção ? A resposta é, evidente mente, negativa. Nas condições da sociedade de 162 A DIREGÇÃO PROLETAltiA exploração, a classe não pode ser, na sua totali4 dade, indiferenciada da sua própria direcção. So bre este ponto, retomaremos, se necessário, a esmagadora argumentaçãó que lhe diz respeito. É impossível conceber esta direcção de outra maneira que não como um organismo universal, minoritário, selectivo e centralizado. São estas as determinações clássicas do partido, se bem que o nome pouco importe para o assunto. Mas a época actual vem trazer a estas uma nova determinação, ainda mais essencial : o partido é, na forma e no fundo, um organismo único, por outras palavras, o único organismo (permanen te) da classe nas condições do regime de explo ração. Não há nem pode haver uma pluralidade de formas de organização às quais se justaporia ou se sobreporia. Em particular, as organiza ções tendentes, por assim dizer, a responder aos problemas económicos enquanto problemas par ticulares (sindicatos) são impossíveis como orga nismos proletários. O organismo político-econó mico de luta contra a exploração é um organismo unitário e único. Neste sentido, a distinção entre Partido e «Comités de Luta» (ou qualquer ou tra forma de organização minoritária de van guarda operária) refere-se exclusivamente ao grau de clarificação e de organização e nada mais. Este carácter exclusivo do organismo diri gente aparece claramente nas condições mais modernas do regime de exploração (ditadura burocrática ou regime de guerra) nas quais uma 163 I I i A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO pluralidade de formas de organização ou de di recção é impensável. Mas é evidente mesmo nas condições «antiquadas» do mundo ocidental. Com efeito, nem do ponto de vista dos proble mas, nem do ponto de vista das pessoas, se pode querer criar de uma maneira permanente uma organização «de fábrica» e uma organização «política» separadas e independentes. Deste pon to de vista, a distinção entre a «organização dos operários» e a «organização dos revolucionários» deve desaparecer ao mesmo tempo que a concep ção teórica que é a sua raiz. CONSTITUIÇÃO DE UMA DIRECÇÃO NO PERíODO ACTUAL Dos três elementos necessários para a cons tituição de uma direcção (programa, forma de organização e terreno material de constituição) é este último, isto é, a existência e a natureza actual de uma vanguarda potencial, que nos deve reter. Salvo erro, nenhum camarada contestou até agora que fosse possível definir um programa ou que pudesse existir uma forma de organização correspondente ao conteúdo desse programa e às condições da época actual. Pelo contrário, há controvérsia não tanto sobre a natureza da «vanguarda» actual mas mais sobre a sua apre ciação e o seu significado histórico. A definição concreta da «Vanguarda» actual sobre a qual o conjunto do grupo está mais ou 164 A DIREOÇÃO PROLETÁRIA menos de acordo é que esta é o conjunto do• operários conscientes da natureza do capitalismo e do estalinismo como sistemas de exploração e recusando apoiar pela sua acção tanto um como outro. Ê certo que mais profundamente ainda, e em particular através do estalinismo, estes ope rários põem em questão o conjunto dos proble mas, referentes simultaneamente aos objectivos e aos meios da luta de classe. Como se disse há muito tempo no grupo, a atitude . desta van guarda é essencialmente negativa e crítica. En quanto tal, significa incontestavelmente uma ultrapassagem. Toda a questão é : uma ultrapas sagem de quê ? A nosso ver, uma ultrapassagem do conteúdo tradicional do programa, das formas tradicio nais de organização e em particular das formas da actividade tradicional das «direcções». Isto quanto ao seu valor objectivo. Quanto ao seu conteúdo concreto, não há dúvidas que não vão muito mais longe. Ê quase certo que o conjunto destes operários não só rejeita a solução tra dicional destes problemas, como contesta que possa haver uma solução genérica. Ê certo, nou tros termos, que não acredita, actualmente, na capacidade do proletariado em se tornar classe dominante. Pode-se tirar uma conclusão quanto ao fundo destes problemas ? Talvez, mas então é necessá rio tirá-la até ao fim. Se os operários relativa- 1615 A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO mente mais conscientes acreditam actualrnente que qualquer direcção está condenada a apodre cer, e se isto prova que assim é realmente, o rn 1smo raciocínio pode provar que qualquer pro grama é uma mistificação ou que o proletariado não será nunca capaz do exercer realmente o poder ; porque ó iguulntonto isto lfiW ostes ope rários pensam. Na realidade, este estado dtl eonaciôncia e a atitude que daí resulta roflectem por um lado urna tomada de consciência - imomnurumtc po sitiva - do malogro das respostas tradicionais e enquanto· tais preparam incontestavelmente o futuro; mas, por outro lado, refleetem igual mente a conjuntura mundial e, em particular, a pressão enorme que a relação de forc;aa actual exerce sobre todos os indivíduos da sociedade - incluindo os elementos do nosso grupo - e nesta medida representam, por assim dizer, ape nas o peso puro e simples da matéria histórica, matéria que está, aliás, em vias de se transfor mar rapidamente e que dentro de não muito tempo será engolida pelo passado. E certo que, enquanto a vanguarda se si tuar neste campo, a questão da constituição de uma direcção não se pode pôr como tarefa prá tica. Para isso será preciso que a pressão das condições objectivas ponha de novo os operá rios mais conscientes perante a necessidade de agir. 166 I f i l �- ------------- - - - -- - -- -- - - ----- -- - - - - ---"-�- - - -- A DIREOÇ.ãO PIWLETARIA PAPEL E TAREFAS DO GRUPO Isto não significa de modo nenhum que o grupo não tenha desde já um papel a desempe nhar, papel que tem uma importância histórica.Só o grupo pode actualmente - e é o único a fazê-lo no mundo, salvo erro - prosseguir a elaboração de uma ideologia revolucionária, de finir um programa e fazer um trabalho de difu são e de educação que são preciosos mesnio que os seus resultados não sejam imediatamente vi síveis; O cumprimento destas tarefas é um pres suposto essencial para a constituição de uma direcção, logo que esta seja objectivamente pos sível. A compreensão destas coisas não é difícil e seria para admirar que estes pontos pudessem ser objecto de uma discussão em si mesmos. No entanto, se o são, é porque o grupo não é um sujeito lógico, é constituído por indivíduos que fazem parte dessa mesma sociedade que tão bem analisamos para os outros, e essas pessoas so frem a mesma pressão histórica enorme que esmaga actualmente a classe operária e a sua vanguarda. A grande maioria dos camaradas do grupo participam consciente ou inconsciente mente do estado de espírito que foi descrito aci ma, e é provável que já não vejam muito bem as razões da sua adesão ao grupo. A consequên cia disso é que a sua participação no trabalho do grupo é quase nula, o que faz com que o tra- 167 A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO balho do grupo e o próprio grupo estejam amea �ados de desaparecimento. Mas este fenômeno,, e as conclusões que daí resultam, fazem parte de u:rra outra discussão. Mesmo que a «discussão sobre o partido» chegue a conclusões sobre este género de tarefas ou sobre um outro, seria pre ciso que houvesse camaradas que quisessem mesmo sacrificar qualquer coisa para que estas tarefas, sejam elas quais forem, pudessem ser realizadas. 168 / .I POSFACIO A O PARTIDO REVOLUCION ARfO E A A DIRECÇÃO PROLETARIA A discussão sobre a questão da organiza�ão esteve presente, sob formas mais ou menos agu das, ao longo de toda a história do grupo S. ou B. Mas os dois textos precedentes seriam obscuros se não fossem inseridos no contexto das discus sões da época em que foram redigidos. Pareceu -me útil, para os esclarecer, reproduzir aqui as notas que os acompanhavam nos n.os 2 (Maio de 1949) e 10 (Julho de 1952) de S. ou B. Eis primeiro a nota que, no n. o 2, precedia o texto sobre O partido revolucionário'. A VIDA DO NOSSO GRUPO 1 . Desde há um ano· que o• grupo se reúne duas vezes1 por mês em reunião plenária. l•}stOAJ l fiH A EXPERI:ii:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO reuniões Hão consagradas essencialmente à dis cussão de pr·oblemas políticos gerais bem como actuai.�. J!'omm assim feito'8 relatórios,. que ser vira/Y� lÜl boBe à discussão de problem.as como o sindicah�'lrno actual, o• imperialismo da Rússia burocrâtü�n, a greve dos mineiro·s, a evolução actuftl dn situação econômica e política, etc. Por outro lado, funciona um grupo de educação, que s·e reúne igualmente duas vezes por mês. Foram fe·ila,q tltuts séries de exposições sobre a formar ção (! o.<r aspectos gerais do marxismo e sobre a l!C0110'mÜt capitalista. 2. No domingo, 1 0 de Abril, o' grupo consa,.. nrou a totalidade da sua reunião plenária, m,a, nhã c tnrde, à dwcussão da questão do partido re?Jolw�ümário e da orientação do, seu trabalho para a conBtrução do partido. Depois de um re latório do camarada Chaulieu, cujo conteúdo essendal se reproduz na resolução sobre o par tido revolucionário que publicamos mais adiante, a maioria dos camaradas tomaram a palavra bastante longamente e todos se exprimiram so bre a questão em debate. Três camaradas opuseram-se à orientação fundamental do relatório, com posições sensivel mente diferentes. o� essencial da discussão girou em torno· de pontos porr eles levantado>8. Contudo, foram igualmente abordados vários problemas que, · embora não directamente ligados ao pro._ blema centra.l, são de grande interesse e serão temas de discussõe�s posteriores (particularmente 170 POS FAGIO A O l'AHTJDO Rl�' VOL l!CTONARW . . . o problema da organização socialista da econo mia e a abolição das relações dirigentes-executan tes nesta fase) . 3. O camarada Carrier opõe-se à ideia de con siderar desde já o grupo ligado por uma disci plina colectiva, e a construção· do partido revo lucionário como absolutamente necessária. Se for preciso, afirma ele em suma, admitir urna diferenciação no· proletariado, não será a do par tido e da classe. Ainda menos que o partido, o grupo no estado actual não se fustifica como corpo organizado. A única distinção a fazer é a de organização d e trabalhadores e de organização de revolucionários. Uma organização dos revo lucionários é necessária, rnas só pode ser cons truída a partir dos locais de trabalho e não a partir do encontro· ideológico d e indivíduos. De qualquer maneira, esta organização de revolu cionários deve estar completamente subordinada à organização Ms trabalhadores e não estar li gada por nenhuma disciplina que implique uma solidariedade dos seus elementos na acção. Os elementos revolucionários encontram-se e discu tem em comum os problemas da revolução, e separam-se depois para agir cada um corno en tende no seio· da organização dos trabalhadores, única representativa da classe. Carrier vê nos Comités de Luta que se formaram em 1947 e nas formas de agrupamento análogas que se po dem verificar, exemplos de organização de tra balhadores. Em taisr comités, os camarada.'r do 171 A KX P immNCIA DO MOVIMENTO OPERARIO grupo comportam-se como os outros elementos e abstêm-se de procurar impor as ideias do grupo. Por fim, se se admite que todo o grupo se inte grou numa organização de trabalhadores, ele de verá desaparecer imediatamente enquanto grupo. Carrier, portanto, caracteriza essencialmente a organização dos' revolucionários como um grupo momentâneo com tendência a definhar. Conclui dizendo que a organização. dos revolucionários. deve, de qualquer maneira, desaparecer no pró prio dia em que os Sovietes tomarem o poder. 4. A esta avaliação da organização dos re volucionários e das suas relações com a orga nização dos trabalhadores, a camarad.a Denise opõe-se fazendo ressaltar que a organização dos revolucionários é indispensável, de maneira per manente, para preparar a revolução, que deve continuar a distinguir-se de todas as outras for mas de organização· da classe até à re1Jolução, quaisquer que sefam as condições obj'ectivM. Mas levanta dois problemas: 1 .0 Qual deve ser a relação da organização revolucionária com a classe ? 2.0 Qual deve ser a estrutura desta or ganização ? Ao primeiro responde afirmando que a organização dos revolucionários não pode pro pôr como finalidade sua dirigir a classe. Não se tr,ata, por exemplo, para um militante do grupo de procurar ilirigir um comité ile luta. A lém disso, não ileve assumir a sua direcção, mas ape nas manifestar aí as suas iileias. No que se re fere à estrutura ila organização revolucionária, 172 POSFAGIO A O PARTIDO REVOL UCIONARIO . . . não bMta dizer quJe a luta contra a burocratização releva apen.as do programa e não da estrutura organizativa. O princípio do centralismo demo· crático deve ser estudado à luz da experiência passada, e posto em questão. O centralismo de mocrático Msente na dualidade executantes-diri gentes que reinava nos partidos da III Interna tional revolucionária era já, de facto, um cen tralismo• burocrático. 5. O camarada Ségur, tal como a camarada Denise, afirma a necessidade permanente de uma direcção política, à qual se não recusa a chamar partido. Mas acha que a concepção de partido que se faz no relatório, que é uma concepção clássica, no fundo muito próxima da concepção leninista do Que Fazer?, pMsa completamente ao lado do verdadeiro problema, que é o de im pedir a degenerescência burocrática do partido. Ora, estadegenerescência é fatal se o partido quiser atribuir-se as tarefas· de direcção política da clMse. O problema é restringuir a sua acti vidade ao domínio ideológico· e interditar-lhe a intervenção no domínio prJtico. O partido deve ser a direcção ideológica e não a direcção prá tica da classe. Se se propuser tarefas práticas, o partido substitui-se à classe e torna-se uma direcção burocrática que, agindo em nome dos interesses da classe, age de facto em lugar desta. O camarada Ségur, neste sentido, afirma que é preciso estudar de muito perto o período de pre paração imediata da revolução. O momento da 173 li ' A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO OJPERARIO insurreição é o momento em que o pa:rtido - se não se limitar ao seu papel ideológico, - pre• para ele próprio n tomada do poder e em que constitui - fom dos órgãos autónomos da clas se - os qutulros da ]Joder. A lógica do partido é, então, a{Jir crula 1Jez mai.<r em lugar dos Sovie te.'f e tran .. �forrnar-Hfl P-m. /Jurocracia. 6. Os rmtro.<t cnnut'mda,'l' opu1wrnm·-se a estas powiçiif�H. Col'irrirnos ns HWM intervenções para rrwi.'f clarwrrwnte 're.•uw.ltnrem ns idein:.'f apresen tadas. a) Das intervenções dos camaradas que se opõem ao Relatório deduz-se que estes estão de acordo, em graus diversos, com a necessidade de uma o>rganização d e revolucionários. Negar esta organização seria negar-nos a nós próprios enquanto grupo existente a partir dEl uma pla taforma política comum. Mas se se pa.rtir deste facto, é preciso tirar dele todas as con.sequências, ou então não se pensa até ao fim a id,eia de uma organização de revolucionários. Supondo mesmo que não haja grupo formado em tM·no de um programa político mas apenas' órgão�� de classe tais como os Comités de Luta ou os sindicatos denominados «autónomos», não se pode impedir que em tais grupos um certo número de elemen tos estejam de acordo entre si, tentem, elaborar conjuntamente um programa político que ponha os problema3 não à escala local e corporativa mas à escala nacional e internacional e de uma maneira universal. Não, se pode impedi:r que estes 174 POSPJ\GIO A O PARTIDO Rb'VOLUCIONARIO . . . elementos, que têm e m comum estas ideias polí ticas, se reúnam à parte para discutirem entre si os problema-s que decorrem das suas concep ções comuns. E, ou estes elementos nada têm de sério, ou a sua vontade é fazer triunfar as suas ideias, que acreditam justas. Não os podemos portanto impedir, se decidirem agir em. conjunto num mesmo meio de trabalho, ou cada um no seu meio mas num sentido idêntico, de decidirem pôr, na sua actividade pública, o acento tônico no seu acordo e de lhe subordinarem os seus de sacordo•s. A lógica da sua situação leva-os, assim, necessariamente a constituírem-se em grupo, organização ou partido ( segundo o seu progra ma é ou não suficientemente elaborado) . Dizer que um elemento deste grupo• consti. fiuído Sle iteve 'absber,. pQir exemplo, de desempenhar um papel preponderante num órgão da classe a pretexto de que altera então a espontaneidade e a autonomia des·ta, é, de facto, impedi-lo de ex primir as suas ideias e de tentar convencer os outros; porque não é necessário, se ele os con venc'er, que seja encarregaclo de tar'efas resp.on sáveis e que adquira uma posição preponderante neste órgão ? b) Animados pelo deseio de procurar garan tias contra a burocracia, os camaradas não vêem que, em lugar de dar uma resposta ao pro blema que põem, suprimem-no pura e simples� mente. Porque, para evitar o perigo burocrático, recusam qualquer acção organizada e concertada. 175 _ __ _ ____ _...... ________________ �- ----------- - � i A E XPERif:NCIA DO MOVIMENTO OPERARIO Não são apenas as exigências próprias da luta revolucionária, a necessidade de elaborar um programa político e económico completo, isto é, histórico, a necessidade de pensar e de agir num plano nacional e internacional, mas os impera tivos de toda a acção colectiva, com vista a um fim comum, que exigem uma organização no tra balho e um comando na acção. c) A solução niio pode consistir em limitar a actividade do partido· a uma esfera de elabor(L.. ção teórica ou a um papel de orientação política. Todas as análi1ws do grupo são fundadas preci samente na ideia de que as tarefas teóricas, po líticas e práticas n.ão só estão estreitamente li gadas, como os marxistas o mostraram no pas sado, mas também se tornaram, para falar com propriedade, idênticas, ou seja, diferentes for mas de uma mesma realidade. Tomar politica mente posição sobre tal problema que interessa a classe operária é ao mesmo tempo indicar uma atitude prática a adoptar em tal situação. Tal como não podemos limitar-nos apenas aos pro blemas práticos e as barefas da revolução im plicam a ultrapassagem do problema prático e uma solução para os problemas, por mais teóri cos que sejam, também as posições políticas ela boradas até ao· fim são posições práticas. Operar uma divisão artificial entre os dois domínios é dar um passo atrás. É essencial na nossa época, em que as tarefas políticas e práticas se identifi cam, colocar o problema da luta antiburocrática POSFAGIO A O PARTIDO REVOLUCIONAHTO . . . - não negar o carácter desta época. A identi dJade do prático, do polítioo e do ideológico é, num certo sentido, eminenteme1�te progressiva e sig nifica um amadurecimento da consciência do pro letariado. d) A ligação do partido com os órgãos autó nomos da classe que podem nascer daqui até à revolução - tais como os comités de luta - ou com os Sovietes deve ser justamente compreen dida. O nosso grupo pensa que a constituição do partido revolucionário é a condição necessária, mas de modo nenhum suficiente, da revolução·. Afirmou desde a sua origem que o sentido da ' ' nossa época era a tendência do movimento ope- rário para a autonomia. Viu nos comités de luta que se formaram em 1 947, nomeadamente no Comité de Luta da Fábrica Unic, uma manifes tação capital da tendência da vanguarda para se reunir antes da revolução, a.o nível das fábricas, em órgãos em que os problemas práticos são pos tos precisamente em ligação com o problema político essencial de luta contra a burocracia. Pensamos que, mesmo se tais comités não po dem viver permanentemente até à revolução, as exigências da luta antiburoorática na nossa época apresentam, de maneira permanente, condições para a sua formação. PenBamos também que a tomada de consciência antiburocrática, manifes tada por tais comités, é a própria condição da revolução, por outras· pala1Jras, que a revolução não poderia ter lugar se não se manifestasse no 177 r , I ' I A EXPERIJ!:NCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO proletariado, de forma sensível e objectiva, a tendência para a luta, não contra 0.5r estalinianos enquanto «arti/ices de uma má política», mas contra a burocracia enquanto tal, .sob todas as suas formas. Se durante toda uma fase da sua história a dualidade partido-sindicato foi a determinante do movimento· operário, é para uma dualidade do tipo partido-comité de luta que 1este se enca minha, e esta evolução implica um amadureci mento do proletariado, uma politização maior em todos os domínios de luta e de organização, um laço muito mais estreito entre o j:aartido· e as organizações da classe. Uma tal evolução im plica, por outro lado, que a jormaçi5i<J, dos Sovie tes não se poderá situar senão a U'ln nível mais elevado que em 191'7-1923, com os organismos operários autónomos prefigurando os Sovietes e co·locando os problemas do poder operário de uma forma . embrionária no próprio• interior da sociedade burguesa. Não· se pode, f.IO!ftanto, pôr o problema do papel do partido revolucionário sem pôr o dos órgãos autónomos da� classe.
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