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GALILEU_a proposta de uma nova ciência no Dialogo

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA – DCHF
CURSO: Filosofia
GALILEU: a proposta de uma nova ciência no Diálogo
 ------------------------------------------------------------------------------------------------------LUIZ TELMO DA SILVA AULER
Doutor em Filosofia Adjunto de UNIOESTE, Campus de Toledo
 O Diálogo sobre Dois Máximos Sistemas do Mundo, de Galileu, constitui uma obra bem mais ampla do que o título sugere. De fato,é possível vê-la como um decisivo confronto entre a ciência aristotélica e uma nova ciência defendida por Galileu, verdadeiro pano de fundo do embate entre os sistemas de Copérnico e Ptolomeu. Para mostrar que a concepção copernicana é superior à ptolomaica, Galileu compara as ciências que fundamentam cada um dos modelos. A verdadeira vitória, quer mostrar Galileu, é a da ciência matemática, aberta ao conhecimento empírico, que se mostrará superior à ciência aristotélica tanto nas demonstrações como na conformidade com as observações sensíveis. O que cai em ruínas são antes os alicerces do modelo geocêntrico, metafísicos, enquanto que o heliocêntrico se harmoniza com os princípios da nova ciência: homogeneidade e simplicidade. Entretanto, seria muito precipitado crer que da sua antecessora a nova ciência só guardou antagonismos. O próprio Galileu tanto defenderá Aristóteles da autoridade que os peripatéticos lhe conferem, como também se alinhará com alguns princípios aristotélicos como o do mundo ordenado. Esse é um exemplo do que talvez seja um dos aspectos mais interessantes da obra científica, quando surgem, ainda guardam vínculos com as concepções que lhes antecedem. Sob a perspectiva privilegiada de três séculos e meio decorridos, o 
Diálogo nos permite resgatar este momento singular e refletir sobre as origens da ciência moderna e o próprio processo de evolução da ciência. 
	 A reformalização pela qual a ciência passaria nos séculos XVI e XVII implicou uma ruptura com algumas características da ciência clássica. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que uma fundamentação metafísica só permitia predições qualitativas, o que tornava impossível provar que algum paradigma era superior a outro; somente a autoridade e o dogma são eficazes para tal. Assim, ainda que a ciência de Aristóteles se tenha imposto, nunca efetivamente anulou as ideias concorrentes, que, é preciso reconhecer, permaneceram correntes menores diante da magnitude e da abrangência da obra do “grande filósofo”. Numa ciência essencialmente qualitativa, a observação empírica tinha um papel limitado, inexistindo a experimentação como teste das teorias (cf.DIJKSTERHUIS, 1986). De fato, podemos dizer que a ciência dos antigos não exibia nenhum sinal de progresso, era um conhecimento acabado de seus fundamentos às suas consequências. Ora, dirão alguns, mas Ptolomeu representou um enorme avanço nas predições astronômicas com seu modelo. Na realidade não representou avanço algum, pois a ciência antiga só permitia confirmar-se. A contribuição de Ptolomeu deve ser entendida como uma melhoria nas previsões astronômicas por meio de um modelo matemático extremamente complexo. A matemática em Ptolomeu cumpria o papel do “salvar as aparências” dentro da ciência antiga, ou seja, seu objetivo era confirmar uma concepção cosmológica. Se houve progresso no instrumento de cálculo, o mesmo não ocorreu quanto ao conhecimento. Portanto, a ciência aristotélica de base metafísica era estacionária no conhecimento, pois a experiência quantitativa era desnecessária na medida em que as previsões eram apenas qualitativas, e à matemática cumpria encontrar o acordo com as observações astronômicas.
	A primeira jornada do Diálogo é dedicada à comparação entre a nova ciência e a aristotélica. Não se discute Ptolomeu ou Copérnico. O primeiro assunto debatido é a prova da tridimensionalidade do mundo e Simplício defensor do aristotelismo, expõe primeiro questionando: “ E isso não está confirmado pela autoridade e pela doutrina dos pitagóricos, que dizem que todas as coisas são determinadas pelos três, princípio meio e fim, que é o número do todo?”(GALILEU,2001,[34]).”Ao apriorismo encontrado no argumento peripatético, Salviati, porta-voz de Galileu, contrapõe uma demonstração geométrica. Esta prova matemática tem papel exemplar.De um lado mostra que “demonstrações necessárias”não deixam espaço para contradições, portanto, são superiores, e, por outro lado, há a ideia fundamental de que a natureza se faz entender através da matemática. Para o propósito maior de Galileu, este primeiro confronto já evidencia o novo papel reservado à matemática na ciência: não será mais o de fornecer previsões numéricas, mas seus modelos e demonstrações permitirão entender como funciona a natureza. Através de Salviati, Galileu afirma:
[...] que o intelecto humano entende algumas coisas tão perfeitamente que tem delas uma certeza tão absoluta, quanto em delas a própria natureza; e tais são as ciências matemáticas puras,ou seja a geometria e a aritmética,das quais o intelecto divino sabe infinitas proposições a mais, porque as conhece todas, mas daquelas poucas entendias polo intelecto humano acredito que a cognição iguala-se à divina na certeza objetiva, porque chega a conhecer a necessidade, para além da qual não parece existir certeza maior (GALILEU,2001.[128-129]).
	Na medida em que demonstrações necessárias são conhecidas, “não parece existir certeza maior”; portanto, a demonstração geométrica da tridimensionalidade do mundo permite ao homem um entendimento perfeito e absoluto da natureza! Na nova ciência, a matemática tem um papel de revelar “a certeza absoluta”. 
	Ao lado da fundamentação matemática, na primeira jornada, Galileu procurará mostrar o valor e a importância da cuidadosa observação empírica. As pormenorizadas exposições de Salviati sobre as manchas solares e a Lua novamente cumprem duplo papel, a um só tempo ilustram como a observação empírica é fonte de conhecimento e põem em cheque as teses aristocráticas. Em ambas as matérias, o telescópio intercede como instrumento capaz de aguçar os sentidos. A incorruptibilidade dos corpos celestes proposta por Aristóteles, nos quais não aconteceriam nem geração nem mutação, está em completo desacordo com as observações das manchas solares, pois “[...] muitas destas manchas vêem-se nascerem no meio do disco solar e muitas,igualmente,dissolveram-se e desapareceram também longe da circunferência do Sol; argumento necessário de que se geram e se dissolvem [...]”GALILEU,2001,[79]). No lugar da luminosidade própria dos corpos celestes,percebe-se da Lua que”[...] ela é, como a Terra, por si mesma obscura e opaca [...]”,possuindo “[...] muitas elevações e depressões [...] em tudo e por tudo similares a nossas mais ásperas e escarpadas montanhas [...]”(GALILEU, 2001, [87-88]).O desacordo entre as previsões da doutrina aristotélica e as observações é completo, mas Galileu isenta Aristóteles da autoridade que lhe investem seus seguidores ao dizer que, se ele”[...]vivesse em nossa época, mudaria de opinião”.
 	Um ponto fundamental que Galileu confrontará na concepção aristotélica, ainda na primeira jornada, é a teoria do movimento, que Hall (l981) considera o tema central do Diálogo. Na ciência de Aristóteles, o movimento é próprio da substância que compõe o objeto, definindo a essência e o lugar natural destas substâncias. Dessa forma, na natureza (“princípio de movimento”), distinguem-se os movimentos retilíneo e circular como sendo simples “[...] porque de todas as linhas, somente a circular e a reta são simples”,enquanto que outros movimentos são mistos dos simples.
	Na medida em que o movimento é próprio do corpo, movimentos simples caracterizam os corpos simples. Assim, um corpo celeste possui movimento circular, perfeito como a substância celeste; enquanto o movimento retilíneo é próprio das substâncias naturais como o fogo e a terra. Portanto, é com base no movimento que Aristótelesordenará o mundo em uma parte supralunar, celeste, e outra sublunar, terrestre. Nas palavras de Salviati:
Esta é a primeira pedra, base e fundamento de todo o edifício do mundo aristocrático ,sobre a qual se apóiam todas as outras propriedades de não pesado e leve, de não gerável, de incorruptível e isento de qualquer mutação, exceto a local,etc.: e todas estas características afirma ele serem próprias do corpo simples e móvel com movimento circular; e atribui as condições contrárias de peso, leveza, corruptibilidade etc. aos corpos naturalmente móveis com movimentos retilíneos. Se de algum modo ,no que foi estabelecido até aqui, descobrir-se uma deficiência, poder-se-á razoavelmente duvidar de todo o restante, que sobre isso for construído.(GALILEU,2001,[42])
	A mesma fundamentação que ordena o mundo aristotélico é a justificativa principal do modelo ptolomaico. A estratégia de Galileu é mostrar que a teoria do movimento aristotélica é insustentável, destruindo o alicerce do modelo ptolomaico.
	Galileu parece bastante consciente de que a principal justificativa do modelo copernicano é mais o fracasso geral da doutrina aristotélica, do que as evidências a favor de Copérnico. Contudo, mesmo se não considerarmos a matemática como uma perspectiva totalmente nova para fundamentar a ciência, Galileu apresentará novas ideias no Diálogo, ainda que apenas germes que viriam a florescer completamente na monumental obra Newton. Ao mesmo tempo em que o antigo quadro teórico se mostra irreconciliável com as evidências observáveis, não há ainda uma nova teoria complementar madura e independente, que substitua a sua antecessora. O modelo de Copérnico não pode ser visto como se ele fosse em si mesmo uma nova teoria que substituísse tanto o modelo de Ptolomeu e a doutrina aristotélica, mas não é ainda a solução. Tampouco Galileu logrou êxito, mas abriu um caminho que levaria, finalmente, a uma concepção inteiramente nova para a ciência.
	Antes de questionar a teoria aristotélica do movimento, Galileu deixa claro que preservará o princípio da ordem do mundo. Através de Salviati, Galileu admite concordar com Aristóteles “[...] que o mundo seja um corpo dotado de todas as dimensões, e por isso mesmo, perfeitíssimo; e acrescento que como tal é necessariamente ordenadíssimo, ou seja, formado de partes dispostas entre si com máxima e perfeitíssima ordem”(GALILEU,2001, [43]). O princípio do mundo ordenado não é a única herança antiga no pensamento de Galileu; a forma de derivar suas consequências em nada difere do que faria Aristóteles e seus seguidores. De fato, para mostrar que a teoria do movimento de Aristóteles é falsa, Galileu se utiliza dos próprios princípios da antiga ciência,exemplificando que um paradigma já nasce com seus pontos fracos expostos, como ressaltou Kuhn (1973). Diz Salviati:
Pois aquilo que se move com movimento reto,muda de lugar e, continuando a mover-se, afasta-se sempre mais do ponto de partida e de todos os outros lugares pelos quais vai sucessivamente passando; e se tal movimento naturalmente lhe convém, então desde o início ele estava em seu lugar natural, e dessa forma, as partes do mundo não estavam dispostas em perfeita ordem; mas supusemos que aquelas estavam perfeitamente ordenadas; portanto, é impossível que como tal elas tenham por natureza a propriedade de mudar de lugar e consequentemente de mover-se com movimento reto (GALILEU,2001, [43]).
	O raciocínio de Galileu é claro. A ordem do mundo implica o conceito de lugar natural, e o movimento reto não comporta lugares naturais, portanto, ele é incompatível com o princípio do mundo ordenado, não devendo existir na natureza tais movimentos. Na realidade, como ressalta Mariconda (GALILEU,2001, nota 21 da 1ª.jornada), a argumentação de que o movimento reto traria desordem ao mundo já havia sido defendida por Copérnico no Revolutionibus. Para Aristóteles, o deslocamento retilíneo ocorre justamente quando os elementos retornam a seu lugar natural, após terem sido arrancados dele. No mundo aristotélico havia, assim, um lugar privilegiado, o centro do mundo, em repouso, ocupado pela Terra; de modo que movimentos retilíneos para o centro, e para fora, eram não só possíveis como necessários para manter a ordem do mundo. O raciocínio de Galileu é antigo (e não matemático), mas inclui um novo princípio, o da homogeneidade do mundo, em oposição ao mundo hierárquico e heterogêneo do pensamento aristotélico. 
	Entretanto, Galileu apresentará um outro argumento, na realidade uma consideração matemática (não uma demonstração), para a impossibilidade do movimento reto. A nova objeção de Galileu ao movimento reto tem como fundamento a rejeição dos movimentos infinitos (em extensão) e indeterminados. Na sequencia da citação anterior continua Salviati:
Além disso, sendo o movimento reto por natureza infinito, porque infinita e indeterminada é a linha reta, é impossível que móvel algum tenha por natureza o princípio de mover-se pela linha reta, ou seja, para onde é impossível chegar, inexistindo um término predeterminado. E a natureza, como afirma Aristóteles, não se propõe fazer o que não pode ser feito,nem empreende o movimento para onde é impossível chegar (GALILEU, 2001,[43])
	Curioso notar como Galileu, ao permitir que o movimento retilíneo fosse geral, abolindo o centro do mundo e os movimentos radiais de Aristóteles, acaba por concluir que estes movimentos não são possíveis na Natureza. Por conta disso, na segunda jornada, ele propõe explicar os movimentos aparentemente retilíneos de queda dos corpos como composição de movimentos circulares. Porém, Galileu não deixaria de considerar o movimento reto em seu pensamento científico, pois uma ideia capital de sua ciência é que “ [...] a natureza, para conferir a um móvel, que antes estava em repouso, uma determinada velocidade, faz que ela se mova por algum espaço com um movimento reto” (GALILEU, 2001, [45]). Essa aparente contradição encerra o núcleo da ciência galileliana: a convicção tanto no princípio da ordem, de origem clássica, como no da homogeneidade, e uma original percepção física do movimento retilíneo como uma fração de um movimento qualquer (de fato circular para Galileu). [...] Galileu compreendeu movimentos retilíneos, mas conciliou-os com uma cosmologia e uma matemática de raízes antigas, ou seja, um mundo ordenado segundo a geometria euclidiana, ainda que finito, portanto onde só há movimentos circulares. À heterogeneidade dos movimentos do mundo aristotélicos, Galileu propõe uma homogeneidade de movimentos circulares.
	Um dos trechos onde a conciliação que Galileu se impõe fica mais evidente é quando Salviati explica como é o movimento de um móvel abandonado sobre um plano inclinado: 
 Podemos, portanto, concluir que, se é verdade que, segundo o curso ordinário da natureza, um móvel, removidos todos os impedimentos externos e acidentais, move-se sobre planos inclinados com sempre maior lentidão à medida que a inclinação é menor, de modo que finalmente a lentidão chega a ser infinita, o que acontece quando acaba a inclinação e chega-se ao plano horizontal [...] de modo que no plano horizontal jamais adquirirá naturalmente velocidade alguma, visto que o móvel jamais aí se moverá(GALILEU,2001,[53]).
	No fragmento acima, primeiro nos chama atenção que o conceito de repouso é revisto como sendo aquele no qual, não havendo aquisição de velocidade, não há movimento, muito diferente do repouso absoluto de física aristotélico que remete ao estado do corpo em seu lugar natural. Porém, a referência ao plano horizontal é a mais significativa, pois remete a inércia linear, e não há dúvida de que Galileu chega até esse ponto analisando movimentos retos. Contudo, como já ressaltamos, para Galileu as objeções ao movimento retilíneo são inúmeras, conflitando com sua concepção cosmológica, na qual o movimento retilíneo é impossível. Na ciência de Galileu, o movimento uniforme acontece no plano horizontal, e havendo razões suficientes para crer que os movimentos dosplanetas eram também uniformes.Como entre a ciência de Galileu e a cosmologia copernicana não poderia haver uma conciliação plausível. Assim, concluirá Salviati: “Mas o movimento pela horizontal, que não é declive nem aclive, é movimento circular em torno do centro: o movimento circular, portanto, nunca será adquirido naturalmente sem o precedente movimento reto, mas uma vez adquirido, ele continuará perpetuamente com velocidade uniforme”(GALILEU,2001,[...]).
	Ao leitor moderno a saída de Galileu parecerá sempre absurda, pois do plano horizontal à circunferência não há sentido. Como poderia haver sentido para Galileu? A resposta não pode deixar de ser especulativa, mas a justificativa estaria em “que não é declive nem aclive”. Para Galileu, a gravidade é uma propriedade homogênea dos corpos. Assim, sobre um plano tangente à superfície da Terra, um móvel sempre tenderia para o ponto de contato como se estivesse num declive! Porém, para um plano real essa tendência seria mínima e imperceptível, pois, uma vez que o raio Terra é muito grande, a tangente se confunde com o arco do círculo, bastando um acidente mínimo para que o móvel permaneça imóvel sobre o plano. Em resumo, é provável que Galileu tenha considerado que, num plano horizontal tangente à Terra, o móvel jamais poderia realizar um movimento uniforme. Por outro lado, não haveria impedimento algum para que o movimento uniforme acontecesse sobre o círculo, sobre o qual não há aclive nem declive. Na linha desse raciocínio, não seria incorreto afirmar que a inércia é forçada a ser circular por causa da gravidade. Se Galileu pensou dessa forma, infelizmente, jamais saberemos. Entretanto, é certo que Galileu, com sua extraordinária intuição física, não era dado a especular sobre aquilo que sua intuição dizia ser impossível.Para chegar à inércia retilínea era preciso supor uma gravidade homogênea no espaço, quando é para o centro da Terra que os graves tende, e Galileu dificilmente consideraria uma Terra de raio infinito, ou um mundo sem Terra, ou ainda sem gravidade, como destacou Kayré (l992). Definitivamente, talvez Galileu, apesar de tão próximo da inércia retilínea, nunca considerou outra inércia que a circular, coerente com sua ciência, intuição e visão cosmológica. Não obstante, o caminho do pensamento para a inércia estava aberto e clareado para seus sucessores, que nunca deixaram de lhe ser reconhecidos por isso.
	Mesmo sendo verdade que Galileu atribuía ao movimento circular o privilégio de ser o único possível na Natureza, a justificativa não é a mesma de Aristóteles. Já vimos que, enquanto este considerava o círculo a figura perfeita. Galileu invoca o princípio da ordem para fundamentar sua concepção. Os movimentos retilíneos, somente observados sobre a Terra, foram reinterpretados por Galileu como composição de movimentos circulares de raio muito grande eliminando o privilégio da Terra no mundo. De todo modo, resta que o círculo, na natureza, tem um papel especial cuja origem está na matemática, Galileu diferente de Aristóteles percorre o mesmo espaço. Mais uma vez não é possível escapar do campo especulativo, mas, na ciência matemática de Galileu , assim como na de Kepler (especialmente de Mysterium Cosmographicum, de 1597), há uma fonte inspiradora marcante que é a geometria de Euclides, na qual círculos e esferas têm papel dominante. Coube a Kepler o grande salto desafiador de buscar inspiração numa matemática além de Euclides para chegar na elipse (Astronomia Nova, publicada em 1609). Por outro lado, talvez Galileu tenha se mantido sempre fiel à geometria clássica, preservando o círculo como movimento privilegiado. Apesar disso, seu engenho foi capaz de desenvolver a ciência do movimento, compor movimentos retilíneos e chegar ao movimento parabólico dos projéteis nos discursos e Demonstrações Matemáticas em Torno de Duas Novas Ciências (1638).
	O projeto de Galileu com o Diálogo marca um período de transição no qual diversas concepções científicas e cosmológicas foram propostas quase simultaneamente também por Descartes e Kepler. Todos estes discordavam entre si, e todos tiveram suas visões cosmológicas superadas, mas guardavam em comum a característica de um universo homogêneo, cuja dinâmica era matematicamente explicável. De parte de Galileu, sua contribuição mais singular foi a Intuição de universo onde a inércia e a gravidade exerciam papéis dominantes. Isto torna o legado científico de Galileu mais profundo, e mais relevante, do que a solução de que ele deu aos movimentos de queda dos corpos e dos projéteis. Com a aguda perspicácia e intuição, ele explorou os limites do movimento uniforme, o que o levou a perceber que este só poderia ser retilíneo num universo onde gravidade estivesse ausente. Neste ponto recuou e concluiu, equivocadamente, que o movimento uniforme só poderia ser circular. De todo modo, no Diálogo, através de “indelével” movimento (“ é como se ele não fosse”). Galileu conduziu o pensamento científico até este ponto crucial da ciência. Foi um guia admirável!
Luiz Telmo da Silva Auler 
		
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