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oMUNDO A REVELIA JoÃo Luz LÁFL-rÁ "- "..8, é o mundo à a)elia...'- ísso Íoi o fecho do que zé Bebeto Íotou "(GUIMARÃES RosA, Grdlde Serlão: yeredas) l. Dob cap[tulos perdidos O primeiro capltulo de 3Ao B?rrdldo - três concentradas pá_ ginas - alcança ao Ìeitor boa quantidade de informação. Logo nas linhas iniciais, decÌarado o propósito do narrador de escre- veÍ um livro "pela divisão dotÍabalho", somos lançados em meio a um toÌvelinho de nomes, ocupações, prefeÍências e aptidões: padre Silvestre, Joâo Nogueira, AÌqúmedes, Lúcio Gomes de Azevedo Gondim, o próprio narrador, todos esses personagens surgem em apenas urÌl parágÍafo, sumariâmente caracterìzados, alravés da lunçào que cadâ um dele\ cumprjÍia na e\ecução co- letiva doprojeto. Eufórico, o narrador declara a seguirque este_ ve "uma semana bastante animado", vendo já os "volumes expostos, um milheiro vendido", todas âs dificuldades aplaina_ dâs pela manobra que, facilmente, "mediânte Ìambujem", exe_ cutaria. E logo, sem transição, brusco, sem ênfase, sem lastimação, anuncia o fracasso do plano: "Mas o otimismo le- vou água na fervura, compÍeendi que não nos entenderíamos." t92 O Íitmo rápido dessas primeiras Iinhas prossegue. O leitor, apanhado por sua rapidez, nâo f'rccisa esperar muito tempo pa- ra saber as razões do fracasso. João Nogueira e padre Silvestre não servem: O primeiro, porque qüeria o livro em,,línguadeCa- mões"; o segundo, porque andava em maré aguda de patriotis- mo revolucionário, de cara torcida para o narrador. Este, em anbos os casos, denotando altiva superioridade, afasta-os coú comentários secos ediretos. E concentra suas esperanças no úÌti- mo que lhe resta, Azevedo Gondim, agora caracterizado como "periodista de boa indole e que escreve o que lhe mandam,,. O projeto inicial, de construir o livÍo pela divisâo do traba- lho, começa a ser executâdo. Enxergamos uma fazenda: Azeve- do Condim pedala pela estradade rodagem que Casimirc Lopes está consertando, do aÌpendre da casa (depois do conhaque tra- zido por Maria das Dores e enquanto se fuma) vêem-se novilhas pastando, a mata, o telhado vermelho da serÍaria. O narÍador se entusiasma de novo, esquece as duas goradas teniativas ÍLi- ciais com João Nogueira e padre Silvestre. Ajeitando o enredo. as idéias fervi lhando, chega a considerar o Condim ..uma eooé. cie de lolha de papel", dcsrinado a receber - Darsiramenrc. io- mo folha de pâpel - o quc lhe pa.sa pela cábeça. Mas de novo, e brusco como antes, sem transiçâo e sem ên- fase (como antes), declara: ,,O resultado foi um desastre,,, Os dois capítulos que o Condim lhe trouxera estão cheios de beste! ra. Pam atacálos sua lingragem gânha uma brutalidade extraor- dinária: "-Váparaoinferno, condim, Você acanalhou o troço. Está pernóstico, está safado, está idiota. Há Iá quem fale dessa foÌmal" Condim rcplica, amuado, "ÍecoÌhendo os cacos da sua pe-quenina \aidade". que nào se escrere como se Íala. Seu paulo(sabemos apenas agora que o narrador se chama assim) Dârece conlormar-se. afasta-se, vè um touro condu/ido DoÍ Marciano. vê a velha MaÌgarjda, o paredão do açude. Ouve uma cigarra e um pio de coruja, Estremece, pensa em Madalena, Depois volta ao assunto, encerando-o; " * E o diabo, Condim. O mingau virou água. Três tentâtivas faÌhadas num mês. Beba conhaoue. Gondim." Nesta paÌáfrase talvez um pouco longa t€ com cerreza muÌ- 193 ro làscinada peÌo vivoandamentoesdlisticodeGÍacilianoRamos) goíaria de assinalaruns pontosimportanteseelemenlaresdetéc- nica nârÍatìva. O que Íessalta pÍimeiro, natuíalmente, é a ma, neiÍa diietâ de traÌar o assünto. Há algo para ser dito e se vai aÌé lá sem rodeios, há um pÍojeloa sercumpridoe setenÌacumpri- Io de imediato. As diliculdades aparecem e, numa penada, são explicadas e postas de lado: JoãoNogueira, padre Silvestre e Aze- vedo Gondim, os parceiros da empreita fÍacassada, sâo alasta- dos com segurança pelo narrador, que demonstra saber o que dese.ia e ter energiasuficientepara executálo. Energia- é o que ressuma destas arês prìmeiras páginas. O leitoÍ dança entre no- mes, proli:rôes e caracrerÍsticardos personagensque vào surgin do nâo se sabe de onde. QUeê o Cruzeiro, aCazeu, S. Bernardo? Que paisagem é essa que surge aos pedaços, aqui uma estÌada, ali um paslo, adiante uma serraria? E, por fim, quem éeste nar- rador que nos fala e parece dispor assim das pessoas que o cer- cam? Quc livro é esse, que deseja tanto escrever? O leito. foi - de chofre - empurrado para dentro de um mundoquedesconhece. Não há, na entrada de Sa_o Bemardo,íeÍn uma pala!ra que sirta para localizálo, nenhum painel descridvo que lhe permita conhecer de antemão o mundo que vâi âgora vi- silar. Foi lançado direÌamente na açào, no meio dos fatos. Ape- nas uma voz naÍrativa, falando em primeiÍa pessoa, o dirige. E dirige o resto também - os ouÌros personagens e o pÍojeto em execuçâo. Sua força cobre tudo, e aquilo que de mâis forte nos lìca das páginas iniciais é a impressão da sua figura. Sem nos di zer nada explicitamentesobre si mesmo, fornece-nos no entanto a sua imagem: um homemempreendedor, dinâmico, dominadoÍ, obsÌinado, que concebe uma empresa, tÍaÌa de executáìa, utiliza os oÌrtros paÍa isso e nào se desanima com os fÍacassos, Paulo Honório suÌge quase inteiro no primeiro capítulo. Mais Ìarde iremos compreendeÍ a graÍatiquicedo advogado João No- gueira, o patriotismodo padreSilvestre, alireradceservildoAze- vedo condim. Mais tarde saberemos quem é o Casimiro Lopes que conserta a eslrada, quem é o Marciano queconduz o touro, quem e a velhaMargaÍida. DepoisconherecemosMadalena, sa beremos por que o pio da coÍuja seassocia à sualembrança. Por enquanlo são apenas nomes que não retemos, persoiagens que surgem confusaúenle diante de nós. Mas desde iá - e embora 194 nem lhe saibamos o nome - o "eu" que narra se imprime em nossa memória, Agindo sem parar, emitindo opiniões sobre os outros, concebendoe buscando realizar um plano, este narradoÍ avulta e Ìoma forma. Á imagem de seu esÌilo, é direto e sem ro- deios, concentrado sobre si mesmo e sobre seu trabalho, decidi- do, brusco. E, no segundo capítulo, quando se decide a iniciar o livro valendo-se de seus próprios recursos, nós o vemos de no- vo obstinado, Ìutândo agora com as dificuldades de tarefa que nunca anles acometerâ. Ficamos sabendo enlão que é a sua his, tória que deseja conlar. E ficamos sabendo que tem cinqüenta anos, que é fazeÍdeiro, "versado em estatíslica, pecuária, agÍi- cullura, escrituração mercantil, conhecimenaos inúteis" para es- se novo gênero que pretende enfrenÌar: a narraÌiva. E impacienta-se: "Dois capitulos perdidos." O caso é qüe nâo o foram. Sua figura dominadora e ativa está cÍiada. Fomos já inlroduzidos em seu mundo - um mundo que, em últimaanálise, se reduz àsua voz áspeÍa, ao seu coman- do, à sua maneüa de enfrentar os obstácúos e vencêìos. Um mun- do que se cu a à sua vontade. Em termos de lécnica narrâÌiva nào pode.ia haver soluçao mais coesa: ÌotaÌmeÍle imbricados surgem, à nossa frente, per sonagem e ação. Paulo Honório nasce decada ato, mas cadaato nâsce por sua vez de Paulo Honório, Nós o vemos através das açôes; mas, por outro lado, é eìe quem deflagra todas as ações. Estecaráter compacto e dinâmico, esta ligação Intimaentreo ho- mem e o ato (espeÌhada pela linguagem direla, brutal, econômi ca, pelo ritmo Íápido dos dois capítulos), esta intemção entre o seÍ e o lazer vão compor a construçâo do romance, que parece correr fluentemente dianle de nós, em direçâo a um objeÌivo marcaoo. 2. A posse de S. Bemordo E sem mais delongas começa a história de Paulo Honório. Um capítulo (o terceiÍo) recua no lempo, cinqüenta anos atrás. AlÍavés de um modo de narrar conciso, que descaÍta os episó- dios menos impoíantes e conta por alto os mais decisivos, fica- mos sabendo sua idância miserável, o crime que o deixou "três 195 anos, nove mesese quinze dias,, na cadeia, os primeiÍos íegó- cios e violências no sertão. Algumas páginas cobiem toda sua-vi- da, da meninice à idade de homem feito. O andamento vìvo dosdojs primeiros capítulos se mantóm aqui, inclusive um Douco mais acelerado. O seu primeiío ato ..digno de relerència.. {ó eslaouea- menÌo de Joào fagundeg, por causa dd Cermanâ) é naírado aDe_ n:ìs no es\encìal. sem detalhes eçpecilicos. sem juslificarivas, sèm rcflexões: "Depois botou os quartos de banda e enxedu_se com o Joào Fâgundes. um que mudou o nome paía lunar cavalos. O resuIado foi eu aÍrumar uns cocorotes na Cermana e esfaouear Joào Fagundes." A distinção teórica entre,.sumário narrativo" e,.cena',, osdois modos básìcos da narraçâo, pode ser aqui de alguma uiili_ dade, paraentendermos melhor o processo compositivo oue está sendo u\ado. O "sumário narrativo ', explica-noì t{orman f;ed- man, "é a exposição genemlizada de uma série deeventos, abran-gendo um certo pedodo de tempo e uma vâriedade de íocais"; a cena, por slra vez, implica a apresentação de detalhes concÍetos e específicos, dentro de uma estrutura bem determinada ale tem-po e lugar. A diferença fundamental entÍe os dois modos resiale,poìs, ÌÌaoposìção entre o geral (sümário narrativo) e o particulâÍ(cena), Ou ainda, colocando em outÌostermos: quândoo que in- teressa é o acontecimento em si. temos a cena, eìparecem entào os detalhesi mas, se o que rfleva náo é o aconleiimento, e sim aatitudedo nartador, se o dominante não é o evenro. mas o tom em que é narrado, entáo temos o sÌrmário narrarivo. 'Ora, neste terceiro capítulo otempo é vasro e os eventos sâo muitos. O faro é que Paülo Honório não se detém neles, narra_ osporclma-e depressa. Sobre os violentos negócios no sertão diz apenas que brÌgara com gente que fala aos benos e efetuaÍa tran- sações comerciais de armas engatilhadas. A título de exemDlo con-ta o ca5o do ú, Sampajo. Nem ai. entretanto, se oode ïalar de cena: apesar dos detalhes que surgem, o que imporia é o tom do narradoÍ, a atitude dominadorae dura que paulo Honório assu_ me diante das dificuldâdes, arrostanalo-as e vencendo-as. O cue Pa_â erE drninrro kr \oÌmen Fnedman.. to:nr of r ieq in | t r r iÒn. , i , phi_Ìip85aicr. (ed.) rÍ? /à.o^ oJ íà" Nule/. Nora yo, t. Ì he Fjtr pE-. t%? Oae,. 196 Iicâ, portanto, dos epBódios narrados, é menos a sua lembraúca do que a lembrança do peronagem trarrador. Cuârdamos me- nos o acontecido do que as atitudes de Paulo Honório. De novo, como nos câpítuìos iniciais, a ação reflete-se para iluminaÍ o agen- te. Sem nenhuma anáise psicológica, mas graças à modulação do rom narrativo, ficamos conhecendo o caráter violento e maci- ço do herói. Ao mesmo tempo os latos se desenvolvem, a narra- tiva progride e avança, Já estamos em Viçosa, Alagoas, e o fito de Paulo HonóÍio, apoderar-se das tenas de S. Bemardo, está prestes a realizar-se. A apropriação da fazenda é contada com â mesma obietivi- dade que caracleria lodo o romance. É.ssa objetividade, rãfleìo do penonagem, deixa'se surpreender de modo fácil num recurso de estilo curioso: a narração obsessiva do temÌto que, cÌonome- tado com precisão pelo narrador, delimita as açôes de forma clam e - no caso - pÍoduz um efeito de crueldade. Paulo Honório inicia sua manobra peruando padilha no jo- Eo, pot meia hora, tempo suficiente para se convencer de que ,,o rapaz era um pexote". Em do,J me,r?s emprcstalhe dinheiro, que ele queima deple$4, e um dra (véspera de Sào Joâo), convidaão para a festa na fazenda, esticalhe mais quinhentos mil-Íéis. Duante a festa dois momentos são asúalados: A ÍoiÍe paulo HonóÌio âconselha Padilha a cultivar S. BeÌnaÌdoi de nadrupa- da, bébado. o rapal já \e mosrra ìnlluenciado. E por fim, já ao dia seguinte, decide-se a seguir o conselho, decisão que vai levá- lo a endiridar-se. a hipolecar a fazenda e a perdêla. Essa marcação temporal é feita Ínuito naturalmente Delo ÍÌat- rador. muito de passagem. Mâs sua imporÌà!ìcia é er,idinre, em vários nÍveis. Primeiro, poÍque confere exatidão e veracidade à história narÍada, objetivando-a em um tempo preciso e conheci- do. Depoìs, porque o jogo de Paulo Honório depende, para seu êxito, do enredamento de Padilha em um tipo especial de tempo - o dìa em que as promissórias vencem, o prazo. Assim, todo o capitulo quarto é permeado por estas marcações e estas mano- bms, que vão cuhninar na cena de negociaçôes, depois da qual PauÌo Hon rdo se toÍna dono de S, Bernaroo A c€na lue é um dos pontos mií,<imor LU romance. comeca com o temDo claramente assinalado: ,,4 úlúima Ìetra se venceu num dÉ oe úvemo. (. .) De maúâ cedinho mandei Casimiro Lo- 197 t ï I pes $elar o cavalo, (..,) Duas lqguas e meia em quatro horas. (...)" Paulo Honório ençontra Padilha dormindo, cobraJhe a dí- vida, discutem. Padilha pede mais prazo, "uns dias". E Paulo Honório: "Não espero nem uma hora." A negociação que sç se- gue é um jogo de negaceios, avanços e recuos, propcstas e con- trapropostas. "Debatemos a transação até o lusco-fusco.,' Afinal, mais forte nesta disputa com o tempo, Paulo Honório vence: "Arengamos ainda meia hora e findamos o ajuste. / Para evitar arrependimento, levei Padilha paraa cidade, vigiei-o durante a noite. No outro dia, cedo, ele meteu o rabo na ratoeira e assinou a escritura. (...) Não tive remorsos." O rolo compressor em que Paulo Honório se transformou encontra neste assinalamento preciso do tempo sua expressão sim- bólica. Na verdade, a rapidez rítmica da sucessão de fatos - aqui explicitamente ligada ao fator ''propriedade" - reforç a a carac- terização de Paulo Honório como um elemento dinâmico por na- ttrÍeza, cujo impulso arrasta o mundo atrás de si. Padilha, mole, preguiçoso, sem iniciativa, é por ele dominado com facilidade. Também com facilidade aparente cedem os obstáculos que sur- girão depois: em dois capítulos (o quinto e o sexto) a dificuldade maior é literalmente eliminada: o velho Mendonça morre com uma bala no peito. A falta de crédito, a safra ruim de mamona e algo- dÉ[o, os preços baixos, as ameaças, todos estes empecilhos vão sendo enfrentados e superados graças à vontade e çnergia do herói. V. Propp demonstrou que os contos populares se constituem sempre em torno de um núcleo simples: o herói sofre um dano ou tem uma carência, e as tentativas de recuperação do dano ou de superação da carênçia constituem o corpo da narrativa.z Atentando para a estrutura da parte iniçial de São Bernardo çons- tatamos ali a existência deste esquema amplo. Os dois primeiros capítulos formam, neste sentido, um núcleo: há a necessidade de se compor o livro, há as dificuldades que surgem e há sua supe- ração pela força do herói. A seguir tudo se organiza em torno de um segundo objetivo (ou "carência", na terminologia de Propp), expresso nestas palavras do narrador: "O meu fito na vida foi apossar-me das terras de S. Bernardo, construir esta ca- sa, plantar algodão, plantar mamona, levantar a serraria e o des- 2V. Propp, MorÍologia del cuento. Madri, Editorial Fundamentos. 1971. 198 caroçador, introduzir nessas brenhas a pomicultura e a avicuhu- ra, adquirir um rebanho bovino regular." Os capítulos de três a oito compõem sua unidade convergin- do para a realização de tudo isso. primeiro paulo Honório vence os obstáculos iniciais de sua miséria (capítulo três), depois con-quista S. Bernardo (capítulo quatro), a seguir elimina o Mendonça e enfrenta as dificuldadesdos primeirostempos de fazendeiro (câ- pítulos cinco e seis), Finalmente, no capítulo oito, que resume os problemas anteriorçs e mostra as obras já çoncluídas, recebe a visita do governador e se apresenta como vitorioso. Mas o que impressiona é a maneira direta de contar todos estes fatos, como se seguissem em linha reta e em velocidade enor- me. O narrador diz o contrário: ..Ninguém imaginará que, to-pando os obsÍáçulos mencionados, eu haja procedido invariavelmentecom segurança e percorrido, sem me deter, ca- minhos certos. Não senhor, não procedi nem percorri.', Apesar da advertência, é essa a impressão que nos fïça. Da leitura destes oito primeiros capítulos (e o fato de o narrador sentir necessida- de de dizer o contrário só vem corroborar a existência do efeito) aparece Ìrm personagemesmagador, gue ruma direito e firme para seus fins, um Paulo Honório que governa o mundo e imprime- lhe seu ritmo. A história de sçu Ribeiro, contada no capítulo sete, inter-polada às ações vitoriosas do herói, funçiona visivelmente como contraponto. Seu Ribeiro é um homem derrotado. Já mandou no seu mundo, já governou seu povo. Mas agora, afastado peloprogresso, pela urbanização e crescimento do lugarejo onde vi- vera, está reduzido à miséria e à fraqueza. paulo Honório co- menta, ao ouvir sua história: ..Tenho a impressão de que o senhor deixou as pernas debaixo de um automóvel, seu Ribeiro. por que não andou mais depressa? É o diabo." De fato, é o diabo. Compreendemos então o que paulo Ho- nório representa e comoreendemos a velocidade da narrativa. Seu Ribeiro, que se prendçra ao ritmo lento da vida patriarcal, é afas- tado do governo do mundo. O elemento novo, que chega trazen- do estradas, máquinas, eletricidade, apuradas técnicas dè pecuária e agricultura, impõe-se e domina. Paulo Honório traz a ïorça de tempos novos que surgem, vencendo a inércia e quebrando os obs_ táculos. Pernas contra automóveis. Daí o torvelinho em que, desde r99 o começo, fomoô apanhados. Daí â coesão da narrativa, que une indissoluvelmente penonagem e açâo. Pois Paulo Honório, ÌÈ presentante da modemidade que entra no sertão brasileiro, é O emblema complexo e conhaditódo do capitalismo nascente, eÌÍ- preendedor. cÍuel. que nào vacila diante dos Íneios e se apossa do que tem pela frente, dinâmico e tÍansformador. "A constru- ção de um buÌguês: eir o conteúdo da primeira parte de SAo Ber- n4ldo'J, obse ou com acerto Carlos Nelson Couúnho.l Ação tÍansformadora, velocidade enérgicâ, posse total: aí e3- tão três caracteÍísticas e três ideais da burguesia. O herói de Sdo -Rendldo os possui em alto grau e os iúprime a fuìdo na tessitu- ra da narrativa, A objetiúdade do romance nasce da postura do naÍador face ao mundo: ele nada problematiza, de nada duü- da, em ponto algum vacila. Tüdo que importa é possuir e dirigir o mundo. Para tanÍo, ele conhece os meios. E não pensa sobr€ eles: aplica-os. 3. Madalena Depois da posse de S. Bernardo vem a posse de Madalena, ÌItrapassada a unidade que se fonnara em toÍno da relação en- tre Paülo Honório e a propriedade, um outÍo núcÌeo começâ â se esboçar. O capífúo nono enfercce alguns motivos novos - e o leitor percebe que o Íomaúce vai gaúar rumo diferente. O estilo se distende um pouco, a tensão âüefece. A prefeÍência do narador volta-se agoÍa para a teüica da cenaj e suÍgem os deta- lhes conoetos, as câÌacteriza@s mais alongadas dos peÌsona- geDs, os dirálogos miúdos sobre assuntos do dia-a-dia. O tom compacto se esgarça de leve e a naüativa salta de um t€ma paÌa ouÌro. O motivo que deflagra a intriga desta teÌcei@ paÌte é a cons- trução da escoÌa na fazenda. Pâulo HonóÍio decide realizála co- mo um bom negócio - um negócio que agÌadará ao governador e lhe Íenderá, portanto, certas vantagens. Manala chamar Padi- lha a fim de conhatálo como pÍofessor e el€ vem à fazetrda acom- icüls Nelson Coüriího, "Cmctli^ao Pt|.m", in Litelatum e HunanntìÌo. RiLo de JaneÍo, Pu e Tdra, l9ó7 Gú9. 153). 200 panhado por Joâo Nogueira e Azevedo Gondim. EncontÍa-os, de volta do campo, palestrando no alpendre, ,.elogiando umaspernas e uns peitos". Elevam o tomdaconversa. paulo Honório afasta-se e úata de negócios com o advogado. Retornam ao al-pendre, onde Padilha e Condim reencetaram os elogios às per- nas, "De quem são as pernas?,,, pergunta paulo Honório. Fica sabendo que são de Madalena, uma professora, bonita, loua,que está entre os vinte e os trinta anos. Depois a conversa toma outros rumos: falam da escoÌa; dâ velha Margarida que fora localizada; da escola de novo; de Ma dalena, da escola e do Padilha; de política e do padre Silvestre; do Pereira e de negócios. Apesar de Paulo Honórìo estar semDré na iniciaÌiva, coÍnandando os processos. decidindo vingar-seìo Pereira, contÍatando o Padilha, o tom destas páginas é mais le- ve, maìs descontraido. Os vários motivos que as compõem pare- cem ligal-se apenas casualmente, como assuntos que brotam com Darìrralidade do lúlo cotidiano dos homens e dàs coisas. Num íeriado Paulo Honório zanza à toa pela fazend4 ouve pedaços ale conve$as, escreve uma carta, visita a velha Margarida. Mas a casualidade é apenas aparente. De dentro do zigueza-gue de motivos vai surgindo, aos poucos, o dominante. ,,Ama- rúeci um dia pensando em casat.', Paulo HonóÍio, sem se pÍeocuprr com aÍnores, querendo apenzìs prepamr um herdeirc para as teÍras de s. BeÍnaÌdo, fan_ tasia eútão sua futura mulher: morena, alta, sadia. com tínta anos. Mas se detém aí, pois a imaginação não ajuda e a pregação subversiva do Padilha vem interrompêlo. Depois de resolver es- te probÌema volta ao motivo do casamento, e passa agora em re- vista as mulhercs que conhece, fixando-se em d. Marcela, filhâ do dr. Magalhães, juiz de direito. Nova interrupção: a carta de Costa Brito, com chantagens e ameaças. O parágÌalo final do ca-pítulo onze mostra (melhor que qualquer análise) a técnica de mis- tuÉ dos motivos: r'Recalquei as idéias violentas e esforcei-me Íror LÌazer de novo ao espíÍiro as lintas e os ss de d, Marceh. Ìie- ram. Mas afastavam-se de quando em quando - e nos interva- los aparcciam Marciano, a Rosa com os meninos. Luís pâdiÌha e Costa Brilo." Êstá quase tudo paÌalisado neste ponto quando paulo Ho- úono, misturando casamento e negócios, decide úsitar o dr, Ma- mr salhães e examjnar os Dredlcados de d. Marcela. E emào que surgs úadaleÍÌa € a históriã avança, ganhlrndo novo impulso. Mâs o tom não muda sem transições: a presença de Maalalena insinua_ se DoÌ entre os letalhos da conve$a banal e interesseÌra na casa doìuiz, e sua figura vai aos poucos tomando conta do espírito de Paulo Honódo. Esse processo aparentemente únples é na ver- dade malistraÌ, pois úodifica toda a sintaxe narrativa desta paÌ_ te do romance, estabelecendo uma hierarquia diferente entÌe os fâtos. Vejamos como se dá isso, através de uma rápida adlise do caDítulo doze. l.io Drincípio Paulo Honótio vai â casa do juiz para lentaÌ resolver :'o caso do Pereira", que estava dependendo apenâs de "uma penacla nos autos". E vai também, natuÌâlmeúte, por câusa de d. Marcela. Lá encontra MadaÌena e sua tia. A primeira notação é preci_ sa e seclL como de hábito: "(...) uma seúhora de preto, alta, ve- lha, magn, outra seúoú moça, louÌa e bonita." O s€lutrdo olhar, mais detido, já é avaliador: "D. Marcela sorri4 agora pa- ra a senhoÌâ nova e loura, que soÍia também mostrando os den_ tiÍhos bran@s. Crmparei as duas, e a importâlcia da úiÍha visita Ìere uma rcduçâo de cinqüenLa por cenlo." A comparaçào enlre d. Marcela e Madalena Ìiqüda' para Paulo Honório, o valor da primeira, Por isso afasta-a do espfti_ to e trata de aÌrancar do juiz o despacho de que precisa. Mas, se d. Marcela foi afastada, é a vez de MaalaÌena penetral nas suâs preocupaçôes; o terceiro oìhaÌ (a terceira notação) mostÌa úo àpeúas a obseÍvação fÍia do primeiro ou a aprovaçeo tácita do s€gundo, mas um ceío grau de eúvolvimento e de fasciíação: "A loüa tinha a câbecinha inclinada e as mãoziÍhas ceradas, lindas mãos. linda cabe{a." O diminutivo (mãoziúhas, cabêci- nha) nào descreve apenas. imprime à descÌiçào um ceío gÍau de afetividade que a Ìepetição do adjetivo oidas, linda) vem rcfor- cÍr. Neste ponto o dr. Magalhães fala Paulo Hoúrio Ìesponde' empenhado de novo na questiio do Percira. AÍinal, esta era a queg tão importante da íoite, por este ÍÌotivoestara ali. Mas, nào Ma_ dalma irrompe de novo, desta vez defidtivamentq "Observei que a mociúâ louÌa voltavâ para nós, atenta, os grandes olhos azuis / De.epetrte conheci que estava quer€ndo bem à pequem. Preci- 202 samente o contrário da muìher que andava imaginando - mas agmúlava-me, com os dìabos. Miudinha, fÍaquiDha. D Marcela era bichâo. Uma peitaria, um pé-de rabo, um toitiço:, A diferença de Ìjnguag€m quando se retìre a Madalena e quando se refere a d. Marcçla é sìgrÌificativa_ O mais importan- te, entretanÌo, ó que Madalenapassa a ocupar, a partir deste ins- tante, o lugâÍ cenÌral dos acontecimentos. '.Como o silênçio se prolongâsse, replìquej ao NÕg\teiía, quase me dìigì do à louri- ,?ra (... ). " E depois: "Percorri a cidâde, bestando, impressiona- do com os olhos da mocinha louÍa e esperando um acaso que me fizesse saber o nome dela." Falei atrás em modificaçào da sintsxe n$rativa. Expüco-me. Do capitulo nove até o ponio que estÉunos examjnando os moti vos se encadeiâm, justapostos, como num per{odo composto só de oraçôes independentes, coordenades erìtre si. A panir do ca-pituÌo doze, com o surgimento deste outÍo motivo - MadaÌena - tudo se subordina a ele, Todos os motivos temáticos - mâ-ÌÌobras, negócios, brigas - convergem e enconÍram sua unidade no novo fito de Paulo Honório, a posse da mulheÍ. Neste senti- do, é importsnte assirÌaìqr que o capítulo trgze, ra[ando a via- gem à capital, as chicotadas em Costa Brito, a conversa com d, Glória, é todâvia uma simples preparaçâo para o encoúo com MadaÌena, o que, aliás, éenunciado nàsua primeiÍa frâs€: ,.Tor- nei a eÍÌcontrar a mocinha Ìoura." Por isso, também úo proce- de a dúvida te.nica do üaÌrador, enunciada ao firÌal: ,,E não teúo o intuito de escÍever em conformidade com as rcgras. Tanto que vou cometer um eÍro. PÊsumo que é um erro. Vou dividir um capítuìo em dois. ReaÌmente, o que se segue podia encaixâr-se no que procurei expor antes desta digressão. Mas não tem dúvi, da, fâço um capirulo especial por causa de Madalena.', Na verdade, está de acordo com as regtas: Madalena mere- ce destaque especial, pois se trarNformou no objetivo dç Paulo Honório. Assiú como procedeu para apropriar-se de S. Bemar, do, camiúhando em Ìinha reta, alsim ele proçederá agora. Até a marcação rigorosa do tempo, o jogo da velocidade e os recuos temporários voÌtaú a encolttrar sua expresseo prcaisa. um dìa, insinua a d. Glóda a idéia de casamento; desaparece duraite drat .temffia.r, ocupado coE a colheita do algodão; ÍeapaÌece de novo e laz diretamente o pedido a Madalena, que pede tempo para Ìe, 203 fletir. Mas, à scm.lhança do que fizera com Padilha, clc é como sempÍe muito Íúpido: "Uma s€mana dcpois, à taÍdinha, cu, quc âli estÂva abolctado desde meiGdia, tomava csfé c convarsava, bastantc satisfaito." EntÍa Azevedo condim c. indiscrato, revê la que todos conheccm o pÍoreto de casamcnto dc Paulo Ho!ô rio. EÍe não pcÍdc tcmpo, insise com Madalcna e aclba obtcodo ssr conlantima o. PaÌa DcÍçabcrmos o q|E a'(iíc dc dccitivo l!!. tr naripulaÉo do tetr|Do báslâ citlr: "- (...1 vst 06 mtÍ.âÍ o db. - Não M Dítss& TalÌ,lz dsqul r un rm,.. Eü prtcilo ÍrlFenú-Ínc. - Um sío? llc!ódo com Drrzo da rno nlo pÍrat!. Qlr é qua falra? Um vasddo brstrco fsz{c aro vitrlc G quüÍo hois. Ouündo D€lsos m coÍÍÉdoÍ boixd a voq: - PodcÍtroc avisaÍ sua tia, nIo? Madalena soÌÌiu, iÍÍ.solulâ. - Ellá bco.(.. .) - D. Cl6rìa, cmunico'lhc qu. cu c sua sobriíha dmtm da uÍ|a scÍ|.na€srrloc cmbiÍad6. Para usar litrtuagêm nais corÍí& vaúc câssr. (,..)" É dc noro 8 8ção dccidida, o SFdo opoíulro, s tapid.z c o conh€cimcnto do iíírnte propÍcio quc torD.ú Paulo HonóÍio útorioso. Aqú ele pârEce triuúfar nov&rcotc, c patrce apoçsat- sc de Madaleoa. As dificuldades cedern sob sua foÍça e o dluldo se curva à sua vootade. 4. IYnamo qtptúa Até estc ponto pracuÌei moctÍar como r Gtruauta do roúralcÊ se foÍDa pela suboÍdinado de s€|rs elemçntos a dois deles: r ação, ou o cnírdo "oenado", pdrs uúlizalmos I cláslic! distinção dc Foser,' e o Denonagem. De tsl Eodo isto é feilo quc dificil- '8. M. Fo6rcÍ, á.prir ota†rtotd. Ì{ov. YoÍl, turco|ln, htc. rld Wüt4 lDc. (! 't.). 2U mcate podeÍamos dbtinguiÌ mtÍc pôulo Honório e scus atost as-8im como dificiLnent€ localizaÍêÍhos nâ ÍlarÌativa demmtos que nÀo $tajam ligados a ambos de foÌma coesô c indissolúvel. Niç tc sentido, já vimos taÍnbém como a marcação muito nitida dotcmpo impriÍne ao livÍo caÌacterhticâs de preaisáo edinamismo,quc rellelem â volt&dc e a força enérgicas do herói. Tambéín o astilo, dir€lo€ brutal, feilo de movihenros bruscos (como vimos no cxame dos dois primeiros câpluÌos), g€rve ao Ìipo de enredoque sa.des€Dvolve e à caÌaclerizaçâo dos prrsonagens: ..(...) eÌ-tÌaro oos aconlecjmenlos aÌgumas paÌccÌas; o resto é bagaço.., 8llrma e certa altura Paulo Honório- - - Em outro nlvel já obs€rvamos tamMm como esta objíiü_drd. implacável lem sampra mdercço ceno - a apÍopriação de arSuna coisa, s€ja da fazandâ S. BemaÌdo, s€ja da Dulher (Dmqucm pÍetendc c:tsar. Dc fato, o scn(imenÍo de propriedade cons. titui uln dos elementos lefiáticos que unificam o livro. paulo HGtróno, afiÍma AÍrônio Cándido, ,.é modalidade de uma foÍçâ que o Iranscende e em fuíçãoda qual vivc: o s€nlimentodc proprìe .lúe . (.,,1-5,ão BeìnoÌdo é cenrralizado pela inupção aunà pèrso naloaoe loícr eesla,6 s€u tumo, p€la liÍania d€ um senlimento dominânrc. Comorrm herói de Balzac. paulo Honório coÍpori.llc! uDa.paixào, dc que ludo mais, até o ciúme, nâo passa de vâÌiantê".t Se âÌhharmos todas a! caÌacterislicãs examinadas _ açâo, ctaÌtia, objelividade, dinamismo, câpacidade lransformadora c$ntimantode prcpriedadc - toma-s€ imviúvel o suÍginento deüma ana.logja cnlre o hcróic a burguesia mmo classe]Já vimos, rlmDÊm- d! passagem, que psulo Honório parece ser o emblema@ntraúlótio do c€pilalismo nascente em Dosso pais. O conlras- tc qu€ elc mesmo estabelecc entre o ritmo veloz àe sua apÍopÌia- ção.e o passo lento do patriarcalismo dc s€u Ribeiro é demasiado cvroente piúa que o deüemos passar despeÍcebido. . S€m entrarmos aqui nas complexidades implicadas pelo es-luoo da implanlâçàodo capilalismo no Brasil (eüstência de rela- çõet pÍé-capitaliÍas, relações dccompadÍio, persistència ou nào oe restos clo Ínodo de produçào fcudal) o quc podemos afirmaÌ. rAÌlôíio CiÌdido, fiqro . Cortt$rr. Rio, José Otynp|o. t9j6 (pdgs. :J . 3O). 205 sem sombra de dúúda, é quê Paulo Honório simboliza, no inte_ rior do romance, a forçâ modemizadora qua atualiza de folma devastante o udverso de S, BemaÌdo. A roça de seu Fjbeiro foi câlma e s€m problemas, no tempo do Imperador; Luís Pâdilha tem uma vidâ estalnada e preguiçosa; Paulo HonóÌio é, âli, o dinârno que gera eneÍgjae arrebala tudo, pÍovocando umâ co!o' pleta e incrssa[te modificação nas relâções globais daquele duu_ do. Açâo, transformação, se[timeDto de propriedade - â aÍalosia é foÍe. úas o díúamo não pode odsliÌ indefiddamente. Mais do que ulna esperança, süa destruição é üma poasibilidade concÌeta e pÍô xima. S€u mecanismo sujeita-sê ao desgaste e ao esgotalDentol suas possibilidades de gerar tÌaosformação têm um liúitc. As pe ça5 que o compõem não são tolalmeÍte haÌmônicas, no s€u cor- po achâm-se iúslaladas contradiçô€s que podem a quâlquer instante eDperrálo e tirarlhe o governo do mundo. Uma das mÂis séÍias coos€qüências da produçâo para o Í|ea' câdo (caÌaoeÌisticâ do capiialismo) é o afas@mento e a abstra_ ção de toda qualidade sensível das coisas, que é substitüída na Ínente hutr|âIla pela noção de qüantidade. O valor{e uso que toda rDercadoria possui é dbtanciâdo e tomado iÍDplÍcito pels produ_ ção de valores{e-troca. Esle Íenômeno, classicameDte dasiSna_ do p€lo doúe de "líichisrno da DeÍcâdoÍú", dá origeÍú a uma reificação global das relações eítÍe os homôús. Mediada sempre pelo mercado, a coNciênciahuúana tende progr$sivamente a fechaÌ-se à coÍDpreeDsâo dos €lementos qualiEtivos e sensÍveis da reâlidade, Todo valor se tÌansformô - ilusoriameúte - em valorde-tÍoca. E toda Íelação huDana se traúsfolma - destrui doramente - quma relação gltÌe coisas, entre possuido e pos_ súdoÌ.ó Tâl é a Íelação estabelecida entÌe Paulo Honório e o mun- do, S€u deseúvolvido s€ntimento de propriedade leva_o a consi_ derar todos que o cercam como coisas que se manipula à vontade e se possú. Luis Padilha (vimos atrás) tÍansforma_sê em suas meos úPtua o @neito de reilimçâo vú Lucien Goldnm. "A Rcificâçâo", It tirv/rl4 cirili.ação gÌosileho, ^9 16. Rio, Civ, Bras. nov./dez. 1967 Para o caÌudo do orcblena em 3ão Renatdo \er L. CoÍa Lina. "A Reificação de Prulo HotróÍ1o", in Por quê lüeratura, Pcüópolis, Ed, vozes, 196ó. 2M num objeto. Marciano e Rosa, seu Ribeiro, d. Clória, Casimiro Lopes - todos são coisas que servem a seus desígnios. Meshe Caetano, entrevado no leito, dei\a de merccer sua consideração: "Necessitava, é claÌo, mas se eu losse sustentar os necessitados. aÌra8ava-me. " Os despossuldos. os cabras que lrabalham no ei- to de sua fazenda, são considerados aÍ,enas do ponto de vista daquânddade de trabalho que podem oferecer. Repare o leitor co_ mo, nesta notação dura, a objetividade do estilo desvela o muD- do reìficado: "(...) Essa gente quase trunca úorre diÍeito. í...) / Na pedreiÍa perdi um. A alavancâ soltou-se da pedÍa. bateu- he no peito e foi a conta. Deixou viúra e óriáos miúdos. Sumiram-sq um dos medinos caiu no fogo, as Ìombrigas come- mm o segundo, o último teve angitra c a mulher enforcou-s€. / PâIa diminuir a úoÍalidade e aumeDtaÌ a produçâo, proibi a aSuaÌdente. " A reificação é um fenômeno primeiramente econômico: os trens deixam de ser erc€rados como valorcs-de-uso e Dassam a s€Í vislos como valoÍes-de-lrocâ e portanlo como nercadorias. Mas sabemos que a consciência humana se forma Ílo co zÈ(, @ú a realidade, na arividade traDsformadora do mundo, que é pÍG dução de bels. Assim, as característicâs do modo de godução itúiltram-se na consciêocia que o homem tem do muDdo, condi- cionatrdo seu modo de ver e compondo-lhe, Íroíanto, a persoÍa- lidade. A reificação abrarge etrtâo loda a existência, deixa de ser 8p€nas ulÌra compoúente das forças econômicâs e Írenetm na v! da pívada dos indivíduos. ..Creio que rem sempre fú egoísta e brutal", afrÍma Paulo Honório. ..A pÌofissão é que úe deu qu.4, lidades tão ruins. / E a desconliança terrível que úe apoDÌa ini- úigo6 eíl toda a parte. / A desconfúnça é também cons€qüência da Fofisgão. ,/ Foi estc úodo de vida que me inutilizou. Sou um aleiiado, Devo ler üÌn coração úiúdo, lacunas oo céÍebro, ner- vos diferentes dos outros hoEetrs. E u.( trariz enorme, utna boca enoIme, dedos enormes.', O homem reificado é este aleijeo que cle nos descreve e ve- mos por toda paÍe: o coÌação miúdo e uma boca enorme. dedos enormes. O sentimento de propÍiedade, que unifica todo o ro- malc€ do qual o ciríflÌe é apenas uma modâlidade, distorce o ho- mem desta oaneira radical. A vida ageste, que o fez agÌeste, é a cuÌpada poÌ Paúo Honório úo ser capaz dç çÍÌxergar Madale- na. A vida agreste são as lutas pela propriedade, pelo rebanho, pelas plantações de algodão e mamona, pelo poder e pelo capi- tâI. O homem agreste é aquele ser no qual se transformou Paulo Honório: egoista e brutal, não consegue compreender â mulher, pois é incapaz de senti-la em sua integridade huúana e em sua liberdade, e a considera apenâs como mais umâ coisa a ser possuída. Como MadaÌena se recusa a alienar-s€, entmndo no jogo da teifÌcação, os choques sâo inevitáveis. A âçâo da narrativa se con- çêntraÌá, agora, em torno desse novo obstáculo que Paulo Ho- nódo teÍá de enfÍentaÍ. Um novo núcleo se abre. e 06 novos motivos que surgem s€ oÍganizam em toÍno deste motivo ctntral: a tentativa de Paulo Honório de reduzir Madalena a objeto pos- suido. Na medida €m que a mulher escapâ a s€u controle, üì me- dida em que ela é capaz de apiedar-se dos tÌabalhadores újsêÌáveis que vivem na fazenda, na medida em que Madalena se afasta de seu universo de proprietário e escapa, poÍtanto, à lua compreen- são, Paulo Honório sente ciúmes. Já o primeiro choque, "oilo dias depois do casamento", se dá em torno de questões financeiras. Madalena acha pequeno o ordenado de seu Ribeiro, Paulo Honório se abespinhae retira-se da mesa. A s€gunda desinteligência, o espancamento de Marcia- no, tem também o dinheiro como origem: úo os s€is mntos de réis gastos em material de ensino, por insistênciâ de Madalena, que irritam Paulo Honório, levam-no a exagerâr o descuido do êmpregado e a maltÍatá,Io. O terceiro incidente está ligado ainda ao moúvo do dinheiro: D. Clória, com sua tagârelice, atÌasa o serviço de seu Ribeiroepor hso é humilhada por Paulo Honório. Cada uma dessas brulalidades horroriza Madalena, que não pode âceitálas. Por seu turno, Paulo Honório espanta-s€ de que ela nâo compreendâ seu comportamento. Afinal, coÌÌstruit uma pÌopÍiedade como S. BeÍnÍìrdo implica certos atos necessários. Por eÀemplo, espancar Marciaflo, que "não é pÍopriamente um homem", E, s€ d. Clória não troca Madalena poÌ S. Bernardo, isto são puras vaidades: "ProfessoÍinhas de primeiras ÌetÍas a es- cola normal fabricava às dúzias. Uma propriedade como S. Ber- naÌdo cÍa diferente." Madalena s€ recusa à reificação e Paulo Honório s€ espan- ta. Já não compreende a mulher, sente que eÌa nâo joga de acoÍ- 208 oo com as Ìegras de seu jogo. Sua irritação vai num crescendoconíanre: ..AIém de rudo vesrido de sedÀ para a Rosa, 5apâros € lençoE paÌa ÌvíaÍgarid a. Sem me consuhar. Já viram de,cara_ menlo assÌm? Um abuso. um Ìoubo, positivamenre um Íoubo,.. ,.r açao oo íomance se transforma neste in,ranre num /igue_ zaguenervoso, compondo uma estrutura de idâs e vindas até ciitoponto semelhante à quctxaminamos arrás, nos câp utos ante_Ílor€s ao_conheclmento de Madalena. Novamenre âqui os mori_vo_s,tematrcos se misÌuram, aparenlemenÌe ju\taposto\ ma5, natearoade. convergindo para o moliro cenrral: o ciúme, ou o sen-t|menlo de posse com Íelação à mulheÌ. . Vuanlo a este ponto o capítulo vinte e l rês é exemplar: . .Erado:1in8o de rarde, e eu tokava do descaroçaoor e dâ serrarla,onoetrnhaesradoaarcnSarcomomaquinista. urD lolcnleem_ rEnaoo È!m otnâmo quc emperrâva. O homem prometerâ endi-reltaÍ-tudo.cm dois dias. Contrarempo, tr.Íonies ae madelia,algodão enchendo os paióis. ' . Ëncoler i iado por causa de,re pro-Dlema pallo Honório Iai I isitar Margarida e irr;ra_e muisj sà-Denoo dâs roupas que MadaÌena dá á velha. Encontru Vrr.ünìtanSendo o Sado eexamina o últlmo bezcl ro nascido. Não eía_yc, I rds ruü l rDraçao taz com que ache que esLala magro, Al am"lsluÍã.de m_orivos é clara: ..A culpada eia Madalcna. iue rintraolererido à Rosâ um veíido de seda.,, r^-Ì o capúuto proslegue desra maneira, com paulo Honóriou4!su rorras sempre em torno do mesmo problena, remoendo semlre-o resrentimento por Madalena. Sua;nterior Iinhd rela deaçao €sta aqui enov.lada. Criricando d. Clória. que vivia de eÀ_pçur( rcs, sempre culdando dc p€quenos úabalhos, di) 'e la pou_ co anles,não concordar com ral esbanjamento deenergia, ..A gen. re-d_eve habiruar-se a Íazer uma coi5a só!,, No.nrã'nro, ffi eelc_-Q-m vagueia e dá voltas. Volante emp€nado e dinamo em_ r,çrrcuo -.os oors slgnos 5alram aos olhos do lei lor, O dinamir.Íno de P"ulo Honório encontra_se conjlrangjcto. tmpedido de seoesen^volver plenamentc. pois MadÂlena nã-o se submete. , , .A sotuçao oo con rto. desfecho da narral iva, é a morre deMadatena..virór iâ da rei t icaçào que deÍroi o numano, c,erroraOePiulo Honório. A lécnica urilizada para c,.rnrar esra pâfle danÉrofla ê em tudo semtÌhanre à anterior. Em píimeiro lugar, osmoatvos se reúnem solidamenÌe, em torno do motivo cen,ral do 209 ciúme e a ele subordtlados. TÌanscrcvo aÌguns lrechos docapi- tulo viúte e quatro, pÍocurando assinalar o procedimentoi ''De Íepentc invadiu-me uma espíie de desconfiança. Já ha !iâ experimenÌado um senlim€nto assim desagrêdável. Quando? QuâDdo? Num Inomênlo esclâÍeceu-s€ tudo (...). Sim senhorl Cooluiada com o PadiÌha e rmúrdo alaÍaÌ os empregado! !érios do bom caminho. Sim senhor, comunislâl Eu consrruindo e elê desmanchando. ( . . . ) - E a lorupçào. â dissolução da famitia, reimava padr€ Silvestre. Qual seÍia a opinião de Madalena'Ì - AI padre Sihest re t€m razão, concordou condim. A.e ligiào é um fÌeio. ( . . . ) Quâl s€ria a religião d€ Mâdalena? Talvez nenhuma. Nun- ca me havia lratado disso. - MonÍruosida.lc. () MareÍiâlisrâ. Lembrei-me dê rer ouvido Cosra BÍho falar em mâterialismo hìstórico. Que significâva nâterialismo histórico?(. . . ) Comunhta, nateÍialisÌa. Bonito casamenro! Amizadc com o Padilha, aquele imb€cil! 'Palenras amenas e vaÍiadas.' Que hav€ria nas palesÌÍas? Reformas sociais, ou coisa pior. S€i lí: Mulher s€m r€liSiao é capaz de tudo. ( . . . ) Conlio eú Dú. Ma5 exâ$rei os olhos tloni.os do Noauei' ra, a Íoupa bem-feiÌa, a roz insinuante. (...) - e comecei a s€n- tir ciúmes." A cilaçâo longa dispensa maiores comentários: comunismo. corrupçào, dissoluçAo da faÍnília, ausência de religiao, tnonstruo- sidade, materialismo - lodos são temas que estamos acostuma' dos a ver (aqui e agora e sempre) ügados aro tema domlnaÍte da propriedade. E nesla piágna p€rfeita vâo desaguar nas palavras finaisi "e comecei a serlir ciúmes". 2t0 ,, Os capitulos seguinles sâo lerriveis. Agora em linha Íeta oornamo eÍìlouquecido degrada-se e degrada Madalena are a di".rrulçao de ambo\. A cenâ decisiva que antccede a mofle de Ma-oarena- acenâ na igreja. eslá curio5amente peÍm€ada pela mesma ::::Ì,,Ìilifiçã" d"..rempo que assinalumos na cena em querautoÌronono toma a lãz€nda de padilha e naquelâ em que çón_vence Madalena a casar-s€ com ele. Também começa com o cla- 1:.ï:ild"ullgtÌto. l:tporal l"decidido a acabar /epr€$c comaqueh Intel tc 'dade"), tambem jOga (om o tempo (. ,NO!e horas no rctoSto da sacn5Ì ia. ' l . .Nem sei quanto rempo e5Ì i !e al i , empe ,. mas desla vel cedendo {..4 medida. porem, que a5 horasse passavam, senda,me caÍdo num estado de perpÌexidade e co_vaÌcl ia.") . lutando durante rrès horas t , .O rclôgro da |arr i ! l ia lo_ :(]l Tla-l:lc. .)j i acab.ando por fim der rorado. perdrda a noçãoqorempo{ U retógo tinha @mdo. mâs julgo quedormr horas,.r. rdfado, ( om a mesma notaçào constata, injlanrer üepois, a moíede Madalenai ..Aprojümei_me. tomei lhe as màos. duras e trias,toquei-lhe o coração, parado. parado.,, O desfecho, s€ elimina fisicamenie MadaleÍa, destrói por complelo a vida de Paulo Honório. Agjr. mandar. cuttivar S. Ber.naroo. nada drsso tera mais senLido para elc. O mundo oesgovernou-!€, so lhe resta lentaÌ e bubcar, sumponoo a narra_ ::::^oerÌuâ -Ìl11. o sisliricado de rudo que the escapa. A compo-sìçâo"oo romance (chegamos ao ptescnÌe da escrirura) tai_se mootÌlcar agora sensivclmente. ^_..,{ï, 111.. d. qur:ar a esla par.e Íinat, sosÉÍia dc figuraraqur, no esquema abai,(o, o qua me parece constituil a estrÌr-Íura oa narrat j ta. la l como a vimo! alé estc ponto: part indo cla Íelaçào indissolúveÌ entre açâo e perconag€m enaonlratlos argumas.caraíerisricasldinaÍrusmo. objerividade. elc.) que, su_Do-rqmadas.ao tema unificador {s€ntimento de propriedadel, cons_troem o univelso reificado do româncee levam a deíruiçáo final, u elquema p€rmite fácil ìisualizaçào e rerume o analisado até agoÍa: 2ll ação - p€rsonagem dinamismo objctividadc cn.r8ra desrruiçâo d. propric- - rêiticâção + de si c do dadc outÍo foÍça 3, No aíivo e bus(v Após a morte de Madalcna, Paulo HonóÍio tcnta Íelomai o ritmo antcdor de sua vida, lançando'se ao trabalho, mas logo esfria o enlusiasmo . a lembrança da mulher morta impõe_se ao seu espiÌilo. Entediado, vagueia pela casa de forma inconseqüente' sêm sabeÍ direito o quc fâzer, perdido cÍn "intermiúveis pars€ios' de um lado paÍÊ outÍo". Um a um os Ínoradorçs mais chegâdos veo abândonando-o: d. Glória, depois seu Ribeiro, e enfim o Pa- dilha - o Luís Padilha que cra a imagcm completa da submis são e da subs€Ìviência e qua desaparace para iunlaÍ_s€ âos Íe volucionáÍios. Com a Íevolução o mundo de PauÌo Honório descaÍÌünha dc formâ definitiva: "O mundo qua mc ceÍcava ia-se loÌnando um hoÍível astÌupicio. E o outro, grande, cra uma balbúÍdia' uma confusilo dos demônios, eslrupicio muito mâioÍ." AvitóÍia tr t da revolução traz-lhe problemas com a propriedade. Reacendem- sa antrgiú qu$tões de limites, scu cÍediro é coíado, os preços dos pÍodulos caem. S. Bemardo lransfoÍma-sc numa fazenda abandonada. Os amìgos, que o frcqüentavam reguìaÌmente, são obrigados a afastar-se, cele fica sozinho, com seus intermináveis Passelos.Ë, cnfim, o mundo à revelia, foÍa de seu controle. '.E 06 Íneu!pâssos mc levavam parâ os quâíos, como se procurassem al-guém." Nesta última frase do capiÌulo rÍinta e cinco o estilo re- vela a impolência do herói. A sinédoque se €ngasra na esrrurura ação/persona8em. moírando quc o comando dos aros foi Ír€r-dido por Pâulo Honórioi não é elequem anda ue quano em quáÌ_ to, mas são suas pernas que o levam. O desnoneamento é Daraleloà perda do mando. EntÍamos agoÍa numa outm etapa, a vida âtual de paulo Ho_ nório. Em contraste com a narÍativa do pÍrssado, o tempo qúc s€ Inslala aSora traz problemas difercnles e, cÍn conseqüência, pro_ voca modificaçô€s no conteúdo e nô composiçâo do livro. Èm_ bora o Íomance mantenha do comcço ao fim uma extraordinária unidade €sl illsticâ (muito visivel.m vários planos, da escolha do léxico à constÍuqào sintálicadâs fraees), sua composição geralse altera rcycmcnte o bastaDte, enlÌctanto, para impÌimir â &io ge.- ,oado umâ dimensão nova. . A duplicidade rcmporal - exisrem Ícpresentados o teÍhpo do enunciado (os eventos que ocorreram na vida de paub HL nóÍio) e o tempo da enunciação (o mo|nento em que se escreve o livro) - eslá ligada ao problema do ponto de viita narrativo. O rom_ance é narrado cm primeira pessoa, por um ..eu protago- rusta quc, distanciado no l€mÍ'o, abranSe com o olhar toda lua vida c pÍocura Ìecâpitulála, conrando-a para si e paÍa nós, leitores. É estc dis|anciamenro que lhe dá uma pseudo-onisciência. concomitante à exisrência do olhar abrangenie, capaz de detçr- múaÌ os momcntos imponantes de sua evolução. Este procedi_ hento é rcsponsiável por boa paíe da objerividade què, como vrmos, ressuma poÍ toda a narrativa. Náo é eotretanto o único responsável, poisa objetividade nasce - como também já vimos - da alitude que caracterizá o narÍador face a tudo que lhe acon- 'Urilizo âqui I rcminolosia dc Nomrn Fd.dman, no Ênraio |!rás cÍado. 2t3 rece. Na lerdade, existe uma conju8açÀo llncional dos dois píocedimenÌos: o conh€cimento âmplo dado pelo distancìamen- lo temporal lunde-ie a ciuâcÌeÍllaçáo do personâgem nalradoì e os dois juntos criam a postura objetiva que dá o tom do ro- Neste momenlo, toclavra, entramos no presenle oa €úuncla ção e o dislanciamento desaparece. Por outío lado' o caráter ali_ vo de Paulo Honório está empeÍrado, paraÌisado pela derrota definiriva que lbi a morÌe de Madalena. E forçoso que os proce dimenlos técnjcos se modilìquem e a narralivâ Sanhc uma tctru râ diferente. A linSuagem s€ca do tempo doenuociado ccde lugar à lamenlação eleglaca do tempo da enunciaçào, e o ritmo rápido da naÍrativa é substituldo pelos compassot mais lênlos de uma reflexão probleínatizada, dificile tonuosa: "AquisenÌado ã me_ sa da sala de iânlar, fumando cÀchimbo e bebendo catë' suspen do às vezes o trabalho moroso. olho a íolhagem das laranieiras que a noite eneStece, dlgo o mim mesmo que esta pena e um ob' .jcto p€sado. Náo e3iou acostumado a penÍìr' levanto_me' cheSo à janelaque dei|a para a bona." A verdadeira busca começa onde ternrinê a vida de Paìio HonóÍio. A bus{a veÍdadeira, enlenda-se, a procura dos veroa- deüos e autênticos valores que deveriam r€ger as relações enlre os hoÍnens, A vida teÍminou. o rom&ncecomeça Oromancc, se gundo Lukács, éa hisrória da busca de valo.ês autênticos por uÍÌì peÍsonagem problemático, denlro d€ um unìverso Yszio e degra dado, no qual desapareceu a imanência do sentido à vida." ora' só ne5te instanle o herói se lornâ problemático. o uni\erso \u18< como vazio e degÍadado, o sentido da vÌda ctesapaÍece, Anles. Paulo Honório fora um persona-qem coeso e Ìorte' movenoo-se em um mundo de objetivos claros e (ainda que ilusóíio) replelo d€ significado: a pÍopriedade. O suicídio dê Madalena desmas- cara a falsìdâde do sentido e problematúa tudo Agir paÍa quê? - pergunta-se ele. " Ne$e mo! lmenlo e ne\se rumoÍ ha!eria mui to choro e muita praga." rc. Lútâcs, A Teorio do Rond,,.! (t€d. pon. de afrcdo M!ryândo). Lúoa. Ed. Prcsenç! G. <1. ), Para un análi$ postutad2 ebc Lutó.:. na difercnt. da nosa, veÍ o ei5âio citado d. Cd.lo! Nel$n Cootirho 2t4 -..--l-11o !91ót1o.'bSndona-a ação e volta-se sobÌc si úesmo, ouscanoo na.memóÌia de süa vida o ponlo em quesedesnoneou, ''numa €rÍada- - . Nêss€ debruçaÌ_se o est ilo s€ riDge de lirisúo ea--objetividade épica lìcâ abalada. e p..ci"o "iinafa, qu. o l:Lo-oj 9 rgmance e.sraÍ narrado nâ primeim pessoa não é gra_Íu ornem rnconseqúenle. rnas deixa suas maÌcas na composi_çao oa narratlva. O eíaluto do '.nârÍador oniscienre,. (i;lru. so ou não) difere sensivelnenle dessa posiqào aqui adorada, traqual um "eu protagonisla", apÌoteilando_le da disÌeÍcia, no\ conra sua [úlória. Nào que s€ja inrpossível falaÌ de si me5mo com objctividade (na medida crn que Í,o6sâ existir realrnmtc oojeüvro,adc) - coisâ que paulo Honório demoDstÍa, alirí6, de lgjTi iM no.decorrer do tivÌo. Mas. no in.rant. e. qu.ìtempo oú enuncjaçào começa a ,€Ì representado, notamos ime_ olaErnente a intilÌraçào dos signos da subjeriridade, a irrupçào oo monótogo inrerior. o abalo do ponto de vista pseudo_ onüioent€. Ess€ pÌoctsso s€ instâla um pou@ anlcs. Do dccoÍrcr dres_ mo do tempo do-enunciado. quaDdo o ciúúe reliÍâ a s€guntnçaqo narÍador c o fa, duvidaÌ do que vê: .,Será? não SeÍã?.. dumais adtanle. nocápÍuÌo \intce novc: ..Os mcus olhos me enga_ nav-am.ìras se os olhos me enganavam, em que me havia de flirentâo?" . È carto que p€rmanecem no romance, muito bem delimitaOOò, OS dOtS nivejs de Íepresenlaçilo. e O leitoÍ percetrc de maDei ra-craraoquee real€oqueédeformaçào provocada pelociúme. tao Úenarcto in réÍÍt *mpre uma objelividade quê o torna dife_renle oe,cenos romances conÌemporâreo\, nos quais os plano\ oa m€moÌta, Oa imagmaçào ada realidade \€confundem e !e em_Dararnam.- Nem por i!so. entÍetanro, a objetividade deixa de serquesíoíaoa oe rârias maneiras, Uma delas é a marcação do lem_po, que vioos atrás ser feita de forÍna obs€ssiva e pÍecisa, e que agoÌa paÌece cìscapar ao dominio do narradoÌ: ..Uma pancida no reìógio da sala dejanlar. eue horas seriam? Meia? uma? umae0|era., uu metaale de qualqueÍ oulra hora? (...) Segunda panca-qa no relogìo. UÍna hora? uma e úeia? Só \endo. i...) Ah, sim. ïs o cÍ6alo dr {nrôtuo Cândido. .n!do. pass J] . 4ô 215 veÍ as horas. Empurrava a poía' atravessava o coÌÌeoor' entra- và na sala de janìar. Senpre eÍa algulrÌa coisa saber as horas'" Se a capacidaàe decontrolaÍ o tempo estava ligada atftis à cana' cidade ãe açào e dominio, neste momento a incertezâ simboliza a impotènciã e inseSr.rrança a que eslá redulido o narÍador' Sim' boli ;a. em últ ima aìál ise, sua osci lâção diante do mundo que já nao oode reduzir à objetividade da medida exaÌa, que já nào po- de còntrolar. Mâs a subjetividade penetra mesmo, de forma avassalado_ Ía- é ouando começa a ser represenlado o tempo oa enunc|a' ção, o instanl€ em que Paulo Honóíio escreve O belissimo ca' pituio dezeno"e, colocado no centro do Íomance' embaralha àe fato consciència e realidade' memória e presente' obietivi' dade e subjetividade. Como afirma Lukâcs, a mais humilhan_ le impotência da subjetividade manifesta-se menos no comba_ t" "ontru "atautra"a sociais vazias do que "no fato de ela estar i". io.iut aante do curso ineÍte e conlÍnuo da duração" ' Paulo Honório escreve seu livro e busca o sentido de sua vida' A(ravés da escriluÍa faz €mergií um mundo reificado e cÍuel' Íepleto de corujas qu€ piam agouÍenlas, de rios cheios, atolei ros e "uma fieura de lobisomem". O que surge é aíìnaì o s€x iit.ato, o.nerãndo d.n!Ìo de si mesmo aÍÌanca um mundo de oesad.tot retti"eis, de signos da deformação e da monstruosi àade. Um mundo objetivamente real acaba revelando'se' alra- vès àa subjetinidade 'Mas é, por outro lado, um mundo alheio a Paulo Hànório, um universo que anda indiferente à sua von_ iaãi. õ tempo triitórlco continua a decorrer, à sua revelia: "o oue nào oeriebo é o tique-laqu€ do relógio. Que hoías são? Não óosso "ei o mostrador assim à5 escuras Quando me seoleiaqui' áu"i"tn-t" ". pan""aas ao pêndulo' ouviam'se muito beÍn s€- Íia conveÍrente dar corda ao relógio, mas não cotlslgo mexer_ me." A objetividade da Íepresentaçào é atingida peÌa subjetivi ilade do nãrrarlor, mas ambas acabam inteÍpene[rando-se' com_ Dondo uma unidade dialética. "O sujeito poélico' que se eman_ cioa ilas convenções da representação objetiva, confessa ao mes_ mo tempo a própÍia imporência, a irepoténcia do mundo Íei.lrcado que volta a apresentaí-se no neio do monólogo."'r o recurso âo monólogo interior, poÍlanlo, aiuda acompor a bus- ca de Pâulo HonóÍio. E é através delâ que surge o mundo deS, BeÍnardo, Siio Benardo Íonâncc, tentativa de encontrâr o senlido_perdido e erìconü o final e trágico consigo mesmo e com a sollOaO: "È, lou l tcar àscscuras, alé nâo seique hOra, até que, moÍto de fadiga, encoste a cabeça à Íhesa e descanse uns minu- Com estaJ paÌavÌas o romancese fecha,mostrandoa yitóÌia da rcificaçâoe a derrota lotal do herói, que é incapaz de mexeF sc, modificar,se, Penso em oul ro personagem, de oulro Ìoman- cc: "'Ah, o que eu não entendo, isso é qÌje é capaz de me mâ- tar...'- melembreidessas palâvÍas. Mas paÌavrasque, em oürra ocasião, quem tinha falado era Zé Bebelo, mesmo.,"t rrT. w.^domo,..!. posicìón delnâÍador.Í la norela conremporánea,,, ,t Nô.@s d.lire.druÌo, Batetonà, Ld. ArÉt ít. d., (pá8. 'I). A posç;o do naradol eÍn roo Àl.nr.do pd(e,mesn Íerir do tir ro umadimenúonora. qurotornadi rft enr.do romãnc. reâtúa cuia 6rruru,a Lukáci d.srft êu.m 3úáj anátii.. &rrarac, srcndhât.. Mann.  subielividâd€ do ponro d. riÍa prov@ ens meoÍ@çG€snREú nâ slrutu'., dd quair o monotoSo inrerior éap<nas uma.A .-n"rarN.,proÒÍeháú€" pâ'e(ee\boçar$aqui, norinstânr.sefr qu. pautoHonono arude, ruà dirìcutdaded<conrâr I h isróa. ..temenr o. Ae miratingua. sms inrromer.n. A ürilização decarcsonâ! difereíreeda, de Lurács podìria|anúr uha ourÌa tursob,eo Ì'vro pen\o, espcüatmer re, nor .,modo, da ti( (àorÌâgrca .Iro-postos por \o híop f rte I AnaroaE .lo Crtt r'.,. sdo paulo, iul_n\, ,D.4). tao é.mofto(t^t 'a rltre/ n5 passâ8cn €nl rf 05 mÕdo, q uc Frre cha- mâ d. rhnarNo bai\o"e,iironko". ì odáqa. tançoa idéiã apend;comohipó-Ìef, rDE rso dâna maréria DlÌJ. Guimaãcr Ros. c.ard" Sanòo:ycìedas t4'ed I.Rio, loséOtrmpio, 1965ítiâe. Ugl-blükáas, ob. c|l., Pót. l2t. 2t6 217
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