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Texto 15 A Energética de um Processo de Mistura

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A Energética de um Processo de Mistura – Prof. Ourides; notas de aula de FQ I 1 
TEXTO 15 – A ENERGÉTICA DE UM PROCESSO DE MISTURA 
NOTAS DE AULA DE FISQUIM I – PROF. OURIDES 
1 Introdução 
Consideremos um sistema de gases ideais constituído por uma mistura de i 
componentes, inicialmente à temperatura T e p (veremos adiante que o formalismo a ser 
desenvolvido aqui vale também para fases condensadas. O sistema está representado na 
figura 1. Sejam dois volumes esféricos V* e V, arbitrários, dentro do sistema. 
 
Figura 1: sistema gasoso a T e p. São mostrados dois volumes arbitrários, V* e V, com as quantidades 
de matéria e as energias livres G, ni e G*, ni*, respectivamente. 
Qual será o aumento da energia livre se o volume do sistema passar de V* para V? 
Podemos calcular esse aumento a partir da equação (6) do texto anterior, reproduzida abaixo 
𝑑𝐺 = 𝑉𝑑𝑝 − 𝑆𝑑𝑇 + ∑ 𝜇𝑖𝑑𝑛𝑖𝑖 (1) 
A pressão e temperatura constante, e integrando entre os intervalos pertinentes, 
𝑑𝐺 = ∑ 𝜇𝑖𝑑𝑛𝑖
𝑖
 
∫ 𝑑𝐺
𝐺
𝐺∗
= ∑ 𝜇𝑖
𝑖
∫ 𝑑𝑛𝑖
𝑛𝑖
𝑛𝑖
∗
 
O potencial químico das substâncias é retirado da integral pois, como é uma 
propriedade intensiva, não depende do volume ou da quantidade de matéria contido na 
amostra. 
Integrando, 
𝐺 − 𝐺∗ = ∑ 𝜇𝑖𝑖 (𝑛𝑖 − 𝑛𝑖
∗) (2) 
Consideremos agora que o volume inicial V* seja zero. Então, a quantidade do 
componente i e a energia de Gibbs em seu interior (G* e ni*) valem zero, logo 
𝐺 = ∑ 𝜇𝑖𝑖 𝑛𝑖 (3) 
𝐺 = 𝜇1𝑛1 + 𝜇2𝑛2 + 𝜇3𝑛3 + ⋯ + 𝜇𝑖𝑛𝑖 
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A energia de Gibbs de uma mistura é dada pela somatória dos produtos do potencial 
químico com as quantidades de matéria dos i componentes da mistura. 
Se o sistema for constituído por apenas uma substância, obtemos a própria definição 
de potencial químico, 
𝐺 = 𝜇𝑛, ou seja, 𝜇 =
𝐺
𝑛
 (Substância pura) (4) 
 
2 A energética do processo de mistura 
2.1 A energia de Gibbs do processo de mistura 
Já vimos que a mistura de duas substâncias a partir de seus componentes puros e 
isolados é um processo espontâneo e, consequentemente, deve ser acompanhado de redução 
da energia de Gibbs, com relação à energia de Gibbs dos componentes puros isolados. Vamos 
então calcular a diferença entre essas energias de Gibbs – das espécies puras isoladas para as 
espécies misturadas –, inicialmente para um sistema de três gases. O que for deduzido aqui 
vale para qualquer quantidade de gases e para sistemas em fases condensadas. 
Sejam inicialmente três gases confinados em recipientes separados (estado inicial), 
mantidos nas mesmas condições de temperatura e pressão, conforme a figura 2. As barreiras 
entre os recipientes são removidas e os gases se misturam, conduzindo ao estado final, à 
mesma pressão e temperatura. 
 
Figura 2: três gases, inicialmente separados (estado inicial), têm suas barreiras de separação 
removidas e acabam por se misturar (estado final). As condições de pressão e temperatura são as 
mesmas. 
Para as substâncias puras, isoladas, as energias de Gibbs são, 
𝐺1 = 𝑛1𝜇1
0; 𝐺2 = 𝑛2𝜇2
0; 𝐺3 = 𝑛3𝜇3
0 (5) 
A energia de Gibbs total do sistema, no estado inicial, é dada pela soma das energias 
de Gibbs dos componentes individuais 
𝐺𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 = 𝐺1 + 𝐺2 + 𝐺3 
𝐺𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 = 𝑛1𝜇1
0 + 𝑛2𝜇2
0 + 𝑛3𝜇3
0 
𝐺𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 = ∑ 𝑛𝑖𝜇𝑖
0
𝑖 (6) 
A energia de Gibbs da mistura (estado final), é dado por 
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𝐺𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 = ∑ 𝑛𝑖𝜇𝑖𝑖 = 𝑛1𝜇1 + 𝑛2𝜇2 + 𝑛3𝜇3 (7) 
A variação da energia de Gibbs no processo de mistura será, 
∆𝐺𝑚𝑖𝑠𝑡 = 𝐺𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 − 𝐺𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 (7a) 
∆𝐺𝑚𝑖𝑠𝑡 = (𝑛1𝜇1 + 𝑛2𝜇2 + 𝑛3𝜇3) − (𝑛1𝜇1
0 + 𝑛2𝜇2
0 + 𝑛3𝜇3
0) 
∆𝐺𝑚𝑖𝑠𝑡 = 𝑛1(𝜇1 − 𝜇1
0) + 𝑛2(𝜇2 − 𝜇2
0) + 𝑛3(𝜇3 − 𝜇3
0) 
∆𝐺𝑚𝑖𝑠𝑡 = ∑ 𝑛𝑖(𝜇𝑖 − 𝜇𝑖
0)𝑖 (8) 
No texto anterior, vimos que o potencial químico de uma substância i numa mistura é 
dado por (equação 15 do texto anterior), 
𝜇𝑖,𝑚𝑖𝑠𝑡 = 𝜇𝑖(𝑝𝑢𝑟𝑜)
0 (𝑇, 𝑝) + 𝑅𝑇𝑙𝑛𝑥𝑖 (9) 
Substituindo a equação (9) na equação (8), 
∆𝐺𝑚𝑖𝑠𝑡 = ∑ 𝑛𝑖(𝜇𝑖(𝑝𝑢𝑟𝑜)
0 (𝑇, 𝑝) + 𝑅𝑇𝑙𝑛𝑥𝑖 − 𝜇𝑖
0)
𝑖
 
∆𝐺𝑚𝑖𝑠𝑡 = ∑ 𝑛𝑖𝑅𝑇𝑙𝑛𝑥𝑖
𝑖
 
∆𝐺𝑚𝑖𝑠𝑡 = 𝑅𝑇 ∑ 𝑛𝑖𝑙𝑛𝑥𝑖𝑖 (10) 
As quantidades de cada componente (ni) estão relacionadas às frações molares (xi) por 
ni=nxi, logo, 
∆𝐺𝑚𝑖𝑠𝑡 = 𝑅𝑇 ∑ 𝑛𝑥𝑖𝑙𝑛𝑥𝑖
𝑖
 
∆𝐺𝑚𝑖𝑠𝑡 = 𝑛𝑅𝑇 ∑ 𝑥𝑖𝑙𝑛𝑥𝑖𝑖 (11) 
Ou, para o sistema original de três componentes 
∆𝐺𝑚𝑖𝑠𝑡 = 𝑛𝑅𝑇(𝑥1𝑙𝑛𝑥1 + 𝑥2𝑙𝑛𝑥2 + 𝑥3𝑙𝑛𝑥3) (12) 
Consideremos agora um sistema de dois componentes, tal que x1=x e x2=1-x 
∆𝐺𝑚𝑖𝑠𝑡 = 𝑛𝑅𝑇[𝑥𝑙𝑛𝑥 + (1 − 𝑥) ln(1 − 𝑥)] (13) 
A figura 3 abaixo mostra o gráfico da equação (13). O gráfico mostra que a redução da 
energia livre é máxima quando a mistura é constituída por quantidades iguais dos dois 
componentes, tal que x1=x2=1/2. 
 
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Figura 3: variação da energia de Gibbs na formação 
de uma mistura, a partir dos componentes puros. 
Note que a diminuição é máxima para x1=x2=1/2. 
 
 
 
 
2.2 Variação da entropia do processo de mistura 
Como vimos em texto anterior, o negativo da entropia de um sistema é dada pela 
variação da energia de Gibbs com a temperatura, 
(
𝜕𝐺
𝜕𝑇
)
𝑝,𝑛𝑖
= −𝑆 
Derivando a equação (7a) com a temperatura, 
(
𝜕∆𝐺𝑚𝑖𝑠𝑡
𝜕𝑇
)
𝑝,𝑛𝑖
= (
𝜕𝐺𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙
𝜕𝑇
)
𝑝,𝑛𝑖
− (
𝜕𝐺𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙
𝜕𝑇
)
𝑝,𝑛𝑖
 
(
𝜕∆𝐺𝑚𝑖𝑠𝑡
𝜕𝑇
)
𝑝,𝑛𝑖
= −𝑆𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 − (−𝑆𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙) 
(
𝜕∆𝐺𝑚𝑖𝑠𝑡
𝜕𝑇
)
𝑝,𝑛𝑖
= −(𝑆𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 − 𝑆𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙) 
(
𝜕∆𝐺𝑚𝑖𝑠𝑡
𝜕𝑇
)
𝑝,𝑛𝑖
= −∆𝑆𝑚𝑖𝑠𝑡 
Derivando a equação (11) com relação à temperatura, 
(
𝜕[𝑛𝑅𝑇 ∑ 𝑥𝑖𝑙𝑛𝑥𝑖]𝑖
𝜕𝑇
)
𝑝,𝑛𝑖
= 𝑛𝑅 ∑ 𝑥𝑖𝑙𝑛𝑥𝑖
𝑖
 
Ou seja, 
∆𝑆𝑚𝑖𝑠𝑡 = −𝑛𝑅 ∑ 𝑥𝑖𝑙𝑛𝑥𝑖𝑖 (14) 
Uma vez que as frações molares (xi) são menores do que 1, os logaritmos naturais são 
negativos e a variação de entropia é positiva, conforme esperado. Essa última equação pode 
ser comparada com a equação que define a entropia a partir de considerações estatísticas. 
Para uma mistura binária, de modo similar à energia de Gibbs, 
∆𝑆𝑚𝑖𝑠𝑡 = −𝑛𝑅[𝑥𝑙𝑛𝑥 + (1 − 𝑥) ln(1 − 𝑥)] (15) 
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A figura 4 mostra um gráfico da 
variação da entropia de mistura com a 
composição. De modo similar à energia de 
Gibbs, o aumento da entropia é mais 
pronunciado para uma mistura de iguais 
quantidades dos dois componentes. 
Figura 4: variação da entropia na formação de uma 
mistura binária a partir de seus componentes 
puros. O aumento de entropia é máximo se a 
mistura tiver igual quantidade de ambos. 
 
 
Seja uma mistura contendo meio mol de cada componente. Então, n=n1+n2=1 e x=1-
x=1/2. 
∆𝑆𝑚𝑖𝑠𝑡 = −𝑅[
1
2
𝑙𝑛
1
2
+
1
2
ln
1
2
] 
∆𝑆𝑚𝑖𝑠𝑡 = −𝑅𝑙𝑛
1
2
 
∆𝑆𝑚𝑖𝑠𝑡 = +5,76
𝐽
𝐾. 𝑚𝑜𝑙
 
Numa mistura contendo apenas duas substâncias, a entropia do processo de mistura 
por mol de mistura final varia entre 0 e +5,76 J/K.mol, dependendo da composição. Vale 
notar que essa variação não depende da constituição das partículas, mas apenas das 
quantidades relativas de cada uma delas. Esse fato evidencia o caráter estatístico do aumento 
da desordem de partículas. 
 
2.3 Variação da entalpia e do volume no processode 
formação da mistura 
A variação da entalpia da mistura pode ser calculada facilmente, a partir das equações 
(11) e (14), considerando que 
∆𝐺𝑚𝑖𝑠𝑡 = ∆𝐻𝑚𝑖𝑠𝑡 − 𝑇∆𝑆𝑚𝑖𝑠𝑡 
∆𝐻𝑚𝑖𝑠𝑡 = ∆𝐺𝑚𝑖𝑠𝑡 + 𝑇∆𝑆𝑚𝑖𝑠𝑡 
∆𝐻𝑚𝑖𝑠𝑡 = 𝑛𝑅𝑇 ∑ 𝑥𝑖𝑙𝑛𝑥𝑖
𝑖
− 𝑛𝑅𝑇 ∑ 𝑥𝑖𝑙𝑛𝑥𝑖
𝑖
 
∆𝐻𝑚𝑖𝑠𝑡 = 0 (17) 
A expressão mostra que a entalpia de mistura de dois componentes é zero. Esse 
resultado vale para sistemas ideais, inclusive em fase condensada. Consideremos uma 
mistura de dois líquidos. 
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A variação de volume da mistura é dada pela derivada da variação da energia livre 
com a pressão, conforme já vimos, 
(
𝜕𝐺
𝜕𝑝
)
𝑇,𝑛𝑖
= 𝑉 
Então, 
(
𝜕∆𝐺𝑚𝑖𝑠𝑡
𝜕𝑝
)
𝑇,𝑛𝑖
= (
𝜕[𝐺𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 − 𝐺𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙]
𝜕𝑝
)
𝑇,𝑛𝑖
= (
𝜕𝐺𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙
𝜕𝑝
)
𝑇,𝑛𝑖
− (
𝜕𝐺𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙
𝜕𝑝
)
𝑇,𝑛𝑖
 
(
𝜕∆𝐺𝑚𝑖𝑠𝑡
𝜕𝑝
)
𝑇,𝑛𝑖
= 𝑉𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 − 𝑉𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 (18) 
Substituindo a equação (11) na equação (18), 
(
𝜕[𝑛𝑅𝑇 ∑ 𝑥𝑖𝑙𝑛𝑥𝑖]𝑖
𝜕𝑝
)
𝑇,𝑛𝑖
= 𝑉𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 − 𝑉𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 
Uma vez que a expressão da energia de Gibbs não depende da pressão, a diferencial 
do lado esquerdo é nula, ou seja, 
∆𝑉 = 𝑉𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 − 𝑉𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 = 0 
Para sistemas ideais não há variação de volume na mistura dos componentes.

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