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Serviço Público Federal Universidade Federal do Pará Centro de Filosofia e Ciências Humanas Curso de Mestrado em Psicologia: Teoria e Pesquisa do Comportamento Análise funcional na terapia comportamental: Uma discussão das recomendações do behaviorismo contextualista. Simone Neno Cavalcante Orientador: Prof. Dr. Emmanuel Zagury Tourinho Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Psicologia: Teoria e Pesquisa do Comportamento, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia. Belém 1999 2 29 2 91 Serviço Público Federal Universidade Federal do Pará Centro de Filosofia e Ciências Humanas Curso de Mestrado em Psicologia: Teoria e Pesquisa do Comportamento Análise funcional na terapia comportamental: Uma discussão das recomendações do behaviorismo contextualista. Simone Neno Cavalcante Orientador: Prof. Dr. Emmanuel Zagury Tourinho Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Psicologia: Teoria e Pesquisa do Comportamento, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia. Área de Concentração: Psicologia Experimental Belém 1999 3 39 3 91 4 49 4 91 AGRADECIMENTOS Aos professores e colegas do Curso de Mestrado, agradeço a acolhida e o clima favorável ao desenvolvimento deste projeto. Ao Prof. Dr. Olavo de Faria Galvão sou grata pelo incentivo ao treino na redação científica, o que me proporcionou o contato com uma importante rede de interlocutores. À Rosângela Darwich agradeço a parceria imprescindível nas discussões acadêmicas durante o curso. Também sou grata à Lúcia Medeiros, pelas observações oportunas, e por motivos para além da Academia. Ao Ophir, Caio e Breno, agradeço o carinho e a paciência com que enfrentaram a minha ausência em diversos momentos ao longo do Mestrado, demonstrando, na prática, que compreendem a importância deste projeto para mim. Agradeço especialmente ao Prof. Dr. Emmanuel Zagury Tourinho, um talento incomum, com quem tive o privilégio de conviver como orientanda, exposta, assim, a um modelo de pesquisador raro. O produto final deste trabalho deve-se, em grande medida, aos seus ensinamentos e olhar crítico. 5 59 5 91 SUMÁRIO Resumo – 6 Abstract – 8 Apresentação – 10 PARTE I Capítulo 1 – ANÁLISE FUNCIONAL: CONCEITO E APLICAÇÃO NA INTERVENÇÃO CLÍNICA 1.1 Análise Funcional e Behaviorismo Radical – 22 1.2 Análise Funcional e Terapia Comportamental – 28 1.3 Relações de Contingência e Análise Funcional na Terapia Comportamental - 39 Capítulo 2 - CONTEXTUALISMO E ANÁLISE DO COMPORTAMENTO 2.1 World Hyphoteses: Atitudes e instrumentos para avaliação e julgamento - 45 2.2 A metáfora da ação no contexto – 48 2.3 Pragmatismo, Contextualismo e Behaviorismo Radical - 55 2.4 O debate Mecanicismo x Contextualismo – 59 PARTE II Capítulo 3 - BEHAVIORISMO CONTEXTUALISTA: PROPOSIÇÕES E RELAÇÕES COM A ANÁLISE DO COMPORTAMENTO 3.1 Behaviorismo Contextualista: Novo nome para o Behaviorismo Radical ou uma nova filosofia para a Análise do Comportamento? – 67 3.2. Behaviorismo Contextualista e Contextualismo Funcional: Relações com a atividade clínica – 84 Capítulo 4 - BEHAVIORISMO CONTEXTUALISTA E ANÁLISE FUNCIONAL 4.1 Análise funcional e intervenção clínica – 90 4.2 Behaviorismo Contextualista e análise funcional: Uma discussão no âmbito da problemática dos sistemas de classificação e diagnóstico - 96 4.3 Categorias Funcionais e Análise Funcional do Comportamento - 105 4.4 Instrumentalidade como critério na definição de modelos clínicos analítico- comportamentais – 107 Capítulo 5 - BEHAVIORISMO CONTEXTUALISTA: CONTRIBUIÇÕES E LIMITES 5.1 Contextualismo e mecanicismo na Análise do Comportamento - 109 5.2 Análise funcional e Terapia Comportamental – 115 5.3 Categorias funcionais de classificação e diagnóstico clínico - 120 5.4 Variabilidade e seleção do comportamento verbal: A propósito da coerência do discurso skinneriano e do Behaviorismo Contextualista – 123 A TÍTULO DE CONCLUSÃO –126 REFERÊNCIAS – 128 6 69 6 91 Simone Neno Cavalcante. Análise funcional na terapia comportamental: Uma discussão das recomendações do behaviorismo contextualista. Belém, 1999, 141 páginas. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Pará, Curso de Mestrado em Psicologia: Teoria e Pesquisa do Comportamento. RESUMO A análise do comportamento tem se revelado um modelo produtivo para o estudo das relações organismo-ambiente. Seus fundamentos são encontrados na filosofia behaviorista radical de B. F. Skinner, no interior da qual se elaboram o modelo de seleção por conseqüências para interpretar a causalidade do comportamento e a análise funcional como princípio investigativo do fenômeno comportamental. Ao lado do notável alcance de suas idéias, há quem identifique na obra de Skinner inconsistências e contradições de natureza teórica e filosófica. Na discussão do behaviorismo skinneriano, o contextualismo tem sido apresentado como útil para elucidar dificuldades e sugerir soluções na direção de um sistema consistente que fundamente a análise do comportamento. A adoção do contextualismo como referência é característica peculiar de um movimento contemporâneo, que tenta promover a retomada das bases analítico- comportamentais na terapia comportamental. Na terapia verbal, a "observação clínica" é reconhecida como fonte legítima de informações. Mas o emprego da análise funcional por terapeutas comportamentais tem sido objeto de interpretações conflitantes, associadas a leituras também diversas dos princípios que sustentam a análise do comportamento fundamentada no behaviorismo radical. Considerando que a proposta contextualista pretende constituir-se em alternativa para a comunidade de analistas clínicos do comportamento, este estudo teve como objetivo examinar as soluções inspiradas na doutrina contextualista com vistas à redefinição da terapia comportamental como modelo de intervenção baseado nos princípios da análise do comportamento. Os objetivos específicos foram: a) caracterizar a orientação filosófica contextualista e sua apropriação como recurso para a superação de limitações do behaviorismo radical skinneriano; b) identificar como o princípio da análise funcional é elaborado no contexto das reflexões de behavioristas contextualistas, e c) examinar como este princípio aparece no debate sobre a demanda por sistemas de classificação e diagnóstico clínico. Paratanto, foram identificados, analisados e categorizados textos de analistas do comportamento sobre análise funcional e textos de behavioristas contextualistas sobre o caráter contextualista da análise do comportamento e sobre a 7 79 7 91 demanda por sistemas de classificação e diagnóstico clínico. A decisão de considerar textos de behavioristas contextualistas sobre sistemas de classificação e diagnóstico clínico justifica-se por ser este um tema no qual os adeptos dessa abordagem explicitam as concepções de comportamento e de análise funcional com as quais trabalham. Os resultados sugerem que a noção de comportamento defendida pelos behavioristas contextualistas está contemplada, em alguma medida, no modelo analítico- comportamental, o que não ocorre com respeito à interpretação provida para a análise funcional. A divergência com respeito à análise funcional evidencia-se sob a forma da proposição, pelos behavioristas contextualistas, de construção de sistemas nomotéticos de avaliação e diagnóstico, funcionalmente orientados. Considera-se que a complexidade, variabilidade (inter e intra sujeitos) e o caráter idiossincrático das relações comportamentais, assumidos como princípios básicos da análise behaviorista radical, são preteridos, pelos behavioristas contextualistas, em favor do apelo a generalizações amplas da intervenção. Nas duas situações, observa-se a ênfase na instrumentalidade, refletindo o interesse dos clínicos na solução de problemas comportamentais concretos. Conclui-se que a referência ao contextualismo é útil na medida em que constrói um quadro interessante para a compreensão das possibilidades e possíveis lacunas da análise do comportamento enquanto ciência do comportamento. Mas a apropriação desse conjunto de princípios pelos behavioristas contextualistas não introduz uma interpretação original para o fenômeno comportamental, tampouco equaciona satisfatoriamente a relação entre as noções de comportamento e análise funcional com as quais opera. Palavras-chave: análise funcional, terapia comportamental, behaviorismo contextualista. 8 89 8 91 ABSTRACT Behavior analysis has proved to be a productive model for the study of the relations existing between environment and organism. One can find its fundamentals in B. F. Skinner´s radical behaviorist philosophy. There Skinner formulates a model based on selecting the consequences as a way of interpreting the causality of behavior and also presents functional analysis as a means to investigate the behavior phenomenon. Despite the remarkable ideas present on Skinner´s work, one can identify some theoretical and philosophical inconsistencies and contradictions on his discussion. Within Skinnerian behaviorism, contextualism is presented as a useful way to clarify some difficulties and lead to solutions geared towards a consistent system able to nourish behavior analysis. The adoption of contextualism as a reference is characteristic of a contemporary movement that aims to promote a return to behavior-analytical bases at behavior therapy. At verbal therapy, “clinical observation” is recognized as a valid source of information. Nevertheless, the use of functional analysis by behavioral therapists has been the object of conflicting interpretations, as a result of the diverse literature available on the principles that guide the behavior analysis rooted on radical behaviorism. Considering that the approach proposed by contextualism may become an alternative to a broad community of clinic behavior analysts, this study aims to examine the solutions inspired on the contextualist doctrine in order to redefine behavioral therapy as a model of intervention based on the principles of behavioral analysis. The specific objectives of the present work include: (a) to characterize the philosophical orientation of contextualism and its appropriation as a resource to overcome the limitations found on the radical skinnerian behaviorism; (b) to identify how the principle of functional analysis is elaborated within the reflections that result from contextualist behaviorism; and (c) to examine how that principle is discussed on the debate about the need for classification systems and clinic diagnosis. For that reason, the author identified, analyzed and categorized diverse texts produced by behavior analysts on the contextualist character of behavior analysis and also on the demand for a classifying system and clinical diagnosis. The author decided for the inclusion of the latter texts on this work for the contextualist behaviorists often give an explicit account 9 99 9 91 of which concepts of behavior and of functional analysis they use on their work. The results achieved on this work show that the contextualist behaviorists defend a notion of behavior based somehow on an analytical-behavioral model, which doesn’t happen with the interpretation provided for functional analysis. This divergence concerning functional analysis becomes clear as contextualist behaviorists propose the construction of functional-oriented nomothetic systems of evaluation and diagnosis. The complexity, variability (both inter and intra subjects) and the idiosyncratic character present on behavior relations, which are considered as basic principles by radical behaviorist analysis, are put aside in favor of broad general interventions. In both cases, one can observe the emphasis on the instrumental aspect, reflecting therefore the interests of clinic therapists on solving concrete behavior problems. We may conclude that any reference to contextualism can be useful for it helps to build up a better comprehension of the possibilities and possible flaws present on behavior analysis as a science. Nevertheless, the fact that contextualist behaviorists have embraced this set of principles doesn’t mean the introduction of any original interpretation to the phenomenon of behavior, neither does it create a satisfactory relation between the notions of behavior and functional analysis with which it works. Key-words: functional analysis, behavior therapy, contextualist behaviorism. 10 109 10 91 Apresentação A análise do comportamento tem se revelado um modelo produtivo para o estudo das relações organismo-ambiente. Os princípios básicos que descrevem essas relações - derivados de estudos experimentais - formam a base do aparato teórico de que se utilizam os analistas do comportamento na tarefa de interpretar o comportamento humano complexo, compreendido como o resultado de um processo de variação e seleção no ambiente natural e social (cf. Skinner, 1981, 1984, 1986; Catania, 1987, 1992). Como sistema cultural, tem sido apontado que a análise do comportamento destaca-se, no universo das ciências sociais, pelo seu “caráter disciplinar”, que permite às suas partes integrantes formarem um conjunto coeso (Glenn, 1993), revelando uma “abordagem filosófica coerente aplicada à ciência”(Hawkins e Forsyth, 1997a, p.5). Ao lado de algumas limitações1, apresenta características positivas peculiares, a exemplo da “habilidade de gerar soluções para problemas resultantes do comportamento humano e prover métodos para avaliar tais soluções” (Glenn, 1993, p.139). As realizações neste campo têm alcançado um reconhecimento importante (cf. Dougherty, 1994; Dougherty, Nedelmann e Alfred, 1993; Hyten e Reilly, 1992) e estão plenamente documentadas na literatura da área. A divulgação e reflexão sobre o alcance dos métodos empregados têm sido importantes na medida em que “o comportamento dos participantes deve entrar em contingências entrelaçadas com o comportamento uns dos outros, se for para contribuir 1 “a) não é institucionalizada na educação superior; b) não é suficientemente desenvolvida como profissão diferenciada; c) seus membros são relativamente poucos; e d) seus membros, em geral, têm deixado de reconhecer, analisar e lidar com as contingências políticas que afetam seu futuro profissional e o futuro de sua disciplina” (Glenn, 1993, p.140). 11 119 11 91 para a evolução da análise do comportamento como entidade cultural” (Glenn, 1993, p.135). A análise do comportamento tem sua origem ligada ao conjunto de idéias que compõem o behaviorismo radical, concebido por B. F. Skinner como a filosofia da ciência do comportamento (Skinner, 1969). Ao longo da obra de Skinner, o modelo de seleção por conseqüências, que delineia uma perspectiva particular para a explicação do comportamento, foi construído gradativamente (Andery, 1997; Micheletto, 1997a; Moxley, 1998). De acordo com este modelo explicativo, o comportamento humano - inclusive o complexo - seria o resultado de três níveis de variação e seleção: a filogênese (seleção natural); a ontogênese (condicionamento operante ou seleção por reforçamento) e a cultura. Com o modelo de seleção por conseqüências, surge, na proposta skinneriana para a análise do comportamento, uma nova noção de causalidade, que começa a ser formulada com o advento do conceito de operante, no final da década de 30. Proposto o conceito de comportamento operante, Skinner (1938) coloca à mostra relações entre a análise do comportamento e a teoria da evolução por seleção natural (cf. Michelleto, 1997a). Assim, enquanto o comportamento respondente ou reflexo é eliciado por uma alteração ambiental antecedente, relações operantes são selecionadas por estímulos conseqüentes ao comportamento e alteram o organismo em termos de probabilidade de respostas futuras da mesma classe. A complexidade do comportamento seria produzida pela manutenção dos comportamentos mais bem sucedidos. O princípio de seleção capaz de descrever como algumas respostas são favorecidas e outras não é chamado de seleção comportamental ou princípio de reforçamento. A identificação das relações comportamentais decorrentes de processos desta ordem é denominada de análise funcional. Assim, a análise funcional está voltada para a identificação de relações 12 129 12 91 sistemáticas entre o comportamento (variável dependente) e alterações no ambiente (variáveis independentes) com o qual o organismo interage (Skinner, 1953/1965). A análise do comportamento emprega o método experimental em grande escala, mas admite a interpretação como um recurso alternativo na análise de fenômenos não acessíveis ao estudo experimental. Isso é o que ocorre na terapia face a face, onde a “observação clínica” é reconhecida como fonte legítima de informações para a análise do fenômeno comportamental (Skinner, 1988/1989b). A interpretação aplicada ao contexto clínico permite a inferência de possíveis relações funcionais, a partir de pistas que o cliente vai fornecendo sobre as relações de contingências presentes em seu ambiente, sobretudo social. O levantamento daqueles arranjos de contingências e a inferência dos modos por meio dos quais o cliente com eles se relaciona são condições indispensáveis para a compreensão de sua problemática e para a promoção da intervenção necessária (Carr, 1994; Cone, 1997; Ferster, 1973; Haynes e O’Brien, 1990; Sturmey, 1996). O corpo de pesquisa da análise do comportamento encontra-se em plena expansão e em processo de refinamento na compreensão da complexidade das relações ambiente-comportamento (Glenn, 1993; Glenn e Field, 1994; Hawkins e Forsyth, 1997b; Shull, 1995). Ao lado da significativa produção experimental, os resultados positivos colecionados na área aplicada identificam o modelo analítico-comportamental como fértil na promoção de mudanças em comportamentos socialmente relevantes (Dougher, 1993; Foxx, 1996; Hawkins, 1997; Johnson e Layng, 1992; Kohlenberg e Tsai, 1991). Esse reconhecimento vem sendo creditado especialmente ao trabalho desenvolvido em ambientes institucionais, onde a aproximação do terapeuta com a vida diária do cliente é favorecida e onde, em tese, o controle sobre as contingências de reforçamento é exercido de forma mais direta. 13 139 13 91 Mas ao contrário do que acontece em ambientes institucionais, a análise aplicada do comportamento tem sido vista como pouco útil aos terapeutas comportamentais (Dougher, 1993). Na terapia verbal de adultos, particularmente, é avaliada como um modelo que enfrentou limitações importantes (Hawkins e Forsyth, 1997a) e, com raras exceções, subestimada como referência para a geração de métodos no trabalho clínico (Kohlenberg e Tsai, 1991). As razões da pouca influência de princípios behavioristas radicais na terapia verbal não estão plenamente elucidadas e chegam a ser qualificadas como “misteriosas”, uma vez que “a teoria é compreensível e contém muitos dos conceitos que são importantes para o psicoterapeuta” (Kohlenberg e Tsai, 1991, p. 8). Contudo, tem sido argumentado (e.g. Kohlenberg e Tsai) que um dos obstáculos à adoção do behaviorismo radical e da análise do comportamento por terapeutas comportamentais foi a dificuldade em transferir os métodos da análise aplicada do comportamento para o contexto clínico da terapia face a face. Na situação clínica, o contato entre terapeuta e cliente é limitado pelo tempo estabelecido para cada sessão e não há controle sobre os eventos que ocorrem fora dos limites do setting terapêutico2. Kohlenberg, Tsai e Dougher (1993) citam alguns fatores que podem ter sido responsáveis pelo deslocamento da análise do comportamento de uma posição central na terapia comportamental para um papel secundário ou de “quase completa exclusão” 2 Guedes (1993) chama atenção para o que denominou de “equívocos da terapia comportamental”, entre os quais a adoção de uma “prática de consultório” como resultado da transição do modelo de modificação de comportamento para o de terapia face a face. Como contraponto, defende a criação de alternativas de atendimento que não impliquem o confinamento do terapeuta ao espaço verbal do consultório. Além disso, vê dificuldades em assumir que “interpretações (ou traduções) comportamentais de fenômenos artificiais ao contexto do cliente possam instrumentar (sic) para rearranjar ascontingências relevantes” (Guedes, 1993, p.2). Conclui que “o máximo que se pode esperar é contar com a sorte ou mesmo criar contingências na sessão para a formulação de conselhos ou regras que então serão seguidas; desmanchar alguns estímulos aversivos eliciadores de ansiedade e reforçar o cliente produzindo um fugaz sentimento de auto-estima” (p.84) Em outra direção, Kolhenberg, Tsai e Dougher (1993) acreditam que os problemas observados no ambiente natural do cliente podem ocorrer dentro da sessão e que a observação direta de tais problemas “proporciona uma excelente oportunidade para modelar diretamente os comportamentos clinicamente relevantes do cliente” (p.274). 14 149 14 91 (p.272). Esses autores argumentam que as abordagens comportamentais, que atualmente são praticadas em ambientes de consultório, classificadas sob a categoria genérica de “Terapia Comportamental”- “evoluíram das primeiras tentativas de aplicação de princípios de condicionamento respondentes e operantes desenvolvidos em laboratório animal para o comportamento humano” (p.272). 3 A proliferação, na década de 60, de experimentos desenhados a partir de princípios operantes é tomada como sinal da grande influência da análise do comportamento na terapia comportamental. No entanto, com a diversificação da clientela para além dos limites institucionais, problemas práticos e teóricos teriam surgido especialmente em razão da natureza da queixa dos clientes. As questões “complexas” levadas aos consultórios, potencialmente sujeitas à intervenção, não podiam ser observadas naquele ambiente artificial. Duas dificuldades básicas foram prontamente identificadas. Por um lado, os tratamentos comportamentais disponíveis requeriam que o problema fosse observado durante a sessão e que a intervenção também ocorresse nesse contexto. Por outro, não havia formulações teóricas analítico-comportamentais aplicáveis ao comportamento verbal complexo. Esse impasse, apontam Kohlenberg e cols. , teria sido resolvido em duas direções: 1) o não atendimento de clientes fora do contexto institucional e 2) aplicação inconsistente de princípios comportamentais à clientela não institucionalizada. Estes autores concluem que o não reconhecimento dos equívocos na utilização do behaviorismo radical, nessas tentativas iniciais, favoreceu a identificação errônea do modelo como “problemático”, descartando-o como uma opção viável para o trabalho clínico com problemas 3 Hawkins e Forsyth (1997b) observam que a terapia comportamental é anterior à análise clínica do comportamento, com precursores nos anos 20 e 30. Amparada no paradigma estímulo-resposta de Pavlov, Guthrie, Hull, Mower e Miller, a terapia comportamental teria se tornado uma abordagem alternativa para as demandas presentes no tratamento do comportamento anormal. Assim,“enquanto a análise do comportamento básica começou no final dos anos 30 e a análise aplicada do comportamento começou no final dos anos 50, não havia nenhum periódico de análise aplicada do comportamento até 1968 e as 15 159 15 91 complexos em ambientes não institucionais. Como conseqüência dessa rejeição, abriu- se espaço, na terapia comportamental, para o movimento que vem sendo identificado como “revolução” cognitiva. Na tentativa de lidar com as novas demandas surgidas no contexto da terapia verbal, parte significativa dos clínicos cuja intervenção pretende ser pautada por uma perspectiva analítico-comportamental tem buscado apoio na produção científica provida pelo universo genérico de terapeutas comportamentais (cf. Dougher, 1993). Entretanto, a literatura da área tem demonstrado ser incompatível com a análise do comportamento no que diz respeito aos aspectos filosófico, conceitual e metodológico. Tais incompatibilidades podem ser observadas, por exemplo, na "tendência crescente em direção a abordagens cognitivistas, [na] proliferação de teorias mentalistas que apelam a estruturas cognitivas e construtos hipotéticos (e.g. auto-eficácia) como explicação e [na] crescente confiança em inferência estatística para demonstrar eficácia” 4 (Dougher, 1993, p.269). A ausência de um paradigma consistente na terapia comportamental tem sido sugerida por diversos autores (e.g. Anderson, Hawkins e Scotti, 1997; Forsyth, 1997; aplicações clínicas da análise do comportamento emergiram apenas gradualmente desde então” (Hawkins e Forsyth, 1997b, p. 12). 4 Forsyth, Kollins, Duff e Maher (in press) apresentam dados recentes de uma pesquisa que teve como objetivo identificar a tendência, nas publicações de terapeutas comportamentais, quanto ao uso da metodologia de sujeito único em contraste com delineamentos de grupo. Os resultados obtidos (estudo 1) sugerem "o declínio da tendência da publicação de pesquisas com sujeito único e referências a periódicos experimentais [na Revista] Behavior Therapy, com um discreto aumento do uso de delineamentos de grupo sobre o período [pesquisado]" (p.2). Um segundo estudo foi desenvolvido com o propósito de ampliar os achados iniciais, com a inclusão de três outros periódicos: Behavior Research and Therapy, Journal of Behavior Therapy and Experimental Psychiatry e Behavior Modification. Os autores concluíram que, "Consistente com o estudo 1, os resultados do estudo 2, mostraram um declínio na tendência de estudos com sujeito único em todos os principais periódicos comportamentais" (p.2). Por outro lado, Forsyth e cols. argumentam que a pesquisa "provê evidência objetiva de que estamos nos afastando, em alguma medida, dos nossos fundamentos da ciência básica."(p.8). Concluindo, estes autores comentam que Essa perda de identidade é bem vinda para alguns e alarmante para outros. Talvez uma pergunta mais urgente é se nós ainda estamos alcançando o objetivo de avançar na ciência comportamental como uma forma de aliviar um universo cada vez maior de sofrimento humano. Contanto que estejamos atingindo este objetivo pragmático, então talvez tenha pouca importância como nós nos designamos, ou o que nós basicamente fazemos (p.14). 16 169 16 91 Forsyth e Hawkins, 1997; Hawkins, 1995). Anderson e cols. sustentam que a psicologia clínica como um todo - e a terapia comportamental de modo particular - são ambíguas em relação ao paradigma adotado, favorecendo o ecletismo como abordagem dominante. Esses autores argumentam que isso ocorreu, em parte, como resultado da ausência de concepções e técnicas analítico-comportamentais na terapia verbal dirigida a adultos, que parece ser, em alguma medida, conseqüência da lentidão com que a análise do comportamento tem se ocupado do estudo dos eventos privados para o desenvolvimento e modificação das relações estabelecidas entre o comportamento e o ambiente. Portanto, não há modelos de intervenção que sejam reconhecidos pela comunidade de terapeutas comportamentais como solidamente amparados no behaviorismoradical. Mais recentemente, contudo, tem surgido na literatura da análise aplicada do comportamento um movimento que tenta promover a retomada das bases analítico-comportamentais na terapia comportamental. Esta iniciativa surgiu com maior visibilidade nos primeiros anos da década de 90, sob a denominação de Clinical Behavior Analysis (cf. Dougher, 1993; Dougher, 1994a; Hawkins, 1995; Kohlenberg, e cols., 1993). São exemplos pioneiros desse movimento os artigos que compõem as seções especiais da Revista The Behavior Analyst, Volumes 16 e 17 (e.g. Dougher e Hackbert, 1994; Follette, Bach e Follette, 1993; Hayes e Wilson, 1993; Hayes e Wilson, 1994; Kohlenberg e Tsai, 1994). Como parte desse movimento, observa-se a adoção freqüente do termo analítico-comportamental (ver, ainda, Forsyth, Chase e Hackbert, 1997; Masia e Chase, 1997) para designar a terapia que se apóia nos princípios do behaviorismo radical, diferenciando-a das terapias comportamentais que assim se denominam, mas aproximam-se do cognitivismo. O trabalho que vem sendo desenvolvido pelo grupo de autores daquela seção especial no The Behavior Analyst, 17 179 17 91 tem favorecido a discussão sobre os limites e alcance da terapia comportamental baseada no behaviorismo radical. Para além disso, tem contribuído efetivamente na reflexão sobre a redefinição do campo da terapia comportamental. A ausência de modelos de intervenção analítico-comportamentais se dá no contexto de três problemáticas interrelacionadas, abordadas em diferentes circunstâncias pelos autores que visam a resgatar a análise do comportamento no ambiente clínico: a) o fato histórico representado pela transição do modelo de modificação de comportamento para o modelo de terapia face a face; b) confusão na designação de conjuntos de práticas não-behavioristas radicais com terapia comportamental e a falta de critérios mais explícitos e/ou estruturados para definir as fronteiras entre tais práticas e, ainda, c) oposição ao modelo médico, que orienta para uma análise topográfica-organicista do comportamento. A identificação das três problemáticas deixa à mostra o que seria o centro de uma intervenção comportamental típica: uma prática clínica fundamentada estritamente no princípio da análise funcional. A partir desse entendimento, são produzidos “modelos de terapia comportamental”, que estariam reintroduzindo esse princípio na prática terapêutica. Dentre as iniciativas na direção da elaboração de um modelo clínico analítico- comportamental, destaca-se o trabalho de um grupo de autores para quem o resgate da análise funcional é feito a partir da caracterização do behaviorismo como doutrina contextualista. Contextualismo é uma das quatro categorias filosóficas ou “visões de mundo” cunhadas por Pepper (1942-1970)5, cuja “metáfora-raiz” é a “ação no contexto”. O sistema contextualista tem sido referido (e.g. Jaeger e Rosnow, 1988; Hayes, Hayes, Reese e Sarbin, 1993) como um conjunto de princípios que tem orientado alternativas recentes na psicologia, empenhadas em apresentar um contraponto à crítica 18 189 18 91 de adesão a posições mecanicistas e reducionistas na compreensão do comportamento humano. Na terapia comportamental, a adesão ao contextualismo tem sido apontada como um “movimento crescente” (e.g. Jacobson, 1997, p.441) claramente visualizado nas propostas de intervenção Terapia de Aceitação e Compromisso (Acceptance and Commitment Therapy - ACT - Hayes, 1987; Hayes e Wilson, 1994; Hayes, Batten, Gifford, Wilson, Afairi e Mc Curry, 1999), Terapia Integrativa de Casais (Integrative Couple Therapy - Jacobson, 1992; Koerner, Jacobson e Christensen, 1994) e "refletida na Psicoterapia Analítica Funcional [Functional Analytic Psychotherapy]" (Jacobson, 1997, p. 441. Ver Kohlenberg e Tsai, 1987; 1991). Em algumas situações, a ênfase contextualista vem acompanhada de críticas explícitas a proposições behavioristas radicais, originalmente concebidas por Skinner. Esta posição está presente, por exemplo, no trabalho de Hayes e colaboradores (e.g. Hayes e Hayes, 1992a; Hayes, Hayes e Reese, 1988). Embora admitam que o behaviorismo contextualista esteja fundamentado na tradição analítico-comportamental, Hayes e Hayes (1992a) delimitam a fronteira entre aquele sistema e o behaviorismo radical, caracterizando Skinner como um pensador que “abraçou visões filosóficas incompatíveis” (p.229). Assim, Hayes e Hayes sugerem o abandono da expressão behaviorismo radical em favor de “behaviorismo contextualista”, sob a alegação de que o primeiro pode implicar tanto uma perspectiva mecanicista como contextualista. As restrições dirigidas ao behaviorismo radical são justificadas com base em supostas inconsistências e contradições presentes na obra de Skinner e na prática de alguns analistas do comportamento contemporâneos. O conjunto da obra de Hayes e colaboradores, representativa da proposição do contextualismo como pertinente à análise do comportamento, inclui estudos na área de 5As demais visões de mundo referidas por Pepper (1942-1970) são: a) formismo; b) mecanicismo e c) 19 199 19 91 comportamento governado por regras (e.g. Hayes, Brownstein, Zettle, Rosenfarb e Korn, 1986; Hayes, Kohlenberg e Melancon, 1989) e o desenvolvimento de uma nova perspectiva ao estudo do comportamento verbal denominada Teoria de Quadros Relacionais. Esta abordagem, também definida como uma psicologia comportamental da cognição (Hayes e Wilson, 1995), tem sido amplamente apresentada e discutida (e.g. Dougher, 1994b; Hayes, 1991; Hayes e Hayes, 1992b; Hayes e Wilson, 1993) e ainda confrontada com visões contemporâneas concorrentes (e.g. Sidman, 1994). O trabalho de Steven Hayes no campo da análise experimental do comportamento verbal em geral - e equivalência de estímulos, ou responder relacional, em particular - provê a base conceitual da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), uma abordagem terapêutica que tem sido apresentada como capaz de gerar uma intervenção clínica de inspiração analítico-comportamental, sem as limitações de abordagens ecléticas que se apresentam como terapias comportamentais. A ACT é orientada “por uma compreensão comportamental explicitamente contextual dos eventos privados” (Wilson, Hayes e Gifford, 1997, p. 57) e propõe, basicamente, a quebra da “esquiva emocional” e o incremento da capacidade de mudança de comportamento do cliente (Hayes e Wilson, 1994). A visão de análise funcional defendida por Hayes e colaboradores está esboçada na crítica endereçada aos adeptos do modelo topográfico de classificação e diagnóstico clínicos. Assim, em outra linha de debate, Hayes e Follette (1992) fazem o confronto entre sistemas de classificação pela síndrome e a análise funcional do comportamento. Nesta discussão, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM - é identificado como o sistema de classificação e diagnóstico que tem regulado a prática de um bom número de terapeutas comportamentais, muitas vezes sem uma perspectivaorganicismo. 20 209 20 91 crítica. De outro lado, o modelo de análise funcional estaria sendo utilizado de modo também discutível (ou impreciso) por terapeutas comportamentais cuja intervenção deveria se pautar pela filosofia behaviorista radical (não aparece, aqui, uma problematização das limitações desta filosofia) e pelos princípios derivados da análise do comportamento. Hayes e Follette sustentam que o princípio da análise funcional não foi capaz de prover metodologias a serem empregadas indiscriminadamente no contexto clínico. Deste modo, para atender a necessidade de uma sistematização da análise funcional, os autores chegam a propor (e a exemplificar) a criação de sistemas alternativos de classificação e diagnóstico com base nos princípios da análise funcional. Em um trabalho recente (Hayes, Wilson, Gifford, Follette e Strosahl, 1996), tais categorias são reeditadas sob o conceito de “abordagem dimensional-funcional”, que envolve a organização de diagnósticos de acordo com processos comportamentais contínuos. Como sugerido nos parágrafos anteriores, o grupo de Hayes e colaboradores pode ser considerado representativo do movimento de reelaboração das bases da terapia comportamental, a partir da interlocução com o contextualismo e por esta razão seus trabalhos serão o material básico de análise neste estudo. O objetivo geral do trabalho será o de examinar as soluções inspiradas na doutrina contextualista com vistas à redefinição da terapia comportamental como modelo de intervenção baseado nos princípios da análise do comportamento. Os objetivos específicos serão basicamente: a) caracterizar a orientação filosófica contextualista e sua apropriação como recurso para a superação de limitações do behaviorismo radical skinneriano; b) identificar como o princípio da análise funcional é elaborado no contexto das reflexões de behavioristas contextualistas, e c) examinar como este princípio aparece no debate sobre a demanda por sistemas de classificação e diagnóstico clínico. 21 219 21 91 O trabalho está dividido em duas partes. Na parte I, discute-se a noção de análise funcional e a filosofia contextualista. A análise será iniciada com uma revisão do conceito de análise funcional e de sua apropriação no âmbito da terapia analítico- comportamental (Capítulo 1). Esta revisão será posteriormente tomada como referência para a discussão das propostas de Hayes e colaboradores. No Capítulo 2, a filosofia contextualista será apresentada, evidenciando-se os aspectos centrais de sua adoção por behavioristas contextualistas. Na parte II, os diferentes modo como Hayes e seu grupo de trabalho falam da relação do contextualismo com a análise do comportamento e com o behaviorismo radical serão apontados (Capítulo 3). Será também indicado como estes autores sugerem a aplicação clínica das possibilidades geradas com a adoção do behaviorismo contextualista. No Capítulo 4, algumas proposições dos behavioristas contextualistas para uma prática clínica comportamental serão examinadas e discutidas, a partir de textos que se inserem no debate sobre sistemas de classificação e diagnóstico clínico, com destaque para as noções de comportamento e de análise funcional veiculadas. No capítulo 5, serão sistematizados possíveis contribuições e limites do behaviorismo contextualista. 22 229 22 91 Capítulo 1 ANÁLISE FUNCIONAL: CONCEITO E APLICAÇÃO NA INTERVENÇÃO CLÍNICA A análise de relações funcionais representa um modelo de interpretação e investigação dos fenômenos naturais, que estará presente no projeto skinneriano de constituição da psicologia como ciência do comportamento. Originalmente, o conceito foi empregado por Skinner com o sentido atribuído pelo físico Ernst Mach (1838-1916): identificação de relações ordenadas entre eventos da natureza. Na proposição do reflexo como unidade básica de análise de uma ciência comportamental, descrição e explicação científicas foram interpretadas como coincidindo com a especificação de relações ordenadas entre (classes de) estímulos e respostas, portanto requerendo a análise funcional (cf. Skinner, 1931/1961a) 6. 1.1 Análise Funcional e Behaviorismo Radical A análise funcional promove a identificação de relações de dependência entre eventos, ou de “regularidades na relação entre variáveis dependentes e independentes” (Chiesa, 1994, p.133), mas com respeito às quais o uso dos conceitos de causa e efeito não seria mais apropriado, uma vez que implicaria suposições 6 Moore (1984) aponta que no livro Verbal Behavior, Skinner trata descrição e explicação como empreendimentos contínuos e não isomórficos. A descrição envolveria a especificação topográfica e a explicação corresponderia à indicação das variáveis das quais o comportamento sob análise é função. Pode-se dizer, no entanto, que ao identificar descrição com explicação (e.g. Skinner, 1931/1961a) a preocupação de Skinner estaria em ressaltar que uma descrição “completa” do comportamento requer a indicação de relações funcionais; de outro lado, a limitação da explicação àquelas descrições representaria a interdição de recursos explicativos que apelam a eventos localizados num plano diferenciado daquele das relações ambiente-comportamento. Assim, a proposição de que descrição e explicação são, para Skinner, esforços contínuos, está correta tanto quanto se observe que descrições topográficas são descrições parciais do fenômeno comportamental e explicações comportamentais são aquelas que permanecem no nível das relações organismo-ambiente. 23 239 23 91 (metafísicas) além do alcance de uma ciência (cf. Skinner, 1953/1965)7. A descrição de relações ordenadas entre eventos encontra um modo de expressão na matemática. O reflexo, por exemplo, pode ser expresso pela equação “R = f (S)”, onde “R” é a resposta e “S” o estímulo (cf. Skinner, 1931/1961a). A relação especificada por aquela equação é uma relação “funcional” no sentido de que o primeiro termo (a resposta) é abordado enquanto função do (causado pelo) segundo termo da equação (o estímulo). A noção de causação aqui implicada é do tipo mecânica e será abandonada por Skinner na medida em que o modelo de seleção por conseqüências vai sendo admitido como modelo causal apropriado para a interpretação do fenômeno comportamental (cf. Micheletto, 1995). Com o advento do modelo de seleção por conseqüências, a análise funcional estará associada a uma noção selecionista, não mecanicista, de causalidade. No lugar da busca por um agente originador do comportamento, a análise se volta para o reconhecimento da múltipla e complexa rede de determinações de instâncias de comportamento, representada pela ação em diferentes níveis (filogênese, ontogênese e cultura) das conseqüências do comportamento sobre a probabilidade de respostas futuras da mesma classe. O princípio selecionista apresenta-se como um princípio explicativo derivado da investigação do comportamentooperante. Como apontado por Chiesa (1992) a “seleção como modelo causal não é uma suposição; ela é empiricamente validada em experimentos de condicionamento operante, que 7 Skinner (1953/1965) falará destas implicações afirmando: Os termos 'causa' e 'efeito' não são mais amplamente usados na ciência. Eles têm sido associados a tantas teorias da estrutura e da operação do universo que podem significar mais do que os cientistas querem dizer. Os termos que os substituem referem-se, porém, ao mesmo núcleo fatual. Uma 'causa' torna-se uma 'mudança numa variável independente' e um efeito, 'uma mudança em uma variável dependente'. A antiga conexão causa-efeito torna-se uma 'relação funcional'. Os novos termos não sugerem como uma causa produz seu efeito; eles meramente afirmam que eventos diferentes tendem a ocorrer juntos em uma certa ordem. Isso é importante, mas não é crucial. Não há nenhum perigo particular no uso 24 249 24 91 demonstram a modelagem e manutenção de comportamentos complexos por contingências complexas” (p.1291). A adesão a um modelo causal selecionista, com o advento do conceito de operante, representará, ainda, uma reelaboração do funcionalismo skinneriano. A análise deve agora se voltar para as “funções” das respostas e para os modos através dos quais as mudanças por elas produzidas afetam a probabilidade de comportamento futuro. A análise funcional requerida passa a ser aquela que identifica relações de tríplice contingência responsáveis pela aquisição e manutenção de repertórios comportamentais. No sistema skinneriano, uma explicação da categoria de comportamento mais importante, o comportamento operante, será encontrada na avaliação das contingências de reforçamento predominantes. Uma contingência especifica a inter-relação entre uma condição antecedente, uma resposta e uma conseqüência alcançada pela resposta. A relação funcional que existe é a relação entre a resposta e sua conseqüência, indicada pela condição antecedente; juntas [as condições antecedentes e conseqüentes] constituem a variável independente e a resposta em questão, a variável dependente. A variável dependente é tipicamente tratada em termos de probabilidade da taxa de resposta. Diz-se que o controle é exercido sobre a probabilidade de resposta pelo conjunto de inter-relações chamado contingência (Moore, 1984, p.87). O funcionalismo analítico-comportamental, seja em sua elaboração mecanicista, seja na versão selecionista, representará um afastamento frente a abordagens de de 'causa' e 'efeito' em uma discussão informal, se estivermos sempre prontos a substituí-los por suas contrapartidas mais exatas (Skinner, 1953/1965, p.23). 25 259 25 91 orientação estruturalista na psicologia. Originalmente, o estruturalismo havia se manifestado na psicologia do século XIX com um viés mentalista, a exemplo do projeto científico de Wundt. Mas também no interior de abordagens comportamentais o estruturalismo pode se sugerir, quando a análise tem como foco a especificação topográfica do comportamento, em detrimento das relações funcionais entre organismo e ambiente. O recorte analítico-comportamental, ao contrário, sugerirá que a especificação topográfica não deve ir além do que permite apreender as relações ordenadas entre ambiente e comportamento (cf. Skinner, 1935/1961b). Na ciência skinneriana, a busca de relações funcionais estará sempre associada ao reconhecimento da multideterminação do fenômeno comportamental e à seleção de um recorte específico como domínio da análise do comportamento – o das relações do organismo como um todo com eventos do ambiente a sua volta. Os analistas do comportamento procuram relações causais na interação entre comportamento (a pessoa ou outro organismo) e aspectos de seu ambiente. Esta ênfase não nega contribuições de aspectos genéticos, biológicos, bioquímicos, neurológicos e outros do organismo. Ela simplesmente identifica os tipos de relações causais buscadas pela ciência comportamental skinneriana; ela é a direção na qual os analistas do comportamento procuram as relações que explicam seu objeto de estudos (Chiesa, 1994, pp.114-115). A complexidade do fenômeno comportamental adquire amplo reconhecimento na medida em que o comportamento humano torna-se o objeto central da análise 26 269 26 91 skinneriana8. É sobre o homem que operam os três conjuntos de variáveis ambientais (filogenéticas, ontogenéticas e culturais), conjugando determinações de modos únicos e gerando uma variada gama de repertórios comportamentais. Micheletto (1995) aponta que: A variabilidade, ao nível humano, está associada a determinações múltiplas – a multiplicidade e variabilidade presentes em cada nível de determinação se potencializam ao se conjugarem os vários níveis, tornando pouco provável semelhanças nas condições de determinação do comportamento. Estas determinações se inter-relacionam, agindo juntas ou às vezes de forma conflitante e produzindo também efeitos múltiplos (Micheletto, 1995, p.167). A variabilidade pode também ser abordada com os conceitos correspondentes aos produtos daqueles conjuntos de variáveis que afetam o indivíduo: a filogênese produz o organismo, a ontogênese produz a pessoa (ou as pessoas, muitas vezes sob a mesma pele9) e a cultura produz o self (conjunto de estados internos observados) (cf. Skinner, 1989a). Desse modo, o caráter idiossincrático do que resulta dos diferentes 8 Micheletto (1995) sugere que tanto o interesse de Skinner pelo comportamento humano aumenta com o desenvolvimento de sua obra, quanto o reconhecimento da complexidade do fenômeno comportamental assume maior dimensão com a elaboração do modelo de seleção por conseqüências. Diz ela: O foco do interesse no fazer do organismo se mantém, mas adquire um novo sentido e toma amplas dimensões no decorrer [da] obra [de Skinner]; na fase final de sua obra seu interesse dirige-se principalmente para o fazer humano. Há uma ampliação de seu objeto de estudo, ou seja, seu objeto abarca o comportamento humano em toda a sua complexidade (p.154). Durante toda a sua obra, Skinner trabalha com o comportamento como objeto de estudo, mas a abrangência do que pode ser entendido como comportamento se estende no desenvolvimento de sua ciência.... Skinner mantém a suposição, do primeiro momento de sua obra, de que o comportamento é determinado, mas apresenta uma noção de determinação muito ampliada. As determinações se tornam múltiplas e variáveis na medida em que uma nova noção de determinação se desenvolve (p.160). 9 Diz Skinner (1989a): “As contingências de reforçamento operante ... dão origem a repertórios chamados pessoas. Diferentes contingências produzem diferentes pessoas, possivelmente sob a mesma pele, como mostram os exemplos clássicos de múltiplas personalidades” (Skinner, 1989a, p.28). 27 27927 91 níveis de variação e seleção estende-se para além dos repertórios comportamentais, alcançando também as próprias condições orgânicas e os eventos privados de cada um. Micheletto (1997b) sugere que com o conceito de operante e com o modelo de seleção por conseqüências torna-se discutível se uma análise funcional pode/deve ater- se à identificação das variáveis atuais às quais o comportamento está funcionalmente relacionado. Na medida em que o fenômeno comportamental passa a ser abordado não apenas do ponto de vista da relação presente entre variáveis, mas, também, do modo como tais relações são produzidas e/ou mantidas, uma outra perspectiva de análise se instaura. Micheletto (1997b) deriva das afirmações de Skinner sobre o assunto duas possibilidades: a primeira, de supor “que as conseqüências passadas não participam das relações funcionais. Sendo assim, o que eu posso falar do comportamento não incorpora suas características significativas” (p.9). A segunda possibilidade é colocada nos seguintes termos: podemos... supor que as conseqüências passadas participam da análise funcional, o que implicaria mudanças na noção de relação funcional. Resta responder como incorporar outras variáveis. Considerando uma diversidade de sentidos que se pode atribuir a variáveis ambientais – ambiente externo, ambiente interno, ambiente imediato, ambiente relacionado à história passada, ambiente genético, ambiente cultural ou social – que variáveis deveriam estar envolvidas na função? Como considerar na função variáveis de complexidade tão diversa e pertencentes a dimensões temporais tão distintas? Seria possível manter a noção de função matemática? (Micheletto, 1997b, p.9). No mínimo, a discussão levantada por Micheletto (1997b) significa que a análise funcional requerida para a compreensão do fenômeno comportamental muda 28 289 28 91 substancialmente com a transição de uma causalidade mecânica para uma causalidade selecionista; muda, entre outras coisas, para dar conta da complexidade dos processos de determinação do comportamento e do caráter idiossincrático de seus produtos. Trata- se, neste caso, ou de reformar o conceito de “análise funcional” para abarcar a rede de determinações que se supõe pertinentes a instâncias comportamentais, ou de notar que a análise funcional concebida como a mera indicação de relações entre variáveis não dá conta dos processos que precisam ser considerados na avaliação e intervenção comportamental. Segundo Micheletto (1997), “parece que em lugar de reiterarmos a noção de relação funcional, como uma noção esclarecida, precisamos no mínimo elucidá-la ou, mais provavelmente, reformulá-la” (p.9). 1.2 Análise Funcional e Terapia Comportamental Na terapia comportamental, a análise funcional tem sido apontada como um fundamento para a avaliação clínica (e.g. Sturmey, 1996) e identificada como o caminho mais efetivo para o planejamento da intervenção (e.g. Carr, 1994; Ferster, 1973; Haynes e O’Brien, 1990; Samson e McDonnell, 1990). A ênfase na busca de relações funcionais é interpretada por Haynes e O’Brien (1990) como resultado tanto da rejeição às abordagens estruturalistas ao estudo dos problemas de comportamento, como da reação ao modelo “causal” e às questões metafísicas que dele se originam. Embora ocupe lugar de destaque nas abordagens comportamentais, pouca atenção tem sido dada à discussão de aspectos teóricos e ao estudo conceitual do termo “análise funcional” (Sturmey, 1996). Assim, diferentes termos têm sido empregados como equivalentes em sua definição: a) “análise do comportamento”, b) “análise comportamental funcional”, c) “avaliação comportamental” e d) “elaboração comportamental de caso” (cf. Haynes e O’Brien, 1990, p.654). Ao lado disso, observa- 29 299 29 91 se o uso de um mesmo termo genérico com diferentes conotações (cf. Haynes e O’Brien, 1990; Sturmey, 1996). Isso tem expressado um desacordo sobre a definição de análise funcional, seus supostos subjacentes, seus métodos de derivação, seus componentes relevantes e seu domínio de utilidade. Estas inconsistências impedem a comunicação entre analistas do comportamento sobre as características da análise funcional e seu papel na terapia comportamental (Haynes e O’Brien, 1990, p.654). A existência de diferentes conotações para o termo “análise funcional”, ou diferentes interpretações do que seria uma intervenção clínica baseada na análise funcional, espelha uma diversidade de entendimentos do que tem sido apresentado como característica central da intervenção em terapia comportamental. As soluções para tal diversidade elaboradas por alguns autores são também diferenciadas e ilustram a dificuldade corrente na área. Alguns trabalhos mais recentes sobre o tema são discutidos a seguir, com o intuito de explicitar algumas das divergências e os aspectos com respeito aos quais parece ser possível traçar algum consenso. Owens e Ashcroft (1982) apontam que a ampla adoção da análise funcional na psicologia clínica tem como precursores usos diferenciados na matemática-física e nas ciências social-biológicas. Na matemática e na física, o uso da análise funcional corresponde à “especificação das variáveis às quais um fenômeno está relacionado” (p.181), sem referência a causalidade. Nas ciências sociais e biológicas, a indicação das variáveis relacionadas envolve a explicação das funções de um fenômeno, ou “a forma da relação entre as variáveis especificadas” (p.182), o que conduz a uma indicação de causalidade. A psicologia conjugaria as duas perspectivas, na medida em que se ocupa “tanto dos determinantes do comportamento, quanto da forma das relações entre tais determinantes e o comportamento” (p.182). 30 309 30 91 Limitado à identificação de variáveis relacionadas ao fenômeno comportamental e ao modo como essas relações ocorrem, o uso psicológico da análise funcional não constitui uma teoria, mas apenas “uma estratégia para a resolução de problemas” (Owens e Ashcroft, 1982, p.188). Também não está comprometido com nenhuma “perspectiva teórica particular”10 (p.188), embora implique a adesão ao “paradigma ABC”, a “investigação do comportamento (B), seus antecedentes (A) e suas conseqüências (C)” (p.188). Owens e Ashcroft (1982) também salientam que, enquanto estratégia, a análise funcional aplica-se tanto a clientes individuais quanto institucionais. No entanto, especificamente abordando seu uso clínico na avaliação e intervenção com clientes individuais, ressaltam o caráter idiossincrático de seus produtos. Na prática, é claro, é normal que a análise funcional seja altamente complexa e, como decorrência, específica àquele indivíduo. Consequentemente, a intervenção será ela própria complexa e individual, e freqüentemente envolverá uma combinação de várias estratégias de intervenção que visam a lidar com todo um arranjo de variáveis e processos que contribuem para o problema. É improvável, então, que a intervenção baseada na análise funcional seja similar, mesmo quando os comportamentos problema apresentam similaridade; em vez disso, a similaridade da intervenção estará relacionada comuma similaridade de significação funcional. Em particular, o reconhecimento da ampla gama de relações funcionais que se pode obter do comportamento entre terapeutas e clientes sugere que o analista funcional, 10 Segundo Owens e Ashcroft (1982) a observação freudiana de que a “agorafobia pode servir à função de evitar situações que produzem ansiedade pode claramente ser vista como constituindo uma análise 31 319 31 91 raramente, se é que em alguma circunstância, fará generalizações amplas com respeito á intervenção (pp.183-184). Hawkins (1986) também destaca o caráter idiográfico da intervenção baseada na análise funcional. Diz ele que “as funções que se descobrirá em um caso individual serão únicas, individuais, ou idiográficas” (p.371). De forma semelhante, no interior de um mesmo caso, dada a complexidade das redes de determinação de instâncias de comportamento, a pluralidade de análises funcionais é possível. “O número de análises funcionais alternativas para casos clínicos é infinita e mesmo o número de análises funcionais precisas (efetivas) para um caso particular é provavelmente muito grande” (p.373). Hawkins faz os comentários acima no contexto de uma discussão sobre a validade, para os analistas do comportamento, de sistemas nomotéticos de classificação e diagnóstico, particularmente o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – APA, 1994), naquela ocasião em sua terceira edição. O debate sobre a compatibilidade de uma perspectiva funcional na avaliação e intervenção clínicas com sistemas nomotéticos de classificação e diagnóstico será abordado adiante neste trabalho. Do ponto de vista da análise de Hawkins, o autor apresenta argumentos contrários a tal compatibilidade, mas também indica a existência de trabalhos favoráveis ao uso do DSM por terapeutas comportamentais. Uma revisão mais sistemática dos usos da análise funcional na terapia comportamental é apresentado por Haynes e O’Brien (1990). Os autores identificam na literatura da terapia comportamental onze definições diversas para a análise funcional: a) “uma especificação de comportamentos alvo” (p.653); b) “demonstrações de ‘controle’ através da manipulação de variáveis controladoras (causais) hipotetizadas funcional” (p.184), tanto quanto a análise comportamental de Fester para a depressão. 32 329 32 91 (p.653); c) “especificação de fatores controladores para uma classe de problemas de comportamento, em vez de para um caso individual” (p.654); d) “identificação de fatores situacionais (setting factors)” (p.654); e) “relações estímulo-resposta ou resposta-resposta” (p.654); f) “fatores motivacionais e de desenvolvimento” (p.654); g) “identificação de relações funcionais potenciais, alternativas àquelas em operação para um cliente” (p.654); h) “previsões sobre o comportamento de um cliente” (p.654); i) “especificação de componentes da resposta” (p.654); j) “integração global conceitual de problemas de comportamento, variáveis causais e mediacionais, recursos, e assim por diante” (p.654). Adicionalmente, afirmam que a análise funcional ora é definida como processo, ora como produto. Haynes e O’Brien (1990) apontam dois fundamentos epistemológicos da análise funcional, em sua apropriação pela terapia comportamental: a rejeição do estruturalismo e a evitação de questões metafísicas. Dizem eles: Uma ênfase em relações funcionais na terapia comportamental tem duas origens interdependentes: a) uma rejeição da abordagem estruturalista para compreender problemas de comportamento; e b) uma evitação de algumas questões metafísicas associadas como o foco em relações “causais” (Haynes e O’Brien, 1990, p.650). Na definição proposta por Haynes e O’Brien (1990), a análise funcional é “a identificação de relações funcionais importantes, controláveis e causais, aplicável a um conjunto especificado de comportamentos alvo para um cliente individual” (p.654). Entretanto, nos limites da proposição dos autores, “apenas algumas variáveis funcionalmente relacionadas a um comportamento alvo serão causais, controláveis e importantes” (p.654). A restrição de variáveis defendida por Haynes e O’Brien é assim justificada e exemplificada: 33 339 33 91 É importante reconhecer que muitas variáveis podem ser notáveis e de interesse para os cientistas comportamentais, mas não enfatizadas em uma análise funcional. Por exemplo, uma história de abuso sexual na infância pode ser um determinante importante de relações adultas interpessoais perturbadas... e certamente mereceria atenção empírica e social. No entanto, uma análise funcional de um adulto com déficit severo de habilidades sociais, que tenha sido abusado sexualmente na infância, irá focalizar mais provavelmente variáveis controláveis, como comportamentos de iniciação social e de recepção, expectativas de resultados e de auto-eficácia, reflexões, auto-instruções, rótulos e/ou respostas psicofisiológicas. Uma análise funcional, portanto, nem sempre “explica” o comportamento, no sentido de identificar todas as variáveis causais importantes. Em vez disso, ela identifica variáveis causais importantes, que podem ser manipuladas ou [colocadas] sob controle do cliente ou do analista do comportamento (p.655). Adicionalmente, de acordo com Haynes e O’Brien (1990), uma análise funcional poderá incluir “efeitos associados a mudanças no problema do comportamento alvo, que ocorrem como resultado do tratamento” e “relações entre variáveis causais”, bem como “diferenciar-se da avaliação comportamental” (p.655). No que diz respeito à distinção entre análise funcional e avaliação comportamental, Haynes e O’Brien observam que a primeira é parte da segunda. Ao contrário da avaliação comportamental, a análise funcional não seria um método, mas um “possível produto da aplicação de métodos de avaliação comportamental” (p.655). Outra consideração é que relações funcionais podem “variar em nível”. A ênfase deveria recair, portanto, no nível “mais relevante para a aplicação pretendida” (pp.655-656). Desse modo, “uma análise funcional que 34 349 34 91 enfatize fatores farmacológicos [levará em conta] mais variáveis em um nível micro, do que uma que examine fatores de sistemas comportamentais ou sociais” (p.656). Haynes e O’Brien apontam ainda que as análises funcionais “podem ser dirigidas a objetivos comportamentais, tanto quanto a comportamentos alvo” (p.656) e são “relevantes para todos os problemas comportamentais que são função de variáveis controláveis”. Por fim, acrescentam que “as análises funcionais são idiográficas (abordam relações causais para problemas de comportamento de clientes individuais), e não nomotéticas (abordam relações causais para um problema de comportamento de vários clientes)”.Samson e McDonnell (1990) também enfatizam a ausência de um consenso sobre o que significa análise funcional no contexto clínico e apontam, assim como Owens e Ashcroft (1982), a existência de pelo menos dois usos diversos do termo “função”: um na matemática, outro nas ciências biológicas e sociais. Na primeira, o termo função remete à especificação de quais variáveis estão relacionadas; nas segundas, a como essas variáveis se relacionam. O uso “psicológico” da análise funcional combinaria os dois usos, ocupando-se dos “determinantes do fenômeno e das relações entre esses determinantes e o fenômeno” (Samson e McDonnell, 1990, p.260). A diversidade de funções dos comportamentos humanos, segundo Samson e McDonnell (1990) conferem a instâncias da análise funcional psicológica um caráter particular e limitado: Uma análise funcional pode ser altamente complexa e, como decorrência, específica ao indivíduo. É improvável que sejam exatamente as mesmas as intervenções que as análises funcionais podem recomendar para dois problemas que pareçam ser similares. Quaisquer similaridades entre as intervenções estarão relacionadas à similaridade das funções a que os problemas servem. Isso significa que não é possível, quando se usa uma 35 359 35 91 abordagem analítica funcional, fazer generalizações amplas sobre a intervenção a ser realizada ou sobre o estilo com que deve se apresentar (Samson e McDonnell, 1990, p.260). O uso da análise funcional não estaria restrito, porém, a um quadro conceitual particular; ao contrário, pode ser visto como independente de sistemas teóricos específicos. Partindo desta posição, Samson e McDonnell (1990) propõem uma definição de análise funcional nos seguintes termos: a análise funcional é um método de explicar fenômenos, que envolve a geração de hipóteses com respeito a dados observáveis e não observáveis. Ela busca explicar e prever a(s) função(ões) de um fenômeno através do exame das relações que contribuem para ele (p.261). A admissão de referência a “não observáveis” sustenta-se, na argumentação de Samson e McDonnell (1990), tanto na postulação de que a análise funcional não exige a adesão a uma teoria que interdite tal referência, quanto na suposição de que disso depende um maior alcance das hipóteses explicativas. Alguns fenômenos psicológicos (medo, ansiedade, por exemplo) são vistos como multidimensionais, envolvendo componentes comportamentais, cognitivos e fisiológicos. A referência a inobserváveis, sob a forma de construtos hipotéticos, “é essencial para aumentar a força explanatória de uma Análise Funcional” (p.261), como também para facilitar “a geração de um grande número de hipóteses, algumas das quais merecedoras de exame empírico” (262). Jones e Owens (1992) comentam a interpretação de Samson e McDonnell (1990) para a análise funcional recomendando cuidado com a referência a “variáveis que existem apenas num nível teórico” (p.37). Tais referências são admissíveis apenas se “nos ajudam a prever e controlar... eventos externos” (p.38). McDonnell e Samson 36 369 36 91 (1992) observam que as ponderações de Jones e Owens não explicitam uma posição com respeito à definição de análise funcional proposta por Samson e McDonnell. Acrescentam que a proposição de aceitação da referência aos inobserváveis não vem acompanhada de uma negligência para com as metodologias empíricas; ao contrário, busca integrar capacidade preditiva com força explicativa. Em um dos trabalhos mais recentes sobre o uso clínico da análise funcional, Sturmey (1996) acrescenta à lista de Haynes e O'Brien (1990) sete definições diversas para o termo análise funcional: 1) “afirmações que dizem respeito à forma matemática da relação entre diferentes variáveis” (p.8); 2) “afirmações relativas à função ou propósito do comportamento” (p.8); 3) “abordagem ateorética, genérica, para avaliação e elaboração de caso” (p.8); 4) “análises funcionais descritivas ecléticas” (p.8); 5) “análises funcionais descritivas comportamentais” (p.8); 6) “uso do termo exclusivamente para manipulações experimentais de variáveis, a fim de demonstrar relações funcionais entre comportamento e ambiente” (p.8); e 7) “análise funcional como método de tratamento ou como componente do tratamento” (p.8). Alguns esclarecimentos de Sturmey sobre as definições citadas são úteis para a visualização do alcance da análise funcional no contexto clínico. Na explicação da primeira definição, Sturmey (1996) salienta que as relações matematicamente descritas podem não ser de causação, mas de correlação. Não está contida na versão matemática da relação funcional a referência à função adaptativa de uma classe de variáveis ou uma indicação necessária de causação. A segunda definição, um outro “tipo de funcionalismo” (p.11), envolveria a suposição de que “os comportamentos sob consideração servem a um propósito para o indivíduo” (p.11). A terceira definição coincide com a proposição de Samson e McDonnel (1990), segundo a qual a análise funcional não tem compromisso estreito com qualquer abordagem teórica. 37 379 37 91 A quarta definição pode ser tomada como uma variação da terceira, na medida em que acrescenta simplesmente a possibilidade de se conciliar apelos a variáveis comportamentais e cognitivas no interior de um mesmo tipo de aplicação da análise funcional. A quinta definição é apontada por Sturmey como mais diretamente vinculada à tradição da análise aplicada do comportamento11. Além do foco no comportamento desajustado, descrição das contingências atuais responsáveis pelo comportamento e ausência de manipulação experimental das variáveis envolvidas, as seguintes características desta versão da análise funcional são citadas: definição operacional do comportamento (enquanto classe funcional), especificação funcional das conseqüências que mantêm o comportamento (e.g. referências a reforçadores positivos e negativos), distinção entre variáveis antecedentes e operações estabelecedoras e, finalmente, inclusão dos eventos privados na análise, enquanto eventos comportamentais (estímulos antecedentes/conseqüentes, comportamentos). A sexta definição para análise funcional citada por Sturmey representa a restrição da referência a relações funcionais experimentalmente verificadas. A última definição corresponde a tomar-se o tratamento como oportunidade para prover ao cliente um treinamento em análise funcional, de modo que possam “desenvolver uma análise funcional de seu próprio comportamento e assisti-los para que usem a análise funcional para mudar seu próprio comportamento” (Sturmey, 1996, p.18). Na interpretação de Sturmey (1996), a definição de análise funcional proposta por Haynes e O’Brien (1990) está baseada num reconhecimento da multicausação do comportamento e do caráter probabilístico de instâncias de relações inferidas. Desse 11Um exemplo do uso da terminologia apresentada por Sturmey (1996) pode ser encontrada em Lopes (1997), onde a autora apresenta a sistematização de uma análise funcional comportamental descritiva de comportamentos de enfrentamento de mulheres com câncer
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