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As origens do antropos

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GUERRIERO, Silas “AS ORIGENS DO ANTROPOS”, IN GUERRIERO, SILAS (ORG.). ANTROPOS E 
PSIQUE. O OUTRO E SUA SUBJETIVIDADE. SÃO PAULO: ED. OLHO D’ÁGUA, 5ª. ED., 2004 
 
“Quem somos nós?” Esta pergunta nos acompanha desde os tempos mais remotos. A 
antropologia, segundo a etimologia, é a ciência que busca conhecer o antropos, o humano. 
Longe de procurar esgotar essa tarefa, o que seria impossível dada a complexidade da 
natureza humanamente neste capítulo procuraremos apontar algumas pistas que poderão 
levar o leitor à fascinante aventura do conhecimento sobre nós mesmos. 
Vemo-nos qualitativamente diferenciados dos demais seres e constituídos de uma 
natureza especial. Durante muito tempo nos enxergamos como feitos à imagem e semelhança 
de Deus. Em muitos povos, as mitologias de criação falam de seres criadores e de heróis 
civilizadores antropomorfizados e assemelhados aos seus indivíduos. Entre nós, ocidentais, 
herdeiros de uma visão hebraica e cristã, o livro do Gênesis relata: 
Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança, e que eles 
dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos 
os répteis que rastejam sobre a terra”. (Gênesis. Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Edições 
Paulinas.) 
Quanta responsabilidade! Não só o Criador nos fez semelhantes a Ele como nos deu o 
poder de domínio sobre todos os outros seres vivos do planeta. Essa marca carregamos até 
hoje. Se, na teologia contemporânea, o livro do Gênesis é visto como uma coleção de mitos 
(metáforas que carecem de interpretação), ainda há muita gente que crê terem sido Adão e 
Eva, mesmo, os primeiros habitantes humanos deste planeta. 
Somos frutos da evolução? 
Em meados do século XIX, humanidade levou um choque. Um cientista inglês, geólogo 
e naturalista, ameaçou nosso lugar sobre o pedestal dos seres vivos. Charles Darwin colocou-
nos na incômoda companhia de todos os outros animais. Afirmou que todos somos frutos de 
uma mesma evolução biológica, assemelhando-nos a nossos parentes mais próximos, os 
primatas. Tamanha ousadia foi imediatamente retrucada com ironia. Muitos riram chamando 
os macacos do zoológico de ancestrais de Darwin; outros simplesmente ignoraram-no ou até 
agrediram-no. Sabe-se hoje que Darwin guardou sua idéia original por 12 anos, temendo 
represálias. Quando publicou On teh Origin of Species, em 1859, já tinha consciência de que os 
humanos também eram frutos da evolução. Esperou mais de uma década para começar a sua 
teoria com The Descent of Man, estendendo a transformação evolutiva de uma espécie a 
outra de maneira a incluir os seres humanos. 
Passado um tempo, tendo a ciência confirmado a Teoria da Evolução e encontrado 
provas inequívocas da sua veracidade, uma saída foi sorrateiramente construída: “Certo, 
somos animais que, como os demais, participamos do processo evolutivo, mas acreditamos ser 
essa evolução um progresso: caminha-se do mais simples ao mais evoluído, ao mais elaborado, 
situando-nos na ponta superior”. Assim, nossa prepotência se manteve intacta: continuamos 
acima dos demais animais. Essa visão acaba justificando nosso domínio sobre o planeta. 
Arrogando-nos a exclusividade da razão, colocamos todo o resto à nossa disposição 
Independente das maravilhas que a humanidade já fez, somos os maiores predadores que já 
existiram. Se ainda não destruímos a Terra com arsenais atômicos, em pouco tempo podemos 
acabar com a água limpa e doce, com o ar respirável, as florestas e milhares de espécies. Que 
superioridade é esta? Tal visão domina o senso comum e até mesmo a comunidade científica. 
Quando pensamos em “vida inteligente” em outro planeta, logo pensamos em ETs feitos à 
nossa semelhança. Podem ser esverdeados e ter três olhos desproporcionais na fronte, mas 
nossa imaginação sempre os pinta com um jeitão humano. 
É recente, e ainda muita tímida, a recusa a essa visão. Há evolução, mas ela não 
representa necessariamente um progresso positivo. É difícil reconhecermos que as mutações 
aleatórias da evolução dos seres vivos não caminham, necessariamente, a partir de um plano 
pré-determinado. A evolução poderia muito bem ter acontecido sem a emergência daquilo 
que chamamos de seres inteligentes (nós mesmos). Pior: pode continuar acontecendo 
perfeitamente sem a nossa presença, após a extinção da espécie humana. 
Em 1977, o filósofo Jacques Monod deu um duro golpe na visão tradicional: 
Queremo-nos necessários, inevitáveis, ordenados para sempre. Todas as religiões, 
quase todas as filosofias, inclusive uma parte da ciência, testemunham o incansável e heróico 
esforço da humanidade em negar desesperadamente sua própria contingência. (Monod, 
1989:54) 
Para Monod, o surgimento da vida no planeta e da espécie humana em especial são 
frutos de um acaso que as chances de surgirem eram praticamente nulas: “O Universo não 
estava grávido da vida, nem a biosfera do homem. Nosso número saiu no `jogo de Monte 
Carlo`”. 
Sigmund Freud observou, com ironia, que as grandes revoluções científicas auxiliam na 
derrubada da arrogância humana de seu pedestal anterior, afastando as convicções que temos 
de nossa posição central e dominadora. (Freud apud Gould, 1997). A primeira dessas 
revoluções foi à copernicana, que nos removeu do centro de um reduzido universo e nos 
remeteu à condição de habitantes de um pequeno planeta que gira em volta de uma estrela, 
que hoje sabemos ser apenas uma, de quinta grandeza e periférica, dentre bilhões de estrelas 
numa das mais de 200 bilhões de galáxias existentes. A segunda grande revolução, para Freud, 
foi à darwiniana, por nos colocar na descendência comum a todos os demais seres vivos. 
Situou, ainda, sua própria descoberta sobre o inconsciente como responsável por fazer 
reconhecer que temos um porão desconhecido do qual a razão não consegue dar conta. Para 
Stephen Jay Gould, um dos mais famosos evolucionistas e palentólogos da atualidade, 
...nada melhor para abalar nossa vaidade e nos libertar do que a mudança entre nos 
vermos como “apenas um pouco abaixo dos anjos”, criados como mestres da natureza, feitos à 
semelhança de Deus para moldar e dominar a natureza, para o conhecimento de que somos 
não apenas produtos naturais de um processo universal de descendência com modificação (e 
portanto parentes de todas as demais criaturas), como também um ramo pequeno e em última 
instância transitório, que desabrochou tardiamente na frondosa árvore da vida, e não o ápice 
predestinado da escada do progresso(.Monod, 1989: 164). 
Se é compreensível, porém não justificável, que desejemos ser os senhores do planeta, 
é preciso olhar agora para o que sabemos sobre como chegamos a ser o que somos hoje. Ao 
lado da biologia, da paleontologia e da arqueologia, a antropologia esteve sempre nessa busca 
ainda não alcançada de decifração de nossas origens. 
A primeira teoria da evolução surgiu no início do século passado através do naturalista 
que inaugurou a biologia, Jean B. Lamarck. Acreditava que os animais mudavam sob pressão 
ambiental, transferindo essas mudanças para sua prole. Embora estivesse errado, sua teoria 
foi revolucionária para a época. Charles Darwin foi influenciado pelas idéias de Lamarck. 
Darwin questionou a idéia de transmissão hereditária dos esforços individuais de adequação 
ao ambiente e baseou sua teoria na existência de variação casual (ou mutação aleatória) e 
seleção natural. Partiu do princípio de que todos os seres vivos vieram de seus ancestrais 
através de um longo e contínuo processo de variações. Na evolução, a produção de variações é 
constante e em número maior do que as que podem sobreviver. Assim, através da seleção 
natural, muitos indivíduos são eliminados e as variações que derammelhores resultados 
permanecerão e serão transmitidas às novas gerações. A junção dessas idéias às descobertas 
de Mendel, sobre a estabilidade genética, resultou no que denominamos por neodarwinismo, 
que ainda é a visão mais aceita nos dias atuais. 
As descobertas recentes os campos da microbiologia, da bioquímica e da biologia 
molecular, têm forçado uma revisão dessa teoria. Hoje, ganha corpo uma nova visão da 
evolução: a teoria sistêmica, ou teoria dos sistemas vivos. Em vez de considerar a evolução 
como um simples resultado de mutações aleatórias e de seleção natural, começa-se a 
reconhecer o desdobramento criativo da vida em formas de diversidade e complexidade 
sempre crescentes. Embora a mutação e a seleção natural sejam aspectos importantes da 
evolução biológica, o foco central é a criatividade, “no constante avanço da vida em direção à 
novidade”. (Capra,1997:179). Níveis de complexidade crescente não significa evoluir em 
direção ao humano, bem como pode não ser algo positivamente melhorado. 
Para os autores da nova visão, os caminhos da criatividade da evolução foram sendo 
desenvolvidos muito tempo antes do surgimento dos primeiros animais. A base das variações 
e da criatividade deve ser buscada numa nova compreensão de toda e qualquer célula viva. A 
mudança evolutiva passa a ser vista como “o resultado da tendência inerente da vida para criar 
novidade, a qual pode ou não ser acompanhada de adaptações às condições ambientais em 
mudança” (Capra,1997: 182). Daí decorre, inclusive, a possibilidade dessas transformações se 
darem em sentido negativo, comprometendo a sobrevivência da espécie. De acordo com a 
Hipótese Gaia, a evolução não pode ficar limitada à adaptação de organismos ao seu meio 
ambiente. O próprio meio ambiente é também um ser vivo. Assim, o que se adapta a quê? Por 
essa provocativa hipótese, cada qual se adapta aos outros num complexo processo de co-
evolução. Os biólogos têm sido obrigados a reconhecer que, ao invés do que pregava a visão 
darwinista, não é a competição que responde pelo processo evolutivo e sem a cooperação 
contínua e a dependência mútua ente todas as formas de vida. 
A vida surge e se desenvolve no planeta através da formação de redes. A evolução não 
guarda planos ou projetos teleológicos, nem tampouco evidência de progressos: o que há são 
padrões de desenvolvimento. A criatividade da natureza é ilimitada. Padrões semelhantes, 
como forma de enfrentar desafios semelhantes a diferentes espécies, gerou respostas 
semelhantes. Por exemplo, olhos ou asas. Se o surgimento de asas em insetos ou em aves se 
deu de maneira independente, foi devido a um padrão de desenvolvimento comum a ambos 
os casos. Resta-nos, agora, pensar o surgimento e a evolução dos seres humanos, não mais 
como obra isolada, ou ponto terminal de um processo, mas como co-participante do cenário 
biótico planetário. 
O surgimento da humanidade 
Os humanos são um tipo especial de animal. Será? Se pensarmos bem, todos os seres 
vivos também são especiais. Uma simples bactéria, uma planta ou um mamífero são singulares 
dentro de suas características. A origem da vida no planeta foi a mesma para todos e cada 
espécie se diversificou e traçou uma história particular ao longo do tempo, Mas em nosso 
íntimo sentimos que a barreira que nos separa dos demais seres vivos é intransponível. É 
mesmo? 
Uma vez constatada nossa origem comum, a antropologia sempre se colocou a 
questão de por quê e como somos diferentes dos demais animais. Além disso, ao reconhecer 
todos os seres humanos como membros de uma mesma humanidade, a ciência do humano se 
perguntava por que a diferenças de comportamento entre os grupos humanos, A resposta a 
ambas as perguntas foi colocada de forma muito clara: a responsável pelas diferenças é a 
cultura . De maneira taxativa, julgava estar na cultura a causa dessa incrível separação. Apesar 
de sempre pressupor a origem evolucionária, a antropologia via, e na maioria dos casos ainda 
vê, que só os humanos fazem cultura, pois somente nós temos a capacidade de simbolizar. 
Essa distinção radical entre cultura e natureza, entre humanos e demais animais, manteve 
intacta a visão de superioridade aqui apontada. Continuamos superiores a todos os demais 
animais, pois somente nós produzimos cultura. Por outro lado, a maneira como se opera a 
cultura gera as diferenças entre os grupos humanos. Se, para todo animal de uma mesma 
espécie, existe um mesmo tipo de comportamento, dado pelo instinto, para os membros de 
espécie Homo sapiens, as diferenças deveriam estar além dos instintos biológicos, no campo 
da cultura. 
O que nos faz realmente singulares e distintos é nossa capacidade de raciocínio, 
linguagem, construção e uso de ferramentas, postura ereta e plasticidade comportamental, 
entre outras. Geralmente nos definimos como animais racionais. Veremos adiante que isso 
não é tão exclusivo assim. Experiências demonstram a capacidade de raciocínio entre animais, 
outras realizam fantásticos avanços nas áreas de linguagem, fabricação de instrumentos e 
comportamentos coletivos entre os chimpanzés (Folet, R. 1993:29). Alguns pensadores até se 
atrevem a falar de cultura entro os bonobos (Waal, F.1993). É importante lembrar que na 
comunidade antropológica, e da biologia, não há consenso a esse respeito. Sem querer 
insensatamente derrubar o humano de cima das torres que para si mesmo construiu, convém 
olhar para a trajetória dessas descobertas. 
Se a chave da explicação de nossa superioridade está inscrita na capacidade de 
simbolização e construção de cultura, o segredo para conhecer as origens dos seres humanos 
está na descoberta da origem da cultura. Simples, não? 
Nem um pouco. A começar pelo entendimento do próprio conceito de cultura. Na 
primeira metade do século XX, acreditava-se que o humano surgiu a partir do momento em 
que o primata que nos deu origem começou a simbolizar. Foi o início da paleontologia 
humana, ciência que busca registros fósseis de nossos ancestrais para reconstruir a nossa 
história no planeta. É interessante reparar duas coisas. Primeiro, que o início da paleontologia 
humana foi um grande avanço para a época, visto que ainda não estava superado o embate 
sobre nossas origens pela evolução ou através da criação divina. Ato os dias atuais tal 
discussão não se resolveu. Em muitos países há resistências ao ensino da evolução nos 
currículos escolares. A busca de restos humanos pré-históricos levava em consideração a 
evolução da espécie humana como um outro animal qualquer. Por outro lado, essa 
paleontologia, como todas as demais ciências, surgiu em solo europeu, dento da mais perfeita 
visão eurocêntrica segundo a qual o humano só poderia ter surgido na Europa! Assim, esses 
cientistas saíram à procura do famoso “elo perdido”, o fóssil que estaria no intermédio entre o 
animal e o humano. 
A descoberta de vestígios pré-históricos em cavernas européias popularizou os termos 
“homem das cavernas” e “elo perdido”. Restava saber quando se dera a tal passagem para a 
humanidade. Através de complicada leitura do Antigo Testamento, a visão criacionista bíblica 
concluiu que Deus criou Adão e Eva no ano 4004 a.C.. Os primeiros antropólogos e 
paleontólogos levaram essa data a tempos mais distantes. Julgava-se que o humano surgira há 
dez, 20, ou até 40 mil anos. Nesse momento, denominado “ponto crítico”, o primata originário 
teria evoluído fisicamente o suficiente para produzir símbolos e, por conseguinte, cultura. Para 
tal seria necessário que esse animal se mantivesse na postura ereta, tivesse o dedo polegar em 
oposição aos demais e fundamentalmente, tivesse uma capacidade craniana avantajada. 
Mesmo entre os mais próximos parentes, chimpanzés e gorilas,a postura ereta, apesar de 
possível, não é constante, o polegar não se opõe de maneira a manejar instrumentos de 
precisão e a caixa craniana tem menos da metade do volume da caixa do humano atual. Sem 
apresentar uma prova do elo perdido, essa teoria vingou durante muitas décadas. 
Os paleontólogos trabalham contra o tempo. Quanto mais a civilização avança sobre as 
terras antes ocupadas por nossos antepassados, mais difícil é encontrar os preciosos vestígios 
primitivos. Sua árdua e paciente tarefa assemelha-se a um quebra-cabeças de milhões de 
peças. Quando algumas são desenterradas das camadas estratigráficas3 do solo, formam uma 
explicação coerente do que ocorreu no passado. Esta é a principal razão da existência de 
teorias conflitantes sobre o mistério das origens. Quando um pesquisador encontra um 
fragmento fossilizado de osso, ou dente, e o identifica como sendo da linhagem humana, é 
motivo de imenso júbilo. Descobertas de esqueletos quase completos são muito raras. Assim, 
a nossa história é escrita muito lentamente. 
Apesar das divergências entre as possíveis linhagens de animais que vieram resultar 
nos humanos, alguns pontos são consensuais. Atualmente, ninguém aceita mais a Teoria do 
Ponto Crítico. Não houve um momento mágico de aquisição de cultura. A capacidade de 
simbolizar e abstrair foi elaborada ao longo de um período muito mais longo. Nossa história 
remonta há milhões de anos. 
As descobertas científicas em outras áreas têm auxiliado o trabalho de antropólogos e 
paleontólogos. Avanços da física de partículas e da química possibilitam maior precisão na 
datação dos fósseis; as aplicações da biologia molecular e da ecologia permitem comparações 
com animais hoje existentes. 
Elaborada dentro da visão de separação radical entre os humanos e os demais 
primatas, a taxonomia das espécies é questionada e aos poucos se altera. Estudos recentes das 
estruturas moleculares do DNA entre humanos e os grandes macacos hoje existentes levaram 
a descobertas fascinantes. A família hominídeo, antes restrita aos que fazem, ou faziam uso da 
postura ereta, estava separada da família pongídeo, à qual pertencem os grandes símios 
africanos e os orangotango asiático. Mas não há razões para tal separação. Nosso DNA difere 
do DNA de um chimpanzé em apenas 1,6%: somos 98,4% idênticos. Isso é mais do que a 
concordância entre o elefante africano e o elefante asiático, ambos obviamente elefantes. E 
por que não nos vemos junto aos chimpanzés? Novamente a velha resistência de nos 
enxergarmos ao lado dos demais seres vivos. na verdade, fazemos parte do grupo dos cinco 
grandes macacos: orangotangos, gorilas, chimpanzés, bonobos e humanos. 
Mesmo vencendo resistências, não é possível deixar de reconhecer que somos muito 
diferentes. Inclusive no aspecto físico. Qual a razão? Remontemos há muito tempo: sendo 
única a origem da vida na Terra, há aproximadamente 3,5 bilhões de anos, qualquer ponto de 
partida pode ser tomado. Vamos ficar entre os animais. Hoje sabemos que os primeiros 
animais viveram nas águas dos oceanos há 700 milhões de anos; Depois de 300 milhões, 
alguns tornaram-se anfíbios e depois conquistaram as terras. Por volta de 200 milhões de anos 
atrás, surgiram entre os vertebrados os animais de sangue quente que alimentavam seus 
filhotes a partir de glândulas mamárias. A extinção dos dinossauros (há aproximadamente 56 
milhões de anos) permitiu a rápida evolução dos mamíferos. De animais diminutos e 
ameaçados por seus predadores, passaram a dominar os territórios. Dentre os mamíferos 
surgiram, há 70 milhões de anos, os primatas, também chamados de prossímios. Estes 
desenvolveram habilidades de saltar entre as árvores, possuindo para isso uma visão aguçada 
e tridimensional, com os olhos próximos e na fronte. Os primatas logo evoluíram. Algumas 
características então existentes entre os prossímios seriam determinantes posteriormente. 
Suas mãos e pés permitiam-lhes agarrar as árvores por onde pulavam. Desenvolveram, para 
isso, unhas e dedos polegares em posições opostas aos demais, e habilidade para 
permanecerem eretos por alguns instantes para procurarem a presença de inimigos. Os 
primatas primitivos são os ancestrais de uma ampla ordem de animais que vai dos lêmures aos 
grandes antropóides, passando pelos micos e macacos. A separação entre os prossímios e os 
antropóides ocorreu há 35 milhões de anos. Nesse período, as placas tectônicas se separaram 
por completo, fazendo com que a evolução dos primatas no novo e velho continentes fosse 
completamente distinta. 
Nas Américas, eles ficaram restritos às árvores, desenvolvendo grandes caudas que 
muito auxiliam nos longos saltos entre elas. No Velho Mundo, emergiu uma linha evolutiva 
que desenvolveu o estilo de vida terrestre. Uma das sub-ordens daí decorrentes 
paulatinamente ganhou dimensões corpóreas mais volumosas e teve a cauda reduzida. Dentre 
esses, há 15 milhões de anos aconteceu a separação com aqueles que foram para a Ásia e 
tornaram-se orangotangos atuais. Outros evoluíram nas florestas tropicais africanas. Há 
aproximadamente 10 milhões de anos, os gorilas tomaram rumo próprio. Há apenas 6,5 
milhões de anos os chimpanzés e bonobos deixaram de caminhar junto aos humanos na linha 
evolutiva. Em outras palavras, comparando com os outros grandes macacos atuais, somos 
mais próximos dos chimpanzés e bonobos do que estes são dos gorilas. A separação entre 
chimpanzés e bonobos deu-se há 3,5 milhões de anos. Muitas vezes chamados de chimpanzés 
pigmeus, devido à estatura diminuta, os bonobos vão aos poucos ganhando os estatuto de 
espécie distinta. É justamente entre eles, uma espécie em extinção, que as pesquisas têm-nos 
ensinado muito sobre o comportamento dos nossos ancestrais, de nós mesmos e até da 
existência de cultura entre os animais. Os bonobos vivem em grupos de 50 a 60 indivíduos, de 
maneira pacífica, resolvendo seus atritos através de simulações de coitos. Diferentemente do 
que se acostumou admitir entre os humanos, o sexo entre animais sempre foi tido como 
mecanismo de reprodução desencadeado por instinto. Seriam essas simulações algo 
semelhante a formas de comunicação simbolizadas? É isso que defendem alguns estudiosos 
desses parentes tão próximos, mas até então desconhecidos(Waal,1993). Tanto bonobos 
como chimpanzés fazem uso de ferramentas que, ao contrário de só as utilizarem quando 
estão à mão na hora da necessidade, elaboram-nas e guardam-nas para ocasiões futuras. Não 
seria esse um dos grandes diferenciais humanos, da possibilidade de abstração e 
transcendência? Além disso, quanto mais as pesquisas entre esses animais avançam, 
descobrimos mais similaridades com os humanos. No campo da linguagem, forte reduto da 
exclusividade humana, pesquisas demonstram que, se não fazem uso da fala, eles se 
comunicam perfeitamente mediante gestos (Fonts, 1998). 
Essa proximidade, no entanto, não elimina as enormes diferenças entre nós e os 
demais primatas. Aquilo que chamamos por humanidade é imensamente diferente de 
qualquer grupo de chimpanzés,gorilas ou bonobos. Contudo, é preciso ver que a civilização é 
muito recente em nossa história. Até a revolução neolítica, com a domesticação de plantas e 
animais e a sedentarização, ocorrida há apenas 120 mil anos, os humanos também viviam em 
pequenos grupos, muito distintos de tudo aquilo que conhecemos hoje. 
Voltemos para as nossas origens, hoje localizadas por volta de 6,5 milhões de anos 
atrás. O que fez esse macaco tornar-se tão diferente de todos os demais? 
A evolução não se guia por projetos teleológicos e as mutações são aleatórias, o que 
torna possível, ou não, a convivência com o meio ambiente. Dentro desse quadro vamos 
compreender o que aconteceu. É consensoentre os pesquisadores que a postura ereta foi 
determinante. É através dela que se definem os hominídeos. 
Dentre as várias hipóteses para o surgimento dos hominídeos, a mais aceita 
atualmente leva em conta descobertas recentes da geologia. Há aproximadamente 6,5 milhões 
de anos ocorreu uma grande transformação no território africano. Uma cadeias de montanhas 
separou de norte a sul a grande floresta tropical ali existente e, com ela, seus habitantes. Os 
ventos úmidos vindos do Atlântico foram impedidos de passar para o lado leste da floresta, 
fazendo com que esta se transformasse paulatinamente em vegetação de savanas. O 
antropóide que vivia nessas florestas, ancestral comum tanto dos hominídeos como dos 
chimpanzés e bonobos atuais, continuou evoluindo e se adaptando ao meio. No lado oeste ele 
continuou vivendo nas árvores. No lado leste, porém, a escassez cada vez maior de vegetação 
fez com que esse animal desenvolvesse a capacidade de caminhar. Observe-se que essa 
capacidade já existia como possibilidade, visto que os grandes primatas atuais fazem uso da 
postura ereta esporadicamente. Descem e sobem das árvores com a coluna ereta e podem 
caminha pequenos trechos só com o auxílio das pernas, apoiando o dorso de suas mãos no 
chão para manter o equilíbrio. Isso mostra nossa proximidade com eles e revela o fato de que 
o caminhar ereto não foi uma invenção posterior, mas apenas o aprimoramento de uma 
potencialidade já existente. 
A falta de vegetação densa tornava aqueles habitantes presas fáceis dos seus 
predadores. A necessidade de proteger os filhotes fez com que a coleta alimentar ficasse cada 
vez mais para os machos, que retornavam ao lugar onde as fêmeas e seus filhotes haviam 
permanecido. Essa cooperação foi decisiva para a sobrevivência desses primeiros hominídeos. 
A capacidade de caminhar sobre dois pés, segurando os alimentos, foi fundamental para a 
nossa permanência. A necessidade de proteger os filhotes fez com que a coleta alimentar 
ficasse cada vez mais para os machos, que retornavam ao lugar onde as fêmeas e seus filhotes 
haviam permanecido. Essa cooperação foi decisiva para a sobrevivência desses primeiros 
hominídeos. A capacidade de caminhar sobre dois pés, segurando os alimentos, foi 
fundamental para a nossa permanência. 
Vários achados fósseis comprovam essa teoria e mostram como que, muito antes de 
desenvolverem a cultura, nossos ancestrais já permaneciam de pé. Esses animais, mais 
aparentados aos grande macacos atuais, possuíam um volume de caixa craniana não muito 
distinta do volume. Esses animais, mais aparentados aos grandes macacos atuais, possuíam 
um volume de caixa craniana não muito distinta do volume nos grandes símios, mas ficavam 
na postura ereta e os és cada vez mais se diferenciavam das mãos. Foram chamados de 
australopithecus ,ou “!pequeno macaco do sul”, visto que os primeiros achados ocorreram na 
África meridional. 
A partir daí, os paleontólogos divergem. Alguns defendem a tese de que a evolução até 
o humano moderno foi linear, com cada espécie sucedendo uma anterior. Mas a maioria 
acredita que espécies diferentes de hominídeos conviveram num mesmo período. Alguns 
sobreviveram e resultaram em novas espécies. Outros simplesmente se extinguiram. 
O fóssil mais famoso foi encontrado por Donald Johanson em 1974 em Hadar, na 
Etiópia. Tratava-se de 40% de um esqueleto de um indivíduo, identificado pelo formato da 
bacia como sendo de uma fêmea, da espécie Australopithecus afarensis. O fato de ter sido 
descoberto um esqueleto quase completo foi motivo de uma festa realizada à noite no 
acampamento. Justamente nesse festa o esqueleto foi batizado com o nome de Lucy, em 
homenagem à música Lucy em the sky with diamonds, dos Beatles. Lucy teria vivido há 
aproximadamente 3,3 milhões de anos. Vários outros fósseis de australopithecus já foram 
encontrados e identificados. Variando entre 5,5 e 1,2 milhões de anos, compõem uma ampla 
gama de espécies diferentes, tais como ramidus, africanus, afarensis e boiesei. Apesar de 
possuírem diferenças significativas , todas elas eram formadas por indivíduos de estatura 
diminuta, não maior que um chimpanzé atual, e caixa craniana de aproximadamente 500 cm³ , 
praticamente o mesmo que de um gorila. Porém, é provável que não tivessem a capacidade de 
produzir símbolos. 
Uma mudança ocorreu há aproximadamente 2,2 milhões de anos, com os surgimento 
de um gênero novo, o Homo. Primeiramente com o Homo habilis, com cérebro de mais de 650 
cm³ e maiores dimensões corporais. Mas a grande novidade veio com uma espécie posterior, o 
Homo erectus, surgido há 1,6 milhões de anos. Responsável pelas primeiras evidências de 
fabricação de ferramentas e uso de fogo, foram os primeiros hominídeos a deixarem a África e 
se espalharem pelo velho continente, chegando até a região da China e de Java. 
Foi somente há menos de 400 mil anos que surgiu o Homo sapiens. Uma de suas 
subespécies mais famosas, a dos neanderthalensis, habitou a Europa e regiões do Oriente 
Médio. Ao contrário do que muitos acreditavam o Homem de Neanderthal não foi nosso 
ancestral. Conviveu com outra subespécie, o sapiens sapiens, o humano moderno, até que 
sofreu sua extinção, há 35 mil anos. 
Testes realizados com a tecnologia da biologia molecular, através de exames de DNA, 
revelaram que todos os humanos existentes hoje são descendentes de um mesmo grupo que 
teria vivido há 150 mil anos na África. Mais uma vez, para acabar de vez com a visão 
eurocêntrica apontada anteriormente, nossa origem está na África. O sapiens moderno possui 
um cérebro maior, com aproximadamente 1350 cm³, parede craniana mais delgada e feições 
mais delicadas que seus ancestrais arcaicos. 
Assim como o Homo erectus e demais sapiens, o humano moderno emigrou para 
outras regiões do globo terrestre. Através dessas separações entre as populações das 
constantes mudanças climáticas advindas, das glaciações periódicas, surgiram, como grupo de 
adaptações a novos climas, as diferenças raciais que hoje conhecemos. Somos todos, portanto, 
membros de uma mesma espécie, com diferenças apenas na quantidade de melanina na pele 
e outras feições. 
Em suma o surgimento do humano se deu através de um processo muito longo no 
tempo. A postura ereta foi determinante. Porém, aceita-se hoje também que nossa 
sobrevivência foi possível graças ao desenvolvimento da capacidade de simbolização, à criação 
de ferramentas, ao uso cada vez mais aprimorado da linguagem, ao estabelecimento de regras 
de solidariedade e de sociabilidade, enfim, tudo aquilo que entendemos por cultura. Ao invés 
de um ganho adicional no processo evolutivo, a cultura foi elemento importante na construção 
de uma convivência com o meio ambiente. O estabelecimento de vínculos entre os indivíduos 
do grupo, através de laços de solidariedade permitiu a defesa desse organismo frágil frente a 
predadores muito mais fortes e velozes. Um sistema de comunicação, uma linguagem, foi 
paulatinamente elaborada. Ao longo do processo de evolução sobreviveram aqueles com 
maior capacidade de utilizar e desenvolver tais habilidades. 
O nascimento de filhotes cada vez mais prematuros, provavelmente devido a 
mudanças no ciclo de desenvolvimento e às crescentes dimensões da cabeça frente à nova 
anatomia nas bacias das fêmeas exigiu a constituição de comunidades capazes de dar 
sustentação por mais tempo às crias. 
As fêmeas selecionavam machos que tomariam conta delas enquanto estivessem 
cuidando de seus filhos e que lhes dariam proteção... As fêmeas não entrariam no cio em 
épocas específicas, e, uma vez que então podiam ser sexualmente receptivas em qualquer 
época, os machos que cuidavam de suas famílias também podem ter mudado seus hábitossexuais, reduzindo sua promiscuidade em favor de novos arranjos sociais. (Capra, 1997:204). 
As mãos livres possibilitaram um aprimoramento do uso de ferramentas. Quanto mais 
sofisticadas as ferramentas, maior elaboração mental e maior precisão nas mãos Assim, as 
transformações corporais, que tanto nos afastam dos demais grandes símios, se fizeram em 
conjunto com a elaboração da cultura. Sabe-se também que a postura ereta possibilitou um 
desenvolvimento da laringe, permitindo a emissão de sons e uma posterior articulação de 
palavras. Outra importante descoberta aponta a relação entre a precisão das mãos e a 
capacidade de articulação minuciosa da língua. Não sabemos o quanto um Homo erectus era 
capaz de falar, mas foi através da fala que aprimoramos a fabricação de ferramentas, a 
habilidade manual e a capacidade de nos comunicar. A evolução da linguagem oral permitiu 
um significativo aumento das atividades cooperativas e desenvolvimento de famílias e 
comunidades, trazendo enormes vantagens evolutivas. Para Capra, “o papel crucial da 
linguagem na evolução humana não foi a capacidade de trocar idéias, mas o aumento da 
capacidade de cooperar”(Capra, 1997). 
Como Geertz (1978), podemos afirmar que a cultura é produto do humano, mas o 
humano é também produto da cultura. Não fosse essa extraordinária capacidade de 
articulação e fabricação de símbolos, provavelmente não teríamos sobrevivido e, se o 
tivéssemos conseguido, não teríamos diferenças anatômicas tão marcantes frente a nossos 
parentes mais próximos. 
Em outras palavras, não estaríamos aqui contando essa história. 
 
A importância da cultura 
Apesar de sabermos hoje que a cultura não é um atributo exclusivo da humanidade, 
não é possível deixar de reconhecer a importância da cultura na formação da espécie humana. 
É inegável que o nível de complexidade alcançado é incomparavelmente diferente do 
demonstrado por nossos parentes. A complexidade alcançada faz parte de nossa herança 
genética. 
Afirmar que o humano se destacou das condições biológicas animais e dos instintos, 
não sendo mais influenciado pelas determinações biológicas, é continuar afirmando a velha 
presunção de nossa superioridade e distinção. Por outro lado, manter a crença de que somos 
determinados por ossos instintos animalescos (violência, maternidade, filiação etc.) é não 
reconhecer nossa potencialidade enquanto seres em liberdade com possibilidade de construir 
nosso destino. Somos uma espécie única que tem um lado biológico e de instintos e outro 
simbólico, cultural. As duas partes interagem num todo inseparável. Quando falamos em seres 
humanos, essas duas faces estão presentes. 
Teve resultados patéticos a tentativa, realizada há alguns anos, de criar filhotes de 
chimpanzés como se fossem crianças humanas. Durante os primeiros meses de vida, as 
diferenças não eram significativas. Mas, a partir do primeiro ano, ocorreu um enorme 
distanciamento, gerando um chimpanzé manhoso que não se assemelhava a uma criança 
humana, pois ao não conseguir se comunicar limitava,estrondosamente sua capacidade de 
aprendizagem. 
O inverso também é verdadeiro. Impedidos por uma ética humanitária de fazer 
experimentos dessa natureza com seres humanos, contamos com casos reais, identificados ao 
longo da história, de crianças abandonadas logo após o nascimento e que sobreviveram graças 
aos cuidados de animais (lobas, macacas etc.). Longe de serem as figura lendária e mitológicas 
de heróis como Tarzan, Mowgli, Rômulo e Remo, não passaram de monstruosidades. 
Portadores do aparato biológico de um Homo sapiens, não receberam o banho de cultura tão 
necessário para serem reconhecidos como humanos. Cada bebê que nasce hoje carrega a 
marca daqueles 6,5 milhões de evolução e tem todo o potencial de permanecer na postura 
ereta e de articular uma fala. Mas tudo isto não é instintivo. As crianças-feras encontradas são 
seres fora de sintonia, que me, consegue, ficar de pé. Acabem imitando os comportamentos e 
os sons do animal que os criou. De nada adianta o corpo de Homo sapiens somente. É 
necessária a cultura para nos completar. 
Somos seres em aberto. As determinações instintuais acabem sobrepujadas pelas 
marcas da cultura, das escolhas que os grupos humanos realizaram ao longo de sua história. Se 
o código genético não define o nosso comportamento, é necessária a cultura para nos orientar 
e dizer como devemos nos comportar. Através de escolhas proporcionadas pelo livre arbítrio, 
cada grupo humano foi tecendo um conjunto de códigos e normas de conduta que compõe a 
cultura. Desta maneira, os grupos foram se diferenciando, estabelecendo marcas distintivas, 
construindo identidades e modos diferenciados de se relacionar. Seja o relacionamento com a 
natureza, através de técnicas e ferramentas específicas, seja entre seus integrantes, por meio 
de linguagens distintas, ou ainda com o mundo do imaginário, através de mitologias próprias. 
Logo após o nascimento, cada novo membro de um grupo começará a assimilar uma 
carga de informações simbólicas culturais que seu povo construiu ao longo de muitas 
gerações. O conhecimento se dá mediante acumulação. Acumulamos o saber de nossos 
ancestrais, reelaboramos esse conhecimento eliminamos algumas partes e acrescentando o 
que descobrimos e inventamos e transmitimos tudo isso a nossos descendentes. Não nos 
limitamos apenas às nossas experiências, mas através da linguagem simbólica temos acesso 
também às experiências de nossos semelhantes. A capacidade de simbolização e criação 
cultural permitiu-nos constituir uma extraordinária característica: pensar no que não está 
presente, diante de nossos olhos. Essa capacidade de abstração e transcendência possibilitou 
superar as limitações impostas pela natureza. Com isso, conquistamos o planeta e colocamos 
as demais espécies sob nosso domínio. Somos capazes de elaborar uma vestimenta que nos 
protegerá do frio e, assim, embora sem um organismo adaptado para tanto, sobrevivemos em 
regiões árticas. Somos capazes de criar aviões e submarinos e, sem asas ou nadadeiras, 
avançamos por ares e mares. Tornamo-nos os mais poderosos do planeta. 
Das milhares de culturas diferentes entre os grupos de Homo sapiens sapiens, 
somente algumas se colocaram em posição de superioridade e arrogância. Dos milhões de 
anos de trajetória dos hominídeos e dos 150 mil anos da nossa espécie, foi somente nos 
últimos 10 mil anos e, de forma mais aguçada há 200 anos, após a revolução industrial, que a 
civilização enveredou por um caminho de conquistas que deixou enormes seqüelas 
comprometendo não só o futuro de muitas espécies como o de nós mesmo. 
Ao estudar as nossas origens e a diversidade dos humanos atuais, a antropologia 
contribui para uma compreensão mais ampla de nós mesmos. Permite olhar para o outro – os 
demais seres vivos, as demais culturas ou nós mesmos – nas múltiplas facetas de nossa 
complexa sociedade. Essa olhar leva a um retorno do enfoque para nós mesmos, fazendo com 
que a antropologia auxilie a responder a pergunta original: “Quem somos nós?” 
Somente um olhar menos antropocêntrico pode auxiliar na busca de uma nova postura 
e inserção no cosmos. É necessária uma visão do todo, egocêntrica, que englobe as várias 
dimensões do humano e que leve em conta todos os sistemas vivos do planeta. Nesse sentido, 
a antropologia contribui com as demais ciências, como a psicologia, para empreendermos a 
tarefa complexa da construção de nossa plena humanidade. 
 
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