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Relatório de leitura crítica da disciplina de Formação Humanística I - Universalismos, diferenças e desigualdades sociais, da Universidade Federal de São Paulo, elaborado durante o primeiro semestre de 2017 sob orientação do Prof. Dr. Salvador Schavelzon. Texto Base: HARVEY, D. "Que fazer? E quem vai fazê-lo?". Em: O Enigma do Capital e as crises do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 175-209. Texto para Seminário: HALL, Stuart. "A identidade em Questão". "Globalização". Em: A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro. DP&A Ed, p. 7-22 e 67-77, 2006 [1992] Stuart McPhail Hall nasceu em Kingston, na Jamaica no ano de 1932 em uma família negra de classe média. Teve uma formação clássica como sociólogo no Jamaica College e sempre se envolveu com questões políticas como a independência da Jamaica e a luta pela liberdade de seu povo. Suas influências teóricas estão em T. S. Eliot, James Joyce, Freud, e, principalmente, Marx e Lenin. Mais tarde, muda-se para a Inglaterra para estudar na Universidade de Oxford. Lá, inicia seu estudo e pesquisa sobre cultura e sociedade. Seu principal trabalho é desenvolvido em 1973, sobre codificação/decodificação do discurso televisivo, que relativiza o significado das mensagens midiáticas de acordo com o contexto do receptor. Suas ideias principais giram em torno da herança do colonialismo e as formas de coerção e hegemonia política e cultural. Principalmente em sobre a relação entre preconceito racial e mídia, e sua fortíssima influência nos estudos culturais contemporâneos. O autor estuda profundamente noções de identidade cultural, raça e etnia, em sua obra, A identidade cultural na pós-modernidade. Ele acreditava que a identidade - principalmente cultural -, é um produto da história, e continua a se ressignificar. A identidade cultural na pós-modernidade A questão da identidade está sendo bem discutida no meio dos teóricos sociais, considerando que as velhas identidades, ou seja, de sujeitos “unificados” (que trazem a ideia de pertencimento a certa cultura: étnica, racial, linguística, religiosa ou nacional) encontrou-se em declínio dando assim lugar às novas identidades (indivíduos modernos e fragmentados), ocasionando uma profunda crise identitária. A crise em si foi resultado de diversas mudanças, tal como a transfiguração das estruturas e processos da sociedade moderna. O livro sustenta-se na ideia de descentração das identidades modernas e na forma como se desenvolveram suas consequências. As considerações do autor são provisórias e abertas à contestação, considerando o fato de que até mesmo a comunidade sociológica diverge em suas opiniões sobre a temática por conta de “identidade” ser um conceito muito complexo e pouquíssimo desenvolvido, bem como compreendido, nas Ciências Sociais. Para quem crê na veracidade do colapso das sociedades, ocorre fundamentado nas mudanças estruturais do final do século XX, que decorrem a partir da fragmentação das paisagens culturais de gênero, classe, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade que no passado forneciam sólidas localizações como indivíduos sociais. A dita descentração do sujeito se mostra ambígua, podendo ser entendida como o deslocamento dos indivíduos em seu lugar social e cultural ou o deslocamento dos indivíduos em si, a chamada “crise de identidade”. 1 Partindo desse conceito de processos de mudança tão fundamentais e abrangentes, uma dúvida move o discorrer da obra: não seria a própria modernidade que estaria convertendo-se? As três concepções de identidade Para tentar responder à algumas perguntas de seu livro, Stuart Hall dividiu as identidades em três concepções diferentes. As identidades se distinguem nessas três concepções, muito distintas, de acordo com os tipos de sujeito, que o autor também dividiu em três: sujeito do Iluminismo, sujeito sociológico e sujeito pós-moderno. Para o sujeito do Iluminismo, os indivíduos nascem com um núcleo interior, uma identidade, que se desenvolve com ele com o passar do tempo mas continua sempre essencialmente o mesmo. Ou seja o núcleo interior continua idêntico do nascimento até a morte. Essa identidade é autônoma e autossuficiente, ou seja, depende apenas do indivíduo e de nada mais. Com a chegada da modernidade e a complexificação da sociedade, percebeu-se que era muito simplista dizer que a identidade do indivíduo dependia apenas dele e era inalterável. A partir desse advento, surgiu o sujeito sociológico. Para o sujeito sociológico, a identidade ganha um caráter mais interativo. De acordo com essa concepção, a identidade não depende mais apenas do indivíduo mas sim de uma interação dele com a sociedade na qual está contido. Ou seja, ela não é mais auto suficiente e imutável pois modifica de acordo com o "mundo cultural" no qual está inserido. O sujeito sociológico rompe em parte com o sujeito do Iluminismo pois já considera que existe um diálogo entre sociedade e indivíduo para formar a identidade, mas não rompe totalmente pois ainda considera a existência de um núcleo interior único. Com a chegada da pós modernidade, mudanças estruturais e institucionais fizeram com que a sociedade se complexifica ainda mais, fazendo com que os mundos culturais únicos das sociedades entrassem em colapso. Com isso, a concepção de identidade do sujeito sociológico perde o sentido e surge o sujeito pós-moderno. Para ele, não existe identidade fixa, essencial ou permanente. No lugar do núcleo interior único, surgem diversas identidades, que levam o indivíduo para diferentes lados dependendo do foco do momento em que ele está inserido. Essas multiplicidades de identidades podem inclusive ser contraditórias entre si. Para concluir essa parte, Stuart Hall afirma: a concepção de identidade do sujeito do Iluminismo e sociológico é uma fantasia nos dias atuais, pois, é impossível que na pós-modernidade o indivíduo construa uma identidade única e imutável. Em o caráter da mudança na modernidade tardia, Stuart Hall fala sobre a como a globalização impactou no processo de identidade cultural. Ele explica sobre como as sociedades modernas são rápidas e cheias de mudanças. Em contrapartida, coloca as sociedades tradicionais como estagnadas, que valorizam o passado e os símbolos. Ele cita Anthony Giddens, ao falar sobre uma conexão global, que coloca diferentes partes do globo ligadas umas com as outras. O autor explica também como David Harvey fala da modernidade como um processo infinito de rupturas e fragmentações . Ao falar sobre o posicionamento de Ernest Laclau, usa o conceito de "deslocamento" para explicar a ideia de que as sociedades modernas tem o centro deslocado, ou seja, "uma pluralidade de centros de poder". Ele relaciona os posicionamentos de Giddens, Harvey e Laclau, usando os conceitos 2 de descontinuidade, fragmentação, ruptura, deslocamento. Ele afirma que para se discutir sobre o impacto da globalização, devemos ter esses conceitos em mente. Hall desenvolve a concepção de fragmentação das identidades, ou seja, as identidades deixaram de ser nacionais ,ligadas ao espaço territorial da nação e passa a ser individual. Além disso, cada indivíduo possui várias identidades dentro de si mesmo (como demonstrado no exemplo do texto), estas relacionadasa suas identificações sociais (gênero, etnia, classe, ideologia). Por conseguinte, cada fragmento de identidade possui uma relevância no processo de se tomar uma decisão ou escolher um posicionamento para apoiar, dessa maneira, as várias identidades que habitam em um indivíduo entram em choque nesse processo, sendo o resultado particular de cada caso e cada indivíduo, além de todo seu contexto de tomada de decisão. Globalização A globalização, como fenômeno de interconexão de sociedades a níveis globais, de fato, tem contribuído para a fragmentação das identidades. Sua capacidade de conectar nações e culturas distantes em períodos de tempo cada vez mais curtos minimiza a sensação de pertencimento a uma só identidade e cria sujeitos mais voláteis, podendo se identificar com várias identidades em contextos diferentes. Isso resulta no esquecimento da ideia clássica de sociedade. Com bases bem delimitadas, substituindo-a por uma conjuntura de flexibilidade de intercâmbio social e cultural que ultrapassa os limites nacionais, e se volta para o indivíduo. Embora esse fenômeno seja recente, a globalização em si não o é. O autor cita até a seguinte frase de Guiddens para explicar: "A modernidade é inerentemente globalizante." Ou seja, desde as primeiras pretensões de autonomia estado-nacional, nos séculos XV, XVI e XVII, já haviam condições próximas à globalização, porém com limites no capital. Agora com Wellerstein, salienta que o capitalismo sempre foi um elemento mundial, não compactuando com as fronteiras, barrando suas aspirações. Portanto, tanto a tendência à globalização quanto à delimitação nacional teriam raízes na modernidade. Essas duas tendências se enfrentaram durante muito tempo, com fim nos anos 70, período em que as interações mundiais e os fluxos se aceleraram e intensificaram. Tendo em vista o fenômeno pós-moderno de fragmentação e suas raízes, é necessário agora falar de suas consequências no plano das mentalidades. Stuart Hall propôs três: onda desintegração das identidades nacionais e o consequente rumo à criação de uma cultura só global, variada e focada no indivíduo; a resistência à globalização, com apelo e reforço às identidades nacionais; e, por fim, a hibridização, ou seja, as identidades não desaparecem totalmente, porém se misturam com outras, formando outras. A última fase da globalização, por fim, comprime o espaço-tempo. As identidades, antes localizadas em um espaço-tempo simbólico, tornam-se desvinculadas de lugar, tempo, história e tradições. A aceleração dos processos globais causam o encurtamento das distâncias, criando uma “aldeia” global, e os espaços antes destinados às identidades desaparecem, causando sua distorção. Os novos meios de transporte, telecomunicação e representação causam a destruição do espaço através do tempo e a ressignificação das identidades e a descontinuidade com condições 3 precedentes. No final do século XIX e começo do século XX, a arte e a ciência passam a trazer a representação da identidade em processo de ruptura e fragmentação. Alguns teóricos acreditam que o efeito da globalização tem sido o de enfraquecer ou solapar formas nacionais de identidade cultural, ou seja, a cultura nacional enfraquece. Por outro lado, laços acima e abaixo do nível de estado-nação se reforçam. Nesse sentido, alguns teóricos veem um colapso de todas as identidades culturais fortes, com a interdependência global produzindo fragmentação de códigos culturais,multiplicidade de estilos, ênfase no efêmero, no flutuante, no impermanente e na diferença e no pluralismo cultural em escala global. Os fluxos culturais entre as nações e o consumismo criam "identidades partilhadas", consumidores para os mesmos bens, clientes para os mesmos serviços, públicos para as mesmas imagens, espacialmente distantes. Há verdadeira infiltração cultural que danifica identidades culturais nacionais. Pessoas em aldeias pequenas no "Terceiro Mundo" tem acesso a imagens e mensagens de culturas ricas e consumistas. Calça jeans é um exemplo de uniforme do jovem em qualquer lugar do mundo, tanto pela mercantilização em escala mundial da imagem do jovem consumidor quanto pelo consumo no próprio lugar de fabricação que é longe dos países influenciadores. A questão da comida pode ser exemplificada pela cidade de São Paulo que não tem um padrão e sim uma variedade enorme de tipos culinários. Outros fatores de fragmentação são o mercado global de estilos, as viagens internacionais, a mídia, os sistemas de comunicação global. Tudo isso desvincula as identidades quanto ao tempo, lugar, história, tradição. O consumismo global acaba por tornar as diferenças uma coisa só, há "homogeneização cultural". É possível distinguir duas vertentes: local versus global. Na primeira podemos incluir identidades nacionais, vínculos a lugares, a eventos, a símbolos, a histórias particulares, seria a brasilidade, o estado-nação e seus direitos legais e sua cidadania. Na outra ponta temos a expansão do mercado mundial e a falta de limite para o capitalismo. O enigma do Capital e as crises do capitalismo No livro, Harvey utiliza das grandes crises do século XIX e XX para tecer sua tese sobre o fluxo do capital. O enigma do Capital explicita o papel do capitalismo nos transtornos sociais, culturais e econômicos da pós-modernidade. Que fazer? E quem vai fazê-lo? A evolução do capitalismo foi permeada por crises sociais, econômicas, políticas e sociais. Na tentativa de explicar o processo pelo qual o capital, através das crises, realimenta sua expansão e acumulação o autor evidencia sua natureza: é um sistema irracional. Harvey destaca que está se tornando cada vez mais difícil sustentar a taxa de crescimento aceitável para uma economia capitalista, o que tem levado às crises da ascensão do capital financeiro fictício. 4 A superestrutura econômica é dinâmica demais para ser sustentável. O sistema capitalista só lida com problemas quando se tornam graves. O capitalismo, socialmente, massacra o trabalhador e não possui projeção futura para absorver o capital imaginário. O autor afirma que, embora o comunismo institucionalizado esteja morto, ainda há capacidade intelectual no mundo para encontrar alternativas. Segundo Harvey, é preciso, antes de encontrar solução para as crises sociais e de identidade, encontrar a solução definitiva para o capitalismo. 5
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