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MPS IMonografia da Doença MUCOPOLISSACARIDOSE IUMA DOENÇA DE DEPÓSITO LISOSSÔMICO MULTISSISTÊMICA COMPLEXA PONTOS IMPORTANTES MPS I é uma doença de depósito lisossômico, hereditária, rara e é causada pela deficiência da enzima lisossômica α-L-iduronidase. A herança da doença é autossômica recessiva e afeta igualmente pessoas do sexo masculino e do sexo feminino. O pai e a mãe de uma criança afetada são portadores assintomáticos da doença: são heterozigotos para o traço e portam um gene normal e um gene mutante (defeituoso) que codifica a α-L-iduronidase. Foram identificadas diversas mutações do gene da α-L-iduronidase (locus 4p16.3) em indivíduos com a doença MPS I; a maioria consiste em mutações isoladas ou variações pequenas do gene, e, em algumas, foi estabelecido um número pequeno de correlações entre genótipo e fenótipo. A MPS I pertence ao subconjunto de mucopolissacaridoses das doenças de depósito lisossômico, com uma incidência estimada em cerca de 1:100.000 em todas as populações. A α-L-iduronidase é uma enzima (uma exoglicosidase) que participa da degradação gradual dos glicosaminoglicanos (GAG) dermatan sulfato e heparan sulfato, polissacáridos complexos que são um componente importante da matriz extracelular e do tecido conjutivo do corpo inteiro. A deficiência desta enzima leva ao acúmulo desses glicosaminoglicanos no lisossoma, resultando, em última análise, na disfunção de células, tecidos e órgãos por meio de mecanismos fisiopatológicos em grande parte desconhecidos. A deficiência de α-L-iduronidase resulta em uma série ampla de manifestações clínicas. Tradicionalmente vêm sendo usadas três entidades clínicas para caracterizar o espectro amplo da gravidade clínica associada à MPS I. As síndromes de Hurler e Scheie representam fenótipos na extremidade grave e na extremidade leve do espectro clínico, respectivamente, e a síndrome de Hurler-Scheie representa um fenótipo de gravidade clínica intermediária. Estas classes não refletem adequadamente a diversidade e a progressão variável dos sintomas clínicos manifestados por pacientes individuais com MPS I. Na maioria dos tipos de tecidos, a MPS I está associada a efeitos patológicos. As manifestações clínicas da MPS I mostram uma evolução crônica e progressiva; são de natureza multissistêmica e incluem organomegalia (aumento do fígado e do baço), disostose multiplex (ossos com conformação anormal), facies característico e artropatia grave. As funções auditiva, visual, respiratória (vias aéreas) e cardiovascular são todas afetadas e, tipicamente, a mobilidade das articulações fica gravemente diminuída. • Os indivíduos com MPS I neuronopática (grave) apresentam atraso no desenvolvimento e sintomas físicos nos primeiros dois anos de vida, e sofrem de retardo mental progressivo. O tempo de vida máximo deles é de 8 a 10 anos, e, na maioria dos casos, a morte resulta de insuficiência cardiorrespiratória. • Tipicamente, os indivíduos com MPS I não-neuronopática apresentam sintomas físicos na infância e têm um intelecto normal ou quase normal. Os sintomas físicos podem ser graves, como na forma neuronopática, levando à morte no início da idade adulta; ou podem ser mais leves e estar associados com um tempo de vida normal. A maior heterogeneidade dos sintomas é, de longe, manifestada pelos indivíduos com MPS I não-neuronopática. O diagnóstico da MPS I é confirmado por um nível baixo ou indetectável de α-L-iduronidase nos leucócitos ou nos fibroblastos da pele, e por uma concentração alta de fragmentos de glicosaminoglicanos (GAG) na urina. O teste de portador efetuado pelo acompanhamento dos níveis de α-L-iduronidase tem valor limitado, particularmente para fins de identificação de casais em risco. Talvez, no futuro, o progresso das técnicas de testes genéticos moleculares permita uma precisão maior nos testes de portador. O tratamento atual da MPS I é, em grande parte, sintomático. O tratamento de apoio, com ênfase especial para as complicações respiratórias e cardiovasculares, manifestações ósseas, perda auditiva e perda da visão, sintomas digestivos e hidrocefalia comunicante, é capaz de melhorar consideravelmente a qualidade de vida dos indivíduos afetados e suas famílias. Os tratamentos disponíveis oferecem esperança no sentido de evitar ou deter o processo da doença, corrigindo a deficiência de α-L-iduronidase. Alguns estão em uso (transplantes de medula óssea, no caso de MPS I neuronopática), outros estão sendo usados em estudos clínicos prospectivos (terapia de reposição enzimática) e há ainda outros que estão em fase de desenvolvimento inicial (terapia gênica). 4 Introdução .......................................................................................................... 3 Histórico ............................................................................................................. 4 Genética .............................................................................................................. 5 Base molecular, bioquímica e celular .............................................................. 6 Sinais, sintomas e manifestações clínicas ........................................................ 8 Diagnóstico ....................................................................................................... 19 Tratamento da MPS I ...................................................................................... 22 Terapias atuais e terapias emergentes para o tratamento da MPS I .......... 25 Conclusões ........................................................................................................ 26 Apêndice A ........................................................................................................ 27 Apêndice B ........................................................................................................ 28 Referências bibliográficas .............................................................................. 29 ÍNDICE 5 INTRODUÇÃO A mucopolissacaridose I (MPS I) é uma doença autossômica recessiva rara, com manifestações patológicas na maioria dos sistemas orgânicos. A doença é causada por um defeito na codificação genética para a enzima lisossômica α-L-iduronidase; o resultado disso é que as células de indivíduos afetados ficam incapazes de produzir a enzima, ou então produzem a enzima com atividade insuficiente. O resultado disto é uma incapacidade do lisossoma no sentido de efetuar a degradação gradual de certos glicosaminoglicanos (GAG, tais como dermatan sulfato e heparan sulfato), que é um processo essencial para o crescimento normal e para a homeostase dos tecidos. Estes GAG, que são constituintes importantes da matriz extracelular, dos fluidos das articulações e do tecido conjuntivo do corpo inteiro, se acumulam progressivamente no lisossoma e acabam causando disfunção das células, dos tecidos e dos órgãos, por mecanismos fisiopatológicos em grande parte desconhecidos. A nosologia clínica tradicional usada para classificar as doenças de MPS I, ou seja, as síndromes de Hurler, Scheie e Hurler-Scheie, não refletem adequadamente a variação tremenda dos sintomas clínicos manifestados por pacientes individuais com MPS I. As expressões MPS I neuronopática e MPS I não-neuronopática são expressões descritivas mais convenientes; a maior heterogeneidade de sintomas é manifestada por indivíduos que apresentam a doença MPS I não-neuronopática. As manifestações clínicas da MPS I mostram um andamento crônico e progressivo; são de natureza multissistêmica e incluem organomegalia (aumento do fígado e do baço), disostose multiplex (conformação anormal dos ossos), facies característico e artropatia grave. As funções auditiva, visual, respiratória (vias aéreas) e cardiovascular também são afetadas. Tipicamente, os indivíduos com MPS I neuronopática apresentam retardo mental progressivo. O tempo de vida máximo deles éde 8 a 10 anos, e, na maioria dos casos, a morte resulta de insuficiência cardiorrespiratória. Os indivíduos com MPS I não-neuronopática apresentam sintomas físicos que podem ser igualmente graves, mas tipicamente são menos graves do que os apresentados na forma neuronopática. Nos indivíduos com a doença mais leve, as principais manifestações clínicas são artropatia grave, síndrome da compressão do nervo (ou seja, síndrome do túnel do carpo) e doença da válvula aórtica. Organomegalia leve, turvação corneana e doença retinal são comuns. Em geral, esses indivíduos mantêm o intelecto e a estatura normais e podem ter um tempo de vida normal. 6 A descoberta de que uma deficiência específica de α-L-iduronidase é a causa subjacente da MPS I possibilitou diagnosticar a doença medindo a atividade da α-L-iduronidase. HISTÓRIA O estudo dos lisossomas tem um histórico rico. Desde a década de 1900 existem descrições clínicas de distúrbios lisossômicos e de defeitos na síntese e no transporte da enzima lisossômica que podem levar à doença em humanos (Hers e Van Hoof, 1973; Sly, 2000). A doença do depósito de mucopolissacarídeos foi descrita clinicamente pela primeira vez em 1917, quando o médico canadense Charles Hunter descreveu dois irmãos com o fígado aumentado e traços faciais grosseiros (Hunter, 1917). Em 1919 a médica alemã Gertrud Hurler descreveu dois meninos não parentes, ambos com traços faciais grosseiros, retardo mental e hepatomegalia (Hurler, 1919). As doenças descritas pelos Drs. Hurler e Hunter são conhecidas hoje como mucopolissacaridoses (MPS) I e II, respectivamente. É interessante notar que, em 1962, o oftalmologista americano Harold Scheie descreveu um paciente com turvação corneana e doença articular, que ele achou ser uma manifestação atípica (e talvez abortiva) da Doença de Hurler. Inicialmente, este sintoma complexo foi denominado MPS V, nome que depois foi abandonado quando foi confirmado que a síndrome de Scheie era uma forma leve da MPS I. Só no fim da década de 1960, muitos anos depois dessas observações clínicas iniciais, os pesquisadores começaram a elucidar a base subjacente aos distúrbios de depósito lisossômico (revisão feita por Hopwood e Brooks em 1997). Primeiro, isso implicou entender o papel importante do lisossoma nos processos de degradação que ocorrem como parte normal do crescimento tecidual e da homeostase tecidual; mais tarde foram caracterizadas funções degradantes específicas e, em seguida, foram identificadas as enzimas lisossômicas individuais. Entre 1968 e 1970, os Drs. Fratantoni, Hall, Wiesmann e Neufeld chegaram a diversas conclusões expressivas no sentido de elucidar a etiologia das mucopolissacaridoses. Eles mostraram que células de pacientes afetados por MPS eram incapazes de degradar glicosaminoglicanos. Além disso, a cultura concomitante de fibroblastos de pacientes com síndrome de Hurler e de Hunter causou correção mútua (“correção cruzada” ou complemen- tação), superando assim o defeito que provocou o acúmulo intracelular de mucopolissacarí- deos. Este foi um achado extremamente significativo, pois demonstrou que as síndromes de Hurler e de Hunter eram causadas por defeitos genéticos separados e distintos na degradação dos GAG (Fratantoni e outros, 1968a,b). Não se conseguiu correção cruzada quando foi feita a cultura concomitante de fibroblastos de pacientes com a síndrome de Scheie e com a síndrome de Hurler, o que indicou que estas doenças eram causadas por defeitos do mesmo gene (Wiesmann e Neufeld, 1970). Finalmente, alguns pesquisadores começaram a relacionar diversas condições da doença com deficiências específicas da enzima lisossômica. Por exemplo, as doenças descritas pelos Drs. Hunter e Hurler são causadas por deficiência das enzimas lisossômicas iduronato sulfatase e α-L-iduronidase, respectivamente (Fratantoni e outros, 1969a; Baron e Neufeld, 1970; revisado em Clarke, 1997; Neufeld e Muenzer, 2001). Além disso, verificou-se que algumas enfermidades, tais como as síndrome de Hurler e de Scheie, representavam extremos opostos do espectro da doença associado com deficiência de uma única enzima (Wiesmann e Neufeld, 1970). A descoberta de que uma deficiência específica na α-L-iduronidase é a causa subjacente da MPS I possibilitou diagnosticar a doença medindo a atividade da α-L-iduronidase em leucócitos, no plasma e em fibroblastos cultivados de pacientes afetados. Em 1991 e 1992, foi isolada toda a extensão do cDNA e determinada a seqüência inteira do gene da α-L-iduronidase humana (Scott e outros, 1991, 1992a). A identificação de mutações do gene que leva à deficiência da enzima α-L-iduronidase ofereceu esclarecimentos importantes da base molecular e da base bioquímica da MPS I (Scott e outros, 1991, 1993a,b, 1995; Moskowitz e outros, 1993; Clarke e Scott, 1993; Clarke e outros, 1994; Bunge e outros, 1994). A identificação exata da causa subjacente à MPS I no nível molecular, no nível 7 bioquímico e no nível celular e a disponibilidade de novas técnicas de genética molecular impulsionaram a pesquisa com várias estratégias terapêuticas específicas da doença, estratégias essas que atualmente estão em diversas fases de desenvolvimento. Com o progresso em potencial das terapias gênica e de reposição enzimática, o diagnóstico clínico precoce da doença continua a ser importantíssimo para orientar a aplicação da terapia e do aconselhamento genético adequado (Clarke, 1997). Foram relatadas variações notáveis nas manifestações da doença em irmãos afetados com as mesmas mutações. GENÉTICA A MPS I é encontrada em todas as populações, numa freqüência aproximada de 1:100.000 a 1:280.000, com proporções grosseiramente iguais nas formas neuronopática e não- neuronopática. A incidência estimada de um pequeno subconjunto com uma forma menos grave de MPS I não-neuronopática (síndrome de Scheie) é de 1:500.000 (Lowry e Renwick, 1971; Lowry e outros, 1970; Neufeld e Muenzer, 2001). A MPS I é herdada de maneira recessiva autossômica (Figura 1). Por isso, a doença ocorre em um indivíduo que herda dois exemplares defeituosos do gene da α-L-iduronidase. Com base na freqüência da doença na população, a estimativa é que 1:160 indivíduos portam um alelo defeituoso. Tipicamente, o pai e a mãe de uma criança afetada por MPS I são obrigatoriamente heterozigotos (portadores) de uma mutação no gene da α-L-iduronidase, mutação essa que causa a doença. Nesta situação, o pai e a mãe têm cada qual um gene normal e um gene mutante; sendo assim, são assintomáticos, pois o único exemplar funcional do gene permite que o indivíduo produza quantidades suficientes da enzima α-L-iduronidase. Cada criança nascida de um casal em que o pai e a mãe são heterozigotos de uma mutação causadora da doença no gene da α-L-iduronidase tem 25% de probabilidade de ser afetada por MPS I, 50% de probabilidade de ser portadora heterozigoto não-afetada, e 25% de probabilidade de ser não-portadora homozigoto não-afetada. Os irmãos nascidos dessa mãe ou desse pai têm 50% de probabilidade de serem portadores heterozigotos. O irmão (ou irmã) não-afetado(a) de um indivíduo com MPS I tem 67% de probabilidade de ser portador(a) heterozigoto e 33% de probabilidade de ser não-portador(a). Em uma mesma família, todos os irmãos afetados têm o mesmo genótipo. No entanto, em irmãos com as mesmas mutações foram relatadas variações impressionantes nas manifestações da doença. O gene que codifica α-L-iduronidase se estende por 19 kb e contém 14 exons (Scott e outros, 1992a,b). Ela está presente no cromossomo 4 (locus 4p16.3), perto do gene da doença de Huntington (Scott e outros, 1990; MacDonald e outros, 1991). Na população caucasiana, dois alelos importantes, o W402X e o Q70X, além de um alelo menos importante, o P533R, são responsáveis por mais da metade dos alelos da MPS I (revisado em Neufeld e Muenzer, 2001; Clarke e Portigal, 2002). Nenhum desses alelos produza enzima funcional α-L-iduronidase e, se estiverem presentes isoladamente ou combinados, dão origem à MPS I neuronopática. Uma análise abrangente feita em 1995 enumera 46 mutações causadoras da doença e 30 polimorfismos não-patológicos (Scott e outros, 1995); muito provavelmente, estes números vão aumentar à medida que mais populações forem sendo estudadas. Figura 1. Herança recessiva da MPS I 8 BASE MOLECULAR, BIOQUÍMICA E CELULAR Na MPS I, os glicosamino- glicanos (GAG) não-degradados ou parcialmente degradados se acumulam nos lisossomas do corpo inteiro. O papel dos lisossomas na degradação de macromoléculas Crescimento e metabolismo são dois processos normais associados com homeostase tecidual. Metabolismo é a degradação de componentes celulares (proteínas, ácidos nucléicos e carboidratos) e a reconstituição dos produtos de cisão em novas macromoléculas. Os lisossomas também têm papel importante nesses processos, fornecendo um ambiente de pH baixo para numerosas hidrolases ácidas. Cada enzima lisossômica efetua um passo isolado de um mecanismo complexo que cinde as macromoléculas em componentes menores, que, por sua vez, são reutilizados pela célula ou acabam eliminados pelo organismo. A ausência ou deficiência de uma enzima provoca um bloqueio ou “engarrafamento” no mecanismo catabólico, levando ao acúmulo progressivo de produtos metabólicos intermediários dentro do lisossoma. A MPS I é causada por deficiência de ααααα-L-iduronidase e por degradação defeituosa de glicosaminoglicanos As mucopolissacaridoses formam uma família de distúrbios metabólicos causados pela deficiência das enzimas lisossômicas necessárias para degradar os glicosaminoglicanos (ou ‘mucopolissacáridos’, que é o nome antigo). Nesses distúrbios, os GAG não- degradados ou parcialmente degradados se acumulam nos lisossomas. Na MPS I, a enzima ausente ou deficiente é a α-L-iduronidase, enzima lisossômica que cliva resíduos terminais da iduronidase provenientes de dermatan sulfato e heparan sulfato (Neufeld e Muenzer, 2001) (Figura 2). Praticamente em todos os tecidos em que há uma distribuição ampla de dermatan sulfato e heparan sulfato (Tabela I) acabam surgindo manifestações da doença, em conseqüência da deficiência de α-L-iduronidase. O dermatan sulfato e o heparan sulfato são encontrados em grande quantidade no tecido conectivo e, até certo ponto, em todos os tecidos (Tabela I). Com exceção do ácido hialurônico, que não apresenta ligação protéica TABELA 1. DISTRIBUIÇÃO TECIDUAL DE GLICOSAMINOGLICANOS E PROTEOGLICANOS ASSOCIADOS Glicosaminoglicanos Tecidos Proteoglicanos Heparan sulfato Dermatan sulfato Cerebral Conectivo Córtex ósseo Placa de crescimento ósseo Coração Cabelos Fígado Rim Córtex ósseo Placa de crescimento ósseo Colágenos Colágenos 1-5 Glipicano, 3-4 Sindecano Colágeno X Colágenos Colágenos 2,4 Sindecano Colágenos 2 Sindecano 4,5 Glipicano; 1,2 Sindecano Figura 2. Papel da ααααα-L-iduronidase na degradação gradual do dermatan sulfato..... Os números correspondem às deficiências de enzimas específicas subjacentes aos diversos distúrbios de depósito lisossômico. 1: MPS II (síndrome de Hunter), 2: MPS I (síndrome de Hurler, de Hurler-Scheie e de Scheie), 3: MPS VI (Maroteaux-Lamy),4: Sandhoff 5: MPS VII (síndrome de Sly). (Reproduzido com permissão das empresas McGraw-Hill, Inc.) 9 Na maioria dos tipos de tecidos, a MPS I está associada com patologia e a doença mostra um andamento crônico e progressivo. covalente, todos os GAG, inclusive o dermatan sulfato e o heparan sulfato, apare- cem como proteoglicanos (polissacáridos ligados ao core de uma proteína) e formam um componente importante da matriz extracelular. Os proteoglicanos criam espaços hidratados ao redor das células e entre as células e formam géis de vários tamanhos e densidades de carga. Isto, por sua vez, é importante para a difusão de gases e nutrientes que vão e que vêm das células, e para controlar a migração celular. Os proteoglicanos também podem ser parte integrante das células, ficando incrustados na membrana celular (Figura 3). Por serem componentes que integram a membrana, os proteoglicanos controlam não só a comunicação entre uma célula e outra, como a divisão celular e a diferenciação celular, em parte ligando-se a fatores de crescimento e modulando a ação desses fatores (Alberts e outros, 1989, 1994; Bernfield e outros, 1999). Os GAG também têm outra função importante, pois são constituintes do tecido conjuntivo e do fluido associado com as articulações (Tabela I), onde ajudam a sustentar as forças de compressão e auxiliam a lubrificação (Moremen e Malm, 1977; Clarke, 1997). Tendo em vista a distribuição ampla do dermatan sulfato e do heparan sulfato nos tecidos, e a importância geral dos proteoglicanos na sinalização e na diferenciação celular, não é surpreendente saber que a MPS I está associada com patologia na maioria dos tipos de tecidos e que a doença mostra uma evolução crônica e progressiva. As manifestações da doença no âmbito do sistema nervoso central (SNC) e do esqueleto levam, respectivamente, ao retardo mental e à disostose multiplex, e refletem como um defeito no metabolismo dos GAG é particularmente perturbador nas fases de crescimento e desenvolvimento rápido. É durante essa época que os tecidos nervosos e os tecidos da placa de crescimento passam por um remodelamento extenso. Os GAG não- degradados ou parcialmente degradados se acumulam nos lisossomas, num processo que acaba resultando em disfunção celular, tecidual e orgânica. À medida que a doença progride, o acúmulo de dermatan sulfato e heparan sulfato predomina nos lisossomas dos hepatócitos e em praticamente todos os outros tecidos celulares do indivíduo (por exemplo, nos fibroblastos) (Figuras 4 a e b). a b Figura 3. Glicosaminoglicanos e proteoglicanos nos tecidos A maioria dos GAG ocorre como proteoglicanos na matriz extracelular dos tecidos conectivos. Os proteoglicanos também estão presentes como componentes integrantes da membrana celular. (Reproduzido com permissão de John Wiley and Sons, Inc.) Figura 4. Acúmulo de glicosaminoglicanos dentro de lisossomas celulares na MPS I neuronopática. (a)Fígado mostrando lisossomas distendidos em hepatócitos e em células de Kupfer. (b)Biopsia conjuntiva mostrando fibroblastos com diversos lisossomas distendidos. (Reproduzido com permissão de Hodder/Arnold Editores.) 10 a b c A maior heterogeneidade de sintomas é manifestada por indivíduos que apresentam a doença MPS I não-neurono- pática. SINAIS, SINTOMAS E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A MPS I é considerada o protótipo da doença de depósito lisossômico progressiva multissistêmica e que apresenta características que variam conforme a posição do paciente no espectro da doença (Figura 5). As entidades clínicas tradicionais utilizadas para caracterizar o amplo espectro de gravidade clínica associado com as doenças de MPS I (desde as formas mais graves até as menos graves), tais como as síndromes de Hurler, de Hurler-Scheie e de Scheie, não refletem adequadamente a ampla variação dos sintomas clínicos manifestados por pacientes com MPS I. Há diversos pacientes que não se encaixam exatamente em nenhuma destas três entidades clínicas; além do mais, os fenótipos clínicos não são distinguíveis bioquimicamente pelos procedimentos diagnósticos rotineiros. Como não existe uma linha de separação clara entre as síndromes, a melhor maneira é dizer se os pacientes têm MPS I neuronopática ou não- neuronopática. A maior heterogeneidade de sintomas é manifestada por indivíduos que apresentam a doença MPS I não-neuronopática. As manifestações clínicas importantes da doença MPS I estão citadas abaixo e também nas Tabelas II e IV, em que as formas neuronopática e não-neuronopática da doença MPS I são mencionadas separadamente. Muitos pacientes se encaixamna classe não- neuronopática. Até agora não foi divulgada uma determinação precisa da porcentagem de pacientes de MPS I diagnosticados em cada uma destas classes; há estimativas conservadoras que sugerem que pelo menos 45% são casos neuronopáticos e 55% são casos não-neuronopáticos. Os pacientes de MPS I não-neuronopática formam uma fração maior da população predominante porque têm longevidade maior. MPS I neuronopática MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS GERAIS E PROGRESSÃO DA DOENÇA Os indivíduos com MPS I neuronopática (tradicionalmente denominada síndrome de Hurler) mostram um andamento crônico e progressivo dessa doença que afeta diversos órgãos e tecidos, mais notadamente o sistema nervoso central (revisão feita por Clarke, 1997; Neufeld e Muenzer, 2001) (Tabela II). Essas características clínicas levam à morte na infância, tipicamente entre 8 e 10 anos de idade. Um bebê com MPS I aparenta ser normal ao nascer, mas pode ter Figura 6. Alterações físicas progressivas em uma criança com MPS I neuronopática. (a) Aos 12 meses (b) Aos 22 meses (c) Aos 39 meses (Fotos cedidas por cortesia da National MPS Society, Inc.) Figura 5. Espectro da gravidade da MPS I e manifestações clínicas associadas importantes CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DA MPS I Espectro da MPS I, desde a forma neuronopática até a forma não-neuronopática MPS I neuronopática MPS I não-neuronopática aparecimento precoce desenvolvimento atrasado hepatoesplenomegalia acometimento ósseo lesão de nervo periférico turvação corneana acometimento articular surdez apnéia do sono facies característico disfunção cardíaca morte na primeira década aparecimento posterior inteligência praticamente normal hepatoesplenomegalia acometimento ósseo lesão de nervo periférico turvação corneana acometimento articular apnéia do sono facies característico (variável) disfunção cardíaca morte entre a adolescência e a idade adulta 11 TABELA II. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA MPS I NEURONOPÁTICA Manifestações precoces (do nascimento ao 24º mês) • Hérnia umbilical e inguinal, em geral recorrente • Anormalidades ósseas, deformidade da giba, deformidade dos pés (varo ou valgo) • Infecções recorrentes e persistentes do trato respiratório superior (rinorréia crônica e otite média crônica) • Facies característico: crânio escafoencefálico aumentado; hipertricose; cabelos lisos, grossos e texturizados; língua e lábios grossos • Limitação articular moderada, mais notada no punho e no quadril • Atraso no desenvolvimento • Turvação corneana • Hepatoesplenomegalia • Sopro cardíaco: doença valvular leve, casos raros de endocardiofibroelastose fatal Um bebê com MPS I neuronopática tem aparência normal ao nascer, mas pode ter hérnia inguinal ou umbilical. Manifestações posteriores (dos 24 meses aos 10 anos de idade) • Manifestações ósseas: disostose multiplex, baixa estatura, cifose e escoliose • Artropatia: limitação articular progressiva que leva a uma deformação fixa progressiva dos joelhos, quadril, tórax, mandíbula; e deformação da mão, caracteristicamente em forma de garra • As feições se tornam progressivamente mais rudes e a língua fica grande e proeminente; lábios grossos; hipertricose facial; gengivas largas e espessas; dentes espaçados, em forma de pinos; cartilagens nasal e aural enrijecidas e cabelo semelhante a palha • Desenvolvimento prejudicado, com limitação da capacidade da fala, seguida de queda progressiva do desenvolvimento até atingir retardo mental profundo, em geral associado com comportamento mais tranqüilo do que agressivo. • Hidrocefalia, compressão da medula e/ou nervos periféricos • Doença obstrutiva das vias aéreas: respiração ruidosa, apnéia do sono • Perda auditiva • Hepatoesplenomegalia maciça • Turvação corneana, glaucoma, degeneração da retina e atrofia óptica • Lesão valvular cardíaca e cardiopatia isquêmica hérnia umbilical ou inguinal. Comumente, o diagnóstico de MPS I neuronopática é feito entre 4 e 18 meses de idade; a média etária de diagnóstico é de aproximadamente 9 meses (Cleary e Wraith, 1995) (Figura 6). Os primeiros sinais e sintomas clínicos podem incluir uma combinação de deformidades ósseas, infecções auditivas e nasais recorrentes, hérnia inguinal ou umbilical, turvação corneana, facies característico, língua aumentada e hepatoesplenomegalia (Cleary e Wraith, 1995). Os indivíduos com MPS I neuronopática apresentam retardo mental progressivo com atraso do desenvolvimento, habitualmente evidente entre 12 e 24 meses (Clarke, 1997; Neufeld e Muenzer, 2001). As crianças com MPS I neuronopática desenvolvem uma capacidade da fala apenas limitada, como resultado de atraso de desenvolvimento, perda auditiva crônica e língua aumentada. Além de ter infecções recorrentes no ouvido e no trato respiratório superior, a criança costuma apresentar respiração ruidosa e secreção nasal copiosa e persistente. 12 A causa de morte mais comum nos indivíduos com MPS I neuronopática é a insuficiência respiratória. A turvação progressiva da córnea também começa no primeiro ano de vida e alguns indivíduos apresentam glaucoma (Nowaczyk e outros, 1988). O aumento da pressão intracraniana causado por hidrocefalia comunicante é comum. Além disso, há alterações nos ossos, com uma constelação de anormalidades radiográficas conhecidas por disostose multiplex. Clinicamente, observa-se com freqüência deformidade da giba, ou cifose lombar. Todos os pacientes apresentam artropatia, que leva a deformações graves nas articulações. A causa de morte mais comum nos indivíduos com MPS I neuronopática é a insuficiência respiratória. Como a MPS I afeta muitos sistemas orgânicos e pode se apresentar de diversas maneiras, o diagnóstico e o tratamento dessa doença exige colaboração e comunicação entre geneticistas, neurologistas, pediatras, especialistas em desenvolvimento, cirurgiões, cardiologistas, gastroenterologistas, fisioterapeutas e encarregados do tratamento básico. A Tabela III mostra algumas das características de MPS I que se apresentam, do ponto de vista de cada especialista. TABELA III. REPRESENTAÇÃO CLÍNICA DO PONTO DE VISTA DE CADA ESPECIALISTA Especialista Características que se apresentam Clínico Geral Pediatra Cirurgião geral ou pediátrico Cirurgião ortopédico Otorrinolaringologista Oftalmologista Cardiologista Geneticista Fisioterapeutas Reumatologista Infecções auditivas recorrentes, protuberância abdominal, restrição articular, marcha anormal, artrite, dor na mão ou no punho, fotofobia Infecções recorrentes do trato respiratório superior, otite média recorrente, atraso no desenvolvimento, hepatoesplenomegalia, restrição articular, deformidade da giba, facies característico Hérnia abdominal ou inguinal congênita recorrente, síndrome do túnel do carpo Deformidade da giba, deformidade do tipo genu valgum ou genu varum Infecções auditivas recorrentes que exigem colocação de carretel Turvação corneana, degeneração retinal Endocardiofibroelastose, doença valvular (espessamento valvar, regurgitação mitral e aórtica) Atraso no desenvolvimento, facies característico, macrocefalia, hidropsia fetal Restrição na mobilidade das articulações Dor nas articulações, restrição articular 13 O desenvolvimento precoce pode ser normal, mas em geral a suspeita de atraso do desenvolvimento surge aos 12 meses de idade. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS EM TECIDOS ESPECÍFICOS E EM SISTEMAS ORGÂNICOS ESPECÍFICOS Características Faciais e Aspecto Físico Geral O facies característico se estabelece lentamente no primeiro ano de vida, ficando bastante óbvio aos dois anos de idade (Figura 7). Essa rudeza, que leva à perda dos detalhes bonitos das feições do bebê, é causada pelo acúmulo de glicosaminoglicanos na região orofacial, e também pela disostose óssea facial subjacente.O espessamento das narinas, lábios e lóbulos da orelha, assim como o aumento da língua, são características que se tornam progressivamente mais evidentes. Muitas vezes é notada hipertricose no rosto e no corpo aos 24 meses, época em que os cabelos e os pelos do rosto podem ser grosseiros e lisos, com aspecto de palha. Geralmente, as crianças com MPS I neuronopática têm a cabeça grande, em parte devido ao espessamento da calvária, que também dá uma aparência craniana característica (Clarke, 1997). A cabeça tende a ser mais comprida do que o normal, da frente para trás (escafocefalia) e em geral a testa é particularmente proeminente ou tem forma de proa, em conseqüência de craniossinostose. Sistema Nervoso Central Atraso no desenvolvimento e retardo mental grave O heparan sulfato é encontrado em abundância no cérebro, fazendo parte dos neurônios que rodeiam a matriz extracelular. A deficiência de α-L-iduronidase nos pacientes com MPS I leva ao acúmulo de GAG nos lisossomas dos neurônios, o que, por sua vez, leva a um acúmulo de glicolipídios que formam corpos zebrados. O depósito de GAG e o depósito decorrente disso levam às diversas complicações da doença no SNC (retardo mental grave e hidrocefalia; ver discussão mais adiante) (Figura 8). Os indivíduos com MPS I neuronopática apresentam retardo mental profundo e progressivo, ao contrário dos pacientes com MPS I não-neuronopática (ver Figura 14). Os mecanismos exatos do retardo mental são complexos e podem envolver perda de neurônios, com atrofia, estrutura neuronal alterada e os efeitos de uma hidrocefalia comunicante não-tratada. O desenvolvimento inicial pode ser normal, mas em geral a suspeita de atraso do desenvolvimento surge até os 12 meses de idade (Clarke, 1997). Daí em diante há uma deterioração progressiva, e geralmente o atraso do desenvolvimento fica evidente ao redor dos 18 meses. A partir desse ponto, o desenvolvimento da maioria dos pacientes não progride e sim estaciona por diversos anos, seguido de uma queda lenta das capacidades intelectuais. Por ocasião da morte, a maioria dos pacientes apresenta retardo mental grave. Os efeitos graves do desenvolvimento estão associados com um comportamento mais tranqüilo do que agressivo como os observados na MPS II ou na MPS III (Clarke, 1997). Nas crianças com MPS I neuronopática, a capacidade da fala é apenas limitada, provavelmente devido ao trio formado por atraso no desenvolvimento, perda auditiva crônica e aumento do tamanho da língua (Neufeld e Muenzer, 2001). Figura 7. Facies característico e protuberância abdominal em criança de 23 meses com MPS I neuronopática. (Foto cedida por cortesia da National MPS Society, Inc.) Figura 8. Acúmulo de glicosaminoglicanos em neurônios do cérebro de paciente com MPS I neuronopática (Foto cedida por cortesia do Dr. Lorne Clarke, Genética Médica da Universidade de British Columbia) 14 Pode ser difícil avaliar os sintomas; a progressão pode ser traiçoeira e muitas vezes é subestimada. Manifestações estruturais no SNC Além dos efeitos diretos no SNC, é comum haver hidrocefalia comunicante de alta pressão em pacientes com MPS I neuronopática. A obstrução da reabsorção de líquido cerebro-espinhal por vilosidades aracnóides (aracnosi vilii) provoca um aumento associado da pressão intracraniana que leva à compressão do cérebro. Um aumento rápido da pressão também pode ser a causa do declínio rápido do desenvolvimento em alguns pacientes. Pode ser difícil avaliar os sintomas; a progressão pode ser traiçoeira e muitas vezes é subestimada. O papiledema não é um sinal confiável de aumento da pressão intracraniana e não deve ser usado como indicador. A formação de imagem por ressonância magnética (MRI) consegue mostrar apenas ventriculomegalia, mas, na MPS I, muitas vezes os estudos de formação de imagem não conseguem distinguir com certeza uma atrofia de uma compressão cerebral. O método preferencial de avaliar o grau de elevação da pressão é a punção lombar com pressão de abertura. A maioria das crianças se beneficia com o método de derivação (shunting) (Neufeld e Muenzer, 2001). Esqueleto Figura 10. Raio X do esqueleto de uma criança de 3 anos com MPS I neuronopática (Reproduzido com licença de Hodder/ Arnold Editores) Nos pacientes com MPS I neuronopática, a participação do esqueleto pode ser detectada no primeiro ano de vida por métodos radiológicos (Clarke, 1997; Neufeld e Muenzer, 2001). Nessa idade é comum observar anomalias ósseas leves, particularmente na região do quadril, vértebras ovóides, assim como um alargamento das costelas. Clinicamente, a participação do esqueleto só fica óbvia ao redor de 10 a 14 meses, quando se observa uma deformidade da giba nas costas ou uma cifose dorsolombar (Figura 9). Nos dois tipos de MPS I, por fim se nota uma displasia óssea progressiva que envolve todos os ossos. A constelação de anormalidades ósseas é conhecida como disostose multiplex (Figura 10). As características mais aparentes são os centros defeituosos da ossificação dos corpos vertebrais que levam a vértebras ovóides. As vértebras vão se tornando progressivamente mais achatadas e mais pontudas, o que em geral produz uma deformidade na espinha. Entre outras complicações, pode haver compressão da medula, lesão aguda na coluna e instabilidade atlantoccipital. Os ossos longos não se remodelam devidamente e ficam curtos, com eixos largos e irregulares e inclinação da epífise, que leva a deformações dos tipos valgo e varo. Caracteristicamente, a pelve é mal formada, com cabeças femorais pequenas e coxa valga. A participação da cabeça do fêmur leva a uma deformidade progressiva e debilitante do quadril. As clavículas são curtas, grossas e irregulares. Aos 3 anos de idade o progresso do crescimento físico (linear) é pequeno. Muitas vezes, ao redor de 2 anos as articulações ficam rígidas e podem ser afetadas por uma artropatia progressiva. Figura 9. Deformidade da giba em bebê de 18 meses (Foto cedida por cortesia do Dr. Emil Kakkis) 15 Muitas vezes é preciso fazer uma traqueostomia para manter as vias respiratórias desimpedidas e controlar a hipertensão pulmonar e a insuficiência ventricular direita. As mãos também podem adquirir uma deformidade característica em forma de garra, que é resultado tanto de disostose falângica como de espessamento sinovial (ver Figura 13). É comum a síndrome do túnel do carpo e a participação da articulação interfalângica prejudicarem a função da mão (Clarke, 1997; Neufeld e Muenzer, 2001). Muitas vezes a síndrome do túnel do carpo passa despercebida porque começa traiçoeiramente e em geral se apresenta com poucos sintomas ou sem nenhum sintoma, a não ser atrofia tenar. Todos os pacientes devem ser examinados e podem se beneficiar com o alívio do túnel do carpo. Aparelho respiratório Rinite recorrente crônica e rinorréia crônica sem etiologia óbvia de infecção são características comuns da MPS I. O depósito no interior da orofaringe, com aumento associado das amígdalas e das adenóides, pode levar a complicações consideráveis nas vias aéreas superiores (Clarke, 1997; Neufeld e Muenzer, 2001). Além disso, uma traquéia estreitada, cordas vocais espessadas, tecido redundante na via aérea superior e uma língua aumentada, tudo isso contribui para obstruir as vias respiratórias (Myer, 1991; Peters e outros, 1985; Shapiro e outros, 1985). Respiração ruidosa é uma conseqüência geral da obstrução das vias aéreas superiores. Em muitos indivíduos com MPS I, muitas vezes a obstrução das vias aéreas leva à apnéia do sono, particularmente durante as fases mais avançadas da doença, e na MPS I neuronopática podem refletir tanto a participação (obstrutiva) da otolaringe como a participação (central) do SNC. Para isso pode ser usado um fluxo lento de oxigênio com as devidas precauções para os pacientes que retêm CO2 cronicamente. Freqüentemente é preciso fazer uma traqueostomia para desimpediras vias respiratórias e controlar a hipertensão pulmonar e a insuficiência ventricular direita. Os pacientes apresentam uma doença que restringe a função pulmonar, devido a uma soma de fatores, tais como excursão diafragmática reduzida causada por hepatoesplenomegalia, deformidades da espinha e uma caixa torácica pequena que não dá conta da sua função. A insuficiência respiratória leva a atelectasia, fôlego curto e infecções pulmonares. A turvação corneana é uma característica dos pacientes com MPS I (Figura 11) e pode ser progressiva e obstruir a visão dos pacientes com MPS I neuronopática. O glaucoma de ângulo aberto, em que a malha trabecular se encontra livre de invasão pela base da íris, também é uma complicação comum (Clarke, 1997; Neufeld e Muenzer, 2001). Em geral a malha trabecular se apresenta ingurgitada com GAG e a esclera e a córnea ficam mais espessas, causando antecâmaras anteriores rasas. A degeneração retinal é comum e pode ser avaliada por eletrorretinograma. O resultado da degeneração retinal é uma diminuição da visão periférica e cegueira noturna; a etiologia exata não é conhecida. As perturbações da visão podem progredir até a cegueira, devido à combinação de: degeneração dos pigmentos da retina, compressão e atrofia do nervo óptico, e lesão cortical. Figura 11. Manifestações oftalmológicas da MPS I Turvação corneana, evidente aos 18 meses (Reprodução com licença de Hodder/Arnold Editores) Audição A perda auditiva é comum na MPS I neuronopática e se correlaciona com a gravidade da doença somática. As deficiências podem ser de natureza condutora ou neurosensorial, mas em geral são mistas. Os fatores que mais contribuem são: formação de cicatriz, devido às infecções freqüentes do ouvido médio (causadas por depósito no interior da orofaringe, que leva à obstrução da trompa de Eustáquio), disostose dos ossos auditivos intrínsecos e lesão do oitavo nervo craniano (nervo auditivo) (Clarke, 1997; Neufeld e Muenzer, 2001). Visão 16 A coronariopatia e a doença vascular aórtica podem ser graves e progressivas, levando a uma má perfusão periférica e até a uma morte súbita. Aparelho cardiovascular Todos os indivíduos com MPS I neuronopática têm complicações clínicas relacionadas com doença cardíaca, particularmente nas fases posteriores da MPS I. Por ecocardiografia é possível demonstrar indícios de participação cardiovascular muito mais cedo do que a partir de observações clínicas. O depósito de GAG (heparan sulfato e dermatan sulfato) dentro e ao redor da cúspide da válvula faz com estas fiquem mais grossas e rígidas, o que pode levar à regurgitação mitral e aórtica progressivas. Habitualmente, a doença valvular só leva a efeitos hemodinâmicos em fases posteriores da doença. À medida que os GAG continuam a se depositar no coração, a cardiomiopatia pode acionar uma morte súbita relacionada com arritmia, coronariopatia e colapso cardiovascular. Um subconjunto pequeno dos pacientes com MPS I neuronopática apresenta no primeiro ano de vida o surgimento precoce de endocardiofibroelastose fatal. Regurgitação mitral é a doença valvular mais comum na MPS I neuronopática (Neufeld e Muenzer, 2001). A doença coronária e a doença vascular aórtica podem ser graves e progressivas e levar a uma má perfusão periférica e a uma morte súbita inesperada. Há estudos de autópsia que revelaram indícios de coronariopatia grave, apesar de não ser conhecida a freqüência de infarto do miocárdio nas fases posteriores da doença. Aparelho digestivo Em pacientes com MPS I neuronopática é comum observar-se protuberância do abdome, causada por hepatoesplenomegalia progressiva (Clarke, 1997). O depósito de GAG no fígado (Figura 4a) e no baço não leva a uma disfunção, mas o tamanho dos órgãos pode ser enorme. Muitas crianças com MPS I neuronopática apresentam periodicamente fezes soltas e diarréia, às vezes alternadas com períodos de constipação grave provocada por depósito no interior das células ganglionares do sistema nervoso entérico. Esses problemas podem ou não diminuir à medida que a criança vai ficando mais velha; eles são exacerbados por fraqueza muscular e por diminuição da atividade física (que progride com a idade), e pelo uso de antibióticos para outros problemas (Clarke e MacFarland, 2001). 17 Muitos pacientes com MPS I não- neuronopática podem ter uma doença somática importante, porém sem nenhum sinal de acometimento intelectual. Doença da MPS I não-neuronopática MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS EM GERAL E A PROGRESSÃO DA DOENÇA Os pacientes que mostram indícios de atraso no desenvolvimento e características somáticas de MPS I antes de 12 meses de idade deveriam ser classificados como neuronopáticos. Se aos 24 meses o desenvolvimento for normal e se houver indícios de participação somática moderada, os pacientes deveriam ser classificados como não-neuronopáticos. É preciso ter cuidado ao classificar os pacientes nesta última classe já que pode haver comprometimento intelectual até mais evidente do que o observado em pacientes neuronopáticos. Por outro lado, muitos pacientes não-neuronopáticos podem ter doença somática importante, porém sem indício de participação do intelecto. Portanto, nos pacientes não-neuronopáticos não parece haver correlação entre o grau de participação somática e o acometimento intelectual. A maior heterogeneidade de sintomas é, de longe, manifestada por indivíduos que têm a doença de MPS I não-neuronopática (Tabela IV). Aqui há uma participação somática progressiva que inclui a disostose multiplex e a artropatia e pouca ou nenhuma disfunção intelectual. No fim da infância o indivíduo apresenta turvação corneana, rigidez das articulações, surdez e doença valvular cardíaca; essas doenças podem prejudicar consideravelmente e até provocar a perda da função. A hidrocefalia comunicante é menos freqüente do que na MPS I neuronopática, mas a paquimeningite (compressão do cordão cervical devido ao acúmulo de glicosaminoglicanos na dura (ou paquimeninge) e espondilolistese da espinha inferior, que leva à compressão do cordão espinhal, podem ocorrer em indivíduos com MPS I não-neuronopática. Em geral, o surgimento de sintomas em indivíduos com MPS I não-neuronopática se dá entre 3 e 8 anos de idade. Para um subconjunto de pacientes com a forma menos grave de MPS I não-neuronopática os sintomas significativos surgem geralmente depois dos 5 anos de idade, com diagnóstico feito normalmente entre 10 e 20 anos. O envolvimento cardíaco e a obstrução do trato respiratório superior pode contribuir para a mortalidade, mas é comum estes pacientes sobreviverem até a idade adulta (Neufeld e Muenzer, 2001). TABELA IV. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA MPS I NÃO-NEURONOPÁTICA • Turvação corneana, glaucoma, degeneração retinal • Artropatia, que afeta todas as articulações com deformidade de flexão fixa dos dedos, punhos e joelhos e deformação da cabeça do fêmur • Doença valvular cardíaca aórtica e mitral (neste último caso, pode ser grave) • Hepatomegalia: pode variar entre leve e grave • Apnéia do sono • Hidrocefalia, cistos aracnóides • Paquimeningite hipertrófica: compressão da medula, particularmente na região cervical • Radiculopatia: em qualquer nível • Compressão de nervos periféricos: síndrome do túnel do carpo • Surdez • Doença obstrutiva das vias respiratórias: pode ou não estar presente 18 a b c d Os adultos com a forma menos grave de MPS I não-neuronopática são geralmente atarracados, podendo ter o tronco mais curto do que os membros. Figura 12. MPS I não-neuronopática (a) Paciente de 34 anos com MPS I não-neuronopática. (b) Paciente com MPS I não- neuronopática aos 3 anos. (c) aos 4 anos. (d) aos 18 anos. (Fotos cedidas por cortesia da National MPS Society, Inc.) Figura 13. Deformidade da mão em forma de garra em paciente com MPS I não- neuronopática (Foto cedida por cortesia da National MPS Society, Inc.)Um subconjunto pequeno de indivíduos com MPS I não-neuronopática tem sintomas físicos menos graves, intelecto normal e tempo de vida normal. Nesses indivíduos, as manifestações clínicas mais importantes são artropatia, síndrome do túnel do carpo e outras síndromes de compressão de nervos periféricos, doença da válvula aórtica, organomegalia leve e sintomas oculares, entre os quais turvação corneana e prejuízo da visão relacionado com glaucoma e com degeneração da retina. Os rosto apresentam feições típicas, mas a estatura e altura podem ser pequenas ou normais. Aqui é importante ressaltar que, embora os sintomas sejam menos graves, esta forma de MPS I é uma doença grave que está associada com uma incapacidade considerável. As deformidades das articulações das mãos e dos pés, juntamente com o surgimento da síndrome do túnel do carpo, podem levar a uma limitação considerável da função. Alguns pacientes apresentam surdez. A obstrução das vias respiratórias que causa apnéia do sono costuma evoluir, o que pode exigir traqueostomia. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS EM SISTEMAS ORGÂNICOS E TECIDUAIS ESPECÍFICOS Feições e Aparência Física Geral A aparência física dos indivíduos com MPS I não-neuronopática varia bastante (Figura 12). As feições típicas das crianças com MPS I neuronopática são menos óbvias nos indivíduos que têm a forma menos grave de MPS I não-neuronopática. A turvação corneana é típica e pode interferir na visão à medida que o indivíduo fica mais velho. Os indivíduos com MPS I não-neuronopática podem ter pescoço curto, boca larga, maxilar quadrado e queixo recuado (micrognatia). Como foi observado anteriormente, a estatura e a altura podem ser normais, mas os adultos que têm a forma menos grave de MPS I não-neuronopática costumam ser atarracados, podendo ter o tronco mais curto do que os membros. Os pacientes com MPS I não-neuronopática podem ter níveis variáveis de atraso do crescimento. Todos apresentam artropatia, que leva a deformidades fixas das articulações; tipicamente, os indivíduos têm a mão deformada em forma de garra (Figura 13). 19 A compressão progressiva da medula espinhal pode passar despercebida até ter progredido a ponto de constituir uma lesão irreversível. Figura 14. Padrões de desenvolvimento observados em pacientes com MPS I. Pacientes não-neuronopáticos têm evolução intelectual normal ou pouco comprometida. (Cortesia do Dr. Lorne Clarke, do Centro de Genética Médica da Universidade de British Columbia) Sistema Nervoso Central Como foi frisado anteriormente, a diferença principal entre os pacientes com MPS I neuronopática e os pacientes com MPS I não-neuronopática é manifestada na participação do intelecto. Na MPS I neuronopática o intelecto fica seriamente comprometido, enquanto os indivíduos com MPS I não-neuronopática apresentam uma heterogeneidade extrema nas manifestações intelectuais (Figura 14). Aqui o desenvolvimento intelectual pode variar entre pouca ou nenhuma disfunção do intelecto até a exibição de uma evolução mais protelada do que nos pacientes com MPS I neuronopática. Assim, a distinção entre indivíduos com MPS I neuronopática e não-neuronopática tem a ver com inspecionar mais de perto a progressão da doença enquanto a criança está em desenvolvimento. Convém notar que um paciente do Dr. Scheie (o médico que descreveu pela primeira vez a forma menos grave da MPS I não-neuronopática; Scheie e outros, 1962) apresentava um QI próximo do nível de gênio. Com foi observado acima, os pacientes com MPS I não- neuronopática têm um risco menos freqüente de ter hidrocefalia comunicante, que supostamente é uma conseqüência de menor reabsorção de líquido cerebro- espinhal pelas vilosidades aracnóides. No entanto, em alguns casos a hidrocefalia pode se estabelecer traiçoeiramente; além disso, também já foram relatados cistos aracnóides e compressão medular (Neufeld e Muenzer, 2001) (ver discussão mais acima). Sistema Nervoso Periférico Nos pacientes com MPS I não-neuronopática a função das mãos não é boa, em parte devido à síndrome do túnel do carpo (compressão do nervo mediano) (Wraith, 1995). Esta síndrome é causada por pressão nos nervos, que por sua vez se deve ao espessamento dos ligamentos na região do punho e pode provocar dor e perda de sensibilidade na ponta dos dedos, mas a maioria dos pacientes não tem sintomas típicos (dor, formigamento ou entorpecimento) (Wraith e outros, 1990; Haddad e outros, 1997; van Heest e outros, 1998). Como a incidência da síndrome é alta, recomenda-se o teste eletromiográfico rotineiro ou o teste de velocidade de condução do nervo (van Heest e outros, 1998) mesmo na ausência de queixa por parte do paciente. A perda da função do polegar causada pela síndrome do túnel do carpo pode ser um obstáculo considerável quando somada com displasia esqueletal, que também pode levar a uma diminuição do movimento das mãos. A compressão progressiva do cordão espinhal e a conseqüente mielopatia cervical devida ao espessamento da dura (paquimeningite cervical hipertrófica) são comuns na MPS I não- neuronopática e os pacientes podem se apresentar inicialmente com menos atividade e com menos tolerância a exercícios físicos. Estas complicações podem vir a ser percebidas apenas quando já progrediram a ponto de constituir uma lesão irreversível (Neufeld e Muenzer, 2001). Esqueleto As manifestações do esqueleto e das articulações representam o maior desconforto e a pior incapacidade para os pacientes com MPS I não-neuronopática (Clarke, 1997) (Figura 13). Cifose, escoliose e dor grave nas costas são comuns nos pacientes com MPS I não- neuronopática. 20 O envolvimento cardíaco pode se apresentar como doença progressiva das válvulas aórtica e mitral com regurgitação e/ ou estenose, caso em que pode ser necessário substituir a válvula. A artropatia progressiva que afeta todas as articulações e acaba levando à redução da amplitude de movimento ou a uma limitação grave da mesma, é apresentada por todos os pacientes com MPS I. A degeneração cística da cabeça do fêmur pode levar a uma deformidade grave do quadril e à invalidez. A função da mão prejudicada pela síndrome do túnel do carpo e pelo enrijecimento da articulação interfalângica é observada com freqüência na MPS I não-neuronopática. Aparelho Respiratório É comum haver apnéia do sono provocada por doença obstrutiva das vias aéreas e por corrimento nasal crônico (rinorréia) e, nos pacientes com MPS I não-neuronopática, pode ter um componente do sistema nervoso central. A respiração ruidosa é uma conseqüência geral da obstrução das vias respiratórias superiores. A doença pulmonar progressiva pode se manifestar como uma anormalidade de tipo restritivo, com diminuição da capacidade vital forçada. A freqüência da doença pulmonar intersticial que leva a parâmetros de difusão anormais não foi devidamente estudada, mas provavelmente é um componente da participação pulmonar nos pacientes mais velhos. Audição A maioria dos pacientes com MPS I não-neuronopática apresenta surdez moderada ou grave. A perda de audição é muito comum na faixa de freqüências altas, podendo por isso levar a grandes dificuldades na interação social. Provavelmente a patogênese subjacente à perda auditiva se deve a uma combinação de disfunção da trompa de Eustáquio, disostose dos ossos auditivos e partici-pação do oitavo nervo craniano. Aparelho Cardiovascular O envolvimento cardíaco pode se apresentar como doença progressiva das válvulas aórtica e mitral com regurgitação e/ou estenose, caso em que pode ser necessário substituir a válvula. Nos pacientes com MPS I não-neuronopática é mais provável haver doença valvular aórtica do que mitral (Neufeld e Muenzer, 2001). No entanto, em alguns casos, todas as válvulas podem ser afetadas. Não foi feito nenhum estudo abrangente sobre coronariopatia em pacientes com MPS I não-neuronopática, mas a freqüência da doença coronáriaencontrada na autópsia de pacientes afetados pela forma neuronopática indica que isso pode ser uma característica da doença não-neuronopática. Visão Todos os pacientes com MPS I apresentam turvação corneana capaz de levar a uma incapacidade visual considerável. Também é possível observar glaucoma, degeneração retinal e atrofia óptica. Aparelho Digestivo No exame médico, os indivíduos com MPS I não-neuronopática tendem a apresentar uma protuberância variável do abdome, que é resultado de um fígado aumentado, mas o baço desses indivíduos pode ser normal. Os indivíduos não-neuronopáticos podem apresentar hérnias talvez com menor freqüência do que os pacientes neuronopáticos (Clarke e MacFarland, 2001). 21 O diagnóstico definitivo é estabelecido por testes enzimáticos que utilizam substratos fluorescentes específicos para a α-L-iduronidase. DIAGNÓSTICO O diagnóstico da MPS I se baseia na demonstração de deficiência da enzima lisossômica α-L-iduronidase. Esta atividade enzimática pode ser medida na maioria dos tecidos; no entanto, geralmente o diagnóstico é feito com leucócitos do sangue periférico, plasma ou fibroblastos cultivados. Os resultados obtidos na MPS I se superpõem aos resultados de outras doenças de depósito lisossômico, particularmente outras mucopolissacaridoses, entre as quais a deficiência de sulfatase múltipla. Para distinguir entre elas é imprescindível obter resultados clínicos detalhados e efetuar testes bioquímicos. Existem alguns sintomas e sinais clínicos precoces que, sozinhos, não diagnosticam, mas vão exigir testes mais definitivos. Mais especificamente, embora os resultados encontrados na apresentação desses dirtúrbios variem com a gravidade da doença, deve-se suspeitar de MPS I nos indivíduos que apresentam feições características e hepatoesplenomegalia, além de resultados esqueletais, oculares e de articulação característicos. Confirmação de um diagnóstico inicial A análise dos glicosaminoglicanos (heparan sulfato e dermatan sulfato) na urina foi o primeiro método disponível para diagnosticar MPS I; esse método continua útil como teste de pesquisa preliminar. No entanto, agora o diagnóstico definitivo é estabelecido por testes enzimáticos que utilizam substratos fluorescentes específicos para a α-L-iduronidase (Hall e outros, 1978; Kresse e outros, 1982; revisão feita por Neufeld e Muenzer, 1995, 2001). Em geral usam-se fibroblastos cultivados, leucócitos ou plasma, mas a escolha depende da preferência do laboratório que está fazendo os testes; alguns laboratórios de diagnóstico colocam os métodos de preparação e transporte de amostra nos seus sites da internet. Para estabelecer um diagnóstico é imprescindível fazer uma análise muito precisa, pois a doença da célula I e a MPS II apresentam características clínicas semelhantes às da MPS I. No entanto, as causas subjacentes são diferentes. A doença da célula I é causada por um defeito na enzima Ν-acetilglicosamina-1-fosfotransferase, que liga os resíduos de manose-6-fosfato na α-L-iduronidase necessária para levar a α-L-iduronidase aos lisossomas. A MPS II é causada por deficiência de iduronato sulfatase, que cliva o grupo sulfato dos resíduos terminais de iduronato existentes no heparan sulfato e dermatan sulfato. O desenvolvimento atual dos tratamentos que, aliás, deveriam ser todos iniciados antes de se estabelecer um dano irreversível, subestima a importância de iniciar programas de triagem para conseguir uma identificação precoce dos indivíduos afetados. A implementação de métodos refinados de determinação da condição de portador também ajuda e estes métodos são muito procurados. Testes de portador Os testes de portador constituem o serviço requisitado com maior freqüência por famílias com MPS I, secundado somente pela procura de um tratamento eficaz. Infelizmente, a análise da atividade da enzima α-L-iduronidase não dá informações definitivas sobre portadores. Isto está relacionado com o fato de haver uma superposição considerável entre a faixa normal e a faixa de heterozigotos (Neufeld e Muenzer, 2001) e com o fato de ter sido relatada uma pseudodeficiência da α-L-iduronidase. Assim, existem problemas associados com os resultados da interpretação dos níveis enzimáticos na população geral. Além disso, mesmo que alguém consiga determinar com precisão a condição de portador de um parente de um indivíduo com MPS I, não é possível determinar a condição de portador do cônjuge, que não tem parentesco direto. Sendo assim, o valor dos testes de portador é limitado no que se refere à finalidade de identificar casais que podem estar em risco de gerar uma criança afetada. Como já foi observado anteriormente, o risco a priori de ser portador (ou seja, de ter um alelo defeituoso) na população geral é de 1:160. Lamentavelmente, o grande número de mutações subjacentes à MPS I e as técnicas disponíveis para avaliar mutações genéticas no momento não permitem detectar portadores por métodos moleculares (Neufeld e Muenzer, 2001). 22 Em geral, a quantidade de atividade enzimática medida in vitro a partir de extratos celulares não tem correlação com a gravidade da doença nem com a posição que o indivíduo com MPS I vai ocupar no espectro da doença. Diagnóstico Pré-Natal O diagnóstico pré-natal é feito rotineiramente com células cultivadas de biopsias de fluido amnióti- co ou de vilosidades coriônicas que utilizam o mesmo teste enzimático empregado para monitorar a α-L-iduronidase nos leucócitos ou nos fibroblastos cultivados. Foi relatada uma certa dificul- dade com o diagnóstico pré-natal da MPS I por causa das concentrações baixas de α-L-iduroni- dase presentes nas vilosidades coriônicas normais (Young, 1992), mas isso pode ser superado tomando as devidas precauções (Neufeld e Muenzer, 2001). Os resultados duvidosos obtidos com material não-cultivado exigem confirmação com células cultivadas. A medida dos GAG (ou atividade da α-L-iduronidase) no fluido amniótico é complicada pela excreção elevada de glicosa- minoglicanos pelos fetos. A medida do acúmulo de glicosaminoglicanos marcados radioativamente com S35, por células cultivadas (Fratantoni e outros, 1969b), apesar de não ser prática, pode ser particularmente útil para estabelecer casos de pseudodeficiência. É possível fazer um diagnóstico pré-natal baseado na genotipagem desde que se conheçam as mutações portadas pelos pais. Diagnóstico molecular Ao considerar testes baseados em DNA, é preciso levar em conta a grande heterogeneidade de mutações subjacentes à MPS I (ver abaixo). Antes de fazer o diagnóstico molecular dos membros de uma família em risco, é preciso identificar os alelos mutantes para aquela família específica. Muitos pacientes são heterozigotos compostos; por isso, para o teste de portador ter utilidade para a família, é preciso conhecer ambos os alelos mutantes. Uma vez identificado(s) o(s) alelo(s) mutan- te(s) (pela própria mutação ou por um polimorfismo intragênico), o diagnóstico molecular pode ficar mais fácil e exigir menos material, o que é particularmente importante nos testes pré-natais (Neufeld e Muenzer, 2001). No entanto, enquanto a análise de mutações ainda não estiver facil- mente à disposição, o diagnóstico deve ser estabelecido por teste enzimático. O diagnóstico baseado no DNA é o único teste definitivo de determinação da condição de portador, mas eviden-temente tem valor limitado nos indivíduos com baixo risco de ser portadores. O grande número de muta- ções particulares pode tornar a análise de mutações pouco prática para algumas famílias, por-que é preciso fazer o seqüenciamento e a determinação das mutações e comparar com polimorfismo. Correlação genótipo-fenótipo Em geral, a quantidade de atividade enzimática medida in vitro a partir de extratos celulares não tem correlação com a gravidade da doença nem com a posição que o indivíduo com MPS I vai ocupar no espectro da doença. Embora sem confirmaçãopor testes rigorosos, parece que menos de 0,13% da proteína da α-L-iduronidase normal é suficiente para produzir um fenótipo leve (Ashton e outros, 1992). Este resultado é notável no que se refere ao desenvolvimento de tratamentos para a MPS I baseados em reposição enzimática, pois sugere que a forma neuronopática da doença e suas conseqüências devastadoras possam ser “resgatadas” em parte, se os níveis enzimáticos puderem ser elevados apenas ligeiramente. Na MPS I, as correlações entre genótipo e fenótipo são complexas, sendo preciso fazer mais pesquisas antes de se poder usar clinicamente essas correlações. Há previsões anteriores (McKusick e outros, 1972) que sugeriram que uma série de mutações presentes no estado homozigótico deveria conferir um fenótipo grave ou menos grave, enquanto um estado composto deveria conferir um fenótipo intermediário. Foi comprovado que isso é muito pouco provável. Por exemplo, duas mutações comuns (W402X e Q70X), independentemente de estarem presentes em homozigose ou em um estado heterozigótico composto, sempre conferem um fenótipo neuronopático. As freqüências dessas mutações variam nas diversas populações estudadas. Estima-se que a freqüência do alelo W402X é de 11% na Itália e 55% na Australásia; a freqüência do alelo Q70X é de 7% na Grã-Bretanha e 65% na Escandinávia. Há outras mutações (472-2a-g, A327P, P533R, A75T e L218P) que são associadas com MPS I neuronopática e são responsáveis 23 Apesar de terem sido estabelecidas algumas correlações entre genótipo e fenótipo, foram relatadas algumas variações notáveis na manifestação da doença em irmãos afetados com as mesmas mutações. por uma porcentagem menor dos alelos. Foram identificados dois alelos que conferem o fenótipo não-neuronopático menos grave, o 678-7a-g e o R89Q; juntos, eles são responsáveis por apenas 31% das mutações associadas com a doença neuronopática. • Em geral, qualquer combinação de dois alelos graves leva à MPS I neuronopática. • A MPS I não-neuronopática geralmente está associada com um alelo neuronopático e com outro que permite a produção de um pouco de atividade enzimática residual. Em 1995 foi feita uma resenha abrangente que enumera 46 mutações que causam a doença e 30 polimorfismos não-patológicos (Scott e outros, 1995); provavelmente esses números vão aumentar à medida que mais populações forem sendo estudadas. É importante notar que as mutações estabe-lecidas representam apenas uma fração dos casos conhecidos e que, à medida que estes estudos progridem, espera-se que venham a ser descobertas mutações que sejam nulas e levem à forma neuronopática da doença (mutações que dão como resultado a ausência completa da síntese de α-L-iduronidase); espera-se que as mutações que causam a doença MPS I não- neuronopática sejam limitadas (Neufeld e Muenzer, 2001). A maioria dos alelos que levam à doença MPS I não-neuronopática carrega mutações missense (Clarke e Scott, 1993; Tieu e outros, 1995). As exceções são o Y343X, um códon de parada prematura que é usado como lugar de encaixe do receptor, gerando assim uma supressão participativa (Tieu e outros, 1994; Lee-Chen e outros, 1997) e o X654G, que prevê uma extensão da α-L-iduronidase na extremidade carboxílica desta (Tieu e outros, 1995), capaz de modificar a conformação e/ou a estabilidade da enzima. Uma substituição básica no R89Q pode modificar a capacidade da α-L-iduronidase no sentido de realizar catálise, e aparentemente seus efeitos nocivos são potencializados por um polimorfismo, A361T (Scott e outros, 1993 a,b). Uma mutação interessante que resulta em MPS I não-neuronopática é uma substituição básica no íntron 5, que cria um novo lugar de encaixe e produz um deslocamento da estrutura; no entanto, como o lugar de encaixe nativo não é obliterado, é possível que se produza um pouco da enzima normal (Moskowitz e outros, 1993; Scott e outros, 1993a). Apesar de terem sido estabelecidas algumas correlações entre genótipo e fenótipo, foram relatadas algumas variações notáveis na manifestação da doença em irmãos afetados com as mesmas mutações. Assim, a quantidade de atividade enzimática medida in vitro a partir de extratos celulares não prevê com exatidão as manifestações ou a gravidade. Em geral, os pacientes com uma ligeira atividade enzimática residual têm um fenótipo menos grave. Apoio emocional e aconselhamento familiar Aconselhamento genético é o método de oferecer aos indivíduos e suas famílias informações sobre a natureza, a hereditariedade e as implicações de distúrbios genéticos, a fim de ajudá-los a tomar decisões pessoais e médicas informadas. A avaliação do risco genético e o uso do histórico familiar e dos testes genéticos feitos na família ajudam a esclarecer o estado genético para os membros da família. Considerando os problemas pessoais ou culturais para os indivíduos e suas famílias, o aconselhamento com um profissional da genética é insistentemente recomendado. Além disso, os médicos devem ser sensíveis à carga psicológica de uma doença crônica, rara e progressiva e ao impacto causado pela mesma nos pacientes e respectivas famílias. Os pais podem sofrer com rejeição e culpa por passar, consciente ou inconscientemente, um gene defeituoso para os filhos. Tanto para o indivíduo como para sua família, o aconselhamento pode ser benéfico. No entanto, não se pode subestimar o poder de manter contato com outros pacientes e outras famílias que lutam com problemas semelhantes. Isto, mais o acesso a informações a respeito das pesquisas em andamento, pode ajudar a suavizar um pouco o sentimento de isolação e desespero. No mundo inteiro há diversas organizações e centros médicos que oferecem sites na internet com boletins, grupos de apoio e informações sobre a MPS I (ver Apêndice A). 24 A intervenção precoce pode aumentar as vantagens do tratamento sintomático. TRATAMENTO DA MPS I TABELA V. TRATAMENTO DA MPS I Hidrocefalia Síndrome do túnel do carpo Instabilidade atlantoccipital Apnéia do sono Otite média Turvação corneana Glaucoma Doença valvular Distúrbio digestivo Artropatia Perda auditiva Derivação (shunting) ventriculoperitoneal Descompressão neurocirúrgica Técnicas cirúrgicas de estabilização vertebral Tonsilectomia, adenoidectomia, CPAP, BiPAP, traqueostomia Colocação precoce de dreno transtimpânico Enxerto corneano Tratamento farmacológico e cirúrgico Reposição da válvula, profilaxia com antibióticos Dieta, laxativos Antiinflamatórios não-esteróides, fisioterapia Dreno transtimpânico, aparelho auditivo TRATAMENTO DE SINTOMAS ESPECÍFICOS Complicações do sistema nervoso central (Hidrocefalia) A hidrocefalia é uma complicação que costuma surgir cedo na vida de um paciente com MPS I neuronopática, mas pode surgir em qualquer época e até mesmo em um paciente com MPS I não-neuronopática. Há estudos que usaram formação de imagem cerebral (por exemplo, tomografia computadorizada, ou TC) e demonstraram que o desenvolvimento de hidrocefalia varia nas doenças MPS (Watts e outros, 1981). Recomenda-se acompanhamento precoce e contínuo do crescimento da cabeça. Tratamento dos sintomas CONSIDERAÇÕES GERAIS O tratamento da doença MPS I pode ser classificado em terapia sintomática e terapia causal. O tratamento atual da MPS I é em grande parte sintomático, ou seja, oferece alívio de sintomas específicos. No entanto, já estão começando a aparecer algumas terapias que tratam das causas subjacentes da doença (ver adiante). Falando generalizadamente, tratamento de apoio ou sintomático (com atenção especial para complicações cardiovasculares e respiratórias, manifes- tações ósseas, artropatia, perda da audição e da visão, sintomas digestivos e hidrocefalia comunicante), pode melhorar a qualidade de vida dos indivíduos afetados e das suas famílias. No entanto, no que se refere ao tratamento dos sintomas de um dado indivíduo (Tabela V), asdecisões a serem tomadas vão depender em grande parte de um acompanhamento abrangente e contínuo da gravidade e da progressão da doença naquele indivíduo. A intervenção precoce pode aumentar as vantagens do tratamento sintomático. Como foi notado anteriormente, as estimativas conservadoras sugerem que pelo menos 45% dos casos são neuronopáticos e 55% dos casos são não-neuronopáticos. Dada a participação do intelecto na forma grave da doença, é imprescindível que os bebês com MPS I recebam um ambiente estimulante para proporcionar o máximo de aprendizado durante as fases iniciais; algumas capacidades podem ser retidas durante o período de deterioração geral mas, até com capacidades limitadas de linguagem, ainda assim é possível gozar a vida. 25 Como acontece em outras formas de tratamento sintomático, as vantagens deste método vão depender da identificação precoce. Se for observado um crescimento rápido do crânio, recomenda-se ultra-som craniano e outros métodos de imagem. Nos pacientes de MPS I com hidrocefalia moderada ou grave, a derivação (shunting) ventriculoperitoneal geralmente é um paliativo que melhora a qualidade de vida (Watts e outros, 1981; Neufeld e Muenzer, 2001). A existência de pressão aumentada no SNC e de aumento progressivo do ventrículo pode ser usada como indicador de um procedimento de derivação. Como acontece com outras formas de tratamento sintomático, as vantagens deste procedimento vão depender do reconhecimento precoce da hidrocefalia; até agora, poucos pacientes receberam implante de derivações (shunts) no início da hidrocefalia (Neufeld e Muenzer, 2001). Não se conhece o grau de contribuição da hidrocefalia para a degeneração neurológica em pacientes com MPS I neuronopática Complicações do sistema nervoso periférico (Síndrome do túnel do carpo) A síndrome do túnel do carpo é comum em pacientes com MPS I não-neuronopática e deve ser prontamente investigada e tratada. A maioria dos pacientes só vai apresentar sintomas típicos (dor, formigamento ou entorpecimento) quando houver compressão grave (Wraith e outros, 1990; Haddad e outros, 1997; van Heest e outros, 1998). Em alguns pacientes, a descom- pressão cirúrgica do nervo mediano recupera completamente a atividade motora da mão; em outros, a recuperação é parcial (Pronicka e outros, 1998; van Heest e outros, 1998). A intervenção na fase inicial de participação do nervo, antes que este apresente lesão grave, é obviamente necessária para a obtenção do melhor resultado possível (Neufeld e Muenzer, 2001). A paquimeningite hipertrófica cervical e a compressão da medula espinhal em qualquer nível devem ser avaliadas prontamente e agressivamente nos pacientes com MPS I não- neuronopática. A intervenção cirúrgica precoce pode evitar complicações graves e devastadoras. Complicações osteorticulares As manifestações ósseas e das articulações representam a incapacidade mais significativa e o maior desconforto para os pacientes com MPS I não-neuronopática. A limitação dos movimentos e o enrijecimento das articulações podem provocar uma perda funcional considerável. A função articular anormal é, em grande parte, conseqüência tanto de deformidades metafisiárias como de cápsulas articulares espessadas decorrentes do acúmulo de glicosaminoglicanos e de fibrose. Podem ser utilizadas diversas abordagens ortopédicas cirúrgicas, particularmente nos pacientes afetados de forma leve ou moderada. A artroplastia e a neurocirurgia específica podem ser necessárias para tratar a lesão medular, inclusive a estabilização atlantoccipital. Estes métodos devem ser aplicados na época apropriada do tratamento clínico do paciente e devem levar em conta outras complicações da doença que possam estar presentes. A fisioterapia e suas vantagens para os pacientes com MPS I merecem mais estudos (Neufeld e Muenzer, 2001). Aparentemente, exercícios físicos de amplitude oferece algumas vantagens para conservar a função articular e devem ser iniciados precocemente. No caso de já haver limitação muito grande, é possível que não se consiga ampliar os movimentos, mas o método pode servir para minimizar uma limitação futura. Complicações respiratórias Como foi observado acima, é comum os pacientes com MPS I neuronopática apresentarem doença obstrutiva das vias aéreas, capaz de levar à apnéia do sono. Em geral a apnéia do sono progride nos pacientes afetados, a ponto de exigir uma traqueostomia. Uma alternativa de trata- mento pode utilizar pressão positiva contínua nas vias respiratórias (CPAP) com alta pressão e com suplemento de oxigênio (Wraith, 1995; Clarke e MacFarland, 2001). É comum fazer tonsi- lectomia e adenoidectomia para corrigir uma disfunção da trompa de Eustáquio e diminuir a obstrução das vias respiratórias, complicações essas que podem fazer com que os pacientes gra- vemente afetados tenham infecções recorrentes do ouvido e rinorréia constante. Por esse motivo é recomendada a colocação precoce de dreno timpânico e de tubos de ventilação nos indivíduos gravemente afetados. 26 Os pacientes com MPS I apresentam riscos sérios de anestesia que podem levar à morte se não forem tomadas as devidas precauções. Diminuição da Audição e da Visão A maioria dos pacientes com MPS I apresenta uma perda considerável da audição e da visão e se beneficiaria utilizando aparelho de surdez e óculos. Para manter a qualidade de vida desses indivíduos é necessário utilizar estratégias agressivas de tratamento oftalmológico e audiológi- co (Neufeld e Muenzer, 2001). Usar chapéu de aba e óculos de sol pode ajudar os indivíduos com turvação corneana. Os pacientes devem passar rotineiramente por um teste de glaucoma, que avalia a pressão intra-ocular; também é recomendável verificar se há degeneração da retina. O enxerto corneano dá bons resultados e é útil no tratamento de pacientes com MPS I não-neuronopática, mas em geral os enxertos de doador acabam ficando turvos. Além disso, os pacientes que têm enxerto transparente podem continuar a ter uma visão ruim devido a uma doença associada, do nervo óptico e/ou da retina (Neufeld e Muenzer, 2001). A degeneração da retina pode dar como resultado uma visão periférica reduzida e cegueira noturna (Caruso e outros, 1986). Complicações cardiovasculares A doença valvular é comum em pacientes com MPS I não-neuronopática. De modo geral, ela se manifesta como doença progressiva das válvulas aórtica e mitral com regurgitação e/ou estenose. Convém considerar uma cirurgia de reposição precoce da válvula, em conjunto com uma avaliação geral do quadro clínico do paciente. A avaliação cardíaca em intervalos regulares (ao menos anualmente) com ecocardiografia é útil no tratamento dos pacientes, por meio de acompanhamento em série do tamanho, da espessura da parede e da função do ventrículo. Para os pacientes de MPS I com anormalidades cardíacas aconselha-se a profilaxia de endocardite bacteriana (Neufeld e Muenzer, 2001). Sintomas gastrointestinais As hérnias inguinais devem ser corrigidas cirurgicamente, com a previsão de que poderá haver recidivas. Em geral, as hérnias umbilicais não são tratadas, a não ser que sejam exageradamente grandes e causem problemas. Alguns sintomas gastrointestinais (diarréia e constipação) podem ser controlados com dieta, o que inclui o controle da quantidade de resíduos. O aumento da quantidade de resíduos e o uso de laxantes podem ajudar a tratar a constipação. Complicações com anestésicos Os pacientes com MPS I apresentam riscos grandes de anestesia (Nicholson e outros, 1992; Wilder e Belani, 1990; Walker e outros, 1994; Moores e outros, 1996). Esses riscos podem levar à morte se não forem tomadas as devidas precauções. Por isso, os pacientes só devem receber anestesia geral em centros médicos que contem com anestesiologistas com experiência desses distúrbios (Neufeld e Muenzer, 2001). As precauções mais importantes se referem ao seguinte: (1) a disostose multiplex é comum
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