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Movimentação e Armazenagem Unidade IV

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7 LINGUAGEM CRIADORA
A poesia, segundo Bosi (1991), foi a expressão mais pronta para mudanças radicais com o advento 
do Modernismo. A tríade Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Oswald de Andrade rompeu com os 
modelos acadêmicos e incorporou à poesia brasileira as formas livres com criações tão vigorosas e felizes 
que “aos poetas dos anos de 30 seria mister inventar ex nihilo uma nova linguagem” (BOSI, 1991, p. 491). 
 Lembrete
A expressão ex nihilo tem origem na língua latina e significa criação a 
partir do nada.
Esses poetas que se firmaram depois da fase heroica do Modernismo, contudo, conquistaram 
novos temas: a política em Drummond e em Murilo Mendes; e a religião, em Murilo Mendes, Jorge de 
Lima, Augusto Frederico Schmidt e Cecília Meireles. Eles também buscaram uma linguagem essencial, 
metafísica e hermética, como na primeira fase de Vinicius de Moraes, Cecília Meireles, Henriqueta Lisboa 
e Emílio Moura. Além do cerne da preocupação com a linguagem, com a produção do maior poeta 
brasileiro – João Cabral de Melo Neto.
A luta dos românticos, depois dos modernistas, pela autonomia da língua portuguesa no Brasil, 
pois a literatura ou encontrava um caminho autônomo ou permaneceria mera cópia do estrangeiro, 
encontrou respaldo com os primeiros poetas do Modernismo. Assim, os poetas posteriores praticaram 
um português mais próximo da realidade da vida brasileira e em alto nível estético.
7.1 Drummond, afirmação da poesia brasileira
Carlos Drummond de Andrade foi o primeiro grande poeta a se afirmar depois das estreias do 
Modernismo. Ressalta-se que foram poucos os escritores que conseguiram atualizar suas obras, 
para que elas se tornassem veículo de invenção. No caso de Drummond, não restam dúvidas da 
originalidade e permanência estéticas de suas obras, que advêm da língua. O poeta ativa forças 
latentes da língua e acrescenta-lhe novas possibilidades expressivas, inventadas ou dinamizadas, 
em sentido de equilíbrio. 
Os principais historiadores do Modernismo brasileiro costumam incluir a poesia de Drummond na 
segunda fase do movimento, iniciada por volta de 1930. De fato, ele lançou seus primeiros livros nessa 
década, mas o conjunto de sua obra não está limitado às características dessa fase poética. Cada livro 
instaurou quase sempre novo processo poético, novas técnicas e novo processo de linguagem. Como 
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ressalva Teles (1989), o leitor pode notar o amadurecimento e a ampliação de tendências poéticas, 
profundamente criadoras. 
De 1930 a 1945, ocorre o primeiro estágio em sua produção poética, marcado pela objetividade e 
pela preocupação social. A objetividade é concernente à maior proximidade das coisas e à linguagem 
metonímica. Por isso está mais perto dos homens e dos acontecimentos com temas sociais e populares. 
Exemplificam-se dois poemas que mostram a objetividade e a linguagem popular, retirados do livro 
Alguma poesia:
Cidadezinha qualquer
Casas entre bananeiras 
mulheres entre laranjeiras 
pomar amor cantar. 
Um homem vai devagar. 
Um cachorro vai devagar. 
Um burro vai devagar. 
Devagar... as janelas olham. 
Eta vida besta, meu Deus (ANDRADE, 2003, p. 23).
Vemos o processo metonímico na última estrofe do poema a seguir, quando a palavra mão (a parte) 
aparece em lugar do poeta (o todo):
Poema que aconteceu 
Nenhum desejo neste domingo 
nenhum problema nesta vida 
o mundo parou de repente 
os homens ficaram calados 
domingo sem fim nem começo. 
 
A mão que escreve este poema 
não sabe o que está escrevendo 
mas é possível que se soubesse 
nem ligasse (ANDRADE, 2003, p. 17).
Na obra A rosa do povo, os grandes temas sociais e populares atingem o auge literário desde 
Castro Alves. A preocupação com a palavra e com o poema, aliada ao pleno domínio da linguagem, 
faz do livro plataforma de seu novo estágio estilístico. A partir desse livro e de outros lançados 
posteriormente, percebemos uma linguagem poética cheia de inquietações e lançada na construção 
de um universalismo estético conseguido. Agora, a subjetividade apresenta-se mais, e a contiguidade é 
substituída fundamentalmente pela metáfora; por conseguinte, as imagens ganharam maior densidade.
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É, sobretudo, em Lição de coisas que o poeta realiza a plenitude da linguagem, com um mundo 
maravilhoso de relações e sugestões sutis, como na parte V de A palavra e a terra (TELES, 1989, p. 223):
Tudo é teu, que enuncias. Toda forma
Nasce uma segunda vez e torna
Infinitamente o nascer. O pó das coisas
Ainda é um nascer em que bailam mésons.
E a palavra, um ser
Esquecido de quem o criou: flutua,
Reparte-se em signos – Pedro, Minas Gerais, beneditino –
Para incluir-se no semblante do mundo,
O nome é bem mais do que nome: o além-da-coisa,
Coisa livre de coisa, circulando.
E a terra, palavra espacial, tatuada de sonhos,
Cálculos.
A partir de Claro enigma, de 1948-1951, com o desencanto da experiência da poesia política, o autor 
apresenta dois modos principais de compor seus poemas. Segundo Bosi (1991), um deles é aprofundar 
a realidade mediante processo de interrogações e negações que revelam o vazio do homem na matéria 
e na História. 
Conclusão 
Os impactos de amor não são poesia 
(tentaram ser: aspiração noturna). 
A memória infantil e o outono pobre 
vazam no verso de nossa urna diurna. 
 
Que é poesia, o belo? Não é poesia, 
e o que não é poesia não tem fala. 
Nem o mistério em si nem velhos nomes 
poesia são: coxa, fúria, cabala. 
 
Então, desanimamos. Adeus, tudo! 
A mala pronta, o corpo desprendido, 
resta a alegria de estar só, e mudo. 
 
De que se formam nossos poemas? Onde? 
Que sonho envenenado lhes responde, 
se o poeta é um ressentido, e o mais são nuvens? (ANDRADE, 2003, p. 402).
Nas páginas finais da obra, o momento da negatividade é traduzido pela dor do desgaste cósmico, 
como se a sina da queda não tivesse poupado nenhum ser vivo, condenando todo ser existente a 
regredir ao silêncio do reino animal:
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A máquina do mundo
As mais soberbas pontes e edifícios, 
o que nas oficinas se elabora, 
o que pensado foi e logo atinge 
distância superior ao pensamento, 
os recursos da terra dominados. 
e as paixões e os impulsos e os tormentos 
e tudo que define o ser terrestre 
ou se prolonga até nos animais 
e chega às plantas para se embeber 
no sono rancoroso dos minérios, 
dá volta ao mundo e torna a se engolfar 
na estranha ordem geométrica de tudo, 
e o absurdo original e seus enigmas, 
suas verdades altas mais que todos 
monumentos erguidos à verdade; 
E a memória dos deuses, e o solene 
sentimento da morte, que floresce 
no caule da existência mais gloriosa, 
tudo se apresentou nesse relance 
e me chamou para seu reino augusto, 
afinal submetido à vista humana. 
Mas, como eu relutasse em responder 
a tal apelo assim maravilhoso, 
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio, 
a esperança mais mínima — esse anelo 
de ver desvanecida a treva espessa 
que entre os raios do sol inda se filtra; 
como defuntas crenças convocadas 
presto e fremente não se produzissem 
a de novo tingir a neutra faceque vou pelos caminhos demonstrando, 
e como se outro ser, não mais aquele 
habitante de mim há tantos anos, 
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passasse a comandar minha vontade 
que, já de si volúvel, se cerrava 
semelhante a essas flores reticentes 
em si mesmas abertas e fechadas; 
como se um dom tardio já não fora 
apetecível, antes despiciendo, 
baixei os olhos, incurioso, lasso, 
desdenhando colher a coisa oferta 
que se abria gratuita a meu engenho. 
A treva mais estrita já pousara 
sobre a estrada de Minas, pedregosa, 
e a máquina do mundo, repelida, 
se foi miudamente recompondo, 
enquanto eu, avaliando o que perdera, 
seguia vagaroso, de mãos pensas.
Fonte: Andrade (2003, p. 301).
O segundo modo é fazer as coisas e as palavras caírem no vácuo a que a interrogação reduziu os 
reinos do ser. De forma coerente, o poeta passou a uma opção concreto-formalista e radicalizou a 
estrutura que sempre marcou seu modo de escrever. Segundo o próprio poeta:
À medida que envelheço, vou me desfazendo dos adjetivos. Chego a ver 
que tudo pode se dizer sem eles, melhor que com eles. Por que “noite 
gélida”, “noite solitária”, “profunda noite”? Basta “a noite”. O frio, a solidão, 
a profundidade da noite estão latentes no leitor, prestes a envolvê-lo, à 
simples provocação dessa palavra “noite” (apud BOSI: 1991, p. 498).
O rigor da fala madura aliado à contensão é trabalhado nos seus poemas. Agora é um homem 
reificado pela dificuldade de transcender a crise do sentido e de valor. O nome (nominalismo) torna-se 
extremo no poema Isso é aquilo (BOSI, 1991, p. 498):
I
O fácil o fóssil
o míssil o físsil
a arte o infarte
o ocre o canopo
a urna o farniente
a foice o fascículo
a lex o judex
o maiô o avô
a ave o mocotó
o só o sambaqui
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Segundo Bosi (1991), talvez a antilira seja a única forma de comunicação que o poeta pode oferecer 
a seu tempo. Ela corta os vínculos com expressões transparentes de afeto, não para negá-los, mas para 
pôr em evidência a condição absurda do mundo, que deu ao poeta A bomba:
A bomba
A bomba 
é uma flor de pânico apavorando os floricultores 
A bomba 
é o produto quintessente de um laboratório falido
A bomba
É miséria confederando milhões de misérias 
A bomba 
é estúpida é ferotriste é cheia de rocamboles 
A bomba 
é grotesca de tão metuenda e coça a perna 
[...] A bomba 
amanhã promete ser melhorzinha mas esquece 
A bomba 
não está no fundo do cofre, está principalmente onde não está 
A bomba 
mente e sorri sem dente 
[...] A bomba 
envenena as crianças antes que comece a nascer 
A bomba 
continua a envenená-las no curso da vida 
[...] A bomba 
não admite que ninguém se dê ao luxo de morrer de câncer 
A bomba 
é câncer 
[...] A bomba 
com ser uma besta confusa dá tempo ao homem para que se salve 
A bomba 
não destruirá a vida 
O homem 
(tenho esperança) liquidará a bomba (ANDRADE, 2003, p. 495).
7.2 João Cabral, o idioma pedra e as palavras-pedra
João Cabral de Melo Neto (1920-1999) considerava escrever uma coisa infernal. Sua poesia é 
reconhecida como obra de um crítico, ou seja, é fruto de um poeta crítico, que escreve e pensa a própria 
escrita. Sua obra escreve-se em um processo de construção, falando ao leitor e comentando questões 
sobre o escrever, em forma incessante de atividade (auto)crítica. 
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Nos esclarecimentos de Maurice Blanchot (apud REBUZZI, 2010), alguns escritores confirmam que 
escrever tem para aquele que escreve um valor de experiência fundamental, pois, desde o momento 
em que um escritor se lança na página em branco e escreve, tem a intenção de aí experimentar algo 
além de seus pensamentos. Nesse sentido, a escrita é um processo que se desdobra, desdobrando-se, 
em movimento, em deslocamento perpétuo, indagando-se sobre sua razão de ser e sua possibilidade.
A escrita de João Cabral constrói o idioma pedra, na expressão de Rebuzzi (2010), e o poeta defende 
uma escrita densa e seca, buscando escapar do lirismo intimista. Segundo o próprio poeta, ele tinha 
horror à poesia, porque, em época de colégio, estudava as antologias até a época do Parnasianismo. Ele 
lia poetas brasileiros e portugueses românticos, parnasianos, e essa leitura lhe dava nojo.
Esse poeta só compreendeu que na poesia podia haver lógica depois de ler Carlos Drummond de 
Andrade, decidindo-se, a partir daí, ser um poeta. Em síntese, a base da poesia cabralina é a lucidez e 
a racionalidade. O poeta chegou a declarar-se antilírico, pois para ele a poesia se dirige à inteligência. 
Passou a ser – e continua a ser – considerado um dos maiores poetas da nossa língua. Sua consagração 
deve-se à lírica cortante que nega a inspiração e a escrita com rigor.
Foi diplomata e viajou pelo mundo, aberto ao novo de outras línguas e outras culturas. Assim, 
a poesia de Cabral, declaradamente marcada pelo modernismo de Drummond, dialogou com muitas 
outras leituras e estudos. Apenas para exemplificar, João Cabral era um leitor fervoroso de Paul Valéry, 
cujos ensaios confirmavam a importância da formação ou fabricação das obras em si. O ritmo áspero 
da velha literatura espanhola também causava interesse em Cabral, em especial a de Berceo, o primeiro 
poeta conhecido de língua castelhana. Para encerrar nos exemplos, João Cabral repetiu em seu primeiro 
livro o verso “É preciso despoetizar o poema”, de Mallarmé.
 Observação
João Cabral de Melo Neto tem rica publicação poética e a obra 
Psicologia da composição é apenas uma delas e uma das primeiras. 
Segue a lista de seus títulos: Pedra do sono (1942), O engenheiro (1945), 
Psicologia da composição (1947), O cão sem plumas (1950), O rio (1959), 
Dois parlamentos (1960), Quaderna (1960), A educação pela pedra (1966), 
Morte e vida severina (1966), Museu de tudo (1975), A escola das facas 
(1980), Auto do frade (1984), Agrestes (1985), Primeiros poemas (1990), 
Tecendo a manhã (1999).
Na obra Psicologia da composição, publicação de 1947, os poemas são todos sobre poesia, com 
momentos de meditação sobre o fazer poético e seus limites racionais no ato da composição. O título 
carrega, porém, o termo psicologia, que talvez possa referir-se à depuração da linguagem desse poeta 
até neutralizar nela o eu. 
Esse livro exigiu muito de João Cabral, que ficou sem escrever durante três anos. Em entrevista, muitos 
anos depois, disse que escrevia seu último livro, porque não desejava escrever mais (REBUZZI, 2010). 
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O livro inclui o poema Fábula de Anfion, transcrito a seguir. Na mitologia grega, aparece Anfion, 
que é filho de Júpiter e Antípoda, rainha de Tebas. Ele era dotado para a música, criado entre pastores 
e recebeu uma lira de Apolo. Ao som dessa lira, construiu a muralha de Tebas, onde as pedras iam-
se colocando umas sobre as outras sem qualquer esforço físico. Sensíveis à melodia de sua lira, elas 
acomodavam-se.
Fábula de Anfion
1. O deserto.
Anfion chega ao deserto
No deserto, entre a 
paisagem de seu
vocabulário, Anfion,
ao ar mineral isento
mesmo da alada
vegetação, no deserto
que fogem as nuvens
trazendo no bojo
as gordas estações
Anfion, entre pedras
como frutos esquecidos
que nãoquiseram
amadurecer, Anfion,
como se preciso círculo
estivesse riscando
na areia, gesto puro
de resíduos, respira
o deserto, Anfion.
* O deserto
(Ali, é um tempo claro
como a fonte
e na fábula.
Ali, nada sobrou da noite
como ervas
entre pedras.
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Ali, é uma terra branca
e ávida
como a cal.
Ali, não há como pôr vossa tristeza
como a um livro 
na estante).
* 
Sua flauta seca
Ao sol do deserto e 
no silêncio atingido
como a uma amêndoa,
sua flauta seca:
sem a terra doce
de água e de sono;
sem os grãos do amor
trazidos na brisa,
sua flauta seca:
como alguma pedra
ainda branda, ou lábios
ao vento marinho.
*
O sol do deserto
(O sol do deserto 
não intumesce a vida 
como a um pão.
O sol do deserto
não choca os velhos
ovos do mistério.
Mesmo os esguios,
discretos trigais
não resistem a
o sol do deserto,
lúcido, que preside 
a essa fome vazia)
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* 
Anfion pensa ter encontrado a esterilidade que procurava.
Sua mudez está assegurada
se a flauta seca:
será de mudo cimento,
não será um búzio
a concha que é o resto
de dia de seu dia:
exato, passará pelo relógio,
como de uma faca o fio
2. O acaso
O encontro com o acaso
No deserto, entre os
esqueletos do antigo
vocabulário, Anfion,
no deserto, cinza
e areia como um
lençol, há dez dias
da última erva
que ainda o tentou
acompanhar, Anfion,
no deserto, mais, no
castiço linho do 
meio-dia, Anfion,
agora que lavado 
de todo canto,
em silêncio, silêncio
desperto e ativo como
uma lâmina, depara
o acaso, Anfion.
*
o acaso ataca e faz soar a flauta.
Ò acaso, raro
animal, força
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de cavalo, cabeça
que ninguém viu;
ó acaso, vespa
oculta nas vagas
dobras da alva
distração; inseto
vencendo o silêncio
como um camelo
sobrevive à sede
ó acaso! O acaso
súbito condensou;
em esfinge, na 
cachorra de esfinge
que lhe mordia 
a mão escassa;
que lhe roía
o osso antigo
logo florescido
da flauta extinta:
áridas do exercício
puro do nada.
*
Tebas se faz
Diz a mitologia
(arejadas salas, de
nítidos enigmas
povoadas, mariscos
ou simples nozes
cuja noite guardada
à luz e ao ar livre
persiste, sem se dissolver
diz, do aéreo
parto daquele milagre:
Quando a flauta soou
um tempo se desdobrou
do tempo, como uma caixa 
de dentro de outra caixa.
Anfion em Tebas
Anfion busca em Tebas o deserto perdido
Entre tebas, entre
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a injusta sintaxe
que fundou, Anfion,
entre Tebas, entre
mãos frutíferas, entre 
a copada folhagem
de gestos, no verão
que, único, lhe resta
e cujas rodas
quisera fixar
nas, ainda possíveis,
secas planícies
da alma, Anfion,
ante Tebas, como 
a um tecido que
buscasse adivinhar
pelo avesso, procura
o deserto, Anfion.
*
Lamento diante de sua obra.
“Esta cidade, Tebas,
não a quisera assim
de tijolos plantada,
que a terra e a flora
procuram reaver
a sua origem menor:
com já distinguir
onde começa a hera, a argila,
ou a terra acaba?
Desejei longamente
liso muro, e branco,
puro sol em si
como qualquer laranja;
leve laje sonhei
largada no espaço.
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Onde a cidade
volante, a nuvem
civil sonhada?”
*
Anfion e a flauta.
“Uma flauta: como
dominá-la, cavalo
solto, que é louco?
Como antecipar
a árvore de som 
de tal semente?
Daquele grão de vento
recebido no açude
a flauta cana ainda?
Uma flauta: como prever
suas modulações,
cavalo solto e louco?
Como traçar suas ondas
antecipadamente, como faz,
no tempo, o mar?
A flauta, eu a joguei
aos peixes surdo-
mudos do mar. 
Fonte: Melo Neto (1997, p. 53-56).
Esse poema pode ser lido como uma paródia do Amphion de Valéry. João Cabral desconstrói um 
ideal de poesia pura e associa a palavra à pedra. No primeiro momento, Anfion está “entre pedras” com 
a “flauta seca”, ou seja, a sonoridade desaparece e dá lugar ao silêncio. Parece-nos que o poeta constrói, 
devagar, uma passagem que atravessa “a paisagem do seu vocabulário” até encontrar a mudez; o “mudo 
cimento” é o próprio objeto de construção dessa poética, sendo algo duro e sólido em sua materialidade.
No segundo momento do poema, o encontro é com o acaso, e o deserto se mostra entre os “esqueletos 
do antigo / vocabulário, Anfion,” apertado “de todo canto, / em silêncio, silêncio” e “lavado de todo 
canto”. É justo aí que o acaso surpreende. 
É o acaso que faz soar a flauta. Esse acaso é nomeado como animal, cavalo, vespa ou inseto, e é 
aquele que, na verdade, “ataca” a mão que escreve. A mesma mão que causa incômodo e se move a 
escrever faz soar a flauta do verso nas dobras da distração. 
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Na trajetória dessa fábula, a personagem encontra o avesso da cidade construída: o deserto. Há um 
deslocamento da escrita do poeta, na forma de espiral. No poema, há um vaivém que atravessa o texto, 
fazendo valer o vocabulário (esqueleto) com as palavras-pedras (deserto, pedra, cimento, osso, tijolo, 
muro, laje), que fixam pontos de silêncio, opostos aos vocabulários musicais e líricos (flauta, som, vento, 
ondas, conchas). De acordo com Rebuzzi (2010), a busca é secar a linguagem, tensionando a linguagem 
poético-musical.
O poeta considera silenciar a música das palavras nos versos e construir, assim, segundo princípios 
antilíricos e antimusicais. Ao final, como não encontra saída, atira a flauta aos peixes “surdos-mudos do 
mar”. Enfim, escapar da escrita e ficar em silêncio não se mostra uma solução; o poeta propõe, então, o 
abandono do lirismo para afirmar a poética árida.
No Amphion de Valéry, a trajetória o leva a ficar com a lira até a morte, e, no de João Cabral, o poeta 
lança a flauta ao mar, despedindo-se, dessa forma, do modelo poético sacralizado.
7.3 Henriqueta Lisboa, um caso de transcodificação
Um tópico sobre a poesia brasileira para o qual não poder faltar referência é a tradução de poesia. 
Muitos textos poéticos foram traduzidos para a língua portuguesa para o leitor brasileiro e muitos 
poemas nossos também foram traduzidos para outras línguas. As versões transcendem limites nacionais 
e ensinam “o homem a melhor conhecer o mundo e a si mesmo, construindo sobre o que é propriamente 
humano: a linguagem” (BOSI, 1991, p. 545).
No Brasil, o exercício regular da tradução poética foi iniciado no Romantismo. Segundo Bueno (2007), 
boa parte dos poetas românticos praticaram a tradução, mas raramente com a plena manutenção da 
forma original. Gonçalves Dias também traduziu vários poemas, sendo a mais notável tradução A camisa 
encantada, de autoria de Uhland.
No século XX, uma grande escola de tradução poética se firmou no país, em especial na segunda 
metade. Destaca-se a atuação dos concretistas Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, além 
de José LinoGrünewald e de José Paulo Paes. Traduziram poemas da língua inglesa, francesa, grega e 
italiana.
O mais notável das traduções é o respeito à forma original, fonte de todo o desafio de análise 
combinatória, de substituição de recursos, que implica a tradução poética. 
O diálogo entre línguas maternas diferentes é complexo, principalmente no caso da tradução 
poética, na qual não se trata apenas de conservar a mensagem, mas também preservar a 
poeticidade dela. Segundo José Paulo Paes (apud LEÃO, 2004), poeta e tradutor, a poeticidade é 
função organizadora da língua. 
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 Saiba mais
São vários os estudos sobre tradução de textos diversos (técnicos, 
científicos etc.) e de textos literários. Os autores apontam dificuldades na 
tradução advindas das diferenças, por exemplo, culturais das línguas (de 
partida e de chegada), estratégias para tradução eficiente, entre outros 
aspectos.
Entre as obras sobre tradução, o leitor tem a sua disposição: 
ALVES, F.; MAGALHÃES, C.; PAGANO, A. Traduzir com autonomia: 
estratégias para o tradutor em formação. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2011.
A organização linguística do texto depende, de um lado, das potencialidades da língua e, de outro, 
da capacidade do autor de jogar com essas potencialidades, explorando-as de forma criativa.
Quem cria o texto poético sofre as coerções da sua língua, do gênero escolhido, da tradição literária, 
das exigências próprias discursivas e poéticas. Quem traduz igualmente é submetido a essas mesmas 
restrições, sofre outras, como as do estilo particular do autor. Na poesia a ser traduzida, somam-se, 
também, a semântica do significado e a do significante, ambas objeto de tradução. Essa dificuldade 
torna-se maior se a linguagem poética de partida tiver mais condensação. 
É o caso da poesia de Henriqueta Lisboa, cuja concisão é deliberada e retrata o recolhimento da 
autora. Sua obra é feita quase só de implícito, de palavras contidas, levando o leitor a adivinhar. Podemos 
exemplificar com o poema Na morte:
Na morte
Na morte nos encontraremos.
Sim, na morte.
Tempo de consórcio e de vínculo.
Depois de caminhos extremos.
Quer pelo sul ou pelo norte.
Ao término de circunstâncias:
Passos certeiros ou perdidos.
Sem palavras nem sentimentos,
com simplicidade suprema.
Na morte nos encontraremos (LISBOA, 1958, p. 48).
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Nos dez versos, aparece apenas um verbo – encontraremos –, sendo os substantivos os núcleos dos 
sintagmas tanto dos advérbios ou apostos e são modificados por poucos adjetivos. Essa linguagem 
econômica, densa e contida causa dificuldades para o tradutor; mas, apesar disso, o livro do qual o poema 
faz parte foi traduzido em línguas como húngaro e búlgaro, além das românicas (francês, espanhol) e 
germânicas (inglês, alemão). 
Segundo Leão (2004), existe uma tradução magnífica para o latim; na verdade, única tradução de 
um livro completo, Montanha viva: Caraça. Em latim, o título ficou Mons vivus seu Mons Caracensis. 
A tradução foi iniciada pelo padre Pedro Sarneel, que traduziu os 40 poemas, mas desistiu de sua 
empreitada, continuada pelo professor José Lourenço de Oliveira. Este complementa o trabalho do 
padre, fazendo cuidadosa revisão. Por isso, o título da primeira tradução dado por Sarneel, Mons Vitae, 
foi mudado, porque o padre empregou um substantivo no genitivo para substituir o adjetivo, alterando, 
assim, o sentido metafórico. 
 Observação
Caraça é nome tanto da serra mineira quanto do santuário, localizado 
no local, da ordem religiosa São Vicente.
A dificuldade para o padre aumentou porque a língua de chegada é o latim, que ninguém fala, poucos 
a estudam e muitos a ignoram completamente. A intenção dele era traduzir para o latim clássicos de 
Horácio, Ovídio, Virgílio (grandes poetas da Roma Antiga), mas o poema não se encaixava nessa língua 
vernácula. Assim, passou a traduzir para a língua latina da Idade Média, dos poetas cristãos da época. 
O professor Lourenço reforça essa dificuldade em traduzir um poema moderno, com ritmos recentes, 
ora mais denso, ora mais leve, para uma língua antiga, tão distante de uso no tempo. Ele também deixou 
de lado os metros clássicos e adotou o ritmo pós-românico.
Como dão a entender os tradutores, segundo Leão (2004, p. 71), “tratava-se de encontrar 
correspondência para uma sensibilidade moderna em outra língua, que, fazendo parte de uma cultura 
antiga, também era (numa contradição aparente) a sua síntese”.
Vemos, então, parte do resultado da tradução, recortando dele apenas as duas primeiras estrofes (um 
dístico e uma quadra):
A flor de São Vicente
Do caule esguio em pendor,
três pétalas – uma flor.
Humildade. Simplicidade.
Caridade. Ó penhor!
De que maneira se há de
aproximar dessa flor? (LISBOA, 1959, p. 108).
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A flor do poema sintetiza as virtudes vicentinas, simbolizadas pelas pétalas, humildade, simplicidade 
e caridade. Tais virtudes são estendidas, de forma metonímica, ao fundador do Caraça e ao próprio 
Colégio. Este é evocado pelo substantivo “flor”, que em latim – flos – faz parte do gênero masculino, 
assim como o substantivo “colégio” em português. 
A tradução reestrutura as estrofes: os dois primeiros versos da quadra formam um dístico final, 
resultando estrofe diversa da do original:
Flos Vicentius
Tenui de caule
flos unus pendet, trifolium.
Humilitas Simplicitas et Caritas.
Ó pignus!
Ad florem
Quomodo accedere? (LISBOA, 1959, p. 109).
As ideias apresentam-se coesas com o original. O indefinido “uma”, em “uma flor”, no sentido de flor 
qualquer, torna-se numeral em latim flos unus, uma vez que a língua latina não possuía artigo. Assim, 
o tradutor inverte a ordem dos elementos do sintagma original, dando à expressão o sentido de “flor 
única”. A expressão ganha, então, maior densidade graças à condensação do oposto “três pétalas”, que 
foi traduzido em uma só palavra, trifolium.
As pétalas simbolizam as virtudes principais vicentinas e o conjunto das pétalas – a flor – simboliza 
o Colégio e seu fundador. Na tradução, as três virtudes – Humilitas Simplicitas et Caritas – passam a 
completar o dístico, agora sem o ponto final, que as integrava, logo em seguida da descrição da flor, 
dando coesão e coerência ao poema.
Os dois últimos versos originais passam a ser, na tradução, um dístico separado: Ad florem / quomodo 
accedere? Essa interrogação é retórica, reflexiva, do tipo “Como alcançar essa flor?”, sobre a qual o poeta 
dirige a si próprio, sem esperar resposta do interlocutor. A tradução desses versos é exemplar caso de 
sintetismo latino em oposição ao analitismo românico. Com apenas quatro palavras da língua latina, o 
pensamento contido em nove palavras do original português foi traduzido. Nesse caso, como ficaria a 
tradução para o português desses versos?
Original português: De que maneira se há de 
 Aproximar dessa flor?
Tradução latina: Ad florem 
 quomodo accedere? 
Retroversão portuguesa: A essa flor
 como chegar?
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Temos a confirmação do sintetismo latino. Independentementedisso, o que fica evidente é a 
necessidade de trabalhar para a manutenção dos sentidos na tradução, não os recursos utilizados para 
produzi-los.
Exemplos de Aplicação
I. A poética de Carlos Drummond de Andrade é vasta e muitos de seus poemas são consagrados, 
conhecidos e recitados pelos brasileiros. O que você acha dos poemas a seguir?
• Poema de sete faces
• Confidência do itabirano
• A flor e a náusea
• José
Eles podem ser encontrados na indicação bibliográfica no final deste livro-texto e na internet. 
II. Além dos títulos poéticos na atividade I, indique outros conhecidos e/ou prediletos de Drummond 
no seu acervo de leitura.
III. Relacione o poema de Drummond com a construção poética de João Cabral de Melo Neto.
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra. 
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
Fonte: Andrade (2003, p. 16).
IV. Canção do exílio, de Gonçalves Dias (1997), é o texto poético mais parodiado na nossa história 
literária. Faça a tradução do poema para língua inglesa ou espanhola. Compartilhe com colegas de 
turma, por meio de fórum, solicite opinião sobre a melhor forma de seleção de palavras ou expressão 
de uma ideia. Divulgue.
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8 SUPORTE E RECEPÇÃO DA POESIA E SUAS TENDÊNCIAS
O mundo da poesia atual conta com autores poéticos, que lançam seus textos por meio de editora, 
em feiras do livro, pela internet (blog, por exemplo). Hoje contamos com grande número, ou melhor, 
inumeráveis poetas contemporâneos, bem como diversidade na forma, na temática, no suporte etc.
 Lembrete
Suporte é um meio físico ou virtual que dá sustentação ao gênero 
textual e auxilia na sua divulgação. O suporte pode, também, determinar 
o gênero do texto. Entre os suportes, há jornal, revista, livro, computador, 
celular, televisão, outdoor, parede.
Torna-se, no mínimo, extremamente difícil fazer um panorama dos poetas e de suas obras (impressas, 
virtuais). Muitos críticos literários limitam seus estudos até a década de 1960, 70. Bosi (1997), por 
exemplo, estrutura seu livro dividindo-o em períodos estilísticos da nossa literatura e, no final, em uma 
lista apenas, enumera poetas contemporâneos que publicaram nas décadas de 1950 e 1960. Candido 
(2000), por sua vez, encerra seu livro no Romantismo. Não se podem desconsiderar vários artigos, teses, 
capítulos de livros atuais que exploram a obra de um poeta atual; porém, trata-se do estudo de uma 
obra/um poeta, sem dar um panorama da poesia atual.
Assim, como tratar do número crescente de novos poetas? Onde encaixá-los na historiografia 
literária? Formam um estilo único? A dificuldade é imensa e você, caro aluno, poderá contribuir (e 
muito) nessa pesquisa sobre os poetas e as poesias surgidos depois dos anos 2000 e traçar as tendências 
atuais.
 Saiba mais
Bueno (2007), em um dos capítulos finais de seu livro, intitulado “No 
agora e aqui pouco sabido”, dá um panorama de poetas/obras atuais. 
BUENO, A. Uma história da poesia brasileira. Rio de Janeiro: G. Ermakoff, 
2007.
Além disso, esse mundo poético, hoje, é marcado pela diversidade de suportes e de linguagens, 
possibilitando a interação entre a poesia e os recursos virtuais, bem como o hibridismo na forma e nos 
suportes. 
Sempre associada à sociedade, a poesia acompanha as mudanças ocorridas naquela ao aceitar ou 
discordar dela. No caso atual, a sociedade estabeleceu velocidade diferente para o ritmo de vida dos 
indivíduos, para a informação e os meios de comunicação, inclusive para a poesia.
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Nesse novo contexto, como fica a poesia em relação aos suportes, à recepção dos leitores?
Destacam-se, então, apenas três aspectos da poesia pós-modernista:
1. O hibridismo da poesia: exemplo de aproximação entre literatura e música, com os textos de 
Caetano Veloso; e de hibridismo na relação literatura – internet – música, com texto de Luiz Tatit.
2. A brevidade na poesia: a brevidade sempre existiu na poesia e é indicada como tendência menos 
poética e mais do leitor atual. No caso, há apresentação da obra de Olga Savary, considerada a 
grande cultora do poema curto.
3. O diálogo da poesia com a história: a visão atual do passado também é recorrente nas produções. 
Exemplifica-se a obra do poeta Milton Torres.
8.1 O hibridismo na poética pós-moderna
A cultura moderna, ou cultura de massa, iniciou-se como o processo de mercantilização no século XVI 
e, agora, é de caráter global. O termo massa passou a ter concepção pejorativa, mas tal expressão significa 
abrangência e acessibilidade pelas indústrias da mídia. Sem tomar o termo apenas quantitativamente, 
ele serve para disponibilizar as mensagens para uma pluralidade de receptores (CYNTRÃO, 2004). Esses 
receptores não podem ser tomados como amontoado indiferenciado; ao contrário, são indivíduos em 
contextos particulares que interagem na recepção e dão às mensagens um sentido subjetivo.
Várias características positivas pesam sobre a comunicação mediada por meios e suportes diversos, 
mas há o fato de que governos autoritários valeram-se, em muitos momentos da história recente, do 
caráter intrinsecamente público da mídia para exercer o controle sobre as instituições da comunicação 
de massa, pela via da censura e da coerção econômica. Basta lembrar o regime militar que se instaurou 
no Brasil após o golpe de 1964. A política de submissão cultural propunha a integração nacional, a 
segurança nacional e o desenvolvimento nacional, controlando, sobretudo, a arte que mais mobilizava 
a sociedade: a canção popular.
Embora a cultura brasileira tenha tomado novos rumos com o fim do governo ditatorial, ainda é um 
setor social que sofre muitas exigências do mercado econômico, das novas tecnologias e da avaliação 
dos padrões culturais.
Em consonância aos desejos da sociedade de consumo, os produtos culturais têm valor de troca, 
aproximando-se do mercado, e este, da cultura. No entanto, a obra pode continuar a ter uma dimensão 
universal ou valor estético, literário.
Assim, não podemos ler, na era contemporânea, poesia sem considerar novos paradigmas. A base 
do novo paradigma é o relativismo cultural, cuja premissa é de que a realidade é sempre culturalmente 
constituída. O que era considerado imutável passa a ser encarado como uma construção cultural sujeita 
a variações no tempo e no espaço. 
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Outra base é a mentalidade coletiva e a chamada minoria, não mais somente o discurso dominante ou 
dos documentos oficiais. Dessa forma, a história da cultura popular vem alargando nossa compreensão 
sobre nossa própria época, bem como busca a interação, por exemplo, na literatura.
Marca-se, então, outra característica do pós-modernismo, que é o ecletismo advindo da 
desreferencialização e da dessubstancialização do sujeito. Esse ecletismo propicia abertura para o 
universo textual e cultural dos textos poéticos canônicos e não canônicos. Na contemporaneidade, 
temos, então, aproximações instigantes, tal como a canção popular e o cânone literário.
Em termos históricos, o discurso poético liga-se à música, ocorrendo cisão no Renascimento, em que 
a literaturaconfigurou-se de forma autônoma. Para Otávio Paz, “nossa poesia é consciência da separação 
e tentativa de reunir o que foi separado [...]. Poesia, momentânea reconciliação: ontem, hoje, amanhã; 
aqui, ali; tu, eu, ele, nós” (apud CYNTRÃO, 2004, p. 56). Se nós, do terceiro milênio, buscamos resgatar 
a fragmentação e os caminhos para a integração e a integridade, é compreensível que o fenômeno 
plurivocal da música popular seja focalizado sob o prisma de uma significação cultural.
A expressão música popular provoca controvérsia, pois engloba a música folclórica e a música 
urbana. A primeira manifesta-se nas classes populares, e a segunda contempla a produção da classe 
média. No Brasil, foi criada até mesmo uma sigla – MPB.
A música popular urbana, “provavelmente, mais do que qualquer outra manifestação cultural, por 
sua penetração indubitável na camada média urbana da população, tem tido papel fundamental na 
formação de uma identidade nacional” (SILVA, apud CYNTRÃO, 2004, p. 57). Ela torna-se porta-voz de 
anseios e memórias que circulam na sociedade. Seu marco histórico foi na década de 1960, quando 
confrontou com violentas ações impostas pelo regime militar pós-1964.
A música popular, na década de 1970, foi o bem cultural mais consumido pela população urbana, 
por meio do rádio e da televisão. Os compositores, para burlar a censura, utilizaram argúcia poético-
linguística, resultando em valor artístico-literário.
No Festival da MPB, em 1967, surgiu uma canção diferente da linearidade da canção e da poesia 
sociopoliticamente orientada: Alegria, alegria, de Caetano Veloso:
Alegria, alegria
Caminhando contra o vento
Sem lenço sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou.
O sol se reparte em crimes
Espaçonaves guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou.
Em caras de presidentes
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Em grandes beijos de amor
Em dentes pernas bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot.
O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia?
Eu vou.
Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou.
Por que não, por que não...
Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço sem documento,
Eu vou...
Eu tomo uma coca-cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou.
Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome, sem telefone
No coração do Brasil.
Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou.
Sem lenço sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo amor
Eu vou.
Por que não? Por que não? (VELOSO, 1968).
Essa canção apresenta uma montagem diversificada de imagens, em associações inusitadas, 
tal como “Bomba e Brigitte Bardot”. O vocábulo “bomba” remete à bomba atômica, às bombas de 
moralização (jogadas contra estudantes e outros manifestantes), como símbolo da realidade da época. 
Em contrapartida à realidade, temos a cultura importada e alienante, representada pelo termo Brigitte 
Bardot. Essa alienação aparece também nos versos “Em cardinales bonitas”, em referência ao cinema 
americano simbolizado pela atriz ítalo-americana Claudia Cardinale e “coca-cola”, maior símbolo do 
império norte-americano, que financiava os exércitos em toda a América Latina.
Na década anterior, aliás, no movimento concretista da poesia, encontram-se duas poesias concretas, 
que já faziam remissão tanto à bomba quanto à coca-cola:
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Poema-bomba
Fonte: Campos (2002, p. 9).
Os significantes /b/, /o/, /m/, /b/ e /a/, juntamente com /p/, /o/, /e/, /m/ e /a/, formam uma explosão 
com as letras se expandindo a partir de um centro. A disposição das letras, então, produz a impressão 
de bomba explodindo em estilhaços. Passa a existir a relação entre os significantes e o significado da 
palavra “bomba” e “poema”.
Essa fragmentação e inter-relação significado/significante fazem parte das canções da década 1960 
e, em especial, de Alegria, alegria. O texto traz o ambiente urbano, múltiplo e fragmentário, captado por 
uma linguagem nova, também fragmentária, com predominância nos substantivos estilhaços, crimes, 
espaçonaves, guerrilhas, cardinales, caras de presidentes, beijos, dentes, bombas... É o mundo das bancas 
de revistas, com tantas notícias, isto é, o mundo da comunicação rápida, do mosaico informativo.
A outra poesia concreta é coca-cola:
beba coca cola
babe cola
 beba coca
babe cola caco
caco
cola 
 c l o a c a
Fonte: Pignatari (apud BOSI, 1991, p. 534).
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Na poesia de Décio Pignatari, o verbo babar interfere no texto publicitário “Beba Coca-Cola” e critica 
negativamente um produto pop da época da produção poética. Além da antítese beber x babar, temos 
cloaca e aça, que caracterizam o refrigerante como mau cheiro.
Uma das críticas negativas contra o Concretismo é o desvínculo com a sociedade, sendo considerado 
alienado/alienante. No entanto, nessa poesia, vemos o contrário: é um texto não só inserido no mundo 
(mundo da cultura pop), mas principalmente um texto satírico ao criticar um produto tão popular.
Esse posicionamento crítico constitui igualmente Alegria, alegria. Essa canção faz parte do disco 
Tropicália, lançado em 1968. Outra canção do mesmo disco é Tropicália:
Tropicália
Sobre a cabeça os aviões
Sob os meus pés os caminhões
Aponta contra os chapadões
Meu nariz
Eu organizo o movimento
Eu oriento o carnaval
Eu inauguro o monumento
No planalto central do país
Viva a Bossa, sa, sa
Viva a Palhoça, ça, ça, ça, ça
Viva a Bossa, sa, sa
Viva a Palhoça, ça, ça, ça, ça
O monumento
É de papel crepom e prata
Os olhos verdes da mulata
A cabeleira esconde
Atrás da verde mata
O luar do sertão
O monumento não tem porta
A entrada é uma rua antiga
Estreita e torta
E no joelho uma criança
Sorridente, feia e morta
Estende a mão
Viva a mata, ta, ta
Viva a mulata, ta, ta, ta, ta
Viva a mata, ta, ta
Viva a mulata, ta, ta, ta, ta
No pátio interno há uma piscina
Com água azul de Amaralina
Coqueiro, brisa e fala nordestina
E faróis
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Na mão direita tem uma roseira
Autenticando eterna primavera
E no jardim os urubus passeiam
A tarde inteira entre os girassóis
Viva Maria, ia, ia
Viva a Bahia, ia, ia, ia, ia
Viva Maria, ia, ia
Viva a Bahia, ia, ia, ia, ia
No pulso esquerdo o bang-bang
Em suas veias corre
Muito pouco sangue
Mas seu coração
Balança um samba de tamborim
Emite acordes dissonantes
Pelos cinco mil alto-falantes
Senhoras e senhores
Ele põe os olhos grandes
Sobre mim
Viva Iracema, ma, ma
Viva Ipanema, ma, ma, ma, ma
Viva Iracema, ma, ma
Viva Ipanema, ma, ma, ma, ma
Domingo é o fino-da-bossa
Segunda-feira está na fossa
Terça-feira vai à roça
Porém...
O monumento é bem moderno
Não disse nada do modelo
Do meu terno
Que tudo mais vá pro inferno
Meu bem
Viva a banda, da, da
Carmem Miranda, da, da, da, da
Viva a banda, da, da
Carmem Miranda, da, da, da, da
Fonte: Veloso (1968).
O texto compõe um mosaico nacional do momento histórico, bem datado, ao fazer referência ao 
atual, por contraposição ao passado: “viva Iracema / vivaIpanema”; “eu oriento o carnaval / eu inauguro 
o monumento / no planalto central / do país” etc. O termo Iracema, que é anagrama de América, é 
personagem de José de Alencar, escritor do século XIX, o qual ajudou a criar o indianismo, ou seja, a 
idealização da figura indígena; no caso, da figura feminina. Ipanema é uma palavra tupi (com significado 
de água ruim) e, no caso, remete à garota da canção de Vinícius de Moraes e Tom Jobim, século XX.
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Enquanto Alegria, alegria se constrói sobre o fragmentário e a dispersão da realidade urbana, em 
Tropicália os termos combinados são contraditórios entre si: “papel crepom”, que é objeto de consumo 
ordinário, e “prata, mata e sertão”. Na entrada, há “uma criança / sorridente feia e morta” e no “pátio 
interno há uma piscina”.
Segundo Augusto de Campos (apud CYNTRÃO, 2004, p. 80):
Tropicália, a primeira faixa do LP, é também a nossa primeira música Pau-
Brasil, homenagem inconsciente a Oswald de Andrade, de quem Caetano 
ainda não tinha conhecimento, quando a escreveu. Pau-brasil: contra a 
argúcia naturalista, a síntese contra a cópia, a invenção e a surpresa [...]. 
Em Tropicália, há uma presentificação da realidade brasileira – não a sua 
cópia – através da colagem criativa de eventos, citações, rótulos e insígnias 
do contexto. É uma operação típica daquilo que Lévy-Strauss denomina de 
bricolage intelectual. 
As grandes obras falam do mundo e dos homens de forma inusitada e têm a qualidade de dialogar com 
outras criações, reaparecendo de diversas formas, em diferentes momentos, como diz Beth Brait (2010). 
Esse é o caso da personagem Capitu do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis. Considerando a 
primeira edição da obra, Capitu está entre nós desde 1889, não nos deixando e não deixando de causar 
polêmica e provocar admiração. 
Graças às dúvidas que pairam sobre um possível adultério e a sua maneira intrigante de ser, muitas 
reaparições já foram e continuam ocorrendo. Entre releituras, recriações, diálogos, há a coletânea de 
contos de Dalton Trevisan Capitu sou eu; a adaptação literária de Fernando Sabino Amor de Capitu; 
o roteiro cinematográfico feito por Ligia Fagundes Telles Capitu, sem contar sites e blogs que são 
intitulados Capitu ou existem para discutir essa personagem.
A música popular brasileira também foi seduzida por essa personagem, como comprovamos na 
canção Capitu, de Luiz Tatit:
Capitu
De um lado
vem você 
com seu jeitinho 
Hábil, hábil, hábil 
E pronto! 
Me conquista 
com seu dom
De outro 
esse seu site 
petulante 
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Ponto 
Poderosa 
ponto com
É esse o seu 
modo de ser ambíguo 
Sábio, sábio 
E todo encanto 
Canto, canto 
Raposa e sereia 
da terra e do mar 
Na tela e no ar
Você é virtualmente 
amada amante 
Você real é ainda 
mais tocante 
Não há quem não se encante
Um método de agir 
que é tão astuto 
Com jeitinho 
alcança tudo, 
tudo, tudo 
É só se entregar, 
e não resistir, 
é capitular
Capitu 
A ressaca dos mares 
A sereia do sul 
Captando os olhares 
Nosso totem tabu 
A mulher em milhares 
Capitu
No site o seu poder 
provoca o ócio, o ócio 
Um passo para o vício, 
vício, vício 
É só navegar, 
é só te seguir, 
e então naufragar
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Capitu 
Feminino com arte 
A traição atraente 
Um capítulo à parte 
Quase vírus ardente 
Imperando no site 
Capitu
Fonte: Tatit (2000).
O autor constrói a dimensão de um feminino forte, imaginário, sobre a mulher, que, vindo do século 
XIX literário, chega ao século XXI via internet. Entre as qualidades do texto para reviver Capitu, está o 
trabalho com a linguagem, com as riquezas da língua portuguesa, criando forte e vivo diálogo entre 
ficção literária, canção e internet.
Na primeira estrofe, a expressão “De um lado” inicia a face Capitu machadiana com alguns traços 
marcantes da personagem, como o verbo “vir” no presente, que funciona como uma ponte entre o 
mundo do romance e o da canção; o diminutivo “jeitinho”, que torna familiar e juvenil a relação entre o 
poeta e sua musa; a repetição do termo “hábil“, que reitera uma maneira de ser e dialoga com o capítulo 
18 da obra Dom Casmurro, no qual lemos: “Capitu, aos quatorze anos já tinha ideias atrevidas [...] mas 
não eram só atrevidas em si, na prática faziam-se hábeis” (ASSIS, 1991, p. 16). 
A ideia da conquista associa-se ao dom, que é uma qualidade inata, a um poder, e também à forma 
de tratamento que aparece no título do romance Dom Casmurro, entabulando forte intertextualidade 
canção/romance.
Com a expressão “De outro”, verso inicial da segunda estrofe, tem início a Capitu internauta. Se a 
anterior é caracterizada como hábil, sutilmente astuta, essa é mais agressiva, ágil, identificada com a 
linguagem da internet e com o petulante endereço: <www.poderosa.ponto.com>. A sequência “modo 
de ser ambíguo”, que admite diversas e até contrárias interpretações, estabelece a síntese entre as faces 
da personagem, assinalando a mais marcante das características de Capitu e do romance que lhe dá 
vida.
Observamos a exploração do termo encanto, qualificando o “modo de ser ambíguo”, em que canto 
é rima, é repetição, é eco, criando ambiguidade entre quem canta e quem é cantado. Em magnífico 
jogo entre a personagem, sua existência na e pela canção e sua dimensão mítica, explicitado no verso 
seguinte, por meio do termo “sereia”: a que encanta cantando. Esse jogo reaparece em outros versos, por 
meio dos termos “tocante” e “se encante”.
O autor traz para dentro da canção símbolos, mitos, lendas, personificações que nos levam à 
compreensão da ambiguidade da personagem. É o caso da “raposa e sereia”, que recupera a personagem 
imortalizada na fábula de La Fontaine; a raposa designa pessoa matreira, astuta. É o caso do mito da 
sereia que vem da Antiguidade clássica, presente na Odisseia, de Homero, e cuja característica é atrair 
para a morte todos os que deixam levar por seu canto e pelos encantos.
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Além das referências literárias que presentificam Capitu, temos, da canção de Roberto Carlos e Erasmo 
Carlos, a “amada amante”, e de Freud o “totem tabu”. Todas as referências agregam-se a elementos que 
redimensionam e expandem a personagem. “Você é virtualmente / Amada amante” é diferente de “E 
você, amada amante / Faz da vida um instante / Ser demais para nós dois”. O pronome possessivo e as 
minúsculas em “Nosso totem tabu” trazem a discussão psicanalítica para um cotidiano em que Capitu 
se torna um símbolo sagrado, uma divindade, um emblema, algo proibido, tudo ao mesmo tempo.
O verbo “capitular” significa render-se, entregar-se, como anunciam dois versos na quarta estrofe, 
e traz em si o nome Capitu, englobando ação e designação. A partir desse verso, pela primeira vez, o 
poeta, seduzido, evoca Capitu e se deixa capturar. A quinta estrofe inicia e termina com o nome Capitu; 
os versos parecem literalmente capturados, sem saída. 
O segundo verso, “a ressaca dos mares”, reinventa a famosa designação dada para Capitu por 
Bentinho, no capítulo 32: “traziam não sei que fluxo misterioso e energético, uma força que arrastava 
para dentro, como a vagaque se retira da praia, nos dias de ressaca” (ASSIS, 1991, p. 98).
O verbo “naufragar” faz parte da penúltima estrofe, refere-se à Capitu internauta, mas sintetiza as 
palavras e as ações que, no romance, se referem aos “olhos de ressaca”. Não podemos deixar de perceber 
que ele está muito próximo de “navegar”, que antecede e metaforiza a ação dos que são capturados pelo 
poderoso olhar (tela do computador?), pergunta-nos Brait (2010).
A canção reitera a articulação entre a criatura machadiana, definida como “um capítulo à parte”, e o 
termo vírus, aquilo que contagia e pertence tanto à linguagem da internet como à da patologia. Sendo 
um vírus ardente, sintoniza invasão, paixão, dominância. Como no capítulo 115 “Dúvidas sobre dúvidas”, 
diz o narrador de Dom Casmurro: “Pois aqui mesmo valeu a arte fina de Capitu” (ASSIS, 1991, p. 111).
8.2 No ritmo da atualidade 
Na narrativa, hoje, foi criado o microconto, constituído não por palavras ou ideias ou enredo, mas 
por um termo bem contemporâneo, caracteres, remetendo ao mundo da internet, do computador. Em 
torno de 170 caracteres, incluindo nessa conta, os espaços entre as palavras, a pessoa cria uma história.
As pessoas não têm tempo ou disposição para leituras mais prolongadas e densas. Ao abarcar com 
apenas um olhar, o leitor já consegue fazer a leitura do microconto. Leitura veloz, vida veloz, bem típicas 
da sociedade do início do século XXI. 
Correspondente à extensão extremamente curta do microconto, a poesia possui dísticos, quadras, 
haicai, entre outras formas poéticas que, na verdade, existem há séculos.
Entre os poetas brasileiros que dedicaram, ao menos, uma obra para o haicai, encontra-se Olga 
Savary (1933-), cuja preocupação em criar haicai não era a exigência com o ritmo veloz da sociedade, 
mas para atender ao seu amor à sobriedade e à concisão dessa forma poética. Segundo Marcondes e 
Toledo (2009), é a poesia da essência, a simplicidade, o equilíbrio, a harmonia e a sobriedade. 
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 Observação
Olga Savary tem rica e variada produção poética. Ela é conhecida pelos 
poemas eróticos e de diversas temáticas, em que emprega a língua tupi, 
e por um título que causou admiração entre os poetas, Berço esplêndido. 
Pode-se considerá-la a síntese da discussão sobre a literatura nacional: 
não somente valoriza nossa nação, incutida de literatura nacional, como é 
descendente da mistura de povos (português e indígena).
Na disposição oriental, o haicai é colocado verticalmente em uma única linha, tornando arbitrária a 
apresentação ocidental em terceto. Outro ponto é a contagem de sílaba poética, tão arbitrária quanto a 
disposição. No Ocidente, o haicai é engessado ao esquema 5/7/5. Essa arbitrariedade legitima, então, na 
forma ocidental, qualquer estrutura que o poeta considere mais adequada. 
Na obra de Savary, o haicai tem conotação específica, sem limitar-se a esquemas fixados pelo 
Ocidente, inovando ao acrescentar a alguns haicais um quarto verso:
Percepção
A vida tem olhos terríveis.
Nada termina tudo se renova
E o sol é um grande pássaro de fogo
Alerta entre as árvores (SAVARY, 1986, p. 18).
Apesar de fugir de esquema 5/7/5, em alguns haicais, a poeta concede-se à rigidez ocidental:
Amor 
Deve é ser comido
Qual fruto – verde ou maduro –
Mesmo sem vontade? (SAVARY, 1986, p. 18).
Nessa poesia, o título condensa a (in)evitabilidade do amor. 
Em outro haicai, Vinheta, encaixa-se à temática tradicional (oriental) ao falar da fragilidade dos 
sonhos, comparada à evanescência das asas da libélula:
Vinheta
Minha pequena libélula, 
Leva no sonho de tuas asas frágeis. 
A fragilidade das asas dos meus sonhos (SAVARY, 1986, p. 33).
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A escrita está bem comportada, mas a poesia causa estranheza no ritmo, que se esperaria fluido 
e fugidio, e não é. No primeiro verso, heptassílabo, a acentuação é ainda tênue e a fluidez dos sons 
acompanha o intangível do conteúdo, a pequena libélula. Porém, os dois últimos versos, apesar do 
conteúdo etéreo – sonhos, asas, fragilidade –, têm ritmo marcado para a recitação, porque o primeiro tem 
decassílabo sáfico e o terceiro, um alexandrino. Há clara, proposital e inesperada incursão parnasiana. 
De forma geral, os haicais de Olga Savary atingem o leitor pelo tom filosófico e, em razão disso, 
têm significação especial à maneira de viver. O zen está presente tanto na forma equilibrada do haicai 
quanto na ideia trabalhada nele.
Entre as obras poéticas de Savary, o leitor depara-se com o poema Morte de Moema, que não é 
haicai, mas continua na esfera de poemas com versos curtos. Em nota de rodapé da obra, a poeta diz:
Morte de Moema narra a história da paixão da índia pelo branco português 
Diogo Álvares, alcunhado “Caramuru”. Em 1510, naufragando nas costas 
da Bahia, Diogo caiu prisioneiro dos tupinambás. Alvejando pássaros 
com um mosquete, espécie de espingarda pesada, foi denominado pelos 
índios, que desconheciam armas de fogo de “Caramuru”, cujo significado é 
“homem de fogo” ou “filho do trovão”. Vivendo anos entre os gentios, após 
preterir a heroína deste poema por Paraguaçu (filha do cacique, portanto 
mais poderosa), leva-a para Paris, onde lá ela toma o nome de Catarina. 
Desesperada, Moema nada atrás do navio que leva o amado até perder 
as forças nas águas do mar. As ondas trazem-na morta às areias da praia. 
A elegia é um pretexto para declaração de amor da poeta ao Brasil, que 
procurou dar uma pincelada de humor à elegia, em proposital animismo 
para dramatizar e, ao mesmo tempo, amenizar ainda mais a morte (SAVARY, 
1998, p. 24).
O poema Morte de Moema é semelhante à história épica Caramuru, de Frei José de Santa Rita 
Durão; mas a autora, quando escreveu seu texto, desconhecia o poema de Durão, segundo declarou em 
entrevista posterior.
Morte de Moema
A tempestade serenara 
mas um cruel manitó 
sobre o cortejo do vento 
cravara a sombra da Morte. 
Nem bem o raio da aurora 
rasgara o luto do céu 
um anhangá ou anhanguera 
de luto os ares empanam 
dando ao litoral o corpo 
da índia que o amor 
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a vida entrega a Tupã. 
Ainda paira a lembrança 
dos olhos molhados, 
dos seios emersos 
e os lábios da jovem 
– pelo branco apaixonada, 
que enfastiado se vai – 
soluçante a implorar 
ao indiferente amado:
“Preciso de ti. 
Chamei da manhã à noite, 
o Sol ouviu-me chamar-te, 
a Lua ouviu o teu nome 
mas nem assim entendeste, 
não atendeste ao chamado, 
não pudeste me escutar.”
O barco a afastar-se, 
pior que curare, 
levou o ingrato 
que breve a esqueceu. 
Atrás dele nada a índia 
até já não ter mais fôlego 
e desalentar.
E ouvia-se ainda 
num vago murmúrio: 
“Eu não te esqueci.” 
Sua fala em voz baixa 
o mar bravo devora.
Digo-lhe eu, a Autora: 
Este amor te mata. 
Tudo bem, o amor 
é mais forte que o fogo 
mais forte que a água, 
o homem não destrói 
nem pode apagar, 
mas este amor te mata. 
Repetiam ondas 
às conchas de seus ouvidos: 
“Te mata, te mata.”
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Nadar assim que nem louca 
desafia-lhe o limite 
e eis os cabelos grossos. 
igual crina de cavalo,nem branca nem negra, 
não sorri mais encantada 
pra nossos guizos, miçangas, 
facas, espelhinhos, 
a pele toda pintada 
de tinta preta e vermelha 
(urucum e jenipapo). 
 
Lentamente e rápido 
o Brasil pra trás, 
sua pátria agora é o mar. 
Carrasca consigo, 
mouca, não ouve a ressaca 
das grandes massas de água: 
está vestida de sonho.
Uma onda mais brava 
pode lhe ser colar 
ou forca. 
De primazia terrestre, 
desmancha-se na água 
do Mar-Oceano,
Os olhos mortiços 
da bela aimoré 
(ou tupinambá) 
abandonam o sonho 
no sonho das águas, 
fechando-se ao enleio 
de um sono fatal.
Aquela que era moça 
no mar vira peixe 
mas peixe sem mexer, 
peixe que não nada. Nada.
Do mar alto, altas ondas 
a tomaram das águas, 
espumas a arrebatam 
do remoinho das vagas, 
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dedos ávidos erguiam 
este âmbar encharcado 
dos cabelos enluarados, 
dedos se erguiam de espumas, 
espumas cheias de dedos 
tal gravura oriental.
Rolando nas ondas 
da viva procela 
por fim chega à praia 
o corpo trigueiro 
da índia já morta.
Maré negra veio dar 
à praia, fera com ela. 
E a praia a recebeu 
com toda a fina pompa 
das garras brancas. 
Agarra-se à índia 
a salsugem da praia, 
cravando-a na areia. 
E ali ela ficou 
parada como a sonhar.
A vaga que a trouxe, 
sem querer deixá-la, 
a nudez lhe afaga 
gemendo espumas.
As aves da mata, 
crescidas com ela, 
emudecem o canto, 
chorando-lhe a sorte.
O orvalho da madrugada 
alerta vira lágrima 
de esperança na face 
da jovem afogada. 
Do flanco delgado 
descera o enduape, 
da fronte resvala 
o acangatara 
e desfazem-se as penas 
num rito de dor. 
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Os cabelos de âmbar 
colados à rocha 
o rosto da índia 
inda tornam mais pálido. 
Os braços inertes, 
fatal abandono, 
suplicam ainda: 
“Preciso de ti.” 
E eu a Autora, 
crítica, lhe digo: 
Este amor te mata.
No ar consternado 
da praia deserta 
agora é só sombra 
a natureza 
antes em festa 
e adeja a gaivota 
na orgia da morte. 
– Tupã, tu que a amaste, 
revive-lhe o riso 
que já te prendeu 
E vós, ó irmãos, 
cessai o festim! 
Refreai os golpes 
da ivirapema 
e o canitar rompei 
num rasgo de dor. 
Tomai da cauaba 
e ao chão atirai 
o ardente cauím. 
É finda a alegria 
e aos pés de Tupã 
jaz a taça partida: 
sem mais vista, olfato, 
audição ou tato, 
esplendor da paixão, 
Moema está morta 
Fonte: Savary (1986, p. 25-26).
Com a leitura realizada, caro aluno, podemos dizer que o poema nos surpreende tal a força e a 
paisagem apresentadas no texto. O texto passa de Abraxas a Tupã, do selvagem ao místico, da margem 
ao centro, da tribo ao texto. 
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Morte de Moema é a cena final de uma história de amor entre um branco e uma índia e, logo no 
início do poema, há o anúncio da morte trazido pelos ventos:
dando ao litoral o corpo 
da índia que o amor 
a vida entrega a Tupã. 
As manchas do luto “rasgam o céu” e “tingem as águas”. De acordo com Marcondes e Toledo (2009), 
água é um signo essencial dos poemas de Olga Savary, bem como os contrastes. No poema, a água é 
o local onde morre Moema (afogada) e a oposição é encontrada entre Sol x Lua, estes como forma de 
expressão da contagem do tempo em sua forma mais primitiva.
O mar, que tudo consome, engole também o último sussurro de amor:
E ouvia-se ainda 
num vago murmúrio: 
“Eu não te esqueci.” 
Sua fala em voz baixa 
o mar bravo devora.
A voz da autora intervém, em meio à melancólica cena, como se sua voz fossem as ondas aconselhando 
a índia:
Este amor te mata. 
Tudo bem, o amor 
é mais forte que o fogo 
mais forte que a água, 
o homem não destrói 
nem pode apagar, 
mas este amor te mata. 
Surge, nesse momento, o elemento fogo. O amor, ao ultrapassar a força das chamas, é queimado e 
reduzido a cinzas. “Vestida de sonho”, Moema sai da vida com um “sono fatal”. A bela aimoré troca de 
pátria; sua alma deixa as terras do Brasil e passa a habitar o mar. Quando seu corpo chega à praia, a 
natureza silencia:
As aves da mata, 
crescidas com ela, 
emudecem o canto, 
chorando-lhe a sorte.
Até as penas de enduape – rodela de penas que os tupinambás usavam nas nádegas – desfazem-
se num rito de dor. A morte de Moema faz a natureza chorar. A gaivota, antes em festa, percorre as 
sombras, na orgia da morte. É chegada a hora de os irmãos índios refrearem os “golpes da ivirapema” – 
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arma ofensiva, espécie de maça –, tomarem da “cauaba” – vaso em que os indígenas preparam o cauim 
– e ao chão atirarem o ardente “cauim” – bebida preparada com a mandioca cozida e fermentada, com 
caju ou outras frutas. É o fim da alegria, Moema perdera os cinco sentidos. Foi levada a Tupã pelos braços 
do mar.
8.3 Diálogo com a história: a poesia de Milton Torres
Uma das obras respeitadas da geração 2000 é No fim das terras, de Milton Torres, publicada em 2004. 
A obra, que alguns críticos chamam de luso-brasileira, é constituída por duas partes: Portugueses e 
Novo Mundo, sendo cada parte subdividida em outras. Por exemplo: Portugueses: Hispania, da memória, 
do império, do pensar e do fazer. Em Hispania, há expansão para os poemas:
• O tempo e a Lusitânia
• Mediterráneo, aguas de paradoja
• Ao fim das terras depus teus ossos
• De los altos de Finisterra
• O sino de Compostela
• ¡adelante adelante!
• Sevilla
• Setóbriga, o teu esqueleto aquático
Apenas pela apresentação dos títulos dos poemas, o leitor já verifica que: a) o livro de Torres resgata 
a história da América, mas não se inicia por ela. O autor volta à Europa, vem à América, uma América 
tanto hispânica quanto portuguesa; b) o poeta resgata a própria história da língua. Os primeiros poemas 
foram escritos em língua espanhola e portuguesa em sua fase arcaica, da época medieval e da época dos 
descobrimentos das terras do Novo Mundo.
Na fusão literatura e língua, a história de ambas é retomada em poemas como Achei achém 
(achegas) ou os benefícios marginais. Tal poema é precedido por um intitulado Encoberto descoberto, 
em referência à descoberta da América.
Achei achém (achegas)
ou
os benefícios marginais
Senhor,
dinheyro amoedado han tanto,
polla Prouidencia a Uos guardado,
pera os heresiarcas destruyr, e seus secazes:
refazer, & os reynos reformar
patrimoniaes,
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sostentar os ganhados;
desbaratar,
exterminar,
e desterrar o Turco,
a Sancta Hierusalem tomar,
& Affrica, & Asia, & America
pera exalçar-se
o Sancto nome de Christo
pollo auenturoso braço Uosso (TORRES, 2004, p. 63). 
Embora a língua portuguesa tenha sido oficializada no século XI, até o momento da descoberta 
da América, a ortografia da língua não era sistematizada. A primeira gramática só surgiu em 1536, e o 
primeiro livro de ortografia, em 1576. Mesmo depois da sistematização ortográfica, os textos (cartas,crônicas etc.) foram redigidos sem seguir uma rigidez ortográfica, apresentando, muitas vezes, duas 
grafias diferentes da mesma palavra no mesmo texto. 
No poema, o poeta (brasileiro, contemporâneo) criou seu texto com língua portuguesa e a ortografia 
vigente de então. O fonema /i/ era escrito tanto pela letra i quanto pela letra y (dinheyro, destruyr); 
o fonema /v/ era registrado como /u/ (Prouidencia, Uos, Uosso). São exemplos de registro arcaico 
empregados pelo poeta, que torna esse arcaísmo em estética. 
O poema, por sua vez, é híbrido em sua estrutura, pois, ao remeter-se ao rei de Portugal 
(“Senhor”), converte-se em carta, talvez aquela, primeira, de Pero Vaz de Caminha. O conteúdo 
do texto corrobora o contexto histórico. Em tom irônico e de gradação, o eu que escreve a carta 
esclarece que há riqueza para destruir os hereges e, assim, reformar os reinos. A ação para a 
destruição é: desbaratar, exterminar e desterrar. E, em nome do “Sancto nome de Christo”, tomar 
Jerusalém, África, Ásia e América.
Como todo poema épico, há uma viagem No fim das terras e no centro (do livro, da viagem) aporta-
se na apropriação contemporânea do passado distante. No centro do livro, aporta-se às brasílicas terras 
da América, onde sobrevém a vida com os idiomas francês e inglês. 
Na segunda parte, Novo Mundo, na subdivisão poemas brasileiros, não por acaso, o primeiro poema 
da série funda-se na reiteração cumulativa de fórmulas do escolástico dos jesuítas, empenhados na 
ocupação do solo e das almas:
Clivagem
Solutio argumentorum:
- Ad primum argumentum
- Ad secundum argumentum
- Ad tertium argumentum
- Ad quartum argumentum
- Ad quintum argumentum
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- Ad sextum argumentum
- Ad septimum argumentum
Obiectio verbosistarum
Responsio
- Ad octavum argumentum
- Ad nonum argumentum
- Ad decimum argumentum
- Ad undecimum argumentum
- Ad duodecimum argumentum
- Ad decimum tercium argumentum
- Ad decimum quartum argumentum
- Ad decimum quintum argumentum
- Ad decimum sextum argumentum
- Ad decimum septimum argumentum
- Ad vultima <tria argument> verbositatis strepitum continentia
Epilogus
Conclusion
aqui del-Rei!
aqui del-Rei!
só compro o negro da canela fina! (TORRES, 2004, p. 135).
Na língua latina, oficial dos padres católicos, o poema é construído, cuja voz é dos jesuítas, padres 
que aqui vieram no início da colonização portuguesa, e eles visavam à catequização indígena. O poema 
encerra-se com duas surpresas para o leitor. Primeiro, a língua latina não é mantida, sendo substituída 
pela língua portuguesa, não da época, mas a atual, com tom informal. Segundo, o povo a ser conquistado 
é o negro. Há deslocamento da figura indígena para o povo africano, que se tornou escravo no Novo 
Mundo. O final do texto leva a entender o motivo da existência de argumentos: a escravidão (nesse 
ponto, tanto dos ameríndios quanto dos africanos).
Nessa restauração da vida econômica da Colônia, em que a voz poética atinge tom de humor perverso e 
amargo, o sopro épico do poema é revigorado pelas transformações literárias ocorridas depois do Renascimento.
Sete povos
partiram os padres partiram todos a ferros
alastra o fogo na jeira na resteva assoleada
na língua do faxinal – que tudo é sopapo barro socado
no vão da madeira seca
arde Miguel arde do fogo aceso arde da ardência do arcanjo.
da linda os padrões apaga tisna de fumo as quinas
distrata a tratada raia (TORRES, 2004, p. 139). 
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O título remete à luta entre o governo português e espanhol nas Sete Missões, contra os 
jesuítas e os indígenas, que se tornou tema da epopeia O Uraguai, de Basílio da Gama, como 
já apresentado e discutido neste livro-texto. A estratégia mais impressionante dos indígenas 
foi provocar o incêndio dos acampamentos dos exércitos europeus como forma de impedir o 
ataque destes.
O poema de Basílio da Gama mostra-se, em vários momentos, no conteúdo e na estrutura, 
um texto que rompeu com o modelo tradicional da epopeia. Milton Torres, assim como Basílio, 
mostra-se sensível à mutação das formas e à alteração dos gêneros. Assim, o poema Sete povos 
mantém o espírito dos grandes poemas, mas sem preservar a inteira configuração tradicional 
destes.
Poemas depois, ainda na série poemas brasileiros e já em um Brasil moderno, encontra-se o: 
a bota geometriza o chão a cada passo
tatuando-lhe a estrela do projeto
imprime o ethos
a natureza de quem a calça, trata
da práxis, não fala
range apenas, marcando inequivocamente
a sua presença, legitima-se no próprio estar
o pé descalço é flexível
democrático, recoberto da pele
protege-se das asperezas da terra
e guarda um resíduo moral num tanto de umidade.
um pé com o outro faz par, bípede o usuário. bípede,
enfrenta sem descanso sutis questões de equilíbrio (TORRES, 2004, p. 192).
O poema poderia estar falando do encontro entre os nativos ameríndios e os portugueses (europeus, 
de forma geral), em que a bota seria símbolo de dominação portuguesa e o pé descalço, símbolo dos 
povos nativos, isto é, pela obviedade, os portugueses usavam roupas e calçados, ao contrário dos 
indígenas, que se apresentaram nus aos olhos portugueses. 
No entanto, o primeiro verso “a bota geometriza o chão a cada passo” ultrapassa os limites de sua 
breve geografia. Sobreleva o processo metonímico, em que bota e pé descalço contribuem com nuanças 
de outros contrastes. Eles simbolizam a condição social e existencial do homem no presente. Tanto 
pode ser a significação de riqueza e pobreza, de opressão e submissão, quanto a de vilania e heroísmo, 
de aprisionamento à própria condição (cultura do domínio) e de invenção da liberdade (natureza sem 
domínio). 
De cena em cena, a parte poemas brasileiros, seguida das duas últimas partes do livro, 
quadras do sul e poemas do Rio, chega à Independência do Brasil, à industrialização e aos 
tempos republicanos. Nessa lenta operação de escolha, escavação e de arqueologia verbal, 
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ocorrem verdadeiros momentos de significação artística e cultural, bem como da própria 
língua.
No mundo pós-moderno, o poeta será, antes de tudo, um artista do idioma, devendo saber incorporar 
vocábulos nacionais, vocábulos internacionais, vocábulos correntes, vocábulos arcaicos, vocábulos 
sublimes, vocábulos baixos, gíria, ciência, sexo, arte e esculhambação.
O tipo de poesia apresentada na obra de Milton Torres não assume voz denunciatória; ao contrário, 
os poemas tornam-se cada vez mais metafóricos, quanto mais intensificam a crítica social.
Exemplo de Aplicação
Configurado no signo poético, emergindo do imaginário coletivo, Renato Russo compôs e fez uma 
geração inteira de jovens gritar com ele: Que país é este? Essa antológica pergunta – uma das mais 
célebres – retoma o poema de Affonso Romano de Sant’Anna de mesmo nome. Ambos os textos fazem 
parte da geração de 1980, década de anos nebulosos. 
Leia os textos a seguir, verifique a proximidade poesia e música (e como ela ocorre nesses textos) 
e discuta o que esses textos contextualizam, o país de fim de 1970 e início de 1980. Para ajudar na 
discussão, indico o texto Que país é este? (memória, política e cultura), de Leticia Malard, disponível no 
site: <www.letras.ufmg.br/poslit/08>.
Que país é este?
1 
Uma coisa é um país, 
outra um ajuntamento. 
Uma coisa é um país, 
outra um regimento.

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