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A droga da obediência — CartaCapital

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16/04/2015 A droga da obediência — CartaCapital
http://www.cartacapital.com.br/carta­fundamental­arquivo/a­droga­da­obediencia 1/3
A pediatra Maria Aparecida Moysés questiona o uso de remédios para focar a atenção. Ela
alerta: o efeito de acalmar é sinal de toxicidade. A Lívia Perozim. Foto: Masao Goto Filho
Carta Fundamental
Entrevista
A droga da obediência
A pediatra Maria Aparecida Moysés questiona o uso de remédios para focar a atenção. Ela alerta: o efeito
de acalmar é sinal de toxicidade
O Brasil é o segundo maior consumidor mundial
dos psicotrópicos chamados metilfenidatos,
prescritos para o tratamento de crianças
diagnosticadas como portadoras do Transtorno
de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
Atrás apenas dos Estados Unidos, consumimos,
em 2009, 2 milhões de caixas, ante as 70 mil
consumidas em 2000. A droga, usada para
tratar do que é considerado um distúrbio
neurobiológico, é consumida, entre outros, por
crianças e adolescentes desatentos, agitados e
com dificuldades escolares. Apelidado de a
“droga da obediência”, por acalmar e focar a
atenção, o medicamento leva os sugestivos
nomes de Concerta e Ritalina (produzidos
pelos laboratórios Janssen Cilag e Novartis,
respectivamente). Seu uso, no entanto, provoca
acaloradas discussões. A pediatra Maria Aparecida Affonso Moysés, da Unicamp, é uma das vozes médicas a questionar a
existência de “uma doença neurológica que só altere comportamento e aprendizagem”. Nessa entrevista, ela explica as
reações adversas da droga e afirma que os critérios para diagnosticar o TDAH são normas sociais.
Carta Fundamental: O consumo de metilfenidatos no Brasil foi de 70 mil, em 2000, para 2 milhões de caixas, em 2009.
A que a senhora atribui esse aumento? 
Maria Aparecida Affonso Moysés: Outro dado é que o Brasil só perde para os Estados Unidos no consumo dessa droga,
o que é assustador, porque este não é um medicamento seguro. O metilfenidato tem várias reações adversas. E veja só:
não são efeitos colaterais, são reações adversas e indicam a retirada imediata da droga.
CF: Que tipo de reação? 
MAAM: No sistema nervoso causa insônia, cefaleia, alucinações, psicose, suicídio e o principal efeito chamado de Zumbi
Like. Significa agir como um zumbi, ou seja, a pessoa fica quimicamente contida em si mesma. Todos esses são sinais de
toxicidade e indicam a retirada imediata da droga. No sistema cardiovascular o remédio causa arritmia, taquicardia,
hipertensão, parada cardíaca. O risco de morte súbita inexplicada em adolescente é estimado em 10 a 14 vezes maior
entre aqueles que tomam o remédio, segundo uma pesquisa de 2009 da Food and Drugs Administration (FDA) e de
por Lívia Perozim — publicado 20/02/2011 16:00, última modificação 21/02/2011 18:31
16/04/2015 A droga da obediência — CartaCapital
http://www.cartacapital.com.br/carta­fundamental­arquivo/a­droga­da­obediencia 2/3
National Institute of Mental Health (NIMH). Não é desprezível. Além disso, interfere no sistema endócrino, na secreção dos
hormônios de crescimento e dos sexuais. É uma substância com o mesmo mecanismo de ação e as mesmas reações
adversas da cocaína e das anfetaminas.
CF: O metilfenidato é um estimulante usado para acalmar? 
MAAM: Ele acalma pelo efeito zumbi, uma toxicidade. Uma coisa que não se pensa muito é o seguinte: o metilfenidato foca
a atenção em quê? É aleatório. Ao conter as atividades cerebrais de tal modo que você não se distraia, esta única coisa em
foco é eleita ao acaso. É o que passa pela frente. Não é uma substância que te faz focar no estudo. Não existe isso.
CF: O Brasil perde apenas para os EUA no consumo de metilfenidatos. O que aproxima as sociedades médicas
desses países? 
MAAM: A sociedade médica brasileira, há 50 anos, era voltada para a França. Hoje é voltada para os EUA. É quase
mundial isso, mas na Europa ainda há uma resistência. Somos muito dependentes da tecnologia e da cultura americana,
que impõe essa padronização e normalização das pessoas. A gente constrói uma sociedade que quer uma criança cada
vez mais ativa e ligada no mundo. Crianças com 4 anos mexem no computador com várias janelas abertas ao mesmo
tempo. Quando elas chegam na escola, queremos que elas façam uma coisa só e não questionem. Queremos crianças
criativas, ótimas e submissas! Elas questionam, querem saber o porquê. O “não” não basta mais. E os adultos não
aguentam isso. A sociedade é muito incomodada com os questionamentos e a gente acaba abafando isso via substância
química. Junte isso ao interesse financeiro das indústrias farmacêuticas. Elas financiam cursos, viagens para médicos,
vantagens em clínicas. Curso para professores financiado por um laboratório é algo estranho. Não sejamos ingênuos: eles
estão, na verdade, treinando professores para identificar futuros clientes consumidores de suas drogas. E esse é um peso
muito forte, que consta, inclusive, em relatório do departamento de justiça dos EUA, mostrando como a Ciba­Geigy
(Laboratório que viria, a partir de 1996, a formar a Novartis) – financiava entidades de familiares e profissionais ligados à
defesa das pessoas com TDAH.
CF: Quais os efeitos desses psicotrópicos quando tomados por longo período? 
MAAM: Isso consta em qualquer livro de farmacologia. Vários trabalhos mostram que existe um risco de dependência
química muito grande, além de uma dependência psíquica, porque a pessoa se sente mais ativa mesmo. E tem várias
pesquisas mostrando que, quando a criança começa a tomar aos 4 anos e retiram o remédio aos 18, existe uma tendência
muito grande de drogadição por substância mais pesadas. Se a criança está usando um estimulante desde os 5, 6 anos,
ela vai buscar outra droga quando interrompe este uso. No mundo todo, clínicas relatam que metade dos adolescentes
conta que começaram a drogadição e a mantém com ritalina. E a fala desses adolescentes é que eles começaram a usar
porque é barato, acessível, fácil de comprar, embora tenha receita controlada. Segundo eles, os médicos diziam que era
seguro. Como dizem até hoje. Mas não é uma droga segura.
CF: A discordância não é só quanto ao uso ou não da medicação, mas quanto à existência do próprio transtorno. 
MAAM: A discordância básica é que não existe uma comprovação aceita de que haja uma doença neurológica que só
altere comportamento e aprendizagem. Isso ainda não foi provado. A lógica da medicina é comprovar a doença e depois
tratar. Para essa, o remédio foi encontrado antes.
CF: A comprovação seria se encaixar nos critérios do questionário Snap­IV. 
MAAM: Aqueles critérios são altamente questionáveis. Aquilo não é critério de doença, é norma social. Como posso
transformar uma norma social em biológica? O Snap­IV contém 18 perguntas, e as primeiras nove falam de atenção, e as
outras, de hiperatividade. Se você preencher seis das perguntas, tem o diagnóstico de déficit de atenção, hiperatividade ou
dos dois. Todas as questões falam de comportamento. Só com base nisso afirmam a presença de uma doença
neurológica?
16/04/2015 A droga da obediência — CartaCapital
http://www.cartacapital.com.br/carta­fundamental­arquivo/a­droga­da­obediencia 3/3
CF: A partir de que idade uma criança pode ser diagnosticada? 
MAAM: Há relatos na medicina americana de crianças de 2 anos que teriam dislexia quando entrassem na escola. Como
identificar que alguém vai ter dificuldades de ler e escrever aos 2 anos?
CF: Quem defende o uso da medicação argumenta que apenas seu uso incorreto não é seguro e que a criança que
não é diagnosticada sofre. 
MAAM: Sofre por causa da sociedade. Eu quero trabalhar o conflito que ela está vivendo e libertá­la desse conflito e de
uma doença que ela não tem. É preciso entender isso até para poder superar e enfrentar. Agora, quando digo você é
doente vou te dar um remédio, os pais ficam aliviados porque, enfim, encontram o problema e podem tratar o filho. Esse é o
sonho de todo pai. Mas eles estão iludidos porque essa criança,na verdade, não está sendo tratada. Ela está introjetando
ser doente, ter algum problema e tudo o que ela conseguir na vida vai ser porque foi tratada. É totalmente desconsiderada
em que situação isso é produzido. Porque os problemas de aprendizagem são todos produzidos.
CF: O rendimento na escola das crianças medicadas melhora. 
MAAM: É preciso provar que foi a droga porque se inicia um trabalho pedagógico com a criança, afirma­se que ela está
doente, que está sendo tratada, a professora vai ensinar de um modo diferente, ela vai acreditar que pode aprender. A
revisão dos trabalhos publicados que preenchem todos os requisitos de pesquisa científica mostra que não há melhora
consistente do desempenho acadêmico. Esta é, inclusive, a conclusão de uma reunião feita nos EUA para estabelecer
consensos para o diagnóstico e tratamento.

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