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- História da Arte II - - 1 - História Geral da Arte II Apontamentos de: António Guedes E-mail: postmanlisbon@yahoo.com Data: 13-11-2006 Livro: Nota: - História da Arte II - - 2 - TERCEIRA PARTE O RENASCIMENTO - História da Arte II - - 3 - - História da Arte II - - 4 - 1 A PINTURA, ESCULTURA E AS ARTES GRÁFICAS DO “GÓTICO FINAL” - História da Arte II - - 5 - - História da Arte II - - 6 - O RENASCIMENTO PERANTE O GÓTICO FINAL Sabemos que a consciência de um Renascimento teve origem italiana e não há dúvida que a Itália desempenhou um papel directivo no desenvolvimento da arte renascentista, pelo menos até começos do século XVI. Pelo que toca à escultura e à arquitectura, o Renascimento começou pouco depois de 1400. Quanto à pintura, porém, a nova era principiou com Giotto que (nas palavras de Boccaccio, de 1350) trouxe à luz esta arte que estivera sepultada por muitos séculos. Não podemos desprezar um testemunho destes; todavia hesitamos em aceitá-lo sem reservas, porque deveríamos então admitir que o Renascimento alvoreceu no campo da pintura em 1300, uma geração antes de Petrarca. BOCCACCIO. É preciso compreender que este, ardente discípulo de Petrarca, se interessava sobretudo pelo progresso do humanismo na literatura. Na sua defesa da poesia, achou útil estabelecer analogias com a pintura e atribuir a Giotto o papel de “Petrarca da pintura”. A opinião de Boccaccio, ao considerar Giotto como um artista do Renascimento, é um acto de estratégia intelectual. Contudo, a sua opinião tem interesse porque foi o primeiro a aplicar o conceito petrarquiano de “renascimento depois da idade das trevas” a uma das artes plásticas. Assim dá a subentender que o ressurgimento da Antiguidade representa para os pintores um realismo sem compromissos. E isso iria ser um tema constante do pensamento renascentista. A Pintura Flamenga Para ir além do realismo da pintura gótica tornou-se necessária uma segunda revolução, que começou simultânea e independentemente em Florença e nos Países Baixos, em 1420. A revolução florentina foi a mais sistemática e a de carácter fundamental, pois abarcou a escultura e a arquitectura, além da pintura: é designada por Proto-Renascimento, termo que não se aplica geralmente ao novo estilo que surgiu na Flandres. O GÓTICO FINAL, A denominação de Gótico Final, não corresponde ao carácter próprio desta pintura flamenga do século XV. Indica que os pioneiros desta nova arte, bem ao contrário dos seus contemporâneos da Itália, não puseram à margem o Estilo Internacional, antes o utilizaram como ponto de partida, de modo que a ruptura com o passado foi menos brusca no Norte que no Sul. A expressão “Tardo- Gótico” também nos faz lembrar que, fora da Itália, a arquitectura do século XV permaneceu firmemente enraízada na tradição gótica. O ambiente artístico em que viveram foi nitidamente o de um Gótico Final. Os grandes mestres flamengos exerceram uma influência que se alargou muito além da sua pátria. Na Itália foram tão admirados como os maiores artistas locais dessa época, e o seu intenso realismo influi notoriamente na pintura do Proto-Renascimento. Ao invés, a arte renascentista italiana pouca impressão causou nas regiões ao Norte dos Alpes durante aquele século. O MESTRE DE FLÊMALLE. A primeira fase da revolução pictural na Flandres está representada pelo Mestre de Flémalle (Robert Campin), o principal pintor de Tournai, cuja carreira podemos seguir desde 1406 até à sua morte, em 1444. Entre as suas melhores obras avulta o Retábulo de Mérode. Pela primeira vez o contemplador tinha a sensação de estar a ver, através da superfície do painel, um mundo espacial com todas as qualidades essenciais da realidade quotidiana: profundidade ilimitada, estabilidade, continuidade e plenitude. Os pintores do Estilo Internacional nunca tinham aspirado a uma tal coerência: o seu empenho em reproduzir a realidade estava longe de ser absoluto. Os quadros que eles criaram têm a encantadora qualidade de contos de fadas, onde a escala e a relação das coisas podem ser alteradas à vontade, onde o mundo real e as fantasias de imaginação se misturam sem conflito. O Mestre de Flémalle, pelo contrário, resolveu contar a verdade. Com uma determinação quase obsessiva, dá a cada mínimo pormenor a máxima realidade concreta definindo-o em todos os aspectos: forma e tamanho próprios; cor, matéria e textura da superfície e modo peculiar de reflectir a iluminação. O Retábulo de Mérode leva-nos do mundo aristocrático do Estilo Internacional ao lar de um burguês flamengo. O Mestre de Flémalle não era um pintor da corte, mas um burguês servindo os gostos dos concidadãos abastados como os doadores piedosamente ajoelhados à porta da casa da Virgem. Este é o primeiro painel da Anunciação que tem por cenário um interior doméstico completamente mobilado. Este audaz abandono da tradição levantou ao artista um problema que ninguém afrontara antes: o de transpor acontecimentos sobrenaturais de um cenário simbólico para um ambiente vulgar sem os fazer parecer triviais ou incongruentes. Somos levados a pensar que o Retábulo de Mérode e outros quadros semelhantes constituem uma espécie de charada para o contemplador actual, embora este os possa apreciar sem lhes conhecer o conteúdo simbólico. É de crer que fosse o Mestre de Flémalle quem introduziu estes símbolos nas artes plásticas, mas apesar da sua grande influência pouquíssimos artistas os adoptaram. O Mestre de Flémalle ou era um homem de invulgar cultura ou estava em contacto com teólogos e outros eruditos que podiam informá-lo acerca da significação simbólica dos objectos. O artista não se limitou a continuar a tradição simbólica da arte medieval, dentro do contexto do novo estilo realista, mas enriqueceu-a e alargou-a. Nos painéis de Mérode, até os pormenores ínfimos são reproduzidos com a mesma aplicação que as figuras sagradas. A pintura do Mestre de Flémalle distingue-se de todas as outras pelo colorido peculiar. AS TÉCNICAS DA TÊMPERA E DO ÓLEO. Na idade Média, a técnica da pintura em madeira tinha sido fundamentalmente a têmpera, na qual os pigmentos - História da Arte II - - 7 - finamente moídos eram diluídos (temperados) em água, a que se adicionava uma substância aglutinante, gema de ovo, etc. Obtinha-se uma camada de pintura fina que endurecia depressa e podia ser retocada a seco, satisfazendo admiravelmente o gosto medieval pelas superfícies de cores lisas e tons vivos. Contudo, não era possível realizar uma fusão ou transição suave das cores; além disso os escuros tendiam a ganhar um aspecto baço e a confundir-se. O Mestre de Flémalle dominou estes sérios inconvenientes, empregando o óleo como diluente, em vez da mistura de água e gema de ovo. Foram o Mestre de Flémalle e os seus contemporâneos que descobriram as possibilidades artísticas do óleo. Substância viscosa e lenta a secar, permitia obter uma larga variedade de efeitos. Sem o óleo, a conquista da realidade visível pelos mestres flamengos ficaria assaz limitada. Sob o aspecto técnico, também merecem ser chamados os pais da pintura moderna, porque desde então o óleo seria o meio basilar da pintura. JAN (E HUBERT) VAN EYCK. O Mestre de Flémalle não foi tão longe como Jan van Eyck, um artista de menos idade e maior fama, a quem se atribuiu durante longo tempo a invenção da pintura a óleo propriamente dita. Foi, ao mesmo tempo, um pintor burguês e um pintor da corte. Podemos seguir a sua obra desde 1432, através denumerosos quadros assinados e datados. A legenda do Retábulo de Gand – ou Retábulo do Cordeiro Místico – diz- nos que ele terminara nesse ano o trabalho começado pelo seu irmão mais velho, Hubert, que morreu em 1426. A evolução anterior de Jan é ainda discutida: há vários quadros “eyckianos”, manifestamente anteriores ao Retábulo do Cordeiro Místico e que podem ter sido pintados por qualquer dos irmãos. Os mais impressionantes são os painéis do Calvário e do Juízo Final. Os eruditos estão de acordo em situa-los entre 1420 e 1425, quer o autor fosse um ou outro dos irmãos. O estilo dos dois painéis tem muitas qualidades comuns ao Retábulo de Mérode: o fundo interesse pelo mundo visível, a profundidade espacial ilimitada, as pregas angulosas dos panejamentos. Ao mesmo tempo as formas individuais parecem menos isoladas, menos esculturais; o vigoroso sentido do espaço deve-se às subtis gradações de luz e de cor. Uma análise atenta do painel do Calvário, desde as figuras do primeiro plano até à distante Jerusalém, e aos cumes nevados do fundo, mostra-nos um decrescimento gradual na intensidade das cores locais e no contraste do claro-escuro. Este fenómeno óptico que os Van Eyck foram os primeiros a utilizar plena e sistematicamente é o da perspectiva atmosférica devida à limitada transparência da atmosfera. A perspectiva atmosférica é fundamental para a percepção da profundidade do espaço. Não há dúvida que utilizaram o óleo com extraordinário requinte. Alternando as camadas opacas e translúcidas de tinta conseguiram uma tonalidade de brilho suave e ardente que nunca foi igualada. Em conjunto, o Calvário parece singularmente desprovido de dramatismo, como se uma doce serenidade o envolvesse magicamente. Só quando nos concentramos nos pormenores, notamos as violentas emoções reflectidas nos rostos da gente apinhada sob a cruz e na dor, contida mas profundamente impressionante, da Virgem Maria e dos seus companheiros. No painel do Juízo Final, este duplo aspecto do estilo “eyckiano” revela-se nos dois extremos: acima do horizonte, tudo é ordem, simetria e calma, enquanto abaixo dele – na terra e no reino subterrâneo de Satanás – prevalece a condição oposta. As duas situações correspondem assim ao Céu e ao Inferno. O Retábulo do Cordeiro Místico, o monumento supremo da pintura flamenga primitiva, suscita problemas complexos. A obra, iniciada por Hubert, fora acabada por Jan em 1432. Como o primeiro falecera em 1426, o retábulo foi provavelmente executado entre 1425 e 1432. Embora tenha essencialmente a configuração de um trípico, cada um dos três elementos é composto por quatro painéis separados. Reconstruir esta sequência de acontecimentos e determinar a parte respectiva de cada irmão é um jogo fascinante mas eriçado de incertezas. Apenas as duas tábuas, longas e estreitas, com as figuras de Adão e Eva se poderiam atribuir a Jan. São decerto as mais audaciosas do conjunto e os primeiros nus monumentais da pintura setentrional em madeira. Os retratos dos doadores, de esplêndida individualidade, têm um lugar importante em qualquer dos retábulos. Só com o Mestre de Flémalle, o primeiro artista desde a Antiguidade capaz de reproduzir um rosto humano em primeiro plano e a três quartos, começou o retrato a desempenhar um papel preponderante na pintura setentrional. Além dos retratos dos doadores, aparecem agora outros, independentes e mais pequenos, cujo carácter de intimidade faz supor que fossem estimadas lembranças, imagem presente da pessoa ausente. Um dos mais fascinantes é o Homem do Turbante Vermelho, de Jan van Eyck, pintado em 1433, que pode muito bem ser um auto-retrato. As cidades flamengas onde floresceu o novo estilo de pintura – Tournai, Gand, Bruges – rivalizavam com as da Itália como centros da banca e do comércio internacionais. Entre os seus residentes estrangeiros contavam-se muitos negociantes italianos. Para um deles, Jan van Eyck executou uma das maiores obras-primas dessa época, o Retrato de Casamento. O jovem casal foi representado no momento de fazer a troca solene dos votos matrimoniais, na intimidade da câmara nupcial. ROGIER VAN DER WEYDEN. Rogier van der Weyden (1400-1464), o terceiro grande mestre da pintura flamenga deste período, dedicou-se a uma tarefa importante: reencontrar, dentro do quadro do novo estilo criado pelos seus antecessores, o drama emocional do Gótico. Sentimo- lo imediatamente na mais antiga das suas obras-primas, A Descida (1435). Aqui o modelado é de uma precisão escultural. Os acontecimentos exteriores (neste caso o desprendimento do corpo de Cristo) importam-lhe menos que o mundo dos sentimentos humanos. Nada espanta que a arte de Rogier, que foi definida como sendo ao mesmo tempo, fisicamente mais nua e espiritualmente mais rica que a de Jan van Eyck, tenha servido de exemplo a tantos artistas. Quando morreu, em 1464, a sua influência já era decisiva na pintura europeia ao - História da Arte II - - 8 - Norte dos Alpes. Tal foi a autoridade de um estilo cujos ecos se fizeram sentir em quase toda a Europa, com excepção da Itália, até ao fim do século XV. O que é verdade nas obras religiosas de Rogier também se aplica aos seus retratos. O de Francesco d’Este, um nobre italiano residente na corte de Borgonha, talvez nos pareça menos vivo que os de Jan van Eyck. Em vez de buscar a serenidade psicologicamente neutra dos retratos de Jan, Rogier interpreta a personalidade humana, suprimindo alguns traços e acentuando outros. Por consequência, diz- nos mais da vida íntima e menos da aparência exterior. HUGO VAN DER GOES. Entre os pintores seguintes, raros escaparam à sombra do grande mestre. O mais dinâmico de todos eles foi Hugo van der Goes (1440-1482), um génio infeliz cujo trágico fim nos evoca uma personalidade instável. A sua obra mais ambiciosa, o imenso retábulo que terminou em 1476 é uma realização impressionante. Nos volantes, por exemplo, os membros ajoelhados da família Portinari parecem anões, ao pé dos santos patronos, cuja estatura gigantesca os caracteriza como seres de ordem superior. Esta variação de escala, embora seja clara a sua intenção simbólica e expressiva, afasta-se da lógica de experiência quotidiana. GEERTGEN TOT SINT JANS. Durante o último quartel do século XV não houve na Flandres pintores comparáveis a Hugo van der Goes e os artistas mais originais apareceram mais ao Norte, na Holanda. A um deles, Geertgen Tot Sint Jans, de Haarlem, que morreu em 1495, devemos o encantador Nascimento. A ideia de um Nascimento nocturno, iluminado apenas pelo clarão que irradia do Menino, remonta ao Estilo Internacional, mas Geertgen Tot Sint Jans, aplicando as descobertas picturais de Jan van Eyck, deu nova e intensa realidade ao tema. BOSCH. Hieronymus Bosch, solicita o nosso interesse pelo mundo dos sonhos. A sua obra, plena de imagens fantásticas e aparentemente irracionais, mostrou-se tão difícil de interpretar que grande parte dela se mantém indecifrável. Podemos constatá-lo se analisarmos o trípico conhecido por Jardim das Delícias, a mais rica e a mais enigmática das pinturas de Bosch. Dos três painéis, apenas o da esquerda representa um tema claramente identificável: o Jardim do Paraíso. No postigo da direita, uma cena de pesadelo, com ruínas em chamas e fantásticos instrumentos de tortura, representa com certeza o Inferno. No painel central vê-se uma paisagem muito parecida à do Paraíso, povoada de uma multidão de homens e mulheres nuas, em variadíssimas atitudes. Raros se entregam abertamente a actividades eróticas, mas não há dúvida de que as delícias neste jardim são as do desejo carnal. As aves, frutos, etc., são símbolos ou metáforas que Bosch emprega para descrever a vida na terra como uma interminávelrepetição do pecado original de Adão e Eva. Bosch foi um severo moralista que concebia as suas pinturas como sermões visuais em que cada pormenor estava encarregado de significação instrutiva. A Pintura na França, Suíça e Alemanha Devemos agora passar os olhos pela arte do século XV no resto da Europa do Norte. Depois de 1430, o novo realismo dos mestres flamengos começou a alastrar pela França e pela Alemanha até que, em meados do século, a sua influência se tornou suprema, desde a Espanha até ao Báltico. Entre os numerosos artistas a quem se devem adaptações locais da pintura flamenga, apenas alguns possuíram talento bastante para se nos imporem pela vincada personalidade. WITZ. Um dos mais antigos e originais foi Conrad Witz de Basileia (1400-1446), a cujo retábulo para a catedral de Genebra, pintado em 1444, pertence um notável painel. Witz não se limitou, porém, a seguir as pisadas desses grandes percursores: conseguiu traduzir os efeitos ópticos aquáticos como nenhum outro pintor do seu tempo. FOUQUET. Na França, o pintor Jean Fouquet (1420-1481), logo pouco depois de aprender o ofício teve a rara fortuna de realizar uma longa visita à Itália, em 1445. Daí que a sua obra represente uma combinação única de elementos flamengos e do Proto-Renascimento, sem deixar de permanecer tipicamente setentrional. No painel esquerdo de um díptico, pintado em 1450, em que representou Étienne Chevalier e Santo Estêvão, revela superior mestria como retratista; a influência italiana pode ver-se no estilo da arquitectura e na solidez e no peso estatuários das duas figuras. A PIETÀ DE AVINHÃO. Um estilo flamengo, influenciado pela arte italiana, caracteriza também a mais famosa de todas as pinturas do século XV, a Pietà de Avinhão. Como o seu título indica, o painel vem do extremo sul de França, executado provavelmente por um artista da região, que deve ter conhecido a arte de Rogier van der Weyden, porque o tipo das figuras e o conteúdo expressivo desta Pietà não podiam derivar de outra fonte. Ao mesmo tempo, o traçado, magnificamente simples e estável, é mais italiano que flamengo. A Escultura do Gótico Final Se tivéssemos que definir a arte ao Norte dos Alpes numa só frase, poderíamos chamá-la o primeiro século da pintura de painel, pois esta exerceu tão acentuado domínio no período de 1420 a 1500 que os seus cânones se aplicaram à iluminura, ao vitral e até à escultura. Lembremos que no fim do século XIII a escultura arquitectónica cedera a vez a obras de uma escala mais familiar: imagens de devoção, sepulcros, púlpitos, etc. O que pôs termo ao Estilo Internacional na escultura da Europa foi a influência do Mestre de Flémalle e de Rogier van der Weyden, evidente nas obras de numerosos escultores, até 1500. Os objectivos da escultura do Gótico Final identificaram-se com os da pintura. O Anjo Voando de um quadro do Mestre de Flémalle, (1420), contém já todos os traços principais de um anjo talhado por um excelente escultor alemão quase cem anos depois. MICHAEL PACHER. As obras mais características do Gótico Final são os retábulos de altar, por vezes de enorme - História da Arte II - - 9 - tamanho e de pormenores incrivelmente complicados, peças especialmente apreciadas nos países germânicos. Um dos mais belos é o da Coroação da Virgem, devido ao escultor e pintor tirolês Michael Pacher (1435-1498). As suas formas profusamente douradas e coloridas oferecem um espectáculo deslumbrante, surgindo da profundidade sombria do fundo. As figuras e o cenário parecem fundir-se numa configuração de linhas agitadas e retorcidas onde apenas as cabeças sobressaem com autonomia. O RENASCIMENTO PERANTE O GÓTICO FINAL A Tipografia Neste ponto, devemos tomar nota de um outro facto importante ao Norte dos Alpes: o desenvolvimento das técnicas de impressão, tanto de imagens como de livros. A nova técnica espalhou-se por toda a Europa e converteu-se numa indústria do mais profundo alcance na civilização ocidental. As imagens impressas tiveram quase a mesma importância: sem elas, o livro impresso não poderia substituir a obra do copista e do iluminador medievais tão rápida e completamente. A IMPRENSA E O OCIDENTE: O papel e o processo de imprimir com blocos de madeira foram conhecidos no Ocidente durante a Baixa Idade Média, mas o papel, como sucedâneo barato do pergaminho, foi ganhando terreno muito devagar, enquanto a impressão só era empregada na estampagem de padrões ornamentais em tecidos. Espantoso foi o desenvolvimento desde 1400 de uma técnica de impressão superior à do Extremo Oriente e de uma importância cultural imensamente maior. Técnica que se manteve desde 1500 até à Revolução Industrial sem modificações essenciais. A Gravura em Madeira A ideia de imprimir ilustrações em papel, mediante pranchas de madeira gravadas, parece ter surgido na Europa setentrional já no fim do século XIV. Muitos dos exemplos mais antigos destes desenhos impressos – chamados gravuras em madeira ou xilografias – são alemães, outros flamengos e alguns franceses; todos apresentam as características do Estilo Internacional. É provável que os desenhos fossem devidos a pintores ou escultores, mas as pranchas de madeira eram talhadas pelos artífices especializados. Por consequência, as primeiras gravuras de madeira, como a Santa Doroteia, têm um traçado plano e ornamental; as formas são definidas por linhas simples e grossas, com pouca preocupação pelos efeitos tridimensionais. Como as formas contornadas deviam ser coloridas, essas estampas lembram muitas vezes os vitrais. As gravuras em madeira do século XV foram trabalhos da arte popular, de um nível que não atraía mestres de grande talento até 1500. Uma só prancha fornecia milhares de cópias, vendidas por alguns centavos cada, o que, pela primeira vez na nossa história, punha ao alcance de toda a gente a posse de imagens. A Gravura Quem teve a ideia de fazer tipos metálicos buscou certamente a colaboração de algum ourives para resolver os problemas técnicos do fabrico. As pranchas de metal são gravadas com um instrumento de aço. A técnica de embelezar superfícies de metal com imagens gravadas já era conhecida na Antiguidade e continuo a ser praticada durante a Idade Média. Assim, nem foi preciso inventar qualquer processo novo para gravar as placas que serviam de matrizes na impressão em papel. Depois de dar tinta nos traços abertos na placa, limpava-se a superfície desta, colocava-se-lhe em cima uma folha de papel humedecido e metia-se na prensa. A ideia de gravar em cobre nasceu aparentemente do desejo de se encontrar um processo mais requintado e flexível que o da xilogravura (numa prancha de madeira, as linhas são protuberantes: quanto mais finas, mais difíceis de talhar). As gravuras em metal logo gozaram do favor de um público escolhido e de maior requinte. As primeiras que conhecemos datam de 1430, e revelam já a influência dos grandes pintores flamengos. Quase logo de início circulam estampas datadas e assinadas. Por isso conhecemos os nomes da maioria dos gravadores importantes do último terço do século XV. Especialmente na região do Alto Reno há uma tradição contínua de bons gravadores. - História da Arte II - - 10 - 2 O PROTO-RENASCIMENTO EM ITÁLIA - História da Arte II - - 11 - - História da Arte II - - 12 - Por volta de 1400, o Estado florentino enfrentava uma séria ameaça à sua independência. O poderoso duque de Milão tentava dominar toda a Itália e já tinha subjugado a maior parte das cidades-estados da zona central. Florença constituía o único obstáculo sério à sua ambição: a cidade opôs-lhe uma rigorosa e bem sucedida resistência em três frentes, militar, diplomáticae intelectual. Florença conseguiu ter por si a opinião pública, ao proclamar-se defensora da liberdade contra a tirania. Esta guerra de propaganda era chefiada, de ambos os lados, por humanistas, mas os florentinos deram melhor conta de si. Os seus escritos, tais como o “Louvor da cidade de Florença” (1402), de Leonardo Bruni, vieram pôr de novo em foco o ideal petrarquiano dum renascimento dos Clássicos. O orgulho patriótico e o apelo à grandeza implícitos nesta imagem de Florença como a Nova Atenas devem ter despertado um profundo entusiasmo na cidade, porque os Florentinos lançaram-se numa ambiciosa campanha para levar a termo os grandes empreendimentos artísticos começados um século antes, na época de Giotto. Um extenso programa de decoração escultórica foi prosseguido em diversas igrejas, enquanto se dava andamento aos planos para a construção da cúpula da Catedral, o maior e mais difícil de todos os projectos. Desde logo, as artes plásticas foram tidas por essenciais para o ressurgimento da alma florentina. Não foi por acaso que a primeira declaração explícita a reclamar para elas a honra de serem incluídas entre as artes liberais se deveu a um cronista florentino, em 1400. Um século mais tarde, já esta promoção dos artistas se tornara corrente em toda a Europa Ocidental. Que importância tinha esta valorização social? Desde Platão, as artes liberais compreendiam tradicionalmente as disciplinas julgadas necessárias à educação do homem culto, como a Matemática (incluindo a Teoria da Música), a Dialéctica, a Gramática, a Retórica e a Filosofia: as Belas-Artes ficavam excluídas do grupo porque eram trabalho manual, a que faltava uma base teórica. Em breve, tudo o que saísse das mãos de um grande mestre seria avidamente coleccionado. FLORENÇA: 1400-1450 A Escultura A primeira metade do século XV (o Quattrocento) foi a idade heróica do Proto-Renascimento. A campanha artística a que dera início o concurso para as portas do Baptistério ficou limitada por algum tempo, aos projectos escultóricos. O baixo-relevo apresentado por Ghiberti não se afasta significativamente do Gótico Internacional, e o mesmo sucede com as portas do Baptistério. NANNI DI BANCO. Uma dezena de anos após o concurso, este classicismo medieval e limitado foi transposto por um artista mais novo, Nanni di Banco (1384-1421). Os quatro santos, chamados os Quattro Coronati que ele executou em 1410-14 devem ser comparados à Visitação de Reims. As figuras de ambos os grupos são quase de tamanho natural, mas as de Nanni parecem maiores que as de Reims; pela massa e pela monumentalidade revelam-se fora do alcance da escultura medieval. Apenas o segundo e o terceiro Coronati fazem lembrar obras características da escultura romana. Morreu em 1421, deixando quase acabado o enorme relevo da Assunção da Virgem que encima o segundo portal Norte da Catedral de Florença. O estilo desta figura está tão longe do classicismo dos Coronati como do Gótico Internacional. Antes faz lembrar os anjos alados do Gótico Final, como os do Mestre de Flémalle. Ambos tinham descoberto como representar, de maneira convincente, figuras em voo: envolvendo-as em roupagens leves e soltas, cujo desenho e formas demonstram a força sustentadora do vento. O anjo de Nanni preenche as roupagens com o seu vigoroso movimento. Esta figura parece impelir-se a si própria, enquanto o seu equivalente setentrional, imóvel, apenas fica pairando no espaço. O PRIMEIRO PERÍODO DE DONATELLO. Se compararmos os dois anjos, notamos que a arte do Proto- Renascimento, em contraste com o Gótico-Final, procura encarar o corpo humano de um modo semelhante ao da Antiguidade Clássica. O homem que mais contribuiu para reafirmar esta atitude foi Donatello, o maior escultor do seu tempo. Nascido em 1386, foi, entre os fundadores do novo estilo, o único que ultrapassou os meados do século XV. Juntamente com Nanni, Donatello passou a primeira parte da sua carreira trabalhando em encomendas para a Catedral e para Or San Michele. São Marcos de Donatello é a primeira estátua, desde a Antiguidade, que consegue captar de novo o pleno significado do contraposto clássico. Nesta obra que marca verdadeiramente uma época, o jovem Donatello dominou o que constitui a realização principal da escultura antiga. Poucos anos mais tarde (1415-17), Donatello esculpiu outra estátua para Or San Michele, o famoso S. Jorge. É o Soldado Cristão, tal como o viu o Proto-Renascimento. Donatello produziu aqui outra obra revolucionária, ao criar um novo tipo de baixo-relevo pouco saliente (daí ser chamado schiacciato, “achatado”), mas que dá uma ilusão de infinita profundidade pictórica. A impressionante paisagem, atrás das figuras, compõe-se inteiramente de brandas modulações da superfície do mármore onde a luz é captada sob muitos ângulos diferentes. No campanário da Catedral de Florença, construído de 1334 a 1357, erguia-se uma fila de altos nichos góticos destinados a albergar estátuas. Só metade estavam preenchidos quando, entre 1416 e 1435, Donatello executou cinco estátuas para os outros. A obra mais notável desta série é a imagem do profeta não identificado que recebeu a alcunha de Zuccone, e que goza de fama especial como exemplo marcante do realismo do Mestre. PERSPECTIVA: DONATELLO E GHIBERTI. Donatello aprendera a técnica de esculpir em bronze quando, ainda jovem, trabalhara sob a direcção de Ghiberti nas portas do - História da Arte II - - 13 - Baptistério. Mas em 1420 já rivalizava nessa arte com o antigo mestre. Embora os métodos empíricos também pudessem dar resultados impressionantes, a perspectiva matemática tornou possível a representação de um espaço tridimensional numa superfície plana. Donatello executava o Festim de Herodes quando Ghiberti foi encarregado de fazer outras duas portas de bronze para o Baptistério de Florença. Estas mostram bem como o artista, sob a influência de Donatello e dos outros pioneiros do novo estilo, se converteu às concepções do Proto- Renascimento. O NU CLÁSSICO: JACOPO DELLA QUERCIA E DONATELLO. Fora de Florença, o único grande escultor deste período foi Jacopo della Quercia, de Siena (1374- 1438). Como Ghiberti, também mudou de estilo, do Gótico para o Proto-Renascimento, a meio da sua carreira, em especial por influência de Donatello. Não teve qualquer influência na arte florentina até ao final do século, altura em que fascinou o jovem Miguel Ângelo, cuja admiração foi suscitada pelas cenas do Génesis que enquadravam a porta principal da igreja de S. Petrónio em Bolonha, entre elas a Criação de Adão. O estilo destes relevos é conservador mas as figuras são arrojadas e profundamente impressionantes. Aqui, o corpo nu exprime outra vez a dignidade e o poder do homem, como na Antiguidade Clássica. Vale a pena compará-lo à obra que muito provavelmente o inspirou, um Adão no Paraíso, de um díptico de marfim, dos primeiros séculos do Cristianismo. E foi nesta condição ressequida que o nu clássico entrou na tradição medieval. Sempre que nos aparece o corpo despido entre 800 e 1400, podemos ter a certeza de que ele deriva, directa ou indirectamente, de uma fonte clássica. Para a mentalidade medieval, a beleza física dos ídolos antigos, em especial a das estátuas nuas, incarnava a atracção insidiosa do paganismo que era preciso evitar. O século XV redescobriu a beleza sensual do corpo nu, mas por duas vias diferentes. O Adão e Eva de Jan van Eyck ou os nus de Bosch não têm precedentes quer na arte antiga, quer na medieval. Na verdade, não estão nus mas despidos – são pessoas que normalmente andam vestidas e que por quaisquer razões aparecem despojadas das suas roupas. Por outro lado, o Adão de Jacopo della Quercia está claramente nu,no pleno sentido clássico, tal como o David de Donatello, uma realização ainda mais revolucionária da escultura proto-renascentista – a primeira estátua nua de tamanho natural, desde a Antiguidade, dotada de verdadeira autonomia. A Idade Média não vacilaria em condená-la como um ídolo, e os contemporâneos de Donatello também não deviam ter-se sentido à vontade diante dela. Durante muitos anos, foi única no seu género. Assim, a estátua deve ser entendida como um monumento público cívico-patriótico, que identifica David com Florença, e Golias com Milão. DONATELLO: PÁDUA E DEPOIS. Donatello foi chamado a Pádua em 1443 para fazer o monumento equestre de Gattamelata, comandante dos exércitos venezianos, que morrera havia pouco. Quando Donatello voltou a Florença, depois de dez anos de ausência, deve ter-se sentido como um estranho. O clima, político e espiritual tinha mudado, o gosto dos artistas e do público também. As suas obras seguintes, entre 1453 e 1466, não se integram na tendência predominante. O individualismo extremo do seu último estilo confirma a reputação de Donatello como o primeiro génio solitário entre os artistas renascentistas. A Arquitectura BRUNELLESCHI. Donatello não criou sozinho o estilo escultórico do Proto-Renascimento. Pelo contrário, a nova arquitectura ficou a dever a sua existência a um só homem, Filippo Brunelleschi (1377-1446), que começou a sua carreira como escultor. Esteve em Roma com Donatello. Aí estudou monumentos da arquitectura antiga e parece que foi o primeiro a medi-los com rigor. Em 1417-19 encontramo- lo de novo a competir com Ghiberti, desta vez para a construção da cúpula da Catedral. A grande realização de Brunelleschi foi ter construído a cúpula em dois grandes cascos separados (um dentro do outro), engenhosamente ligados de forma a reforçarem-se mutuamente. San Lorenzo. Em 1419, quando estava a trabalhar nos planos finais para a cúpula, Brunelleschi teve a primeira oportunidade de criar edifícios integralmente concebidos por ele, graças ao chefe da família Médici, um dos principais mercadores e banqueiros de Florença, que lhe encomendou uma sacristia nova para a Igreja românica de San Lorenzo. Os planos que traçou impressionaram de tal maneira o seu cliente que este lhe pediu um projecto para refazer a igreja toda. À primeira vista, a planta chega a parecer pouco original. A originalidade reside na acentuação da simetria e da regularidade. O traçado é inteiramente composto de unidades quadradas. Brunelleschi concebeu San Lorenzo como um agrupamento de blocos espaciais abstractos, sendo os maiores simples múltiplos da unidade padrão. Compreendido isto, já faremos uma ideia de quanto ele foi revolucionário, pois tais compartimentos claramente definidos e separados representam um afastamento total relativamente às concepções dos arquitectos do Gótico. O interior confirma a nossa expectativa. Uma ordem fria e estática substituiu agora o calor emocional e o contínuo movimento espacial dos interiores das igrejas góticas. Proporções Arquitecturais. Brunelleschi estava convencido de que o segredo da boa arquitectura residia em dar as proporções exactas a todas as medidas principais de um edifício. Acreditava que os Antigos conheciam este segredo e tentou redescobri-lo. Podemos dizer que a razão principal que nos impõe San Lorenzo como produto de um espírito superior único é o - História da Arte II - - 14 - sentido das proporções de Brunelleschi, afirmado em cada pormenor. No ressurgimento das formas clássicas, a arquitectura do Renascimento encontrou um vocabulário padrão. A teoria das proporções harmónicas deu-lhe uma espécie de sintaxe, quase sempre ausente da arquitectura medieval. O ressurgimento das formas e proporções clássicas deu azo a que Brunelleschi transformasse o vernáculo arquitectónico da sua região num sistema estável, preciso e articulado. A nova racionalidade das suas concepções difundiu-se logo pela Itália e a pouco e pouco por todo o Norte da Europa. A Capela dos Pazzi. Entre os edifícios de Brunelleschi que perduraram, nem uma única fachada conserva o seu traçado original, sem alterações posteriores de outras mãos. A própria fachada da capela dos Pazzi já não pode ser considerada uma excepção. A capela foi começada em 1430, mas Brunelleschi (que morreu em 1446) não pode ter planeado a fachada actual, que data de 1460. Não obstante, é uma criação assaz original, em tudo diferente de qualquer frontaria de Idade Média. S. Spirito e Sta. Maria degli Angeli. Ao principiar a década de 1430, quando a cúpula da Catedral estava quase pronta, a evolução de Brunelleschi como arquitecto entrou em nova e decisiva fase. O traçado da igreja de S. Spirito pode ser tido por uma versão aperfeiçoada de San Lorenzo: os quatro braços do cruzeiro são iguais, a nave principal distingue-se das colaterais apenas pelo seu maior comprimento e toda a estrutura parece envolvida pela sequência ininterrupta de naves e capelas. Estas constituem o traço mais surpreendente de S. Spirito. Na Igreja de Sta. Maria degli Angeli, a que Brunelleschi deu início quase na mesma data da obra de S. Spirito, esta nova tendência atinge o ponto culminante: uma igreja de cúpula e planta centradas – a primeira do Renascimento – inspirada nas estruturas circulares e poligonais dos tempos romanos e do primeiro período do Cristianismo. MICHELOZZO. O maciço estilo de Sta. Maria degli Angeli permite explicar a grande desilusão dos últimos anos de Brunelleschi, quando o projecto para o palácio dos seus patronos, os Medici, foi rejeitado. Esta família ascendera a tal poderio que desde 1420 lhe pertencia o governo de Florença. Por esse motivo era de boa prudência evitar qualquer ostentação que, por excessiva, caísse mal na opinião pública. Se o projecto de Brunelleschi seguisse o estilo de Sta. Maria degli Angeli, ficaria provavelmente com tal magnificência, inspirada na arte imperial romana, que os Medici não poderiam arriscar-se a um empreendimento tão grandioso. A encomenda foi dada a um arquitecto mais novo e menos notável, Michelozzo (1396-1472). O traçado recorda os velhos palácios- fortalezas florentinos, com modificações que seguem os princípios de Brunelleschi. A Pintura MASACCIO. A pintura do Proto-Renascimento apenas se manifestou a partir de 1420. Este novo estilo foi lançado por um jovem génio chamado Masaccio, que tinha então apenas vinte e um anos (nasceu em 1401) e que morreu aos vinte sete. A mais antiga das suas obras que pode ser datada com certa segurança é um fresco de 1425 em Sta. Maria Novella, representando a Santíssima Trindade com Nossa Senhora e S. João Evangelista com os donatários. O mundo de Masaccio é um reino de grandeza monumental e não a realidade concreta de cada dia do Mestre de Flémalle. O que o fresco da Trindade traz à mente não é o estilo do passado imediato, mas a arte de Giotto, no sentido de grande escala, na severidade da composição, no volume escultural. Para Giotto, o corpo e as roupagens formam um todo único, como se fossem ambos da mesma substância; as figuras de Masaccio, como as de Donatello, são “nus vestidos”, pois as roupas pendem como verdadeiro tecido. O cenário, igualmente moderno, revela um perfeito domínio da nova arquitectura de Brunelleschi e da perspectiva científica. O maior conjunto de obras de Masaccio que chegou até nós é constituído pelos frescos da Capela Brancacci em Sta. Maria del Carmine. O Pagamento do Tributo é o mais famoso dentre eles. Ilustra, pelo velho método conhecido como narrativa contínua, a história do Evangelho Segundo S. Mateus. Masaccio utiliza aqui os mesmos processos empregados pelo Mestre de Flémalle e pelos van Eyck – regula o afluxo da luz e usa a perspectivaatmosférica nos tons subtilmente cambiantes da paisagem. As figuras em O Pagamento do Tributo patenteiam, ainda mais do que as do fresco da Trindade, a capacidade de Masaccio para combinar o peso e o volume das figuras de Giotto com a nova visão funcional do corpo e das roupagens. A narrativa é-nos transmitida mais pelos olhares intensos do que pelo movimento físico. Mas num outro fresco da Capela Brancacci, A Expulsão do Paraíso, Masaccio prova decisivamente a sua capacidade de representar o corpo humano em movimento. Embora possuísse um temperamento de pintor mural, Masaccio era igualmente versado na pintura de painel. O seu grande políptico, feito em 1426 para a Igreja das Carmelitas de Pisa, veio a dispersar-se por várias colecções. Não constitui surpresa, depois do fresco da Trindade, que Masaccio substitua o trono gótico ornamentado mas frágil de Giotto por um sólido e austero assento de pedra, no estilo de Brunelleschi. FRA FILIPPO LIPPI. A morte prematura de Masaccio deixou um vazio que não foi preenchido durante bastante tempo. Entre os seus contemporâneos mais jovens, apenas Fra Filippo Lippi (1406-69) parece ter tido um contacto mais chegado com ele. O primeiro trabalho datado de Fra Filippo, a Nossa Senhora no Trono de 1437, evoca, em vários aspectos importantes, a Virgem de Masaccio – a luz, o trono pesado, as maciças figuras tridimensionais, as pregas tombantes do manto. Mas faltam-lhe a monumentalidade e a austeridade de Masaccio. Temos de salientar um aspecto novo desta Virgem: o interesse do pintor pelo movimento, evidente nas figuras e no drapeado do manto. Estes efeitos já se encontravam nos baixos-relevos de Donatello e de Ghiberti. Não é de - História da Arte II - - 15 - estranhar que estes dois artistas tenham exercido uma influência tão forte na pintura florentina na década a seguir à morte de Masaccio. A idade, a experiência e o prestígio deram-lhes uma autoridade que nenhum outro pintor florentino de então conseguiu igualar. FRA ANGELICO. Se Fra Filippo dependeu mais de Donatello que de Ghiberti, sucedeu o contrário ao seu contemporâneo, um pouco mais velho, Fra Angelico (1400- 1455). Quando o Mosteiro de São Marcos em Florença foi reconstruído (1437-1452), Fra Angelico embelezou-o com numerosos frescos. À grande Anunciação deste ciclo tem sido atribuída a data de 1440. Fra Angelico conserva aqueles aspectos de Masaccio – a sua dignidade, franqueza e ordem espacial – que Fra Filippo tinha rejeitado. Mas as suas figuras jamais alcançaram a segurança física e psicológica que caracterizava a imagem do homem no Proto- Renascimento. DOMENICO VENEZIANO. Em 1439, instalou-se em Florença um talentoso pintor de Veneza, Domenico Veneziano. Deve ter simpatizado com o espírito da arte proto-renascentista, porque cedo se tornou um Florentino de adopção e um mestre de grande importância na sua nova pátria. A Virgem com o Menino e Santos, é um dos primeiros exemplos de um novo tipo de painel de altar que veio a ser popularíssimo a partir dos meados do século – a chamada Sacra Conversazione (“Conversa Sagrada”). O esquema inclui uma Virgem no Trono, enquadrada por elementos arquitectónicos e ladeada por santos que parecem conversar com ela, com o contemplador ou entre si. A Sacra Conversazione é notável tanto pelo esquema de cores como pela composição. PIERO DELLA FRANCESCA. Quando Domenico Veneziano se estabeleceu em Florença teve como ajudante um rapaz do Sudoeste da Toscana, chamado Piero della Francesca (1420-1492), depois o seu discípulo mais importante e um dos artistas verdadeiramente grandes do Proto-Renascimento. O estilo de Piero reflectia, ainda mais fortemente que o de Domenico, os objectivos de Masaccio. Durante uma longa carreira manteve-se na mesma senda do fundador da pintura do Renascimento italiano, enquanto o gosto florentino evoluía, após 1450, num sentido diferente. A obra mais importante de Piero é o ciclo de frescos na capela-mor da igreja de S. Francisco, em Arezzo, que ele pintou entre 1452 e 1459. Os numerosos episódios representam a Lenda da Vera Cruz (a origem e história da cruz em que Cristo foi pregado). Os laços de Piero com Domenico Veneziano estão bem patentes nas cores que usa. A tonalidade deste fresco, embora menos luminosa que na Sacra Conversazione, é igualmente dourada, evocando, de forma muito semelhante, a luz do Sol pela manhã. Mas as figuras de Piero têm uma grandeza austera que faz recordar Masaccio ou até Giotto, mais que Domenico. UCELLO. Na Florença dos meados do século XV havia apenas um pintor que partilhava a devoção de Piero pela perspectiva: Paolo Ucello (1397-1475). A sua Batalha de San Romano, pintada aproximadamente ao mesmo tempo que os frescos de Piero em Arezzo, revela uma extrema preocupação com as formas estereométricas. Nas mãos de Ucello, a perspectiva produz efeitos estranhamente perturbadores e fantásticos. O que dá unidade à sua pintura não é a construção espacial, mas os efeitos de superfícies, decorativamente reforçados por manchas de cor brilhante e pelo uso abundante do ouro. Nascido em 1397, Ucello tinha sido formado no estilo gótico da pintura, e só nos anos de 1430 se deixou converter, pela nova ciência da perspectiva, às concepções proto-renascentistas. CASTAGNO. A terceira dimensão não apresentava qualquer dificuldade para Andrea del Castagno (1423- 1457), o mais dotado pintor florentino da geração de Piero della Francesca. Menos subtil mas mais vigoroso que Domenico, Castagno consegue captar um pouco da monumentalidade de Masaccio, na sua Última Ceia, um dos frescos que pintou no refeitório do Convento de Sta. Apollonia. Uns cinco anos depois da Última Ceia, entre 1450 e 1457, Castagno executou o admirável David. O CENTRO E O NORTE DA ITÁLIA: 1450-1500 À medida que os fundadores do Proto-Renascimento e seus sucessores imediatos, foram desaparecendo, começou a afirmar-se nos meados do século uma geração mais jovem. Ao mesmo tempo, as sementes lançadas pelos mestres florentinos noutras regiões da Itália começaram a dar fruto. Quando algumas destas regiões, especialmente o Nordeste, produziram versões distintas do novo estilo, a Toscana perdeu a posição privilegiada de que gozara até então. A Arquitectura ALBERTI. A morte de Brunelleschi, em 1446, trouxe ao primeiro plano da arquitectura Leone Battista Albert (1404- 72), que tal como Brunelleschi só muito tarde começou a exercer a sua actividade como arquitecto. Até perfazer quarenta anos, Alberti parece ter estado interessado nas Belas-Artes unicamente como arqueólogo e teorizador. Estudou os monumentos da antiga Roma, compôs os primeiros tratados do Renascimento sobre escultura e pintura. O Palácio Rucellai. O projecto para o Palácio Rucellai parece uma crítica de Alberti ao Palácio Medici. Alberti resolveu aqui um problema que se tornou fundamental na arquitectura do Renascimento: como aplicar um sistema clássico de articulação ao exterior duma estrutura não- clássica. S. Francesco, Rimini. Para o seu primeiro exterior de igreja, Alberti tentou uma alternativa radicalmente diversa. O senhor de Rimini contratou-o em 1450, para transformar a igreja gótica de S. Francesco num Templo da Fama. Alberti revestiu o velho edifício com um invólucro renascentista. - História da Arte II - - 16 - O sistema clássico de S. Francesco conserva em demasia o seu carácter romano antigo para se adaptar à forma de uma fachada de basílica. Sto. André, Mântua. Só para o fim da sua carreira, Alberti encontrou a solução adequada. Na majestosa fachada de Sto. André de Mântua, desenhada em 1470, sobrepôs uma frontaria de templo clássico no motivo do arco triunfal, agora com um enorme nicho ao centro. Tão empenhadoestava Alberti em sublinhar a coesão interior da fachada que lhe deu largura igual à altura. A IGREJA DE PLANTA CENTRADA. O Tratado de arquitectura de Alberti explica que a planta das igrejas deveria ser circular, ou de forma derivada do círculo, porque o círculo é a forma mais perfeita e a mais natural, e por isso uma imagem directa da razão divina. Este argumento assenta na crença de Alberti na validade divina das proporções matematicamente determinadas; mas como podia ele concilia-la com a evidência histórica? Com efeito, a planta típica dos templos antigos e das primitivas igrejas cristãs era longitudinal. A igreja de Alberti requer um traçado harmonioso como uma revelação divina e que suscite a piedosa contemplação dos fiéis. Erguendo-se isolada, acima do mundo quotidiano que a envolve, deveria ser iluminada por aberturas situadas na parte superior, para que, através dela, apenas se pudesse ver o céu. Quando Alberti formulou estas ideias no seu Tratado de 1450, apenas poderia ter citado a revolucionária Sta. Maria degli Angeli, de Brunelleschi, como exemplo moderno de uma igreja de planta centrada. Mas, para o fim do século XV, depois de o seu Tratado se tornar largamente conhecido, esta planta ganhou aceitação geral. Enter 1500 e 1525 esteve em voga na arquitectura do Renascimento Pleno. GIULIANO DA SANGALLO. Santa Maria delle Carceri, em Prato, um dos primeiros e mais distintos exemplos desta tendência, foi começada em 1485. O seu arquitecto, Giuliano da Sangallo (1443-1516), deve ter sido um admirador de Brunelleschi mas a configuração essencial do edifício aproxima-se muito do ideal de Alberti. Exceptuando a cúpula, toda a igreja poderia encaixar-se dentro de um cubo, já que a altura é igual à largura e ao comprimento. Giuliano formou uma cruz grega. Não pode haver dúvidas de que Giuliano a desenhou conforme a velha tradição da Cúpula do Céu. A abertura central ao alto e as doze no perímetro referem-se claramente a Cristo e aos Apóstolos. Brunelleschi já tinha encontrado esta solução na Capela Pazzi, mas a cúpula de Giuliano, a coroar uma estrutura perfeitamente simétrica, transmite de um modo bem mais impressionante o seu valor simbólico. A Escultura Donatello trocara Florença por Pádua em 1443. Nenhum jovem escultor foi capaz de preencher a vaga deixada por Donatello. Em resultado da sua ausência subiram ao primeiro plano os outros escultores que permaneciam na cidade. LUCA DELLA ROBBIA. À parte Ghiberti, o único escultor de nota em Florença depois da partida de Donatello foi Luca della Robbia (1400-82). Ganhara reputação desde os anos de 1430, com os relevos de mármore da Cantoria ou “púlpito dos cantores”, na Catedral. Até ao fim da sua longa carreira, dedicou-se quase exclusivamente à escultura de terracota – um material mais barato e menos exigente que o mármore – que revestia de vidrados, semelhantes a esmalte, para esconder a superfície do barro e lhe aumentar a resistência. Os seus melhores trabalhos nesta técnica têm o encanto dos painéis da Cantoria. O vidrado branco das figuras e da moldura dá a impressão de mármore, destacado sobre o azul forte do fundo. Mais tarde, a qualidade do modelado deteriorou-se e à simples harmonia de branco e azul sucedeu uma variedade de tons mais vivos. Ao findar o século, a oficina de della Robbia tornara-se numa fábrica, produzindo às dúzias pequenos painéis da Virgem e retábulos de cores berrantes para igrejas de aldeia. Porque Luca abandonou quase totalmente o trabalho do mármore, houve uma notória falta de bons escultores neste material na Florença em 1440 e anos seguintes. Quando Donatello regressou a carência já fora suprimida por um grupo de artistas, quase todos com pouco mais de vinte anos, oriundos das povoações dos montes de Norte e Leste da cidade. BERNARDO ROSSELLINO. O mais velho de todos eles, Bernardo Rossellino (1409-64), parece ter começado a carreira como escultor e arquitecto em Arezzo. Estabeleceu- se em Florença em 1436 mas só oito anos mais tarde receberia encomendas de importância, quando lhe confiaram a execução do túmulo de Leonardo Bruni. Este grande humanista e homem de Estado havia desempenhado um papel vital na cidade desde o começo do século. Por sua morte, em 1444, fizeram-lhe um solene funeral à maneira dos Antigos e o seu monumento funerário deve ter sido encomendado pelas autoridades. O estilo escultórico do túmulo de Bruni não se define com facilidade, porque é composto de partes de qualidade muito variada. De maneira geral, reflecte o classicismo de Ghiberti e de Luca della Robbia. Os ecos de Donatello são poucos e indirectos. O BUSTO-RETRATO. A grande tradição romana de escultura realista de retratos tinha desaparecido no final da Antiguidade. O seu ressurgimento foi durante muito tempo atribuído a Donatello, mas os primeiros exemplos que conhecemos pertencem aos anos de 1450 e nenhum deles é de Donatello. Parece mais provável que o retrato-busto do Renascimento deva as suas origens aos jovens escultores do círculo de Bernardo Rossellino. Um belo exemplo foi esculpido em 1456 por António Rossellino (1427-1479). Representa um médico florentino muito considerado, cujo carácter está definido com extraordinária precisão. POLLAIUOLO. A popularidade dos bustos-retratos, depois de 1450, corresponde a uma procura de obras para colecções particulares. Humanistas e artistas foram os primeiros a juntar estátuas, bustos e baixos-relevos. Não - História da Arte II - - 17 - tardaria que muitos escultores prestassem atenção a esta voga crescente, e se dedicassem a executar bustos e estatuetas de bronze, à maneira dos Antigos, solicitados pelos amadores. Uma peça excepcional deste género é da autoria de António Pollaiuolo (1431-98). Representa um estilo escultórico muito diferente do que então se manifesta na escultura de mármore. Formado como ourives, recebeu funda influência do último estilo de Donatello e de Castagno, bem como da Arte Antiga. A partir daí, desenvolveu um estilo muito pessoal, como se pode ver no Hércules e Anteu. NICCOLO DELL’ARCA. A importância desta integração de movimentos e acção é flagrante: a Lamentação, de Niccolo dell’Arca, de 1485-90. Não conhecemos qualquer ligação directa entre esta obra e Pollaiuolo, mas não é de crer que fosse criada sem a influência dele. VERROCCHIO. Palliauolo nunca teve oportunidade de fazer uma estátua de grande tamanho. Para obras de tal vulto, temos de nos voltar para um seu contemporâneo, Andrea del Verrochio (1435-88), o maior escultor desse tempo e o único que, de algum modo, podemos comparar a Donatello pela versatilidade e ambição. Modelador e cinzelador, combinou elementos de António Rossellino e António del Pollaiuolo numa síntese única. A sua obra mais popular em Florença é o Cupido ou Putto com Golfinho. Foi desenhada para o centro de uma fonte para uma das vilas dos Medici, próximo de Florença. O termo putti designa os meninos alados e nus que frequentemente aparecem representados na Arte Antiga. Foram reintroduzidos na arte do Proto-Renascimento, com o seu carácter original ou na qualidade de anjos-meninos. Por estranha coincidência, a realização suprema da carreira de Verrochio, tal como sucedera a Donatello, foi um monumento equestre de bronze, desta vez em honra do comandante dos exércitos venezianos. Verrochio deve ter considerado a obra de Donatello como um protótipo, não se contentando todavia em imitar simplesmente o ilustre modelo. O cavalo, gracioso e vivo, em vez de robusto e plácido, foi modelado com o mesmo sentido da anatomia em movimento que vimos nos nus de Pollaiuolo. A Pintura Antes de considerarmos de novo a pintura florentina, é preciso analisar o desenvolvimento da arte do Proto- Renascimentodo Norte da Itália. O Estilo Internacional prolongou-se na pintura e na escultura até meados do século, e a arquitectura manteve um forte sabor gótico muito depois de adoptado um vocabulário clássico. Nesta região, entre 1450 e 1500, só a pintura sobressai, porque faltaram realizações de monta em qualquer dos outros dois campos. Mas em Veneza e nos seus territórios, durante esses mesmos anos, nasceu uma tradição que iria florescer nos três séculos seguintes. Não é por isso de estranhar que lhe coubesse tornar-se o principal centro artístico da Itália setentrional no Proto-Renascimento. PÁDUA: MANTEGNA. Com os mestres florentinos o novo estilo penetrava em Veneza e na vizinha cidade de Pádua logo após 1420. Pouco antes de 1450, o jovem Andrea Mantegna (1431-1506) surgiu como mestre independente. Iniciou a sua aprendizagem com um pintor menor de Pádua, mas logo na primeira fase da sua criação se nota a influência decisiva das obras florentinas que pudera ver, impressões reforçadas talvez por um contacto pessoal com Donatello. A seguir a Masaccio, Mantegna foi o pintor mais importante do Proto-Renascimento. A sua maior realização dessa época (nos anos de 1450) foram os frescos da Igreja dos Eremitani em Pádua. A veneração de Mantegna pelos restos visíveis da Antiguidade mostra a sua estreita relação com os sábios humanistas da Universidade de Pádua. O desejo de autenticidade arqueológica pode ver-se nos trajes dos soldados romanos. Mas as figuras tensas, delgadas e firmemente construídas, e especialmente a sua dramática interacção, derivam claramente de Donatello. VENEZA: BELLINI. Na pintura de Giovanni Bellini (c. 1431-1516) podemos seguir o desenvolvimento da tradição flamenga. Os seus melhores quadros, tais como S. Francisco em Êxtase, datam das últimas décadas do século. A figura do santo é tão pequena, em relação ao cenário, que ele parece estar ali por acaso. Os contornos de Bellini são menos secos que os de Mantegna, as cores mais suaves e a luz mais brilhante. E, como os grandes flamengos, encara com ternura cada pormenor da Natureza. Considerado então o mais excelente pintor da cidade de Veneza, Bellini produziu vários retábulos de altar do tipo da Sacra Conversazione. A sua construção não é a de uma verdadeira igreja, porque os lados são abertos e toda a cena é inundada pela luz suave do Sol. O que de imediato diferencia o seu altar dos seus antecessores florentinos é não só a amplitude do desenho mas a sua atmosfera calma e meditativa. É uma qualidade que encontraremos vezes sem fim na pintura veneziana. É neste momento mágico que Giovanni Bellini se torna verdadeiramente no herdeiro dos dois grandes pintores do século XV, unindo a grandiosidade florentina de Masaccio com a intimidade poética do setentrional Jan van Eyck. FLORENÇA: BOTTICELLI. A tendência anunciada pelo David de Castagno substitui a monumentalidade estática de Masaccio por um movimento enérgico e gracioso. Atinge o ponto culminante no último quartel do século, com a arte de Sandro Botticelli (1444-1510). Aluno de Fra Filippo Lippi e fortemente influenciado por Pollauiuolo, Botticelli em breve se tornou o pintor preferido do chamado círculo Medici. Foi para um membro deste grupo que Botticelli pintou o Nascimento de Vénus, talvez o mais famoso dos seus quadros, cujo parentesco com o Combate dos Dez Homens Nus de Pollaiuolo é inconfundível. Manifestamente Botticelli não participa da paixão de Pollaiuolo pela anatomia. Os seus corpos são mais esguios e desprovidos de peso e força muscular, como se flutuassem, mesmo quando tocam o chão. Tudo isto parece negar os valores fundamentais da arte do Proto-Renascimento e, no entanto, o quadro nada tem de medieval. - História da Arte II - - 18 - O NEO-PLATONISMO. Durante a Idade Média, as formas clássicas tinham-se divorciado dos temas clássicos. Os artistas utilizavam o repertório antigo de atitudes, gestos, expressões, etc., mas trocaram a identidade das figuras: os filósofos transformaram-se em Apóstolos. Quando havia oportunidade de representar deuses pagãos, os artistas baseavam-se nas fontes literárias em vez de se inspirarem nas obras de arte antigas. Esta foi, de um modo geral, a situação até meados do século XV. Só com Pollaiuolo – e Mantegna no Norte da Itália – a forma e o conteúdo clássico começaram a associar-se de novo. As pinturas perdidas dos Trabalhos de Hércules de Pollaiuolo (1465) assinalam o primeiro caso de assuntos da mitologia clássica tratados em ponto grande num estilo inspirado nos antigos monumentos. E o Nascimento de Vénus contém a primeira imagem monumental, desde os tempos romanos, da deusa nua, numa atitude derivada das suas estátuas clássicas. Como se podiam justificar tais imagens numa civilização cristã, sem expor o artista e o seu patrono à acusação de neo-paganismo? Na Idade Média, os mitos clássicos foram por vezes interpretados didacticamente. Fundir a fé cristã com a mitologia antiga exigia uma argumentação sofisticada, que ficaria a dever-se aos filósofos neo- platónicos, cujo representante principal, Marsílio Ficino, gozou de formidável prestígio a partir dos últimos anos do século XV. O pensamento de Ficino representava a antítese do sistema escolástico medieval. Para Ficino, a vida do Universo, incluindo a do homem, estava ligada a Deus por um circuito espiritual, de modo que toda a revelação, quer da Bíblia, quer de Platão, quer ainda dos mitos clássicos, era só uma. A filosofia neo-Platónica e a sua manifestação na arte eram, evidentemente, demasiado complexas para se tornarem populares fora do círculo restrito e intelectualmente superior dos seus admiradores. FLORENÇA: PIERO DI COSIMO. Um painel de Piero di Cosimo (1462-1521), contemporâneo de Botticelli, ilustra uma visão da mitologia pagã que é oposta à dos neo- platónicos. Em vez de espiritualizar os deuses pagãos, faz que desçam à terra, como seres de carne e osso. Segundo esta teoria, o homem teria ascendido lentamente do primitivo estado selvagem, mediante as descobertas e invenções de alguns indivíduos excepcionalmente dotados; a estes homens acabara por ser reconhecida a condição de deuses. FLORENÇA: GHIRLANDAIO. Como Piero, também foi sensível ao realismo dos Flamengos o pintor Domenico Ghirlandaio (1449-1494), outro contemporâneo de Botticelli. Os ciclos de frescos de Ghirlandaio encontram-se tão cheios de retratos que mais parecem crónicas de família dos ricos patrícios que lhos encomendaram. Um dos seus painéis mais comovedores é o do velho com o neto. Nenhum pintor do Norte poderia transmitir, como Ghirlandaio, a terna relação humana entre o rapazinho e o seu avô. Sob o aspecto psicológico, o painel revela uma clara origem italiana. URBINO: PERUGINO. Roma, muito tempo posta à margem, durante o exílio papal em Avinhão, tornou-se de novo um importante centro de arte nos finais do século XV. À medida que o Papado foi retomando o seu poder político na Itália, os ocupantes do trono de S. Pedro começaram a embelezar tanto o Vaticano como a cidade, na convicção de que os monumentos da Roma Cristã deviam ofuscar os do passado pagão. O projecto pictural mais ambicioso desse período foi a decoração das paredes da Capela Sistina, em 1482. Entre os artistas que executaram este grande ciclo de cenas do Antigo e do Novo Testamento, encontramos a maioria dos pintores importantes da Itália central, incluindo Botticelli e Ghirlandaio. A Entrega das Chaves, de Pietro Perugino (1450-1523), sem dúvida pode ser tida pela melhor das suas obras. Nascido na Umbria, Perugino manteve estreitos laços com Florença. Logo na primeira fase da sua vida artística sofreu a influência decisiva de Verrocchio. CORTONA: SIGNORELLI. Luca Signorelli (1445-1523) anda associado a Peruginopor um passado semelhante, se bem que a sua personalidade seja infinitamente mais dramática. De origem toscana, foi discípulo de Piero della Francesca antes de ir para Florença nos anos de 1470. Como Perugino, Signorelli não escapou à funda influência de Verrocchio, mas admirava também a energia, expressividade e precisão anatómica dos nus de Pollaiuolo. Atingiu o apogeu da sua carreira, um pouco antes de 1500, nos quatro frescos monumentais que representam o fim do mundo, das paredes da Capela de S. Brizio, na Catedral de Orvieto. O que mais nos impressiona é o profundo sentimento trágico que impregna toda a cena. O Inferno de Signorelli, diametralmente oposto ao de Bosch, tem a luz do dia pleno, sem o pesadelo das máquinas de tortura ou os monstros grotescos. Os condenados conservam a dignidade humana e até os próprios demónios estão humanizados. - História da Arte II - - 19 - - História da Arte II - - 20 - 3 O RENASCIMENTO PLENO NA ITÁLIA - História da Arte II - - 21 - - História da Arte II - - 22 - O Renascimento Pleno era continuação do Proto- Renascimento. Supunha-se que os grandes mestres do século XVI – Leonardo, Bramante, Miguel Ângelo, Rafael, Giorgione, Ticiano – haviam partilhado os ideais dos seus predecessores, mas dando-lhes expressão tão completa que os seus nomes se tornaram sinónimo de perfeição. Representavam o apogeu, a fase suprema do Renascimento. O Renascimento Pleno, se nalguns aspectos fundamentais nos parece a culminação do Proto-Renascimento, quanto a outros terá representado um ponto de partida. É certo que a tendência para ver no artista um génio soberano, e não um artífice dedicado, nunca foi mais forte que durante a primeira metade do século XVI. Este culto do génio exerceu um efeito profundo sobre os artistas do Renascimento Pleno, acicatando-os para objectivos vastos e ambiciosos. A crença do artista na origem divina da inspiração levava-o a firmar-se em critérios subjectivos de verdade e beleza, e não em critérios objectivos. Se os artistas do Proto-Renascimento se sentiam vinculados àquilo que acreditavam serem regras de validade universal, tais como as leis de perspectiva científica, os seus sucessores do Renascimento Pleno preocupavam-se menos com a ordem racional que com a efectividade visual. Desenvolveram um novo drama e uma nova retórica para cativar as emoções do espectador. As obras dos grandes mestres do Renascimento Pleno tornaram-se logo clássicas por direito próprio e a sua autoridade veio a ser igual à dos monumentos mais famosos da Antiguidade. Leonardo da Vinci Um dos aspectos mais estranhos do Renascimento Pleno é o facto de todos os seus monumentos fundamentais terem sido produzidos entre 1495 e 1520, apesar da grande diferença de idades entre os seus criadores. Nascido em 1452 na pequena cidade toscana de Vinci, Leonardo praticou com Verrocchio. Aos trinta anos entrou ao serviço do Duque de Milão – na qualidade de engenheiro militar, e acessoriamente na de arquitecto, escultor e pintor. A ADORAÇÃO DOS MAGOS. Leonardo deixou inacabada a obra mais ambiciosa que tinha encetado, uma grande Adoração dos Reis Magos para a qual já executara muitos estudos preliminares. O aspecto mais surpreendente – e verdadeiramente revolucionário – deste painel é o modo como está pintado. As formas parecem materializar-se de modo suave e gradual, nunca chegando a destacar-se completamente da penumbra envolvente. Leonardo não pensa em termos de contornos, mas sim de corpos tridimensionais tornados visíveis pela incidência da luz. Nas sombras, estas formas permanecem incompletas, os seus contornos estão meramente implícitos. A VIRGEM DOS ROCHEDOS. Pouco tempo depois de chegar a Milão, Leonardo executou a Virgem dos Rochedos, também um painel de altar. Aqui as figuras emergem da gruta envoltas por uma atmosfera carregada de humidade que lhes vela delicadamente as formas. A ÚLTIMA CEIA. A Última Ceia de Leonardo, composta uns doze anos mais tarde, tem sido sempre reconhecida como a primeira afirmação clássica dos ideais da pintura do Renascimento Pleno. Infelizmente o fresco começou a deteriorar-se poucos anos depois de ter sido acabado. Olhando a composição como um todo, salta desde logo à vista a sua estabilidade equilibrada como nenhum artista jamais tentara. Leonardo começou pela composição das figuras e a arquitectura desempenhou, desde o primeiro momento, o papel de simples apoio. Este quadro exemplifica o que o artista escreveu num dos seus livros de apontamentos: que o objectivo último da pintura, mas também o mais difícil de alcançar, é retratar a intenção da alma humana. A MONA LISA. Em 1500 ia executando o famosíssimo retrato de Mona Lisa. O delicado sfumato alcançou um tal grau de perfeição que pareceu um milagre aos contemporâneos do artista. A fama deste óleo não vem apenas de uma subtileza pictórica; mais intrigante ainda é o fascínio psicológico da personalidade do modelo. Porque nenhum outro sorriso foi considerado tão misterioso? OS DESENHOS. Na idade avançada, Leonardo dedicou-se cada vez mais aos seus interesses científicos. O alcance extraordinário das suas investigações pessoais está presente nas centenas de desenhos e notas que esperava incorporar numa série de tratados enciclopédicos. Os testemunhos dos contemporâneos mostram que Leonardo gozava de reputação como arquitecto. Estes esboços possuem uma grande importância histórica, pois através deles se consegue estabelecer a transição do Proto-Renascimento para o Renascimento Pleno na arquitectura. Bramante O TEMPIETTO. Bramante seria o criador da arquitectura do Renascimento Pleno. O novo estilo já se define no Tempietto de S. Pietro in Montorio, de Bramante, projectado pouco depois de 1500. A BASÍLICA DE S. PEDRO. O Tempietto é a primeira das grandes realizações que fizeram de Roma o centro da arte italiana durante o primeiro quartel do século XVI. Coube a Bramante a tarefa de substituir a velha basílica de S. Pedro, por uma igreja tão magnificente que ofuscasse todos os monumentos da antiga Roma imperial. O plano de Bramante obedecia a todos os requisitos estabelecidos por Alberti para a arquitectura religiosa, baseado inteiramente no círculo e no quadrado. Como é que ele se propunha construir um edifício de tamanho tão imponente? A pedra talhada ou tijolo, os materiais preferidos pelos arquitectos medievais não serviam, por razões de ordem técnica e económica; só a construção em betão, tal como a usada pelos romanos, mas depois caída em esquecimento durante a Idade Média, era suficientemente forte e barata para responder às necessidades de Bramante. Ao dar vida nova a esta técnica antiga, abriu uma nova era na história da arquitectura, uma vez que o betão permitia realizar traçados de muito maior flexibilidade que os métodos de construção dos pedreiros medievais. - História da Arte II - - 23 - Miguel Ângelo Miguel Ângelo foi escultor e abraçava uma fé na imagem humana como supremo veículo de expressão conferindo-lhe afinidade com a escultura clássica. Assim como concebia as suas estátuas como corpos humanos libertados da sua prisão de mármore, também o corpo era para ele a prisão terrena da alma. Este dualismo entre corpo e espírito confere às suas figuras um “pathos” extraordinário; calma no exterior, parecem ser agitadas por uma energia psíquica irresistível. DAVID. As qualidades únicas da arte de Miguel Ângelo estão integralmente presentes no David, a primeira estátua monumental do Renascimento Pleno, encomendada em 1501. A escala heróica, a beleza e poder sobre-humanos e o volume dilatado das suas formas tornaram-se parte do próprio estilo de Miguel Ângelo e, através dele, da arte doRenascimento em geral. O TÚMULO DE JÚLIO II. Este traço persiste no Moisés e nos dois escravos esculpidos cerca de uma década mais tarde. A CAPELA SISTINA. O sepulcro de Júlio II ficou por acabar quando o papa interrompeu a actividade de Miguel Ângelo na fase inicial do projecto, para que ele fosse decorar a fresco o tecto da Capela Sistina. Miguel Ângelo realizou o trabalho em quatro anos (1508-12), produzindo uma obra-prima que fez época. É um imenso organismo com centenas de figuras distribuídas ritmicamente dentro da moldura arquitectónica pintada. Na área central, subdividida por cinco pares de traves, encontram-se nove cenas do Génesis, desde a criação do Mundo até à Embriaguez de Noé. O JUÍZO FINAL. Quando Miguel Ângelo voltou à Capela em 1534, mais de vinte anos depois, o mundo ocidental sofria a crise espiritual e política da Reforma. É com crua nitidez que nos apercebemos da mudança de atmosfera quando passamos da vitalidade radiante dos frescos do tecto, para a visão sombria do Juízo Final. A CAPELA DOS MÉDICIS. O intervalo entre a realização do tecto da Capela Sistina e a do Juízo Final, a família Médici preferiu empregar Miguel Ângelo em Florença. As actividades deste centraram-se em San Lorenzo, a igreja dos Médicis. A BIBLIOTECA LAURENTINA. Miguel Ângelo construiu a Biblioteca Laurentina, anexa a San Lorenzo, para aí instalar para o público a vasta colecção de livros e manuscritos pertencentes à família Médici. O CAPITÓLIO. Durante os últimos trinta anos da sua vida, a arquitectura tornou-se a principal preocupação de Miguel Ângelo. Em 1537-39 recebeu o encargo mais ambicioso da sua carreira: transformar o Capitólio numa praça com um enquadramento monumental digno deste local venerado, outrora o centro simbólico da Roma Antiga. Tinha, finalmente, oportunidade de planear em grande escala e tirou todo o partido dela. S. PEDRO. Com o Capitólio, a ordem colossal ficou firmemente estabelecida no repertório da arquitectura monumental. O próprio Miguel Ângelo voltou a utiliza-la no exterior da igreja de S. Pedro, com resultados igualmente impressionantes. A PIETÁ DE MILÃO. A segurança magnífica com que Miguel Ângelo tratou projectos como os do Capitólio, ou o da igreja de S. Pedro, parece desmentir o seu auto-retrato, sob a forma de uma pele engelhada, no Juízo Final. Na sua última peça escultórica, a Pietá de Milão, há uma busca de novas formas. Rafael Se Miguel Ângelo é o génio solitário, Rafael pertence com a mesma certeza ao tipo oposto: o do artista-homem de sociedade. Ele é o pintor central do Renascimento Pleno, a nossa concepção global desse estilo assenta mais na sua obra que na de qualquer outro mestre. O génio de Rafael consistiu num poder de síntese único, que lhe permitiu fundir as qualidades de Leonardo e de Miguel Ângelo, criando uma arte ao mesmo tempo lírica e dramática, unindo a riqueza da pintura à solidez da escultura. A ESCOLA DE ATENAS. A influência de Miguel Ângelo sobre Rafael afirmar-se-ia com toda a plenitude nas pinturas que este fez em Roma. Na altura em que Miguel Ângelo iniciava a pintura do tecto da Capela Sistina, Júlio II fez vir de Florença o jovem artista e encarregou-o de decorar um conjunto de salas do Palácio do Vaticano. A Escola de Atenas de há muito reconhecida como a obra- prima de Rafael é a corporização perfeita do espírito clássico do Renascimento Pleno. O tema é “a escola ateniense de pensamento”, um grupo de filósofos gregos famosos, reunidos à volta de Platão e Aristóteles, cada qual numa actividade ou atitude característica. É evidente que deve a Miguel Ângelo a energia expressiva, o poder físico. A impressionante composição das personagens. A GALATEIA. Rafael jamais voltou a montar um fundo arquitectural tão esplêndido. A criação do espaço pictural confiou-o cada vez mais ao movimento das figuras humanas. Na Galateia, de 1513, o tema é outra vez clássico – a bela ninfa Galateia, perseguida em vão por Polifemo, pertence à mitologia grega. OS RETRATOS. Já numa primeira fase da sua carreira Rafael dera mostras de talento especial como retratista. A sua genial capacidade de síntese revela-se na combinação do realismo dos retratos do século XV com o ideal humano do Renascimento Pleno. Rafael não favorecia os retratados, nem seguia as convenções. Giorgione A distinção entre o Proto-Renascimento e o Renascimento Pleno, tão marcada em Florença e em Roma, é muito menos acentuada em Veneza. Giorgione (1478-1510), o primeiro pintor veneziano a pertencer ao século XVI, apenas saiu da órbita de Bellini durante os últimos anos da sua breve carreira. - História da Arte II - - 24 - A TEMPESTADE. Entre as raras obras da sua plenitude, A Tempestade é ao mesmo tempo a mais individual e a mais enigmática. As figuras de Giorgione não nos explicam a cena; pertencem à Natureza, são testemunhas passivas da tormenta prestes a desabar sobre elas. Ticiano Giorgione morreu antes de poder explorar por completo o mundo sensual e lírico criado em A Tempestade. Legou essa tarefa a Ticiano (1488-1576), um artista de dotes comparáveis, influenciado decisivamente por Giorgione, que dominou a pintura veneziana durante o meio século seguinte. A BACANAL. A Bacanal, de 1518, é abertamente pagã, inspirada na descrição de um autor antigo. Ticiano familiarizou-se com a arte do Renascimento Pleno e alguns dos participantes da Bacanal também reflectem a influência da arte clássica. Ele vê o reino dos mitos clássicos como parte do mundo natural, habitado por seres de carne e osso e não por estátuas animadas. A VIRGEM DE PESARO. A mesma qualidade de animação festiva reaparece em muitas das suas pinturas religiosas, como sucede em Virgem com Pessoas da Família Pesaro. OS RETRATOS. Depois da morte de Rafael, Ticiano tornou-se o retratista mais procurado da época. Os seus dotes prodigiosos são ainda mais notáveis no Homem da Luva. OBRAS DO ÚLTIMO PERÍODO. A correspondência entre forma e técnica é clara em Cristo Coroado de Espinhos, uma obra-prima de Ticiano na velhice. - História da Arte II - - 25 - - História da Arte II - - 26 - 4 O MANEIRISMO E OUTRAS TENDÊNCIAS - História da Arte II - - 27 - - História da Arte II - - 28 - O que aconteceu depois do Renascimento Pleno? Falta-nos ainda encontrar um nome para os setenta e cinco anos que medeiam entre o Renascimento Pleno e o Barroco. Tal período é um tempo de crise que deu origem a diversas tendências antagónicas, mais que a um ideal predominante. A PINTURA O Maneirismo: Florença e Roma Entre as várias tendências artísticas que se manifestaram a seguir ao Renascimento Pleno, a do Maneirismo é a mais discutida. O termo, no sentido original, é limitado e pejorativo, e designava o estilo de um grupo de pintores dos meados do século XVI, activos em Roma e Florença, que cultivavam uma arte conscientemente artificial e amaneirada, derivada de algumas concepções de Rafael e Miguel Ângelo. ROSSO. Os primeiros indícios de inquietação no Renascimento Pleno aparecem pouco antes de 1520, na obra de alguns jovens pintores de Florença. Em 1521, Rosso Fiorentino (1495-1540), o mais excêntrico membro deste grupo, exprimiu a nova atitude com firme convicção em A Descida da Cruz. As figuras agitam-se mas são rígidas. Há aqui uma revolta contra o equilíbrio clássico da arte do Renascimento Pleno. PONTORMO. Pontormo (1494-1557), um amigo de Rosso, tinha uma personalidade igualmente estranha. Introvertido e tímido, os seus desenhos, de uma sensibilidade maravilhosa, tais como Estudo de uma Jovem, reflectem bem estas facetas do seu carácter. PARMIGIANINO. Esta primeira fase do Maneirismo, o estilo
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