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MATERIAL SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

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A EDUCAÇÃO FÍSISCA NO HORIZONTES DOS NOVOS TEMPOS.doc
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A Educação Física no horizonte dos novos tempos
Desafios e perspetivas
Rui Proença Garcia
Universidade do Porto – Faculdade de Desporto
CREF 007880-G/MG
É comum ouvir-se dizer que a educação está em crise. Também se diz que não se trata de uma crise momentânea ou pontual, mas de uma crise bem profunda e permanente. Enfim, parece que estamos perante uma fatalidade para a qual não há saída.
É evidente que o tema da crise da educação não se resume às ideias aqui expostas, sendo muito mais vasta e complexa, uma vez que essa crise mergulha as suas raízes em outras crises muito mais profundas e globais. Da mesma forma que se fala na crise da educação, poder-se-ia aludir à educação na crise das sociedades, isto é, atribuir um papel de extrema importância à educação para debelar a atual crise que tem arrastado muitos homens para o desespero.
Antes de tudo temos que aprofundar o conceito de crise. E desde já quero adiantar o meu entendimento sobre esta palavra que normalmente é utilizada para designar uma rutura inesperada ou uma qualquer desorganização emocional. Crise também pode ser uma mudança no desenvolvimento que acarreta uma nova função, tornando o indivíduo ou a sociedade momentaneamente mais frágil, embora imbuído de um maior poder ou responsabilidade. É o que acontece nas crises provocadas por ruturas biológicas, caso do nascimento e da puberdade. Assume-se um papel mais importante, mas por momentos acontece um distúrbio. A sociedade atual está a viver um período de mudança, talvez mesmo uma mudança radical, mas, estou certo, sairá fortalecida, sendo todos nós sujeitos activos dessa mutação. Como afirmou Kofi Annan em setembro de 2003, “estamos na encruzilhada dos caminhos” pelo que é natural que haja alguma hesitação no destino a seguir.
Em segundo lugar vamos tentar inscrever a crise da educação na crise da sociedade contemporânea; e
Em terceiro lugar, confrontar a crise da sociedade com a crise axiológica, ou seja, com a constante crise de valores de que o nosso tempo e a nossa civilização são pródigos.
Terminaremos a nossa intervenção refletindo um pouco sobre a formação de profissionais de Educação Física para este ambiente de crise.
Crise da educação e sociedade
É recorrente na bibliografia encontrarmos referências sobre a crise da educação, embora nem sempre as causas últimas sejam devidamente evidenciadas. Crise pode ser sinónimo de uma não adaptação momentânea a um novo meio ou sistema. Pode ser ainda entendida como um descompasso entre, neste caso, a educação, principalmente no que respeita à Escola, e a sociedade onde está inserida.
As causas são múltiplas, sendo aqui o local e o momento mais apropriados para lançar o debate.
Porém, creio que existem conceitos e perspetivas que deverão ser aprofundados no sentido de conferirem alguma consistência às análises encetadas sobre a atual crise.
De várias razões destaco nomeadamente o fenómeno da globalização, tantos nos seus aspetos positivos como naqueles que poderão ser considerados como negativos. Com efeito, durante muitas centenas de anos o homem foi habituado a pensar de forma finita e hoje é confrontado com a necessidade de pensar e atuar muito para além dos seus domínios físicos. O conceito de infinito, embora aqui empregue metaforicamente, não se esgota na matemática, abrangendo muitas outras situações da nossa vida. Repare-se apenas na velocidade das comunicações e pensemos no nosso mundo há pouco mais de um século. Então a velocidade da comunicação era aquela possível pelas patas do cavalo, enquanto hoje o tempo que demora uma mensagem chegar ao seu destino é aquele que medeia um clique no teclado do computador.
Depois existe um pequeno problema quando queremos falar da nossa sociedade. Esse problema é exatamente delinear o conceito de nossa sociedade. Com efeito muitas vezes é muito mais fácil pronunciar as palavras do que entendê-las nas suas amplitudes etimológica, sociológica, axiológica, entre outras.
O que será a sociedade brasileira? Poderá existir um conceito universal para um país de tamanho continental onde coexistem níveis de desenvolvimento tão diversos? Será que a lógica de vida de alguém que habita as profundezas do sertão é idêntica àquela outra de quem vive em cidades com um nível extraordinário de desenvolvimento como é o caso de São Paulo? Será que um habitante de Ouro Preto, cidade carregada de cultura, é o mesmo de um outro que habite nos confins do Amazonas? Serão pessoas que vivem numa só sociedade?
E será que um pobre habitante de uma favela, por vezes sujeito a determinados códigos de honra que nada tem a ver com o direito comum, vive na mesma sociedade de alguém com um padrão económico e cultural muito elevados? E o que dizer quando contrapomos jovens e idosos? Terão a mesma cultura? Será que partilham o mesmo sistema de valores, base necessária para a criação de determinada identidade?
Se o conceito de sociedade estiver amarrado ao conceito de território e este delineado pelas fronteiras políticas do país, então temos um país, uma sociedade, um povo, uma cultura, uma identidade, etc.
Mas as coisas não se passam com esta simplicidade, pelo que se torna imperioso pensar um pouco melhor nestes assuntos.
É evidente que no território brasileiro há aspetos comuns relevantes. A língua poderá ser uma dessas unidades, mas nem sempre se pode definir um país ou uma sociedade apenas pela língua falada. A Suíça, um país minúsculo quando comparado com o imenso Brasil, tem quatro línguas e quem já o percorreu sabe que muitas pessoas apenas falam uma delas. Ou o Canadá, país gigantesco, onde o inglês e o francês coexistem autonomamente. A Bélgica poderá mais um exemplo de um país com mais do que uma língua oficial, quais sejam, o holandês, o francês e o alemão.
A moeda, antigamente entendida como uma expressão de unidade de um país, já não pode assumir-se dessa forma, muito por causa do Euro, que, como sabem, é uma moeda transnacional.
A própria ideia de território torna-se insuficiente para definir uma sociedade, uma vez que cada vez mais as pessoas circulam por todo o mundo, não deixando de pertencer à sua própria sociedade, nem que vivam a muitos milhares de quilómetros de distância.
Mesmo a ideia de regime político é escassa por si própria para definir o que quer que seja. A República Popular da China orgulha-se em ser um país com dois regimes. Socialismo e o capitalismo selvagem entrecruzam-se diariamente.
Depois temos o outro lado da moeda, qual seja, aqueles milhares de pessoas que vivem no território do país, falam a correspondente língua, utilizam, embora pouco, a respetiva moeda, mas não fazem verdadeiramente parte dessa sociedade. São os excluídos. São pessoas que não conseguem estabelecer relações de proximidade com os outros ou com as instituições que enformam a sua sociedade.
Aliás a linguagem corrente é pródiga em palavras que desqualificam pessoas, afastando-as da sociedade. São os marginais, os vadios, os vagabundos. Por outro lado, há aqueles que têm que ser integrados na sociedade, o que quer dizer que lá não estão, como é o caso das Pessoas com deficiência. Enfim, são muitas as pessoas que habitam um território, falam a mesma língua, mas que verdadeiramente não pertencem à mesma sociedade. 
Igualmente a expressão nosso tempo tem que ser aprofundada. Que tempo é este em que estamos? Cronologicamente estamos em 2017. Mas o que é que significa este tempo para quem habita a impenetrável Amazónia? Que significa o ano de 2017 depois de Cristo para quem não é cristão? Que significa março de 2017 para quem dia após dia vive exatamente da mesma forma, sem descontinuidades, sem ruturas?
Neste preciso momento o Brasil vive em vários tempos. Vive numa era pós-industrial, onde a lógica do quotidiano não segue as leis da sociedade industrial, vivendo numa sociedade acima de tudo de
serviços. Mas também vive numa era industrial e mesmo pré-industrial. Cada um vive numa época e convive com outras épocas. Sociedade tradicional, moderna e pós-moderna compartimentam o mesmo tempo, o tempo contemporâneo, o tempo de agora.
É por isso que tem que haver tensões entre as pessoas. Mas essas tensões não têm que ser entendidas de forma depreciativa, mas como uma expressão da diversidade. Sim, porque a diversidade não é apenas nos animais ou nas plantas, mas também nas pessoas. E não é só na cor da pele, por sinal um dado totalmente irrelevante, mas também na cultura. E se há um movimento em prol da biodiversidade fundemos também um movimento em favor da diversidade cultural, ou seja, da antropodiversidade. A existência desta diversidade também evidencia que o nosso tempo e a nossa sociedade são diversos, pelo que se impõe uma atenção muito especial no que respeita aos seus conceitos.
Os sinais relativos à diversidade humana são inúmeros, pelo que mostrar indiferença perante aquilo que a cada dia se torna mais óbvio é um erro crasso.
Crise axiológica
Mais do que uma crise social vivemos, diria mesmo, em permanência uma crise de valores. O projecto cultural que foi desenhado pelos pensadores dos séculos XVIII e XIX não se concretizou na totalidade dos seus ideais, nem o progresso científico se traduziu numa melhor pessoa. Bem pelo contrário, o sentimento de vazio de valores instalou-se um pouco por todo lado, emergindo a ideia do relativismo axiológico, ou seja, uma falsa ética onde tudo é possível. Negaram-se os valores absolutos, mas não foram substituídos por qualquer outra coisa, colocando o homem moderno perante uma total desorientação. Às perguntas fundamentais da filosofia, quem somos; de onde viemos; para onde vamos, acrescentaram-se outras, nomeadamente quanto custa e quem paga, indiciando uma visão totalmente materialista da sociedade.
O niilismo, ou seja, a ausência de valores ou o nada absoluto, instalou-se. Confunde-se poder com valores, numa clara deturpação do sentido da palavra valor, invertendo a ordem da expressão o poder dos valores para o valor do poder. Infelizmente todos nós conhecemos as atrocidades que em nome da liberdade e da democracia são realizadas por aqueles que confundem progresso com poder militar.
Criou-se a ilusão que poder é progresso e que este existe na razão direta do poder. Nada parece conseguir limitar o poder daqueles que o detêm, quer o militar como o do conhecimento. E no meio de toda esta desordem axiológica temos o homem e a sua educação, onde a Educação Física é parte integrante.
Como seria de esperar, a educação revela a existência de todas estas crises, principalmente no que diz respeito à sua incapacidade de compreender o homem que tem que ser formado em cada homem. O niilismo também está patente na educação, sendo difícil responder a perguntas básicas tais como para que serve a educação ou educar para quê, ou ainda, Educação Física para quê?
Sei que a pergunta é provocatória, mas quantos de nós conseguimos mesmo justificar a presença da Educação Física na Escola? Creio que respondemos mais afetivamente do que com argumentos válidos.
A sociedade instrumentalizou-se. Parece que já ninguém consegue viver sem uns tantos instrumentos essenciais à vida. Aliás o enigma da Esfinge já tem uma nova interpretação: macaco de manhã, bípede ao meio-dia, e à noite apoiado numa dessas modernas bengalas que são a informática, os telefones digitais sem os quais já não conseguimos sobreviver.
Pior ainda, a cada momento que passa o homem torna-se no cenário por onde desfilam máquinas cada vez mais sofisticadas. Estas remetem o homem para a periferia da sociedade, instaurando uma nova época, a era digital.
Porém, é uma hipocrisia centrar o discurso apenas nos aspetos mais negativos do nosso tempo, esquecendo os brilhantes contributos que a ciência proporcionou ao homem. Se Voltaire no século XVIII dizia que a duração média da vida humana era de 22 anos, embora havendo quem vivesse de forma miserável cem anos, hoje esse tempo foi alongado para mais de 75 anos e vividos com muita dignidade, o que só por si revela que valeu a pena a ciência.
Mas a ciência traz sempre novos problemas para os quais não fornece pistas para os resolver. Aí temos que buscar as respostas a outros territórios do saber humano, nomeadamente à antropologia e à filosofia.
Os atuais desafios que se colocam ao homem – com o desporto incluído – são, acima de tudo, de natureza ética. Também é por isto que existe o Sistema CONFEF-CREF’s.
A vida estendeu-se em duração, mas as sociedades industriais e pós-industriais ainda não conseguem lidar com este novo fenómeno humano. E a educação muito menos. Continua a pensar no homem de uma determinada idade, sem entrever o futuro. E o futuro é aquilo que hoje se projeta, ou seja, um algoritmo que traduz a multiplicação dos idosos e a diminuição de jovens.
Os dados estatísticos estão aí para que cada um verifique aquilo que cada vez mais se assume como uma evidência. No desporto também tem que se encarar o desafio demográfico.
Não é minha intenção dramatizar o atual estado demográfico. Seria uma atitude demagógica e por isso inconsequente. A minha intenção é apenas pensar a partir destes dados, e a educação em geral e a Educação Física em particular terão que saber lidar com este novo desafio.
Como será do conhecimento de algumas das pessoas aqui presentes, tenho tido a honra de me deslocar ao Brasil várias vezes em cada ano. Tenho visitado diversas universidades, desde daquelas de pequena dimensão àquelas que movimentam muitas dezenas de milhares de alunos como é o caso da USP. Tenho visitado instituições particulares, estaduais e federais. Tenho colaborado em muitas delas, principalmente no que tange à Educação Física e ao Desporto. Tenho tido a oportunidade de verificar as grades curriculares dos diversos cursos de Educação Física e lido inúmeros programas das diferentes disciplinas que compõem esses mesmos cursos. Naturalmente que a minha vontade de investigar não se resume apenas ao Brasil, tendo já efectuado visitas idênticas noutros países, nomeadamente a Portugal, como é de todo evidente, e a Espanha, podendo dizer que os problemas são idênticos.
O grande problema que tenho observado é que as Escolas Superiores de Educação Física não formam os seus estudantes para o futuro. Não! Nitidamente estão a formar para agora, sem perspetivarem o devir.
Não nos podemos esquecer que os alunos que agora estamos a formar nas nossas instituições serão os profissionais de Educação Física durante os próximos 30 a 40 anos.
Será que os nossos alunos têm noção da dinâmica social entrevista para os próximos decénios? Será que os nossos alunos têm ideia dos grandes problemas que se colocam e colocarão ao homem?
Para ambas as perguntas a resposta é, infelizmente, um rotundo não! Continua-se a privilegiar a Psicologia do Desenvolvimento, esquecendo-se da Psicologia do Envelhecimento. Continua-se a orientar a Fisiologia para os corpos sãos, esquecendo-se da Fisiologia ligada às patologias do idoso. Continua-se a observar o Desenvolvimento Motor no sentido ascendente, isto é, do nascimento até ao final da adolescência, esquecendo-se do Desenvolvimento Motor inverso, ou seja, no ou do envelhecimento, onde os fenómenos não são sobreponíveis aos das idades juvenis. Continua-se a orientar a Aprendizagem Motor na infância esquecendo-se que o velho também poderá e deverá ser sujeito ativo dessa aprendizagem. Continua-se a falar muito da Sociologia dos jovens, esquecendo-se da Sociologia aplicada ao fenómeno do envelhecimento. Continua-se a dirigir as diferentes Didáticas para as idades escolares, esquecendo-se totalmente das Didáticas para outras idades ou situações humanas.
Sabemos muito de demografia, mas não estamos preocupados em formar os nossos alunos para lidarem corretamente com as pessoas do futuro.
O homem na plenitude da sua existência, isto é, desde
o nascimento até à idade mais avançada, ainda não é devidamente considerado como sujeito dos cursos de Educação Física. Fala-se um pouco do idoso, mas não se concretiza esse pensamento. Os próprios governantes ainda não consideram a educação como um direito dos idosos. Há concessões, mas nada mais.
No meu entendimento estamos perante um problema deveras preocupante. Como já tive ocasião de afirmar, os nossos atuais alunos irão ser os profissionais de Educação Física para os próximos 30 a 40 anos. Irão confrontar-se com uma sociedade que já mostra sinais de mudança nos hábitos. Não nos esqueçamos que neste momento a prevalência da obesidade ultrapassou a subnutrição, o que acontece pela primeira vez na história da humanidade, assumindo-se como uma verdadeira epidemia. Mesmo no Brasil os dados revelam que provavelmente mais importante que um programa do tipo Fome Zero deveria existir um outro, do tipo Obesidade Zero, como aliás já tive a oportunidade de escutar da boca do Professor Lamartine Pereira da Costa. Mais ainda, estamos confrontados com o fenómeno da obesidade infantil e com um crescente sedentarismo das populações, o que nos faz pensar num futuro deveras sombrio. É um desafio que se coloca à Educação Física e que temos de vencer!
Todos estes problemas, que há bem pouco tempo eram quase exclusivos de pessoas de meia-idade para diante, hoje estão presentes na juventude. Que relação terão estes jovens de agora com o desporto daqui a 20 ou 30 anos? Como deveremos atuar com estes futuros idosos obesos? Estarão os nossos alunos aptos a atuarem neste cenário de quase catástrofe? Tenho sérias dúvidas acerca das suas competências, e a culpa é nossa, dos professores, dado que continuamos muito preocupados a discorrer sobre temas quase esotéricos.
Tenho consciência que a expressão pensamento estratégico poderá querer dizer muito ou, ao invés, nada significar. No entanto o que se pretende com esta expressão é provocar as consciências das pessoas que neste momento têm o poder, a capacidade e a clarividência de decidir sobre o estado da Educação Física e dos seus planos de formação. E não me refiro apenas às aulas, mas também à pesquisa.
É evidente que sei que a pesquisa em Educação Física não é prioritária nem em Portugal nem no Brasil. Pensar de outra forma é pensar mal, uma vez que é pensar num mundo que não é o nosso. Contudo, naquilo que pode ser realizado, a pesquisa em Educação Física também deverá orientar-se estrategicamente e por isso apoiar aquelas pesquisas com futuro.
Uma das maiores conquistas do final do século passado e que terá continuidade neste recém iniciado, é a consciência que o desporto pode ser praticado por todos, independentemente da idade ou de condições particulares. É para esta nova realidade que teremos que formar os nossos estudantes. E é também sobre esta realidade que teremos que pesquisar mais, muito mais.
Sou daqueles que defendo que o professor universitário deverá, acima de tudo, ensinar a partir daquilo que pesquisa. Quantos de nós têm pesquisa efetiva sobre idosos ou sobre Pessoas com deficiência(s)? Provavelmente poucos. Contudo, num futuro próximo, os grandes beneficiários da Educação Física e do Desporto serão os idosos.
Este é um dos nossos maiores desafios. O outro desafio diz respeito às crianças obesas. Cabe à Escola, enquanto instituição educadora, responder a estes desafios. Se não conseguirmos vencê-los, então não merecemos nenhum reconhecimento por parte da sociedade.
Termino com uma convicção: o futuro não se prevê, prepara-se. Preparemos os nossos alunos para o futuro.
APRESENTAÇÃO SOCIOLOGIA DA EDUC.pptx
Universidade do Estado do Amazonas
Sociologia da Educação
Março de 2017
Rui Proença Garcia
Sociologia da Educação
Objetivos fundamentais da disciplina Sociologia da Educação
O objetivo central da disciplina Sociologia da Educação, que faz parte do 6º período da grade curricular do curso de Educação Física, é pensar na Escola na sua relação com a sociedade, e no papel da Educação Física Escolar para a consecução dessa relação.
Temas como multiculturalismo, igualdade de oportunidades, inclusão, racismo, educação para a cidadania e desporto serão analisados e tentar-se-á compreender o contributo da Educação Física Escolar para uma verdadeira educação no seio de uma sociedade concreta.
Sociologia da Educação
Objetivos fundamentais da disciplina Sociologia da Educação
É também objetivo desta disciplina proceder a uma radiografia da realidade social, desportiva e escolar dos diversos municípios do Estado do Amazonas que o curso de Educação Física Presencial Mediado pela Tecnologia abrange, no sentido de tornar possíveis estratégias educativas a fim de solucionar eventuais problemas ou de propor novos caminhos.
Esta radiografia objetiva ainda contribuir para a criação de identidades próprias que possibilitem estabelecer caminhos que respondam a necessidades locais e não meras reproduções de modelos muitas vezes importados de países longínquos e que expressam realidades que nada se assemelham aos municípios do Estado do Amazonas.
Sociologia da Educação
Objetivos fundamentais da disciplina Sociologia da Educação
Finalmente, a disciplina pretende estimular o trabalho em grupo, com tarefas bem definidas no sentido de formar uma verdadeira equipa na identificação da realidade circundante e no estabelecimento de meios para tornar a sociedade mais justa e digna.
Para tal, enfatizar-se-á o trabalho de campo em detrimento de grandes discursos teóricos, realçando-se mais a componente de aprendizagem por parte do estudante do que de ensino, mais centrado no professor.
Sociologia da Educação
Programa
	1. Conceito de Sociologia da Educação
		Intervenientes no processo educativo
		Educação Formal, Informal e Não Formal
	2. Educar com um ato de imundar
	3. O mundo
	4. A Escola
	5. O Desporto 
	6. Conceito de multiculturalismo
	7. Conceito de Inclusão
	8. O racismo como exclusão: um exemplo do Desporto
Sociologia da Educação
Sociologia da Educação
Disciplina que estuda os processos sociais do ensino e da aprendizagem
Abrange ainda aspetos organizacionais e institucionais da educação
Estuda a realidade envolvente à educação
Tenta compreender os processos de socialização, nomeadamente
Professores e alunos
Diretores das escolas
Pais 
Sociologia da Educação
Sociologia da Educação
Educação formal
Educação não formal
Educação informal
A geração mais velha a socializar a geração mais nova
Sociologia da Educação
Sociologia da Educação
Educação formal
A educação formal é a educação que decorre nas escolas, nas universidades, nos institutos politécnicos e outras instituições de ensino acreditado. Isto é, a educação formal é a que ocorre no sistema regular de ensino. Este processo educativo tem currículos e regras de certificação bem definidas.
Depende de uma diretriz educacional centralizada como o currículo, como estruturas hierárquicas e burocráticas, determinadas em nível nacional, com órgãos fiscalizadores dos ministérios da educação.
Sociologia da Educação
Sociologia da Educação
Educação não formal
A educação não formal ocorre fora do sistema formal de ensino. É um processo organizado, mas geralmente os resultados da aprendizagem não são avaliados formalmente. A educação não-formal é voluntária, não hierárquica, e baseia-se na motivação intrínseca dos formandos, que voluntariamente procuram a aprendizagem. 
A educação não formal toma em consideração as necessidades pessoais dos formandos e adequa-se a essas necessidades para responder às suas aspirações. Este tipo de ensino tem maior flexibilidade do que o ensino formal. Este ensino é também referido como aprendizagem ao longo da vida, no caso dos adultos.
Sociologia da Educação
Sociologia da Educação
Educação informal
Educação informal é como sendo aquela que está relacionada com o processo “ livre” (não-institucionalizado) de transmissão de certos saberes, tais como:
a fala comum a um dado grupo, as tradições culturais e demais comportamentos característicos das diversas comunidades presentes em uma sociedade
Sociologia da Educação
O HOMEM TEM NECESSIDADE DE SER FORMADO, PARA QUE SE TORNE HOMEM
A ESCOLA COMO A OFICINA DE HUMANIDADE
COMENIUS – DIDÁTICA MAGNA
Sociologia da Educação
EDUCAR É IMUNDAR (Delfim Santos, pedagogo português)
É dar um mundo à criança que nasce sem um mundo, mas nasce em um mundo
Sociologia da Educação
Que mundo é este que damos à criança?
Que mundo é este onde nasceu a criança?
Um mundo de guerra 				ou um mundo de amor?
Sociologia da Educação
Que brinquedos damos aos nossos filhos?
Perpetuação de papéis sociais
e de estigmas
Sociologia da Educação
Que mundo é este que damos às nossas crianças?
Um mundo marcado por guerras intermináveis!
Um mundo marcado pela tecnologia!
Um mundo marcado pela indiferença!
Um mundo marcado pelo prazer!
Um mundo marcado pela cultura da morte!
Um mundo marcado pela rápida informação!
Um mundo marcado pelo consumo!
Um mundo marcado pela vida mais longa da história humana!
Um mundo marcado por tantas coisas boas e más!
Sociologia da Educação
E que mundo é o vosso nos municípios onde vivem?
30 minutos para discutirem entre vós para depois mostrarem a todos como são os vossos municípios
Sociologia da Educação
Sociologia da Educação
Apresentação Sociologia da Educação.ppt
*
Sociologia da Educação
A Educação Física face à mudança
*
Sociologia da Educação
Mudam-se os tempos
Mudam-se as vontades
Todo o mundo é composto de mudanças
(Luís Vaz de Camões, adaptado)
*
Sociologia da Educação
Das muitas possíveis mudanças destacamos as seguintes que condicionam os ofícios do desporto:
Demográficas;
Axiológicas
Conhecimento
*
Sociologia da Educação
Projeção da população de 80 anos ou mais no Brasil (de 1980-2050) - IBGE
*
Sociologia da Educação
É com esta realidade demográfica que o profissional de Educação Física terá que reger os seus ofícios
Por um lado infletindo para esse grau etário:
Por outro, fazendo que cada um dos seus atuais alunos saiba encarar, no futuro, essa realidade
*
Sociologia da Educação
A formação de profissionais de Educação Física
Os alunos de hoje serão profissionais até cerca de 2050!
Bastante centrada nos problemas atuais;
Conhecerão as dinâmicas sociais?
Conhecerão os grandes problemas que se projetam para o futuro?
*
Sociologia da Educação
A formação de profissionais de Educação Física
Continua-se a privilegiar disciplinas pensadas para os jovens e não para os idosos
Psicologia do Desenvolvimento
Fisiologia [de corpos sãos]
Desenvolvimento Motor [“ascendente”]
Aprendizagem Motora [com crianças e jovens]
Didáticas [para crianças e jovens]
*
Sociologia da Educação
A formação de profissionais de Educação Física
Os beneficiários da Educação Física são, cada vez mais, pessoas que se afastam das idades pediátricas e com novos problemas, tais como:
Obesidade (Fome Zero ou Obesidade Zero?);
Sedentarismo;
Forte prevalência de doenças degenerativas
*
Sociologia da Educação
A formação de profissionais de Educação Física
Que relação terão daqui a 30 anos estas pessoas com a Educação Física e com o desporto?
Estarão os nossos alunos aptos a lidarem com estas pessoas?
TALVEZ NÃO ESTEJAM
*
Sociologia da Educação
Mudanças axiológicas
Mais do que a simples alteração de (ou dos) valores, assistimos a uma alteração da sua hierarquia. Os jovens de hoje adoptam valores que face à nossa educação e forma de ver o mundo, por vezes temos a tendência de afirmar que já não têm valores
*
Hierarquia de valores
(adaptado de M.F. Patrício)
*
Sociologia da Educação
Ideia de crise
Da Educação Física ou da Educação?
Da Educação ou da sociedade?
Da sociedade ou do Homem?
*
Sociologia da Educação
Crise de valores – desorientação axiológica
*
Sociologia da Educação
Conceito de crise
Da rutura inesperada ou desorganização emocional
à
Fragilidade momentânea motivada por uma mudança no desenvolvimento
“Estamos na encruzilhada dos caminhos” (Kofi Annan, setembro de 2003)
*
Sociologia da Educação
Vejamos o exemplo do desporto
Consideramos que no desporto há aspetos “invariantes”, isto é, que não são passíveis de alteração, podendo apenas diferir na importância relativa entre cada um dos seus elementos
*
Sociologia da Educação
*
Sociologia da Educação
Mudança no conhecimento
Se há um “local” onde a ideia de mudança se impõe decisivamente, esse local é o conhecimento
Na biologia médica, uma “verdade” pode ter um tempo de vida de 5 anos
Na engenharia terá 2 a 3 anos
*
Sociologia da Educação
Qual, ou quais, as soluções?
*
Sociologia da Educação
Conceito de antropagogia
Conceito de pedagogia: limites impostos pela tradição
Comenius e a Didática Magna (1652)
*
Sociologia da Educação
Princípios universais da Educação:
TODOS
TUDO
SEMPRE
TODAS
*
Sociologia da Educação
Quem na Educação: TODOS
Para aprender o quê: TUDO
Quando: SEMPRE
De que forma: TODAS
*
Sociologia da Educação
Conclusão
A educação é um processo que diz respeito à vida humana e não confinado a uma idade;
A educação é um processo que acontece SEMPRE e em qualquer lugar, e não apenas na Escola com as crianças e jovens
*
Sociologia da Educação
Conclusão
A educação não deve perder de vista uma das interpretações da Alegoria da Caverna, de Platão
A formação ao longo da vida é uma obrigação a ser desenvolvida pelas Universidades e a ser procurada pelos licenciados
*
Sociologia da Educação
Assim:
Não há uma idade ótima para prosseguir os estudos. Qualquer idade é boa para se realizar o percurso do conhecimento, seja através de uma especialização ou de cursos de mestrado e de doutorado
*
Sociologia da Educação
O futuro não se prevê, prepara-se
*
Sociologia da Educação
Que papel tem tido [ou deveria] a Educação Física Escolar nos vossos municípios para provocar uma mudança comportamental nos jovens?
Daqui a 30 minutos queremos ouvir as vossas respostas
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Sociologia da Educação
Educação Multicultural
uma exigência ética perante a diversidade
Sociologia da Educação
Sociedades multiculturais, autênticos mosaicos contemporâneos, por vezes marcadas por intolerâncias várias, outras vezes conotadas com o relativismo axiológico que é um dos maiores perigos da atualidade
Relativismo axiológico. Nem a vida
humana é um valor absoluto
Sociologia da Educação
O que se vê nesta imagem?
Sociologia da Educação
O que se vê nesta imagem?
Resposta habitual dos meus alunos:
Um pato amarelo e sete patos pretos!
Sociologia da Educação
Raramente alguém responde “8 patos!”
Sociologia da Educação
Estamos habituados a ver as diferenças e não a considerar a diversidade
Sociologia da Educação
Estamos habituados a ver as diferenças e não a considerar a diversidade
No ser humano não é muito
 diferente
A frase “todos iguais, todos
 diferentes” talvez deva ser
 substituída por “todos iguais,
 diversos”. Diversidade não é
 diferença
Sociologia da Educação
Ao contrário dos animais, não se observam grandes derivas biológicas entre as pessoas que habitam o Planeta
A diversidade joga-se no campo da cultura – não é por acaso que há quem defenda esta palavra deva ser dita no plural – e não em outros campos, mesmo
que aparentemente sinalizadores de “diferenças”
Por exemplo, a cor da pele não indicia nenhuma diferença entre humanos, sendo uma adaptação ambiental
Sociologia da Educação
Assim:
Podemos afirmar sem grandes receios que existe uma multiplicidade cultural na uniformidade biológica
Para MF Patrício o homem é uno e diverso, uniforme e multiforme, convergente e divergente
Então, a diversidade humana é cultural e não biológica
Sociologia da Educação
Porém, cultura não existe no abstrato, mas em uma profusão imensa de expressões
A Educação não deverá ser estranha a esta multiplicidade cultural, sem no entanto se “babelizar”, tornando impossível qualquer diálogo entre pessoas de diferentes latitudes
Sociologia da Educação
O diálogo entre povos situados nos antípodas é possível, assim como a celebração dos feitos de um país por outro país
TIMOR – Julho de 2016
Sociologia da Educação
O diálogo entre povos situados nos antípodas é possível, assim como a celebração dos feitos de um país por outro país
Quem não se lembra de um
Slogan do Estado Novo:
Do Minho a Timor?
Braga - Minho
Díli - Timor
Sociologia da Educação
Os valores da Educação são mesmo VALORES
	1. O que é o homem?
	2. Quem é o homem?
	3. Que homem cumpre formar em cada homem nesta sociedade 	 cada vez mais plural?
Que valores na Educação?
	1. Os meus, de uma geração diferente dos jovens?
	2. Dos jovens, em que eu posso não acreditar?
Sociologia da Educação
Haverá valores universais a considerar pela Educação? Cremos que sim
Nem tudo o que é legal, social ou culturalmente aceite num dado país terá de ser acolhido pela Educação de um outro país.
Exemplo extremo: a mutilação genital feminina
Como pode a Escola conviver com tradições que se afastam tanto dos nossos valores matriciais?
Sociologia da Educação
Defendemos que se busque para a Educação um conjunto de valores que se querem universalizar – Ética dos mínimos
Este conjunto de valores deve orientar-se por matérias essenciais e não por pormenores do quotidiano
Sociologia da Educação
Não consideramos a indumentária desportiva ou de praia como um valor a perseguir pela Ética dos mínimos
Absolutizar um pormenor pode constituir-se
 como uma ofensa cultural
Olhemos para a Dignidade do ser humano,
 tanto na dimensão do viver, biológico,
 como do existir, metafísico 
 
Sociologia da Educação
Atentemos a palavras do Papa Francisco
Educar para a solidariedade, palavra tão incómoda, e muitas vezes desprezada
Educar para a humanidade
Sociologia da Educação
Terminamos com perguntas retóricas
A educação não é exclusiva da instituição escolar. A família é outra entidade educacional. Porém, nota-se neste nosso tempo a diluição do conceito tradicional de família e ainda a não existência de uma alternativa satisfatória.
O que resta na educação? A Escola.
Estarão os professores preparados para substituírem a família no processo educacional?
Terão essa função e vocação?
Não sabemos responder! Contudo, estes eventuais problemas encerram um outro de apreciável dimensão: como preconizar uma educação multicultural e deixá-la apenas na mão de uma entidade, a Escola formal?
Não será isso uma tremenda contradição?
Sociologia da Educação
https://youtu.be/tyaEQEmt5ls
Apresentação Sociologia da Ed_.pptx
Sociologia da Educação
Temas para debate
Sociologia da Educação
I – EDUCAÇÃO, ESCOLA E SOCIEDADE
Que Escola para o meu município?
Que Educação Física para a minha Escola?
Que Educação Física para o meu município?
Sociologia da Educação
II – ESCOLA E ALUNO
Que alunos há na minha Escola?
Que interesses têm na educação?
Que interesses têm na Educação Física?
Que pessoa queremos formar na minha Escola?
Que pessoa queremos formar na Educação Física Escolar?
Sociologia da Educação
III – SOCIEDADE E DESPORTO (1)
Que desporto há no meu município?
Que desporto gostaria que houvesse no meu município?
Que papel da Educação Física Escolar para a concretização do ideal desportivo no meu município?
Sociologia da Educação
IV – SOCIEDADE E DESPORTO (2)
Qual o papel do desporto para transformar o meu município?
Qual o papel da Educação Física Escolar para formar “agentes de mudança” no meu município através do desporto?
Está a Educação Física Escolar do meu município o cumprir o seu papel?
Sociologia da Educação
V – EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E SOCIEDADE (1)
Faz sentido falar em INCLUSÃO SOCIAL no seu município? Quais os principais problemas existentes no seu município incluídos na temática da “inclusão social”?
Qual o papel da Educação Física Escolar para a Inclusão Social?
A Escola em geral e a Educação Física Escolar em particular têm contribuído para a inclusão social no seu município? Como?
Sociologia da Educação
V – EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E SOCIEDADE (2)
Qual o contributo da Educação Física Escolar para a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres?
No seu município a Educação Física Escolar é chamada para desempenhar esse papel educativo?
Se sim, como?
Se não, porquê?
Sociologia da Educação
V – EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E NOVAS TECNOLOGIAS
1. Nas Escolas do seu município é habitual a utilização das novas tecnologias nas aulas?
2. Nas Escolas do seu município as aulas de Educação Física Escolar utilizam as novas tecnologias?
3. Se sim, como?
4. Se não, tem alguma proposta para o fazer?
COP BERLIM 1936 (1).pptx
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Julho de 2016
Rui Garcia – UPorto, Faculdade de Desporto
Cíntia Gil – DocLisboa
O Movimento Olímpico e as Guerras | Olympic Movement and Wars
Olimpismo, Propaganda, Boicotes e Terrorismo | Olympism, Propaganda, Boycotts and Terrorism
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Principais conclusões dos diversos estudos que temos feito sobre os Jogos Olímpicos de Berlim
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Principais conclusões dos diversos estudos que temos feito sobre os Jogos Olímpicos de Berlim
1936 é antes de 1939!
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Principais conclusões dos diversos estudos que temos feito sobre os Jogos Olímpicos de Berlim
1936 é antes de 1939!
1936 é antes de 1941!
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Principais conclusões dos diversos estudos que temos feito sobre os Jogos Olímpicos de Berlim
1936 é antes de 1939!
1936 é antes de 1941!
1936 é depois de 1935!
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Principais conclusões dos diversos estudos que temos feito sobre os Jogos Olímpicos de Berlim
1936 é antes de 1939!
1936 é antes de 1941!
1936 é depois de 1935!
1936 é depois de 1933!
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Principais conclusões dos diversos estudos que temos feito sobre os Jogos Olímpicos de Berlim
1936 é antes de 1939!
1936 é antes de 1941!
1936 é depois de 1935!
1936 é depois de 1933!
1933 é depois de 1931!
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Principais conclusões dos diversos estudos que temos feito sobre os Jogos Olímpicos de Berlim
1936 é antes de 1939!
1936 é antes de 1941!
1936 é depois de 1935!
1936 é depois de 1933!
1933 é depois de 1931!
1931 é depois de 1930!
1924 é antes de todas as anteriores datas!
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
São conclusões fantásticas, ao nível das verdades do Senhor de La Palice!
Mas vejamos:
Os Jogos Olímpicos de 1936 realizaram-se 
3 anos antes do início da Segunda Guerra Mundial
5 anos antes da tomada de decisão da Solução Final
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
São conclusões fantásticas, ao nível das verdades do Senhor de La Palice!
Mas vejamos:
Os Jogos Olímpicos de 1936 realizaram-se 
1 ano depois da publicação das Leis de Nuremberga
3 anos depois da Lei da Prevenção da Prole
com Doenças Hereditárias 
3 anos após a subida ao poder de Adolf Hitler
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
São conclusões fantásticas, ao nível das verdades do Senhor de La Palice!
Mas vejamos:
Os Jogos Olímpicos de 1936 foram atribuídos pelo COI
2 anos antes da subida ao poder de Adolf Hitler, quando vigorava a Constituição de Weimar, tendencialmente democrática [29.ª Sessão do Comité Olímpico Internacional, realizada em Barcelona]
E em 1930 foi publicada a 1ª edição do livro Der Mythus des 20 Jahrhrunderts [O mito do século XX], de Alfred Rosenberg, a filosofia social do regime nazi
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
São conclusões fantásticas, ao nível das verdades do Senhor de La Palice!
Mas vejamos:
Todas as datas anteriores são posteriores a 1924, ano da publicação do livro A Minha Luta [Mein Kampf]
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Assim, há um antes e um depois dos Jogos Olímpicos de Berlim, 1936
Impõe-se, portanto, que se analisem estes Jogos à luz dos contextos da época
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Desta forma, iremos analisar as seguintes questões:
Racismo
Judaísmo e Arianismo
Grécia Antiga
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
1. Questão do Racismo
Jesse Owens
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Em 1933 foram publicadas na Alemanha as Lei da Prevenção da Prole com Doenças Hereditárias. Terrível!
Nos anos 20 do século XX, existiam 20 estados dos EUA que tinham em vigor leis de esterilização, e em 1924 havia fortes restrições à entrada de determinadas populações – da Europa do Sul – porque a mistura de raças implicava sérios riscos biológicos
Quer na Alemanha como nos Estados Unidos da América estas opções políticas estavam legitimadas por sociedades científicas (Eugenics Record Office, EUA, e Instituto de Antropologia, Genética Humana e Eugenia Kaiser Wilhelm, na Alemanha)
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
O século XX não inventou estas políticas racistas. Vemos que no século XIII houve na Europa Ocidental uma repressão sistemática sobre os heréticos, judeus, homossexuais, leprosos, mendigos e vagabundos
As leis alemãs que legalizavam a esterilização em massa destinavam-se a judeus, ciganos, doentes mentais, prostitutas, homossexuais e associais. Em rigor, não vemos grandes diferenças
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
No nosso país esta visão racista da sociedade também esteve muito vincada, quer em tempos idos como naqueles próximos da atualidade, bastando para isso recordar a Inquisição descrita por Alexandre Herculano e, mais do nosso tempo, a consciência que apenas em 1962 [6 de setembro], por mão do então Ministro do Ultramar, Professor Adriano Moreira, é que todos os portugueses passaram a ser iguais perante a lei política [revogação do Estatuto dos Indígenas]. Este acto implicou a publicação de um Código do Trabalho Rural, em 27 de Abril de 1962, que tratava todos os trabalhadores por igual sem distinção de etnia. O ano de 1962 ocorreu 26 anos após os Jogos de Berlim e 17 anos depois da capitulação germânica! 
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Nelson Mandela, já no nosso tempo, sentiu o racismo
Martin Luther King foi assassinado
A FIFA possui uma Task Force against racism and discrimination, de onde nasceram os slogans Against racism [contra o racismo] e Say no to racism [diz não ao racismo], tudo isto em pleno século XXI
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
O racismo, infelizmente, não foi uma invenção nazi, nem terminou com o derrube desse regime despótico, sendo conhecidas referências desde a antiguidade, mesmo daquela romanticamente cantada pelo o olimpismo, a Antiga Grécia, até aos nossos dias
As representações socioculturais estabelecidas ao longo de milénios não são facilmente ultrapassadas pelas evidências científicas, da genética, perdurando muito para além do razoável
Admitimos que em 1936 essas representações estavam bem cimentadas na Europa, em particular na Alemanha nazi, pelo que não é caso de admiração a existência de condutas racistas no seio dos Jogos de Berlim. O que pode ser fator de admiração é a não evidência dessas condutas no documentário de Leni Riefenstahl
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
2. Questão do Judaísmo
Povo historicamente perseguido
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
A Alemanha nazi elevou a perseguição aos judeus ao limite que se pensava ser um absurdo, principalmente a partir da Solução Final 
Infelizmente não foram os únicos:
Rússia, finais do século XIX – derrotem os judeus e salvem a Rússia
Império Otomano, finais do século XIX
Inquisição ao longo de séculos
Grécia Antiga e Império Romano: impuros, de mau odor, leprosos e estigmas de carácter (sediciosos, astuciosos e lúbricos)
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
A educação formal alemã ensinava as crianças a desprezarem os judeus. Terrível, sem dúvida, mas foram os únicos?
Os anátemas sobre o povo judeu são muito antigas, expressando-se de variadas formas. Quem não conhece a expressão não faças judiarias?
Vemos em Primo Levi que Eichmann declarou que ao ocupar a Polónia, a Alemanha entra em posse das origens biológicas do judaísmo
Himmler pertencia à Sociedade Thule, que debatia as raízes da supremacia ariana e a ameaça dos judeus
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
3. Questão do Arianismo
A nostalgia das origens
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Conceito de humanismo evolutivo
A «humanidade» é uma espécie mutável. Os seres humanos podem degenerar em sub-humanos ou evoluir para sobre-humanos
O mandamento supremo é proteger a humanidade da degeneração em sub-humanos e encorajar a sua evolução para sobre-humanos
Yuval Noah Harari
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Já no passado outros autores, nomeadamente o humanista Gionavannio Pico della Mirandola (século XV) aludia à possibilidade de elevação ou de degeneração do ser humano, mas no que respeitava a condutas morais e não ao conceito vigente raça
A comunidade racialmente pura (Volksgemeinschaft) tinha de ser protegidas. Essa “raça” era a ariana
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Porém, esta visão da “pureza da raça” não era exclusivo dos nazis, encontrando-se disseminada no pensamento antropológico de então
Paul Brocca, fundador da Sociedade Antropológica de Paris, sustentava a ideia que o cruzamento de raças produz constantemente efeitos desastrosos (1824-1880)
Joseph Arthur Gobineau e Knox defendiam visões semelhantes
A “raça” ariana tinha de se impor na Alemanha!
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
A missão da Alemanha era a de povoar a Europa com a “raça” ariana (eugenia positiva). Josef Mengele, médico de Auschwitz, tentava compreender as gestações múltiplas para que os arianos mais rapidamente se multiplicassem
Hitler postulava que quando o território do Reich contiver todos os alemães, se se verificar que ele é incapaz de alimentá-los, da necessidade deste povo nascerá o seu direito natural de adquirir terras estrangeiras. A “Solução Final” servia para limpar áreas necessárias para possibilitar a expansão ariana
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Era esta a visão da supremacia do ariano naquela altura.
Há, porém, razões para que assim fosse
Hipótese do Sul (Sânscrito)
Hipótese do Norte (Hiperbóreos)
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Hipótese do Sul
Sânscrito: uma das línguas mais antigas do Mundo, surgida na Índia. Tem uma importância para aquela região como o Latim e o Grego têm para o mundo ocidental
Os povos primordiais que falaram esta língua foram o Arya e o Airiia, pelo que os seus falantes eram os arianos
Algumas narrativas antropológicas dos finais do século XIX, princípios do século XX, transformaram
uma unidade linguística numa unidade biológica, vulgo “raça” 
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Hipótese do Sul
O ariano é uma pessoa de pele branca, de elevada estatura, com olhos e cabelos tendencialmente claros
Para além destas características físicas, era um povo extremamente racional, trabalhador e disciplinado
Um grupo deste povo continuou na Índia e um outro deslocou-se para a Europa
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Hipótese do Sul
Segundo a narrativa da génese ariana na perspetiva do humanismo evolutivo:
O grupo que ficou na Índia, por múltiplos cruzamentos com povos locais, degenerou-se
O grupo que se deslocou para a Europa, que não se sujeitou a cruzamentos, manteve a “pureza inicial”
Os alemães eram descendentes deste povo primordial e queriam manter essa “pureza”
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Hipótese do Sul
Expedição nazi ao Tibete na busca
do povo primordial (1938)
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Hipótese do Norte
Hiperbóreos (literalmente povos para lá dos ventos do Norte, boreais) é um povo mítico já referido por Hesíodo, Píndaro e Pausânias, sendo uma das utopias da Antiguidade. Era um povo que venceu a morte, equivalendo-se aos Deuses
O berço da civilização seria o Norte e de lá as raças-mãe ter-se-iam espalhado em direção ao Sul – segundo alguns autores, degenerando-se no processo. Vem daí a crença numa origem hiperbórea da raça ariana, a única a permanecer incorrupta
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Hipótese do Norte
O nosso sempiterno Camões, nos Lusíadas (III, 8), canta:
	Lá onde mais debaixo do Pólo
	Os Montes hiperbóreos aparecem
	E aqueles onde sempre sopra Éolo
	E co’o nome dos sopros se enobrecem;
	Aqui tão pouca força têm de Apolo
	Os raios que no mundo resplandecem,
	Que a neve está contínuo pelos montes,
	Gelado o mar, geladas sempre fontes
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Hipótese do Norte
Os ingleses julgam-se no direito de revindicar a herança e a continuidade deste povo mítico e primordial. O arianismo não é apenas proveniente de uma tradição germânica
Desta forma
A Hipótese do Norte cruza-se com a Hipótese do Sul num local intermédio: a Grécia. Tanto uma Hipótese com a outra tenta arianizar a Antiga Grécia
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Hipótese do Norte
A Alemanha nazi vai assim reivindicar a pureza rácica do povo ariano, do Norte e do Sul, e a cultura criada por esse povo, a cultura clássica grega
Hitler considerava como cultura ideal aquela impregnada de espírito helénico e de técnica germânica, considerando o ariano como o Prometeu da Humanidade
O discurso inaugural do Presidente do Comité Olímpico Alemão, Theodor Lewald, enalteceu o momento de acendimento da pira olímpica, recordando a união espiritual dos alemães com os antepassados gregos, fundados há quase 4000 anos, por emigrantes nórdicos
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
O Estádios Olímpico de 1936 queria ser a síntese da pureza da “raça” ariana com a superior cultura da Grécia Clássica, sendo o fogo olímpico o elo entre o biológico e o cultural
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
4. Questão da Grécia
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
Para analisar esta última questão, na melhor do que visionar a primeira parte do documentário realizado por Leni Riefenstahl, Olympia. Feste der Völker
Jogos Olímpicos de Berlim 1936 – 80 anos depois
https://www.youtube.com/watch?v=bNnDBAdF2sI
EM NOME DO DESPORTO.docx
Exórdio em prol do desporto: uma fundamentação antropológica
Rui Proença Garcia
Universidade do Porto
Faculdade de Desporto
O paraíso perdido no meu imaginário
Uma das vantagens de se estudar com profundidade o tema da mitologia é conseguir-se entrar no universo onírico do ser humano. É nos sonhos que repousam muitas das nossas aspirações, onde os anseios pessoais e sociais emergem nesta sociedade cada vez mais impeditiva da realização das utopias.
A Amazónia, ou seja, a floresta, faz parte do meu imaginário desde a minha infância. O primeiro grande livro (de letras, como dizia com os meus 9 ou 10 anos) que li foi a Selva de Ferreira de Castro. A sua leitura fascinou-me. Mal sabia que a aventura dos seringueiros seria um marco para a minha vida futura. Não sabia nem poderia saber, dado que naquela altura não conhecia o meu futuro. Agora, passados 40 anos, já conheço o futuro desse tempo. Conheço o trabalho que comecei a realizar a partir de 1993. Foi o início da concretização de uma trama do meu imaginário.
O imaginário pode ter uma origem, mas não tem de ter um fim. Ainda não esgotei o sonho amazónico. Continua presente, embora agora com outras nuances, outros contornos. Mas no fundamental a Amazónia continua a apresentar-se em toda a sua exuberância e mistério. Continua a ser um oceano verde, mas com pessoas. Continua a maravilhar-me com a diversidade biológica – plantas e animais – mas, acima de tudo, com a sua diversidade antropológica. Continua a ser um surpreendente hino à natureza, mas também um local de encontro de pessoas e de culturas.
O rio causa-me admiração. A torrente do Amazonas, seja na sua porção negra do Negro ou barrenta do Solimões, impressiona e assombra quem a vê no Encontro das Águas, em plena Manaus. Espetáculo prodigioso, um dos mais cénicos do planeta. As belezas amazónicas não têm fim. É a vitória-régia, esse prato flutuante dos igarapés, a onça que, qual soldado, patrulha cada árvore da floresta – tarefa sem fim –, a cobra, Norato ou não, que simboliza a união do interior e do exterior da t(T)erra, os sons da madrugada onde caçador e vítima perpetuam a mais longínqua herança da vida – a sobrevivência –, o boto, esse simpático habitante do rio que muitas vezes simboliza o mítico bode expiatório, assumindo culpas das traições humanas.
A floresta possui uma impressionante força telúrica que se revela em cada curva do rio, em cada lugar, a cada momento. Ninguém pode ficar indiferente à potência misteriosa da Amazónia, que só os índios sabem verdadeiramente decifrar. Apenas os povos ribeirinhos conseguem extrair dela os saberes recônditos que repousam nas suas plantas, animais e lugares.
Foi na tentativa de compreender um pouco a floresta e, acima de tudo, as suas gentes que iniciámos com a Doutora Artémis Soares e com o Doutor Jefferson Jurema, investigações na tentativa de desvelar alguns sentidos de vida daquelas pessoas que dão cultura ao universo verde.
Com estes colegas de instituições universitárias amazonenses e devidamente enquadrados pela agora denominada Universidade Federal do Amazonas, partimos em busca da fundamentação antropológica do desporto.
As páginas que se seguem, que pretendem alicerçar o desporto em premissas humanas, e por isso culturais, tiveram como ponto de partida trabalhos efetuados na floresta, observando comportamentos humanos, tentando perceber o homem despido das atuais roupagens proporcionadas pelas tecnologias.
Quase que se pode afirmar que estudar alguns povos da floresta é ser presente à inocência humana, isto é, ao homem antes da mítica queda.
A espantosa aventura humana
Nasce uma criança. Depois de vários meses no conforto uterino uma criança desabrocha para a vida. Tem à sua espera um mundo que antes de tudo terá que ser por si descoberto, adaptando-se às suas exigências, para que depois possa transformá-lo, adaptando-o às suas necessidades e, por vezes, aos seus caprichos.
Ao contrário das crias de muitos animais, em particular de mamíferos, a cria humana nasce precocemente, isto é, nasce bastante incompleta para que sozinha tenha qualquer possibilidade de sobreviver. Enquanto muitas crias mamíferas nascem e de imediato correm, até por razões de sobrevivência – fugir dos predadores que por perto acompanham o parto –, o ser humano só depois de decorrer bastante tempo é que conquista alguma autonomia
e mesmo essa de forma precária ao longo de mais de uma dezena de anos.[1: Os mecanismos para garantir a sobrevivência são impressionantes no mundo animal. Há herbívoros que são praticamente inodoros no momento do nascimento, não sinalizando o parto aos predadores que rondam as manadas. A aventura da vida é, de facto, maravilhosa.]
Sem pretender encaminhar este assunto para questões do foro da evolução anatómica do homem, entendo ser útil citar John Eccles quando aponta a precocidade do nascimento humano como uma estratégia de sobrevivência. Com a adoção da postura vertical, resultaram várias alterações anatómicas que não mais possibilitaram o nascimento de seres com o cérebro desenvolvido em grande escala, tal como acontece com os símios. Eccles refere que os símios nascem com 60% do cérebro já completo, enquanto no homo sapiens sapiens essa percentagem desce para 26%. Se à nascença o volume cerebral do homem e do referido símio é semelhante (cerca de 350 centímetros cúbicos (cc) para o homem contra 300 cc para o animal) em adultos a diferença é enorme (respetivamente 1344 e 480 cc), o que evidencia que grande parte do desenvolvimento cerebral do ser humano acontece depois do nascimento, isto é, já com a criança submetida a um ambiente cultural e não apenas sujeita à esfera uterina, de natureza biológica.[2: John Eccles (1995). A evolução do cérebro – a criação do Eu. Lisboa: Instituto Piaget.]
Se a exatidão dos dados apresentados por John Eccles poderá ser contestada, a sua relevância para a afirmação da importância da cultura na estruturação do ser humano é inegável. 
Anthony Giddens escreveu que a criança muito pequena não é um ser, mas um há de ser e que só o será quando for chamada à existência pelo ambiente educativo que a cultura fornece. Embora o autor não o diga abertamente, assumo que a criança só se transforma nesse ser pela cultura.[3: Ver Anthony Giddens (1994). Modernidade e identidade pessoal. Oeiras: Celta Editora, pp. 34-35.]
Para além de qualquer polémica que esta posição poderá suscitar, estamos perante a asseveração de que a cultura é um elemento de primordial importância para a afirmação do ser humano. Este só o é pela cultura, impregnando-o de sobremaneira.
Assim, como já foi declarado, a intenção deste ensaio é ir em busca dos fundamentos antropológicos do desporto, mostrando o quão está ligado ao ser humano, não sendo apenas um seu produto histórico. As formas como esses fundamentos tomam a cada momento são produtos históricos, mas a sua fonte matricial repousa no que há de mais profundo do ser humano.
Pelos caminhos da cultura[4: Embora com muitas alterações, parte das ideias aqui expostas já foram apresentadas no livro Antropologia do esporte publicado em 2007. Rio de Janeiro: Editora Shape.]
Não tem sido tarefa fácil para a filosofia, nem para outras áreas do conhecimento, definir o ser humano. As inúmeras propostas que ao longo dos séculos têm vindo a ser apresentadas nesse sentido por autores de uma valia intelectual insuspeita, ainda não conseguiram uma formulação universal que compreenda todas as hipóteses humanas e todo o tempo que já decorreu desde a sua simbólica chegada a este mundo. Não serei eu, é óbvio, a conseguir tal empreendimento. Só pensar nessa possibilidade seria uma atitude de extrema soberba, postura que não quero assumir em momento algum.
No entanto, sinto a imperiosa necessidade de tomar opções, expondo o meu ponto de vista, mesmo que tal conduta acarrete naturais oposições de quem pensa através de outros diapasões intelectuais. Creio, e assumo que é algo em que acredito mais por paixão do que por qualquer outro referencial do intelecto, que a cultura terá que ser considerada como uma característica profundamente humana, devendo ser cuidadosamente ponderada aquando de uma qualquer tentativa de situar, ou encerrar, o homem numa curta definição.
Admito a dificuldade de contornar alguns escolhos nesta navegação por águas tão vivas como são aquelas por onde nos direcionamos. É relativamente fácil e, julgo, pacífico afirmar que o homem é um ser cultural, mesmo admitindo, como faz por exemplo Edgar Morin, que poderão existir uns traços de cultura – proto cultura – em alguns comportamentos animais.[5: Edgar Morin (1988) em O paradigma perdido. A natureza humana, faz uma alusão a esta possibilidade. Mem-Martins: Publicações Europa-América.][6: Richard Dawkins (2009) tem uma posição idêntica. A este respeito ver A grande história da criação. São Paulo: Companhia das Letras, pp. 134-135.]
Ainda me lembro dos inícios da minha formação académica quando se dizia que o homem era um ser bio-psico-social, apresentando-se argumentos em prol dessa afirmação. A atracão por estas palavras compostas era irresistível, dado que nos criavam a ilusão de um pensamento complexo, tão querido nos inícios da década de 80 no meio da Educação Física. Para um jovem de 20 anos, tal definição seduzia de imediato, mesmo que não se aprofundasse devidamente o sentido das palavras inclusas nessa formulação. Só mais tarde é que me apercebi que, afinal, as formigas, as térmitas, os lobos, os ursos e muitos outros animais também são seres bio-psico-sociais. Poderão variar no grau de importância de cada uma das referidas variáveis, mas não deixam de as possuir, tal como o ser humano as possui. O homem terá algo mais do que isso. O seu comportamento reger-se-á obrigatoriamente por uma qualquer outra dimensão, sob o risco, se assim não acontecer, de ser apenas mais um ser no meio de tantos milhares de outros que por aí pululam. A cultura será o irremediavelmente humano. Tal posição é corroborada por Edgar Morin quando define cultura como um capital cognitivo, técnico e mitológico não inato.[7: Edgar Morin (2005). O método VI. Ética. Mem-Martins: Publicações Europa-América, p. 212.]
Podemos argumentar em nome da anunciada definição, a trilogia composta pelo biológico, psicológico e pelo social, que a nossa componente psíquica e a nossa compreensão de sociedade são manifestamente diferentes das dos animais, atingindo uma complexidade que nos diferencia dos outros seres. Não há dúvida que são argumentos plausíveis mas que agora não me satisfazem. À medida que vou conhecendo um pouco melhor o comportamento animal, verifico que as suas manifestações psíquicas e sociais são, por vezes, bastante sofisticadas, embora fazendo parte do seu aparelho instintivo, ao contrário do homem em que essas evidências ultrapassam aquilo que está determinado geneticamente. O homem supera as determinantes genéticas, inaugurando uma nova possibilidade, a faculdade de se situar para além da [sua] própria natureza biológica. A transcendência é uma dessas hipóteses.
Neste momento poder-se-ia regressar a um tema clássico, qual seja, o da relação entre o ser humano e a referida natureza, perguntando-se se é ou não legítimo estabelecer essa distinção ou, se pelo contrário, não é justo considerar-se o homem como parte integrante desse imenso capital natural. Sinto que esta discussão, quando desenvolvida por especialistas, é extremamente relevante para nos situarmos no mundo e no cosmos. Contudo, por me faltarem as respetivas âncoras filosóficas subjacentes a tal empreendimento, não poderei desenvolvê-la para lá daquilo que é óbvio e, como tal, com um interesse deveras reduzido em relação aos propósitos estabelecidos para este trabalho.
Fiquemos, então, pela superfície deste oceano de conjeturas, admitindo, qual salto argumentativo, que o homem é um ser cultural e que cultura é um acrescento à natureza que de certa forma atenua as limitações do ser humano.[8: Alfred Kröeber (1993). A natureza da cultura. Lisboa: Edições 70.]
Para melhor visualizarmos esta perspetiva de cultura proposta por Kröeber, façamos um esforço de imaginação e sonhemos com a chegada do homem a qualquer planeta longínquo. Lá o que existia era aquilo que tinha resultado do ato da sua criação, fosse ela de natureza divina ou física. O homem põe-se a construir um abrigo, abre um simples caminho
para mais facilmente se afastar da sua nave espacial. Está a acrescentar algo. Está a criar, colocando na natureza, o puro dado de Kant, aquilo que lá não estava. Isso é cultura. O que coloca na natureza ajuda-o a ultrapassar as suas limitações face ao ambiente que o envolve. Se na tradição cristã Deus criou o mundo até ao 5º dia e o homem no sexto dia da semana da criação, este a partir do 8º dia encheu de artefactos e de ideias esse mundo que lhe foi oferecido. Também criou, ultrapassando em níveis surpreendentes aquilo que lhe foi presente pelo ato criador primordial. A cultura não vem inscrita no DNA, nem está programada no nosso material genético. É um produto externo mutável, com capacidade de adaptação, adequado pelo homem que, qual processo dialético, o vai moldando.
Esta é a minha perceção sobre cultura e, por consequência, sobre o homem. É um ser que vai criando, acrescentando sistematicamente produtos do seu espírito, alterando o cenário que lhe foi confiado. Mais ainda, é um criador universal, isto é, pode criar ou construir tudo, não se confinando à criação ou construção de apenas um ou poucos mais elementos como acontece com alguns animais. Uma ave constrói, e bem, um ninho mas não edifica uma represa. Um castor constrói-a mas não consegue produzir uma teia. O homem, cada homem, tem o potencial para arquitetar tudo o que vai existindo e criar uma infinidade de outras coisas que não estão na natureza.
O desporto é uma atividade cultural, como tal terá que ser percebido como um produto do espírito humano, como algo que é colocado no mundo, benefícios esses que previamente não existiam. Também pelo desporto podemos, ainda que por vezes apenas no plano do simbólico, ultrapassar o tempo e a morte, ou seja, elevar-nos a uma condição bem para lá dos limites humanos.
Apenas enquanto atividade cultural é que o desporto se torna significativo para o ser humano, inscrevendo-se no superior patamar das suas realizações, não se ficando apenas como um simples acontecimento trivial do mundo dos animais. O desporto também é um bem irremediavelmente humano, pelo que terá que ser estudado através das lentes que comummente estudam as coisas da cultura. 
O desporto no cenário da cultura
Acredito que todas as profissões ou áreas de intervenção profissional vivam pequenos dramas quando sentem a necessidade de se legitimarem perante outras ou perante algumas instituições. Por vezes o corporativismo, agora entendido como algo maléfico, desenvolve-se como um mecanismo de defesa face às dificuldades de manutenção de determinado estatuto social – por exemplo, regalias diferenciadas – sem que a restante sociedade compreenda o porquê de tal consideração especial.
É vulgar assistirmos a lutas pela primazia de determinados atos profissionais entre médicos, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas e outros agentes de saúde, não sendo fácil delimitar estas profissões e atribuir a cada uma destas corporações limites precisos de atuação. Há zonas nebulosas de intervenção profissional de difícil compartimentação, para mais numa altura em que se promove a interface de saberes.
O mesmo se passa na área do desporto, havendo alguma dificuldade em nos situarmos no mundo académico, profissional e mesmo social. Nem sempre a clareza das ideias é nosso apanágio, podendo esta falha coletiva provocar uma certa indefinição profissional, tornando-se difícil situar o grande mundo do desporto numa área precisa da atuação humana. As modas são tentadoras, mas nem sempre esclarecedoras. 
Não é fácil obter a concordância de dois autores sobre uma definição de desporto. É um pouco como a definição de tempo de Santo Agostinho. Todas as pessoas sabem o que é até ao momento de terem que responder clara e inequivocamente a essa questão. Aí surgem as dificuldades, as posições antagónicas que, regra geral, terminam num autêntico “diálogo de surdos”, em que os argumentos são rebatidos a priori apenas por pertencerem a qualquer outra pessoa ou escola de pensamento.[9: Não pretendo apresentar as inúmeras definições existentes sobre desporto. Podem crer que são na ordem das dezenas, havendo até algumas que classifico de autofágicas. Note-se que este juízo é de minha autoria, não envolvendo nele nenhuma instituição ou personalidade.]
Também eu vivo o pequeno (grande?) drama da incapacidade de definir uma atividade que pratico desde criança e que a estudo com profundidade há mais de 25 anos.
Ainda não encontrei uma resposta que me satisfaça em pleno, mas, suponho, já encontrei o caminho para empreender tal busca. Tentar fundamentar antropologicamente o desporto, isto é, inscrevê-lo no próprio ser humano, poderá ser a via para atingirmos a nossa pretensão.
Este desejo de circunscrever o desporto ao ser humano leva-me a ter que fundamentar no próprio homem a existência desta atividade. Ao fazê-lo, ao tentar anunciar a sua perenidade, demonstro que mais do que uma atividade local e temporalmente construída, o desporto, com os valores que lhe são intrínsecos, é algo que se perde nas penumbras do tempo, atravessando civilizações, expressando-as com rigor, chegando ao nosso tempo portador de uma história, que em última instância nada mais é do que uma história cultural. É uma história como muitas outras, com épocas deslumbrantes e outras menos nobres. É uma história onde se percebe o ser humano em toda a sua plenitude, evidenciando momentos de grande exaltação corporal e outros em que o corpo foi remetido para o limbo da nossa existência.
Acredito que o desporto, mais do que uma construção recente, veicula o modo como o homem se tem relacionado com o seu corpo, com a atividade lúdica e com outras categorias tais como o rendimento e a superação. Pelo desporto é possível uma compreensão da evolução do conceito de homem. É possível saber-se como é que se valorou o corpo enquanto entidade indecomponível do ser humano. Também aqui o espectro varia da sua importância primordial à total ignomínia. O desporto, na multiplicidade das suas manifestações, evidencia tais posicionamentos.
O desporto, que tem presente a atividade física, ultrapassa em muito a sua evidência motora, entrando em campos antropologicamente interessantes como é o caso, por exemplo, do universo mítico-religioso.
Percebo o desporto como uma tremenda manifestação cultural, onde temas como a festa, o herói mítico, o ritual, o maravilhoso, o tremendo, entre outros elementos do universo religioso servem para celebrar a vida humana. Como estrutura de sentido que é, o desporto acentua a dimensão sagrada do homem, alcançando uma importância deveras significativa no panorama das atividades eminentemente motoras.
O desporto é um viveiro de metáforas, servindo muitas vezes para enaltecer diversas condutas humanas mesmo em situações que nada têm a ver com essa nobre atividade. Na política são frequentes a utilização dessas metáforas como da reivindicação de valores peculiares do desporto, como é o caso do fair-play. Ninguém lhe fica indiferente! Ortega y Gasset avançou mesmo com uma teoria desportiva para o estado.[10: José Ortega y Gasset (2005) El origen deportivo del Estado. In Obras Completas, tomo II, Madrid, Taurus/Fundación Ortega y Gasset, p. 708.]
O desporto entronca assim no mundo da mitologia, que é um universo povoado de heróis. Basta que nos lembremos da cultura greco-latina para nos apercebermos da importância destes seres no contexto mitológico. Ainda hoje figuras míticas dos primórdios do olimpismo são lembradas amiúde.
A história das religiões comporta relatos de heróis que vencem monstros. Estas lutas são de carácter iniciático, uma vez que é necessário que o homem preste «provas» para atingir o estatuto de herói e assim alcançar a imortalidade.[11: Sou um indefetível adepto da história das religiões escrita por Mircea Eliade (1990). Tratado de história das religiões. Lisboa: Edições Cosmos. É uma obra notável onde verificamos a real existência do homo religiosus.]
Não é uma luta exclusivamente de natureza mortal, podendo
desenrolar-se através de uma considerável variedade de atividades, como correr determinada distância ou determinado tempo.
O desporto é, em muitos aspetos, herdeiro do mundo dos heróis como se pode depreender das palavras já expressas ao longo destas páginas, assumindo-se como uma verdadeira dramatização da festa mítica relatada, entre outros, por Mircea Eliade.
A festa, entendida como um fenómeno religioso, insere-se naquilo que Isambert denomina de religião quotidiana, sendo uma das atividades mais importantes para a valorização das religiões populares. É difícil encontrar uma sociedade onde não exista uma íntima relação entre a festa – profana na aparência – e a religião.[12: François-André Isambert (1982). Le sens du sacré: fête et religion populaire. Paris: Éditions de Minuit.]
Já Émile Durkheim apontou esta ligação entre religião e festa, nomeadamente quando diz que uma cerimónia religiosa de qualquer importância desperta naturalmente a ideia de festa. Por outro lado, ainda para Durkheim, as festas, mesmo aquelas tidas como puramente laicas, pelas suas origens, possuem características típicas das cerimónias religiosas.[13: Émile Durkheim (1991). Les formes élémentaires de la vie religieuse. Paris: Librarie Générale Française (1ª edição em 1912).]
A cor, a exuberância, o êxtase típicos das festividades pretendem suscitar um estado de efervescência, mesmo de delírio próprio de um estado religioso. Sagrado e profano enlaçam-se formando uma entidade una.
Os comportamentos visíveis na festa de uma multidão agitada e barulhenta favorecem o nascimento e o contágio de uma exaltação que se prodigaliza em gritos e em gestos, que incita as pessoas a abandonarem-se sem vigilância aos mais irreflectidos impulsos. Um moderno estádio de futebol repleto, com torcedores que exibem as cores dos seus clubes, que entoam até à exaustão canções alusivas ao momento, que participam de alma e coração naquela autêntica liturgia, mostra que o desporto extravasou em muito os seus limites aparentemente físicos para se fundir com o universo mítico do homem.
Por seu lado, Wunenburger difunde a ideia de que as festividades se constituem provavelmente como um ritual de maior violência real e simbólica. Jogos agonísticos, orgias sexuais, excessos alimentares, intensificação da vida emocional pelas danças, são vias para a circulação da violência que é mantida nos limites de um espaço e de um tempo míticos. Com as devidas diferenças num ou noutro ponto, é exatamente isso que percecionamos no desporto moderno. A violência que por vezes se associa a esta atividade deve ser lida na perspetiva aqui apresentada. Admito, tenho mesmo que aceitar, que nem toda a violência tem esta origem ou interpretação, mas muita dela poderá e deverá ser analisada através deste viés conceptual.[14: Jean Wunenburger (1990). Le sacré. Paris: Presses Universitaires de France.]
Eliade alude a este tipo de violência ritual permitida ou desencadeada pela festa, fruto de uma orgia coletiva. Por vezes ela é necessária para permitir a libertação de sentimentos ou de frustrações acumuladas ao longo de uma semana ordinária.[15: Mircea Eliade (1990). Op Cit.]
Malinowski também se refere a este tipo de libertação das restrições normais, especialmente as barreiras da reserva convencional nas relações pessoais e sociais.[16: Bronislaw Malinowski (1990). Magia, ciência e religião. Lisboa: Círculo de Leitores (1º edição em 1925).]
Estas explosões coletivas, na perspetiva da psicologia, podem ser entendidas como uma libertação periódica dos instintos “amarrados” a rígidas normas socioculturais. Contudo a festa é algo mais. Há uma transgressão das regras que o sagrado impõe à vida quotidiana, mas uma transgressão ritualizada. Porém, no desporto, nem tudo pode ser permitido, havendo um certo tipo de controlo neste aparente descontrolo social. 
Associada à festa surgem os excessos. Estes excessos podem ser energéticos (danças, jogos, corridas), nutricionais (consumo e esbanjamento num curto lapso de tempo de víveres reunidos ao longo de um período de tempo), desmandos de ordem sexual, abolição das regras sociais, exaltação do burlesco, ou outro de semelhante natureza. Não estou a referir-me somente às festas de um passado temporal ou social longínquos estudados por um qualquer antropólogo, mas também a uma ideia prevalecente de festa no nosso quotidiano coletivo. Assisti a tudo isto nos povos da floresta e continuo a assistir na sociedade urbana.
Concentremos a nossa atenção em dois destes excessos festivos.
Caillois afirma que não existe, inclusive na atualidade, festa alguma que não comporte pelo menos um princípio de excesso e de pândega. Da mesma forma que a natureza, homem incluído, carece de uma renovação periódica, também as regras e as instituições sociais parecem necessitar desta alternância. Com a abolição momentânea das regras promovemos a sua regeneração e purificação. Caillois e Mircea Eliade relatam exaustivamente festas onde este objetivo é perspetivado.[17: Roger Caillois (1988). O homem e o sagrado. Lisboa: Edições 70.][18: Sem demoras olhemos para o Carnaval brincado por todo o mundo ou para outros festivais análogos. Em Parintins, cidade da Amazónia brasileira, nove meses após a sua grandiosa festa – o boi-bumbá – nascem inúmeras crianças, apelidadas de boizinhos…]
Por este processo de devassidão das regras instituídas, o homem regressa simbolicamente ao caos primordial, mostrando assim a festa toda a sua potência renovadora. A energia vital gerada pelas orgias quebra barreiras entre o homem, a sociedade, a natureza e os deuses, fazendo girar o sagrado. No espaço desportivo há também esta quebra de barreiras. A bancada desportiva é um local de total comunhão entre as pessoas. Aí não há classes sociais, amos ou servos. Há apenas pessoas irmanadas do mesmo espírito, num momento singular das suas vidas. O que as exigências do dia-a-dia dividem, o desporto une. Também pode acontecer o oposto, ou seja, pessoas com interesses semelhantes, mas que no domingo à tarde se separam unindo-se aos seus inimigos do quotidiano. Em qualquer um destes casos se evidencia o poder escapatório do desporto, qual válvula de pressão que é acionada semanalmente.
Intimamente ligado aos excessos da festa surgem os sacrifícios e as guerras, quais paroxismos dos tempos modernos. As guerras entre torcidas organizadas de clubes rivais mostram quão longe o desporto pode ir para a consecução da harmonia social. A guerra, por mais que nos custe aceitar, faz parte da história da humanidade. O nosso tempo não ultrapassou esta fatalidade. Ela acontece aos mais variados níveis, desde aquelas que opõem pequenos grupos tribais até aquelas mais globais que atingem países, culturas e mesmo civilizações. As novas tribos urbanas geram grandes tensões entre si, sendo frequente a existência de situações de extrema violência, quais rememorações das antigas pelejas primitivas. Desmond Morris, no seu clássico A tribo do futebol, alude a estes confrontos e à sua forma atual de expressão. O desporto é um local onde tais desmandos são possíveis, mas com a vantagem de poderem ser devidamente controlados. Tudo é previsível, sendo fácil permitir determinado tipo de ações – que ajudam à libertação de energias instintivas – não deixando ultrapassar determinados limites da civilidade.[19: Desmond Morris (1981). A tribo do futebol. Mem-Martins: Publicações Europa-América.]
A construção de uma identidade em torno de um país, de uma região ou de uma simples cor clubista, constitui-se numa das poucas exceções neste nosso mundo onde todos se regem pelas mesmas práticas, modas ou tendências, num mundo onde se quer abolir a própria ideia de identidade. No campo desportivo os iguais querem-se iguais. Todos utilizam as mesmas cores e formas, num claro processo identitário quase ausente do restante das nossas sociedades exceto num ou noutro movimento underground.
O burlesco é outra característica da festa que importa relembrar neste momento. Típicos

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