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Unidade I LITERATURA BRASILEIRA: POESIA Profa. Ana Lúcia Machado Discurso fundador Estudos literários brasileiros começam a partir do momento em que os portugueses passaram a colonizar o nosso país. Fundou-se uma tradição histórica que considera os textos escritos em língua portuguesa. Inicialmente, por esse povo colonizador; mais tarde, pelos descendentes, já denominados brasileiros. Discurso fundador Eldorado, terra prometida. Terra Brasilis, representação no Atlas Miller (1519). Disponível em: <en.wikipedia.org/wiki/File:Brazil_16thc_map.jpg> Discurso fundador Um dos sentidos atribuídos pelos europeus sobre o mundo novo encontrado, uma América diferente, com paisagens e povo não esperados, é o de terem se deparado com o Eldorado, a Terra Prometida. Com base na memória mítica e bíblica sobre o Paraíso perdido por Adão e Eva e a promessa de reencontro com esse paraíso, os primeiros europeus associaram a terra descoberta americana justamente à essa terra perdida. A América passou a ser simbolicamente instituída como Eldorado, a Terra Perdida, o Paraíso. Discurso fundador No caso do Brasil, a terra foi vista como fértil, abundante e diversificada em sua natureza. Na Carta de Pero Vaz de Caminha (1985), escrita em 1500, temos a primeira fotografia do Brasil: “De ponta a ponta, é tudo praia-palma, muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão terra com arvoredos, que nos parecia muito longa.” Discurso fundador Na Carta de Caminha, o autor descreve o primeiro contato entre os portugueses e os indígenas, que se apresentaram nus aos olhos admirados dos europeus. Nos primeiros contatos, o índio é visto como os primeiros seres humanos, criados por Deus, em estado de inocência, representada pela nudez natural e espontânea. Os portugueses perguntaram-se se não tinham finalmente encontrado o Paraíso. Discurso fundador Quando os portugueses, décadas depois, passaram efetivamente a colonizar o país, vieram grupos religiosos – em especial, os jesuítas (da Companhia de Jesus) – para catequizar aquele povo tão diferente e inocente. Entre eles, estava o padre Manoel da Nóbrega, em cujos discursos também fundadores, escritos em 1557, estabeleceu outros sentidos sobre o povo indígena, que se tornou alvo da ação civilizadora. Discurso fundador O padre Manoel da Nóbrega (apud ORLANDI, 2003) estabeleceu leis para os indígenas: “A lei que lhes hão-de dar é: 1. defender-lhes comer carne humana e guerrear sem licença do governador; 2. fazer-lhes ter uma só mulher; 3. vestirem-se; 4. tirar-lhes os feiticeiros; 5. mantê-los em justiça entre si e para com os cristãos; 6. fazê-los viver quietos, sem se mudarem para outra parte se não for para entre os cristãos, tendo terras repartidas que lhes bastem e com estes padres da Companhia para os doutrinar.” Discurso fundador O primeiro documento escrito em português sobre o Brasil é datado de 1º de maio de 1500. Trata-se da carta destinada ao rei D. Manuel, escrita por Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral. O documento ficou conhecido somente em 1817 e foi divulgado na sua corografia brasílica pelo padre Aires do Casal. Essa carta e as crônicas dos padres e viajantes de diversas nacionalidades formam a corrente literária brasileira denominada Literatura de Informação (séc. XVI e XVII). Interatividade Sobre o período das Descobertas, indique a afirmação falsa: a) Situa-se fora dos fatos comuns, familiares. b) Privilegia os interiores desconhecidos ou vislumbrados. c) É fixo, fugindo continuamente de lugares e regiões diversos. d) É magnífico e exagera tudo o que toca. e) É relativo, adquirindo vida própria em função do sujeito que o percebe. Discurso fundador textos fundadores que registraram suas impressões sobre o contato estabelecido com os índios: Autor Nacionalidade Obra Ano original da obra Pero Vaz de Caminha Português CAMINHA, Pero Vaz de. Carta. In: CASTRO, Sílvio. O descobrimento do Brasil: a carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre: L&PM, 1985. 1500 André Thevet Francês THEVET, André. As singularidades da França Antártica. Trad. Eugênio Amado. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1978. 1555 Discurso fundador Jean de Léry Francês LÉRY, Jean de. Viagem à Terra do Brasil. Trad. Sérgio Milliet. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1980. 1557 Padre José de Anchieta Canarino ANCHIETA, José de. Cartas: informações, fragmentos históricos e sermões. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1988. A partir de 1553 Pero Magalhães Gândavo Português GÂNDAVO, Pero Magalhães. Tratado da Terra do Brasil e a História da Província de Santa Cruz. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1980. 1576 Discurso fundador Gabriel Soares de Sousa Português SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil em 1587. 5ª ed. São Paulo: Nacional; Brasília: INL, 1987. 1587 Hans Staden Alemão STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil. Trad. Guiomar de Carvalho Franco. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1988. 1557 Imagens criadas sobre os índios 1. A boa aparência física dos índios (homens e mulheres): “A feição deles é parda, algo avermelhada; de bons rostos e bons narizes. Em geral são bem feitos” – Caminha (1985: 78). “vermelhos de cor, de mediana estatura, a cara e os membros mui bem proporcionados” – José de Anchieta (1988: 441). “bem conformados e possuem membros bem proporcionados” – Thevet (1978: 102). Imagens criadas sobre os índios 2. A vida comunitária dos índios: “Não existe entre eles propriedade particular, nem conhecem dinheiro” – Staden (1988: 167-172). “quanto têm, é comum a todos os da sua casa que querem usar dele” – Gabriel Soares de Sousa (1987: 313). “Se um deles mata um peixe, todos comem deste e assim de qualquer animal” – Manoel da Nóbrega (apud BASTOS, 2011: 33). Imagens criadas sobre os índios 3. O senso político dos índios: “Em cada aldeia há um principal, que não reconhece superioridade a outro, senão quando sucede haver algum tão cavaleiro que, pelo medo que têm dele, lhe guardam respeito; cada um faz o que quer, sem embargo do principal lhe ordenar o contrário, mas, nas cousas tocantes à guerra, lhe guardam mais respeito” – Ambrósio Fernandes (apud BASTOS, 2011: 37). Imagens criadas sobre os índios “A língua deste gentio toda pela Costa é uma: carece de três letras – scilicet, não se acha nela F, nem L, nem R, cousa de digna de espanto, porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei; e desta maneira vivem sem justiça e desordenadamente” – Pero Magalhães Gândavo (1576). Outros que repetiram a ideia: Brandônio, no texto Diálogos das grandezas do Brasil, de 1618; Frei Vicente do Salvador, no texto História do Brasil 1500-1627, de 1627; Padre Simão de Vasconcelos, no texto Crônica da Companhia de Jesus, de 1663. Imagens criadas sobre os índios 4. A suposta ausência de uma concepção religiosa: “não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências” – Caminha (1985: 94). 5. A antropofagia: “não era para matar a fome, mas por hostilidade, por grande ódio” – Staden (1988: 176). “seu principal intuito é causar temor aos vivos” – Léry (1980: 200). Imagens criadas sobre os índios 6. O senso estético dos índios: “O gosto pelo enfeite é de tal ordem que os índios não hesitavam em “negociar” - Bastos (2011: 48) 7. A relação de parentesco, o casamento e a poligamia na cultura indígena: “Devo dizer com relação ao casamento dos nossos americanos que eles observam tão somente três graus de parentesco; ninguém toma por esposa a própria mãe, a irmã ou filha, mas o tio casa com a sobrinha e em todos os demais graus de parentesco não existe impedimento” – Léry (1980: 223). Interatividade Sobre as imagens criadas nos textos fundadores sobre os indígenas brasileiros: I. são isentas da ideologia cristã e da cultura europeia. II. refletem o ponto de vista dos europeus sobre religião, política etc. III. mostram o estranhamento por parte dos europeus sobre a cultura ameríndia. a) Apenas I está correta. b) I e II estão corretas. c) Apenas II está correta. d) II e III estão corretas. e) Apenas III está correta. Representação do índio na poesia dos séculos XVI e XVII O jesuíta Anchieta recorreu à poesia e ao teatro como meios complementares da ação catequética, que desmantelou o universo simbólico do indígena, por meio de: desmoralização contínua dos pajés, que nunca se enganaram com o programa de salvação e eram, por conseguinte, oponentes dos jesuítas; identificação dos ritos indígenas com a feitiçaria europeia da época; caracterização de suas leis de parentesco como desordem e luxúria. Representação do índio na poesia dos séculos XVI e XVII Conforme o poeta Anchieta (1989: 401), os padres iam: “Com boa intenção, A buscar gente perdida, Que possa ser convertida A Iesu de coração E ganhar a eterna vida.” Representação do índio na poesia dos séculos XVI e XVII “ – Vivemos como selvagens, somos filhos da floresta. Viemos saudar-te [à Virgem Maria], renunciamos os vícios. te acompanharemos entrando no reino do Deus! Vem ensinar-nos a seguir tuas leis vivendo nessa serra não sei muita coisa (continua) Representação do índio na poesia dos séculos XVI e XVII danço aqui à moda dos meus. Hoje, em homenagem à tua visita, Repudiarei meus defeitos. Aproximo-me do verdadeiro Deus. Venerarei suas palavras. – Aqui estou à tua frente – eu, que era um rebelde! Vem abrigar-me Em tua virtude!” – Anchieta (1989: 582). Representação do índio na poesia dos séculos XVI e XVII Bento Teixeira (1561-1600?) escreveu “Prosopopeia”, poema épico de 1601. São 752 versos sobre os feitos de Jorge de Albuquerque Coelho, terceiro donatário da capitania de Pernambuco, narrados por Proteu, deus marinho dotado do poder de profetizar os fatos. Em “Prosopopeia”, os principais pontos do percurso do herói são: sua atuação contra os indígenas no processo de colonização da terra, entre os anos de 1560 a 1565; Representação do índio na poesia dos séculos XVI e XVII sua atribulada viagem a Lisboa, em 1565, na qual enfrentou motins a bordo, tempestades em alto mar, ataques de corsários franceses, e só com muito esforço chegou ao seu destino, trôpego e com poucos remanescentes da tripulação; sua participação malograda na campanha de Alcácer-Quibir (1578), na África, na qual morreu o rei de Portugal, Dom Sebastião (BASTOS, 2011: 63). Representação do índio na poesia dos séculos XVI e XVII Em “Prosopopeia”, a presença do índio é mínima; a primeira referência é encontrada na parte que fala do pai de Jorge Albuquerque Coelho. O pai teria amansado os índios caetés: “O braço invicto vejo com que amansa A dura cerviz bárbara insolente, Instruindo na Fé, dando esperança Do bem que sempre dura e é presente” – Teixeira (1969, estrofe XXVII). Representação do índio na poesia dos séculos XVI e XVII O narrador Proteu cria uma linha genealógica bizarra para reforçar a condição inferior do índio. No poema, os índios descendem de Vulcano, que no poema se opõe às intenções dos portugueses (TEIXEIRA, 1969: soneto XLV): “Porque Lemnio cruel, de quem descende A Barbara progênie, e insolência, Vendo que o Albuquerque tanto ofende, Gente que dele tem a descendência, Com mil meios ilícitos pretende, Fazer irreparável resistência, Ao claro Jorge, varonil, e forte, Em quem não dominava a vária sorte.” Interatividade O poema épico “Prosopopeia”, de Bento Teixeira: a) é um resgate da história dos indígenas brasileiros. b) valoriza a cultura indígena da época da descoberta portuguesa. c) confronta a cultura portuguesa, pois não aceita a imposição religiosa sobre os índios. d) retrata a nobreza portuguesa ultramarina. e) mostra a história real de Portugal. Representação do índio na poesia dos séculos XVI e XVII Gregório de Matos (1633-1696): em suas obras, o índio é presença apenas oblíqua; viveu em século posterior ao de José de Anchieta, numa sociedade menos rudimentar e essencialmente urbana. assim, recorre à figura do índio apenas como dado referencial para ridicularizar as pretensões da aristocracia dos baianos de seu tempo. Representação do índio na poesia dos séculos XVI e XVII “Aos principais da Bahia chamados os Caramurus” – Gregório de Matos (1990: 640). Há cousa como ver um Paiaiá Mui prezado de ser Caramuru, Descendente de sangue de Tatu, Cujo torpe idioma é cobé pá. A linha feminina é carimá Moqueca, pititinga caruru Mingau de puba, e vinho de caju Pisado num pilão de Piraguá. (continua) Representação do índio na poesia dos séculos XVI e XVII A masculina é um Aricobé Cuja filha Cobé um branco Paí Dormiu no promontório de Passé. O Branco era um marau, que veio aqui, Ela era uma Índia de Maré Cobé pá, Aricobé, Cobé Paí. Representação do índio na poesia dos séculos XVI e XVII Gregório de Matos (1633-1696): denuncia a ascendência indígena de suas vítimas, pois para ele a genealogia apresenta-se como motivo de vergonha e não de orgulho. ironiza esse aristocrata “descendente do sangue de Tatu, / cujo torpe idioma é o ‘cobé pá’”. Para o poeta, é pretensão absurda um descendente de branco e índio queira passar por “Caramuru”, isto é, de raça branca. Representação do índio na poesia do século XVIII “Caramuru” (1781), de Santa Rita Durão (1722-1784): poema épico do descobrimento da Bahia; a figura do índio constitui-se ainda de forma secundária; o herói legítimo do poema é o português Diogo Álvares Correia, que teria naufragado nas costas baianas e visto, com pesar, seis companheiros de infortúnio devorados pelos índios. Representação do índio na poesia do século XVIII “Correm, depois de crê-lo, ao pasto horrendo, E, retalhando o corpo em mil pedaços, Vai cada um famélico trazendo, Qual um pé, qual a mão, qual outros os braços; Outro na crua carne iam comendo, Tanto na infame gula eram devassos; Tais há que as assam nos ardentes fossos, Alguns torrando estão na chama os ossos.” (DURÃO, S. R. Caramuru: poema épico do descobrimento da Bahia. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 22.) Representação do índio na poesia do século XVIII “O Uraguai” (1769), de Basílio da Gama (1740-1795): Gama era antijesuíta; a obra serviu como denúncia doimpério clandestino que a Companhia de Jesus teria criado na América, do treinamento militar dado aos indígenas e da opressão e miséria em que os manteria; a ação criminosa dos religiosos, desobedecendo aos reis e preparando os índios para a rebelião, está realçada no discurso narrativo. Representação do índio na poesia do século XVIII “Que negue agora a pérfida calunia, Que se ensinava aos bárbaros gentios A disciplina militar, e negue Que mãos traidoras a distantes povos Por ásperos desertos conduzião O pó sulfúreo, as sibilantes balas, E o bronze, que rugia nos seus muros” (GAMA, Basílio da. O Uraguai. Porto Alegre: L&PM, 2009, Canto IV, 9-15.) Representação do índio na poesia do século XVIII Na obra, os índios são caracterizados de forma heterogênea. Em um primeiro momento, o general português considera os índios rudes e sem valor, mas constata, em seguida, a disciplina militar deles. As qualidades guerreiras dos ameríndios são apontadas em situações belicosas, em que os índios ora insultam e provocam os adversários, ora atacam audaciosamente suas posições. Representação do índio na poesia do século XVIII As personagens indígenas que se destacam pelas virtudes guerreiras são Cepé e Cacambo. Em comum, têm a missão, a posição social elevada e a indumentária: “Já para nosso campo vem descendo, Por mandado dos seus dois dos mais nobres, Sem arcos, sem aljavas, mas as testas De varias, e altas pernas coroadas, E cercadas de penas as cinturas, E os pés, e os braços, e o pescoço” (GAMA, Basílio da. O Uraguai. Porto Alegre: L&PM, 2009, Canto II, 39-44.) Interatividade Na literatura dos séculos XVI, XVII e XVIII, um exemplo de obra que valoriza o homem indígena é: a) “O Uraguai”, de Basilio da Gama. b) “Caramuru”, de Santa Rita Durão. c) “Aos principais da Bahia chamados os Caramurus”, de Gregório de Matos. d) “Prosopopeia”, de Bento Teixeira. e) “Vivemos como Selvagens”, de José de Anchieta. ATÉ A PRÓXIMA!
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