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PARADIGMAS DO CONHECIMENTO: OS PERCURSOS E DESCAMINHOS DA EDUCAÇÃO AO LONGO DA HISTÓRIA Lenir Luft Schmitz Mestranda em Educação pela Unijui e professora da FAI Faculdades RESUMO: Este esboço reflexivo procura delinear algumas considerações sobre os paradigmas do conhecimento que marcaram os percursos da aprendizagem humana, ao longo da história da civilização. Assim, podemos encontrar com os gregos e hebreus o entendimento de que a aquisição dos conhecimentos ocorre através de um “desvelamento” dos fatos e fenômenos que estão a nossa volta. O professor, nesta perspectiva, tem a função de expectador, animador e deverá fazer com que o aluno descubra as “verdades” sobre o mundo que o cerca. O advento da Revolução Industrial possibilitou o surgimento do Paradigma Moderno: a ciência e a técnica como soberanas do conhecimento. Consolidamos a instituição “escola” como o lugar de acesso aos conhecimentos históricos acumulados pela humanidade. Com o Paradigma Neomoderno, por sua vez, começamos a (re)pensar as funções do professor e do aluno: ambos precisam aprender a arte da intercomunicação, do com-viver e aprender com os outros. A educação começa a ser marcada pelas dúvidas e incertezas. Palavras-chaves: Paradigmas, conhecimento, escola, professor, aluno. ABSTRACT: This reflexive sketch tries to delineate some considerations on the paradigms of the knowledge that marked the courses of the human learning, along the history of the civilization. Through this, we can find with the Greeks and Hebrew the understanding that the acquisition of the knowledge happens through a “re-discovering” of the facts and phenomena that are around us. The teacher, in this perspective, has the expectant and exciting function, and he should do with that the student discovers the “truths” on the world that surrounds him. The coming of the Industrial Revolution made possible the appearance of the Modern Paradigm: the science and the technique as sovereigns of the knowledge. We consolidated the institution “school” as the access place to the accumulated historical knowledge for the humanity. With the Neo-modern Paradigm, for its time, we began the (re)think the teacher's and the student functions: both need to learn the art of the inter-communication, of the living-with and to learn with the other ones. The education begins to be marked by the doubts and uncertainties. Key-words: Paradigms, knowledge, school, teacher, student A Construção dos Paradigmas: Ao longo da história da civilização podemos perceber que o ser humano utilizou-se de sua inteligência racional para organizar a vida social. Compreender estes diferentes momentos do uso da razão humana é importante para constatarmos a influência da tradição cultural na construção e reconstrução de nossos referenciais, que também podem ser denominados de paradigmas. Paradigmas são os conceitos, crenças, normas e valores que são adquiridos pela vivência social e cultural e que nos impulsionam ou impedem de realizarmos determinadas ações. Para utilizarmos uma linguagem ilustrativa, poderíamos dizer que os paradigmas seriam uma espécie de bússola em contínua construção que serve para nos orientarmos em nossas opções e decisões. Esta bússola passa a ser (re)construída por cada um de nós, a partir das experiências sociais e culturais que vamos realizando. O que vai ser significativo em sua (re)construção passa a ser definido pela “força da tradição” ou pela nossa resistência aos referenciais culturais do passado, apontando inclusive para novas concepções e ideais. Considerar os aspectos históricos e culturais é importante, para compreendermos os referenciais que deram sustentação a cada paradigma. Faz-se necessário destacar, porém, que a crise de um determinado paradigma ou o surgimento de um novo não está relacionada a uma concepção de tempo e espaço cronológicos e sim pelo movimento e força da tradição ou da renovação da cultura. Dessa forma podemos introjetar crenças e atitudes que nos impulsionam a buscar as mudanças, quebrar paradigmas ou simplesmente reproduzi-los. É neste sentido que procuraremos esboçar esta reflexão, procurando analisar três grandes paradigmas que foram estudados por vários autores e pesquisadores a partir da análise da história do pensamento humano: Paradigma Ontológico do Saber, da Modernidade e da Neomodernidade. Paradigma Ontológico do Saber: descobrindo as essências “Se é correto que a verdade da fé cristã ultrapassa as capacidades da razão humana, nem por isso os princípios inatos naturalmente à razão podem estar em contradição com esta verdade sobrenatural” (São Tomás de Aquino) Basicamente podemos afirmar que este paradigma está fundado na experiência histórica de duas grandes tradições: a judaica e a grega. Com o povo hebreu aprendemos a escutar e acolher os caminhos propostos por um ser superior que criou tudo que aí está para que pudéssemos usufruir ao máximo. Para esta tradição, o ser humano deve buscar pela meditação, a luz divina para orientar seus passos, descobrir as melhores idéias e acertar em suas decisões. Já para a civilização grega o ser humano precisava descobrir a “luz do seu ser” aprendendo a conhecer, controlar e manipular a si próprio e ao mundo que está a sua volta, procurando perceber e identificar os fatos e fenômenos aí inscritos. Conhecer, nestas perspectivas, significa “desvelar” os fatos e fenômenos deste mundo que aí está. A verdade sobre a realidade é dada como fruto da revelação, de um ser que se descobre como capaz de apreender e desvendar os fatos e fenômenos. É preciso exercitar a contemplação, desvendar o “cosmos”, para aprender a usufruir este mudo natural e social que está a nossa volta. Os fenômenos e fatos são vistos como algo natural, frutos do acaso, do divino. Nossa educação escolar é fundante neste paradigma. Tal como no Mito da Caverna, idealizado por Platão, o professor acredita que ele, como adulto, já descobriu as “verdades” sobre o mundo, as pessoas, as idéias... e precisa em sua função de expectador e animador fazer com que o aluno descubra estes conhecimentos. O professor assume, assim, a condição de modelo e referência para seus alunos, que na categoria de aprendizes precisam imitar seu mestre para aprender. As capacidades do educando são inatas, dom especial do divino e para as quais é preciso reconhecimento e treinamento das habilidades, objetivando-se o desabrochar das aptidões e potencialidades. As dificuldades de aprendizagem são relacionadas aos problemas biológicos, que dificilmente podem ser resolvidos pela escola. A criança pequena precisa aprender com os adultos, mais velhos e experientes, esta capacidade de “desvelamento” do mundo. Ao longo da história podemos constatar que essa aprendizagem geralmente era realizada com as mães e outras mulheres designadas ao cuidado e educação dos infantes Havia uma diferenciação clara na educação dos meninos e meninas. Enquanto os primeiros eram educados para exercerem alguma profissão, as meninas eram encaminhadas para a função materna e doméstica. É interessante constatar que ainda hoje, em pleno século XXI, predominem resquícios dessa tradição, quando em sua grande maioria são as mulheres que atuam como professoras na educação infantil. Assim, o professor da educação infantil, baseado neste paradigma, concebe as suas crianças como inocentes e indefesas. É preciso que elas freqüentem a escola infantil para desabrocharem e desenvolverem suas habilidades e aptidões. Os meninos podem brincar de carrinho, jogar bola e exercitar suas habilidades físicas. Eles terão de se transformar em homens sérios e fortes e por isso não podem chorar. Já, para as meninas é exigida uma postura mais dócil e meiga. Elas devem brincar na casinha, com as bonecas,aprendendo a exercitar os papéis de mulher e mãe. A partir da Revolução Industrial temos uma mudança significativa nestes padrões de educação: as mulheres saem dos lares e começam a adentrar o mundo das fábricas. Começou a ocorrer a decadência do poder da Igreja, provocado pela ascensão da classe burguesa, o que possibilitou a percepção de que seria possível romper com o paradigma das essências e buscar um novo referencial, como veremos a seguir. Paradigma da Modernidade: objetividade, razão e ciência em ação. “Quem não quiser se equivocar deve construir sua hipótese derivada na experiência sensível, sobre um fato, e não supor um fato devido a essa hipótese”. (John Locke) O ser humano se descobre como alguém capaz de traçar o seu próprio destino. Ele mesmo começa a ser responsável pela sua história, pela sua vida, pelos rumos da sociedade. Se ele é pobre, rico, inteligente, habilidoso isso é mérito próprio. É preciso muito esforço intelectual para que este ser racional possa utilizar-se de um fantástico instrumento chamado “inteligência” ou “razão”. “A filosofia moderna descarta a possibilidade de que, quanto ao conhecimento, o homem não se apóie senão em si mesmo. Ou seja, no poder da razão. É do centro de si mesmo que o homem lança o olhar ao seu arredor, buscando novo horizonte da racionalidade” (VERZA, 1996, p. 31). Neste paradigma moderno buscamos romper com as crenças e tradições e, em nome desta razão, criamos a ciência e a técnica para satisfazer nossas necessidades humanas do “aqui e agora”. Objetivamos a busca contínua da nossa felicidade terrena, evitando a ociosidade e batalhando com persistência e disciplina para conseguir a satisfação material e pessoal. O grande desafio proposto para a escola é de estar realizando a apreensão crítica da realidade, tomando como referência o domínio da técnica e da ciência. “A razão humana deve reinar acima de tudo e acima de todos, déspota absoluta.” (SILVA, 2004, p. 294). Surge assim a hierarquização das áreas do conhecimento, privilegiando- se aquelas disciplinas tidas como exatas ou científicas nos currículos escolares. A escola passa a assumir um lugar de destaque: o da educação, lugar de acesso aos conhecimentos históricos acumulados pela humanidade. Começa-se a falar em projeto educativo com referenciais claros do que é ser um cidadão educado: “ordem e progresso”. O professor assume um papel importante de estimulador e transmissor do conhecimento, o que lhe confere certo “status”: uma enciclopédia, que já escreveu muitas páginas no livro da sua vida. Já o aluno é visto como uma folha em branco, alguém que precisa ir à escola para começar a treinar e memorizar, para escrever seu livro da vida, a partir da experimentação das técnicas e habilidades que irá vivenciar com seu mestre. O panorama da Revolução Industrial foi decisivo para a propagação dos locais destinados ao cuidado e educação das crianças pequenas, para que suas mães pudessem trabalhar nas indústrias. Assim, o professor infantil precisava ser capaz de acolher e educar estas infâncias abandonadas e carentes, satisfazendo suas necessidades de guarda, higiene e alimentação. Os filhos da classe média, geralmente meninos, por sua vez, tinham acesso a uma educação que estimulasse seu desenvolvimento cognitivo e moral. O que se percebe é que em ambos os casos o educador infantil assume uma postura bastante diretiva e autoritária. É preciso assegurar a seus educandos uma sólida preparação para que estes venham a se constituir nos bons cidadãos do amanhã. Os possíveis problemas de aprendizagem são originados pelo desvio da “rota”, da falta de maturação biológica ou do universo social. Há parâmetros claros do que é ser um cidadão educado. Têm-se critérios definidos para identificar o que é certo e o que é errado, sendo que o erro deve ser evitado a todo custo. Errar é sinônimo de fracasso, de insucesso. Mas o erro era inevitável e começamos a perceber que não éramos tão perfeitos. As mazelas da poluição ambiental, da destruição provocada pelas grandes guerras, o aumento da pobreza, da violência, nos fizeram perceber que, em nome do cientificismo, abocanhamos muitas de nossas perspectivas humanas. Começamos a adentrar para um novo paradigma: era necessário abraçar as dimensões sociais e intersubjetivas, que estavam falhas no paradigma da modernidade. Paradigma da Neomodernidade: o fenômeno da intercomunicação “É preciso substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que distingue e une”. (Edgar Morin) Começamos a perceber que não existe ser humano mais ou menos iluminado. Todos somos pobres mortais e ninguém possui bola de cristal para capturar as idéias ou prever as melhores ações. Todos podem cometer falhas e equívocos, inclusive o professor, o intelectual, o médico. Podemos agora, em um novo paradigma, crescer e aprender na (inter)ação com os outros. Somos seres inacabados, como nos diz Paulo Freire (1996) e por isso precisamos buscar a educação como um processo permanente. Começamos a aprender a importância da conversa, do diálogo e da interação com os outros nossos semelhantes/diferentes. Podemos assim, dividir nossas angústias, certezas e incertezas. Descobrimos que a técnica e a ciência não são tão neutras quanto se afirmava. Percebemos a multiplicidade de concepções, ideologias, crenças e valores familiares, sociais e culturais. A Educação começa a ser marcada pelas dúvidas e incertezas com relação a seu projeto educativo, pois já não possuímos mais aqueles critérios tidos como referenciais no paradigma anterior. Passamos a questionar e muitas vezes até confundimos os papéis da escola e da família, do professor e do aluno, o que é visível nos problemas relacionados à indisciplina na escola nos dias atuais. Fala-se em pluralidades educativas, em se trabalhar a partir da cotidianidade dos educandos, valorizando-se a heterogeneidade e a diversidade. Defende-se uma visão de educação pluralista, na qual “as aprendizagens significativas (...) são as que se orientam para novas competências comunicativas nos campos da cultura, da vida em sociedade e da expressão das personalidades libertas de qualquer amarra.” (MARQUES, 1993, p. 111) É preciso aprender a arte da intercomunicação, do com-viver, do trocar experiências e romper com a hierarquização das áreas do conhecimento humano. Começa-se a valorizar a arte, a poesia, a filosofia. Ampliam-se as possibilidades de trocar e enriquecer o nosso baú de vivências, a partir das múltiplas possibilidades que nos são dadas. Descobrimos nosso potencial humano: uma plasticidade cerebral incrível, que aliada a nossa capacidade de interação e comunicação com os outros nos possibilita avançar, crescer e buscar as transformações para nosso equilíbrio inter- e intrapessoal. O educador infantil procura realizar, nesta perspectiva, um trabalho educativo que respeita os ritmos, desejos e características próprias do pensamento infantil, reconhecendo a criança como uma interlocutora inteligente, que constrói argumentos e idéias, quando desafiada a resolver seus conflitos e tomar decisões. Para tanto, procura planejar e realizar atividades educativas que tenham sentido verdadeiro no universo cultural das crianças, para que elas possam ampliar seu repertório vivencial e construir sua independência e autonomia. O professor infantil precisa romper com as tradicionais formas de controle, manipulação e discriminação tão presentes no paradigma moderno, para buscar a construção de subjetividades criativas, inovadoras e singulares. O professor perde, neste novo paradigma, aquele espaço absoluto de detentor do conhecimento. As informações estão espalhadas por todos os lados: televisão, jornais, revistas, livros, internet, etc. A escola passa aassumir uma função muito mais complexa: o de instigar a educação de um sujeito integral. Passamos a perceber outras dimensões dos educandos: social, cognitiva, afetiva, física, emocional, etc. Surge assim um novo desafio: (re)construir o novo chão da escola. Buscar uma educação baseada nas incertezas, nas verdades relativas, no desafio de seduzir o aluno para querer aprender algo neste espaço educativo, quando, muitas vezes, o social lhe apresenta ocupações muito mais atraentes. A escola começa a rever continuamente seus métodos de ensino, apostando sempre numa educação voltada para as múltiplas linguagens, num espaço que permita a aprendizagem de todos, inclusive do professor. Na escola, na família, na sociedade todos precisam exercitar a arte da aprendizagem contínua: aprender, desaprender e reaprender. Diante da reflexão paradigmática realizada aqui, caberia questionar: Como nós professores podemos pensar e repensar continuamente nossos paradigmas? De que maneira podemos desafiar nossos alunos na construção de seus referencias - bússola simbólica? De que forma podemos estar ampliando nossos estudos e discussões sobre os paradigmas na educação e na sociedade? Afinal, é sempre bom lembrar que, diante desta era das incertezas, pode ser muito mais útil e adequado questionar, duvidar, modificar e até (re)construir nossos paradigmas do que simplesmente explicá-los ou referenciá-los. BIBLIOGRAFIA BOUFLEUER, José Pedro. Pedagogia da ação comunicativa: uma leitura de Habermas, Ijuí: UNIJUÍ, 1997 FENSTERSEIFER, Paulo Evaldo. A educação física na crise da modernidade. Ijuí: UNIJUÍ, 2001 (Coleção Educação Física) FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:Paz e Terra, 1996 MARQUES, Mario Osório. Conhecimento e modernidade em reconstrução. Ijuí: UNIJUÍ,1993 SILVA, Natalina Salete Botoncello da. A filosofia em todos os tempos. Xanxerê - SC: News Print, 2004. VERZA, Severino. Conhecimento e educação na renascença e no racionalismo cartesiano. Ijuí: UNIJUÍ, 1996 (Cadernos Unijuí, Série Educação)
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