Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
nã o d ist rib uir Princípios de Sistemática e Biogeografia – Capítulo 5: Enraizamento, otimização e caracteres multiestado 1� Capítulo 5 Enraizamento, otimização e caracteres multiestado Enraizamento Até o momento, temos visto dendrogramas chamados enraizados. Como o nome diz, estes são diagramas em que há um ponto a partir do qual todos os ramos se originam, chamado raiz. A raiz fornece uma direcionalidade às árvores que implica em muitos dos conceitos discutidos anteriormente. Agora iremos nos ater a dendrogramas que carecem de raiz. Tais são chamados simplesmente árvores não-enraizadas, ou diagramas não-enraizados. O aspecto geral destas árvores foi mostrado no Capítulo 3 (Figura 3.1). Basicamente eles se assemelham aos cladogramas enraizados, mas não possuem nenhum ponto que possa ser considerado como a origem dos ramos. Apesar desta aparentemente pequena diferença conceitual, os diagramas não-enraizados (chamados no restante desta seção de DNE) são profundamente distintos das árvores enraizadas vistas até o momento. Figura 5.1. A. Diagrama não enraizado (DNE) para 6 terminais (A-F). B. Mesmo diagrama enraizado em “A”. C. Mesmo diagrama enraizado em “C”. Para melhor compreender tais distinções, é apropriado que primeiramente revisemos alguns pontos relativos ao exato papel da raiz em árvores enraizadas. A raiz fornece uma noção de direcionalidade em um dendrograma. Esta direcionalidade implica na ordenação temporal da estrutura ramificada, o que significa que algumas cladogêneses precederam a outras no tempo. Considere o diagrama na Figura 5.1A. Esse diagrama possui 6 terminais e 4 nós internos (1-4). Esses nós representam dicotomias entre as linhagens, ou eventos de cladogênese cuja a seqüência temporal de eventos não pode ser inferida. A inserção da raiz no terminal “A” (Figura 5.1B) revela de imediato a propriedade de direcionalidade que havíamos descrito acima. Desta forma, esse enraizamento nos permite identificar que o evento de cladogênese 2 é ulterior ao evento 1 e precede o evento 3 e 4 (Figura 5.1B). Note que a inserção da raiz em outro ponto do DNE, por exemplo terminal “C” (Figura 5.1C), implica em outra seqüência de eventos de cladogênese. Nesse caso, os eventos 1 e 3 são ulteriores ao evento 2 e o evento 3 precede o evento 4 (Figura 5.1C). Devemos acrescentar que, ainda neste mesmo cladograma, não se pode inferir a seqüência relativa entre os eventos 1, 3 e 4. Para esses eventos só podemos inferir que ocorreram após o evento 2, nã o d ist rib uir Princípios de Sistemática e Biogeografia – Capítulo 5: Enraizamento, otimização e caracteres multiestado 2� nada mais (Figura 5.1C). A direcionalidade proporcionada por uma raiz ainda nos fornece também a noção de grupos. Em DNE a única noção que temos é a de adjacência, ou seja, no exemplo acima podemos inferir que o terminal “A” é adjacente a “B”, que “E” é adjacente a “F”, que “C” é adjacente a (AB) e assim por diante. Essa noção de adjacência nos permite reconhecer quais grupos não poderiam ser monofiléticos – {ABF} por exemplo, mas não permite o reconhecimento de grupos monofiléticos (Figura 5.1A). Considere por exemplo os terminais C, D, E e F na Figura 5.1A. Embora todos esses terminais estejam interligados pelo nó 2, a posição da raiz afeta a monofilia deste grupo (Figura 5.1B, C). Desta forma, na Figura 5.1B o grupo {CDEF} é monofilético ao passo que na Figura 5.1C esse grupo seria considerado parafilético. É fácil observar que dependendo do local de enraizamento, teremos grupos monofiléticos completamente diferentes a partir de um mesmo DNE. Qualquer agrupamento de terminais em um DNE pode ser não-monofilético. Para esclarecer ainda mais este último ponto, é interessante observar o procedimento de enraizamento de um ponto de vista puramente topológico. Enraizar um diagrama em um ponto determinado é um procedimento relativamente simples. O ponto de enraizamento será aquele de onde todos os outros ramos do cladograma se originam. Dependendo da complexidade do diagrama em questão, o enraizamento pode se tornar um exercício interessante de raciocínio espacial. Se a raiz for designada em um nó já existente no diagrama não-enraizado (Figura 5.2A, B), o que se faz é girar todos os ramos para um lado daquele nó (convencionalmente, para cima), deixando-o na parte mais inferior da árvore. O enraizamento nesta posição invariavelmente gera uma politomina no nó da raiz (Figura 5.2B). Em alguns casos, a raiz é um nó novo (i.e., não existente no diagrama não- enraizado) que será inserido no meio de algum ramo do DNE. Neste caso, primeiramente se insere o nó-raiz, e depois segue-se o mesmo procedimento descrito acima (Figura 5.2C). Nesse caso a inserção da raiz não adiciona nenhuma politomina no cladograma. Figura 5.2. A. Diagrama não enraizado (DNE) para 6 terminais (A-F); 1-3, possíveis pontos de inserção da raiz nos nós do DNE; a-g, possíveis pontos de inserção da raiz nos ramos do DNE. B. Mesmo diagrama enraizado em no nó 3. C. Mesmo diagrama enraizado em no ramo g. Outra característica da raiz e o fato de que seu posicionamento não influi no número de passos para transformações simétricas, ou seja quando o custo é o mesmo independente da direção da transformação (0 → 1 = 1 → 0, Figura 5.3A, B). Note que na Figura 5.3A, há 5 transformações e o enraizamento foi efetuado usando (AB). Quando a raiz é colocada em E, o número de transformações permanece o mesmo (Figura 5.3B). No entanto, note que esses dois cladogramas explicam de maneira diferente a evolução do caráter 4. Na Figura nã o d ist rib uir Princípios de Sistemática e Biogeografia – Capítulo 5: Enraizamento, otimização e caracteres multiestado 3� 5.2A, assume-se convergência ao passo que na Figura 5.3B assume-se reversão no terminal B. Finalmente, vale ressaltar que se tirássemos a raiz de qualquer uma dessas topologias, o diagrama não enraizado para os terminais A-E também teria 5 passos. Essa propriedade é muito interessante para a cladística computacional, pois o número de topologias possíveis – de depende exclusivamente no número de terminais (n), aumenta exponencialmente na ordem de (2n-5)!/2n-3(n-3)! por terminais ao passo que para DNEs esse incremento seria de (2n-3)!/2n-2(n-2)!. Por exemplo, para 10 terminais poderíamos ter ~34,5 x 106 cladogramas possíveis enquanto teríamos ~2 x 106 DNEs. Como a raiz não influi no número de passos, computadores simplesmente exploram DNEs e posteriormente enraizam o cladograma usando o terminal, ou os terminais, considerados como membros do grupo externo. Isso desmistifica a noção de que é preciso definir apomorfias antes da construção de cladogramas. Ao contrário de computadores, nosso cérebro funciona melhor iniciando a construção de um cladograma enraizado. Figura 5.3A-B. Dois cladogramas enraizados em pontos diferentes (pontos em vermelho). Note que o número de transformações permanece o mesmo. Otimização de caracteres Até agora nós temos plotados os caracteres de maneira informal e discutimos que caracteres homoplásticos podem ser distribuídos em um cladograma de maneira diferente implicando em convergências e reversões. Agora iremos abordar esse tópico de maneira um pouco mais formal. Otimizar caracteres significa assinalarestados de caracteres para cada nó – ancestral hipotético - de uma determinada topologia. A otimização de caracteres permite identificar precisamente onde e como as transformações ocorreram em um cladograma e pode ser útil para se entender evolução de caracteres. Existem dois tipos básicos de otimização ACCTRAN e DELTRAN. ACCTRAN, derivada de accelerated transformation, ou otimização de Farris (Farris, 1970), é o procedimento no qual as transformações são aceleradas na topologia, ou seja ocorrem o mais breve possível na topologia. Isso implica que esse tipo de otimização favorece eventos de reversão ao invés de paralelismo quando os dois cenários são igualmente parcimoniosos. No caso de DELTRAN, derivada de delayed transformation, ou otimização de Finch (Finch, 1971), o cenário é o oposto de ACCTRAN, ou seja, as transformações são atrasadas o máximo possível no cladograma favorecendo eventos de paralelismo (=convergência) ao invés de reversão quando os dois cenários são igualmente parcimoniosos. É importante lembrar que ambas otimizações operam sob a premissa de que o número de transformações é o mais parcimonioso para a topologia e independente do protocolo de otimização adotado, o número de passos será o menor possível e a escolha não interfere no nã o d ist rib uir Princípios de Sistemática e Biogeografia – Capítulo 5: Enraizamento, otimização e caracteres multiestado 4� comprimento total do cladograma. Iremos apresentar o algoritmo de Farris (1970) em séries de transformação binárias para dar uma idéia de como isso funciona. Porém, independente do tipo de otimização escolhida, seja ela ACCTRAN ou DELTRAN, esses métodos incluem duas etapas: passo descendente (down pass) e passo ascendente (up pass). Durante esses passos á uma série de regras (Figura 5.4): Passo descendente: Atribua os estados aos nós (ancestrais hipotéticos) começando dos terminais e caminhando em direção ao nó da topologia obedecendo as seguintes regras (Figura 5.4A): Regra #1: Se ambos terminais possuem estados de caráter idênticos, assinale o nó com esse estado. Regra #2: Se eles possuem estados de caráter diferentes, assinale ambos estados ao nó (e.g., nós k e m na Figura 5.4A). Regra #3: Se um táxon (terminal ou ancestral) possui um único estado de caráter (e.g., 0) e o outro possui ambos estados ( e.g., 0,1), assinale ao nó comum a esses terminais o estado majoritário (e.g., nós l e n na Figura 5.4A). Se ambos estados são igualmente comuns (o que é possível em politomias) assinale ambos ao nó. Figura 5.4. Algoritmo de otimização de Farris (ACCATRAN). A. Passo descendente. B. Passo ascendente. Passo descendente: Atribua os estados aos nós (ancestrais hipotéticos) começando do nó posterior ao da raiz e caminhando em direção aos terminais da topologia obedecendo as seguintes regras (Figura 5.4B): Regra #4: Se o estado assinalado ao nó na etapa anterior é 0,1, então assinale o estado encontrado no nó imediatamente abaixo a este (e.g., nós m e q na Figura 5.4B). Regra #5: Se o estado assinalado ao nó na etapa anterior é 0 ou 1, então não mude, mesmo que o nó anterior seja diferente. nã o d ist rib uir Princípios de Sistemática e Biogeografia – Capítulo 5: Enraizamento, otimização e caracteres multiestado 5� Figura 5.5. Algoritmo de otimização de Finch (DELTRAN). A-C. Passo descendente estimando os estados para cada nó de interesse após o re-enraizamento. D. Nós assinalados.. O algoritmo de DELTRAN é uma versão modificada da que vimos anteriormente (Figura 5.5A-D). Os passos descendentes obedecem às mesma regras de ACCTRAN, porém a estimativa de cada nó é efetuada após o enraizamento da topologia no nó de interesse (Figura 5.5A-C). Após esse procedimento, volta-se ao enraizamento original (Figura 5.5D) e aplica-se as regras #4 e #5 do algoritmo de otimização ACCTRAN. Como exposto anteriormente, DELTRAN favorece eventos de paralelismo e nesse caso particular, Figura 5.5D, assumiríamos a origem independente do estado “1” nos terminais B e C. Multiestados A maior parte dos caracteres contêm apenas dois estados, ou seja, uma única transformação. Estes são chamados caracteres dois-estados ou binários, como discutimos anteriormente. Neste caso, os dois estados podem ser conectados apenas de uma maneira. A polarização irá permitir determinar qual estado é apomórfico e qual é plesiomórfico. A célula de informação contida em um caráter é a chamada transformação. Uma transformação nada mais é que a passagem de um estado a outro de um mesmo caráter. O número de transformações de um caráter é igual ao número de seus estados menos um. Destra forma, um caráter com estados 0-1-2-3-4 contém 5 estados e 4 transformações, representadas pelos traços que conectam os estados. Não existe caráter com um único estado, pois neste caso não há nenhuma transformação e logo nenhuma informação comparativa. Todo caráter potencialmente informativo tem pelo menos uma transformação. nã o d ist rib uir Princípios de Sistemática e Biogeografia – Capítulo 5: Enraizamento, otimização e caracteres multiestado 6� Figura 5.6. A-F. Cinco transformações ordenadas. Muitos caracteres podem ser subdivididos em mais de dois estados, e portanto apresentam mais de uma transformação possível. Estes são os chamados caracteres multiestados. Ao contrário dos caracteres dois-estados, os estados dos multiestados podem ser conectados de várias maneiras diferentes. O modo particular de conexão entre os vários estados de um caráter multiestado é chamada a ordenação do caráter. É importante observar que a ordenação de um caráter é um procedimento diferente da polarização. A ordenação simplesmente estabelece quantos passos são efetuados ao se passar de um determinado estado a outro. Por exemplo, na Figura 5.6A, considerando a ordenação deste caráter em particular, sabemos que ao se passar do estado 0 ao estado 3 temos um custo de 3 passos. Do estado 2 a 4 teremos 2 passos e assim por diante. O número de passos é simplesmente o número de transformações que teremos ao passar de um estado ao outro na seqüência determinada pela série de transformação. Se a série de transformação de um outro caráter fosse aquela representada na Figura 5.6B, então a passagem do estado 0 ao 3 exigiria apenas 2 passos, enquanto que aquela de 2 a 4 envolveria um único passo. Observem que em um caráter ordenado, a direção da transformação não tem nenhuma implicação sobre o número de passos necessários. Nas séries das Figura 5.6A,B, as passagens de 0 a 3 e de 2 a 4 requerem o mesmo número de passos que de 3 a 0 e 4 a 2, respectivamente, pois se tratam de transformações simétricas. O que importa, em termos de número de passos, é a conexão entre os estados determinada pela ordenação dos estados previamente estabelecidas. As implicações desta ordenação, em termos de números de passos para transformações entre os vários estados, são independentes da direcionalidade. A conclusão, portanto, é de que a ordenação é um procedimento independente da direcionalidade da transformação entre os estados, ou seja, de polaridade. Os exemplos anteriores tem os caracteres multiestados ordenados de forma que os estados se sucedem em uma linha única. Estes são chamados caracteres multiestados nã o d ist ribuir Princípios de Sistemática e Biogeografia – Capítulo 5: Enraizamento, otimização e caracteres multiestado 7� lineares. Esta não e a única forma pela qual os estados podem estar ligados. Também e possível que os estados estejam unidos de forma que haja mais de uma linha de sucessão. Estes são os chamados caracteres multiestados ramificados ou não-lineares, como por exemplo mostrados na Figura 5.6D-F. Não existem restrições as possibilidades de ordenação dos estados de um caráter, e configurações como aquelas mostradas na Figura 5.6D-F., são todas possíveis. Codificação Binária Aditiva Uma das melhores maneiras de se apreender a lógica de um caráter multiestado e através de um procedimento chamado codificação ninaria aditiva. Este procedimento permite que a informação contida em um caráter multiestado ordenado seja expressa através de uma seqüência de caracteres binários. Conforme se discutiu acima, a informação sobre relações potencialmente contida em um caráter esta inclusa nas suas transformações. Cada transformação implica diretamente em uma hipótese de relações entre os terminais de um problema. Desta forma, pode-se dizer que quanto mais estados (e conseqüentemente transformações) possui um caráter, mais potencialmente informativo ele vem a ser. A codificação ninaria aditiva permite expressar cada informação de um caráter multiestado por meio de um caráter binário. Para compreender como isso acontece, deve-se primeiramente entender-se as relações existentes entre estados de um caráter Quando se tem um caráter ordenado e polarizado como 0→1→2→3, o que queremos dizer e que o estado 3 é uma forma modificada de 2, que por sua vez é uma modificação de 1, que finalmente é uma modificação de 0. Conseqüentemente, podemos dizer que os terminais que exibem o estado 3 também apresentam o estado 2 (já que 3 é uma forma modificada de 2) e os estados 1 e 0 (pelas mesmas razões). Portanto, os terminais que apresentam estado 3 têm algo em comum com todos os outros terminais que mostrem estados 0, 1 e 2, além de algo em comum exclusivamente com aqueles que também tenham estado 3. Do mesmo modo, os terminais que tenha estado 2 tem algo em comum com todos os outros terminais que mostrem estados 0, 1 e 2, mas não com aqueles que tenham estado 3. Consideremos o exemplo mostrado na Figura 5.7, com um único caráter multiestado e 5 terminais. O caráter tem 4 estados ordenados linearmente, e portanto 3 transformações. A primeira dessas transformações é compartilhada pelos terminais que mostrem algum estado diferente de 0, ou seja, por todos exceto A (primeira coluna da codificação binária, Figura 5.7). Portanto, essa transformação pode ser representada por um caráter binário unindo todos os terminais exceto A, ou seja, com estado 1 em B, C, D, e E, e estado 0 em A. A segunda transformação é compartilhada apenas pelos terminais que mostrem estados 2 ou 3, ou seja C, D, e E. Esta segunda transformação pode ser representada por um caráter binário unindo C, D, e E e portanto tendo estado 0 em A e B e estado 1 em C, D, e E (segunda coluna da codificação binária, Figura 5.7). Finalmente, a terceira transformação é compartilhada exclusivamente pelos terminais com estado 3, podendo ser representada por um caráter binário com estado 1 em D e E e estado 0 em todos os outros (terceira coluna da codificação binária, Figura 5.7). Se considerarmos em conjunto os caracteres binários assim obtidos, teremos um bloco de três caracteres binários contendo a mesma informação incluída no caráter multiestado de onde foram derivados. A codificação binária aditiva é esta forma de representar caracteres multiestado. nã o d ist rib uir Princípios de Sistemática e Biogeografia – Capítulo 5: Enraizamento, otimização e caracteres multiestado 8� Figura 5.7. Distribuição da transformação linear para cinco terminais, representação gráfica do ordenamento e polarização do caráter e codificação binária aditiva. Algum cuidado extra deve ser adotado ao se codificar binariamente multiestados ramificados. Embora a lógica que guia estes casos seja exatamente a mesma dos multiestados lineares, se tivermos a matriz e a ordenação de seu único caráter conforme na Figura 5.8, teremos uma codificação binária aditiva diferente daquela mostrada anteriormente (Figura 5.7). A diferença ocorre porque agora os estados 2 e 3 não são mais modificações de 1. Portanto, não se pode dizer que C, D, e E compartilhem alguma transição com B, já que a transição 0-1 é exclusiva de B. Figura 5.8. Distribuição da transformação não linear para cinco terminais, representação gráfica do ordenamento e polarização do caráter e codificação binária aditiva. Caracteres multiestados sempre têm um impacto muito grande na hipótese final, já que sua influência potencial na hipótese filogenética é diretamente proporcional ao número de estados. Um multiestado com 4 transformações (5 estados) contém informação equivalente a 4 caracteres binários. Este aspecto fica claro ao se considerar a codificação binária aditiva, em que o valor informativo de cada transformação é individualizado em subcaracteres separados. Um exemplo extremo, como por exemplo na Figura 5.9, pode ajudar a visualizar melhor esta situação. Temos 10 terminais e um único caráter com 10 estados e portanto 9 transformações. Considerando a ordenação linear na ordem numérica (0→1→2→3→4→5→6→7→8→9), tendo 0 como o estado plesiomórfico, obtemos um cladograma mais parcimonioso completamente resolvido. Resolver completamente um cladograma de 10 terminais com um único caráter pode parecer contra-intuitivo, mas o porque disso fica claro ao se codificar binariamente o caráter, conforme pode ser visto na Figura 5.9. Esse exemplo ainda demonstra o impacto da hipótese de ordenação e polarização dos estados na relação filogenética entre os terminais. Se o caráter na Figura 5.9 fosse ordenado e polarizado de maneira inversa, 9→8→7→6→5→4→3→2→1→0, a nã o d ist rib uir Princípios de Sistemática e Biogeografia – Capítulo 5: Enraizamento, otimização e caracteres multiestado 9� raiz do cladograma seria inserida no terminal “J”, invertendo completamente as relações filogenéticas do grupo A-J. Figura 5.9. Distribuição da transformação linear (0→1→2→3→4→5→6→7→8→9) para dez terminais, codificação binária aditiva e cladograma resultante. Ordenação de Multiestados A conexão entre os vários estados de um caráter é um assunto vasto e que envolve muita controvérsia. Pelo visto acima, fica claro que a ordenação tem um impacto profundo sobre hipóteses filogenéticas, já que diferentes ordenamentos para o mesmo caráter podem ter conseqüências radicalmente diferentes no que diz respeito aos agrupamentos resultantes. Primeiramente, é preciso manter clara a distinção entre ordenação e polarização (ver acima). A ordenação é a estrutura de conexão entre os estados, que determina quais estados são diretamente transformáveis em outros e em última análise estabelece o custo (em número de passos) em se passar de um estado para outro. A polarização simplesmente irá determinar qual dos estados é o estado ancestral. A maneira mais trivial de se ordenar um caráter é por similaridade simples. Os estados mais semelhantes são colocados em posições adjacentes,de forma a minimizar as diferenças implicadas por cada passo individual. Desta forma, considera-se que estados mais extremos de determinada condição apomórfica sejam evidências para grupos progressivamente menos inclusivos. Por exemplo, se se observa que uma determinada peça anatômica é de formato curto no grupo-externo, e nos vários terminais do grupo interno pode variar entre média, longa e muito longa, por similaridade pode-se ordenar estes estados como média (1)-longa (2)-muito longa (3). A ordenação por similaridade é a mais simples das formas de ordenação, e é intimamente relacionada à noção pré-cladística de morfoclinas (Maslin, 1952). Uma série morfoclinal é simplesmente uma seqüência de estados de caracteres dispostos de acordo com suas similaridades relativas. Os estados extremos portanto são aqueles mais divergentes entre si. Ordenação por similaridade parece ser um procedimento consistente, já que similaridade é o critério básico para delimitação de homologias, que por sua vez é o conceito básico de toda a nã o d ist rib uir Princípios de Sistemática e Biogeografia – Capítulo 5: Enraizamento, otimização e caracteres multiestado 10� biologia comparada. No entanto não existe evidências empíricas que confirmem que seja assim em todos os casos. Note que ao assumir a premissa de ordenamento e polarização baseado neste ou em outro princípio auxiliar, você está inserindo uma proposição em sua análise para a qual não existe evidência diretas proveniente dos seus dados. Idealmente, você poderia testar essa hipótese de ordenamento considerando os estados como não ordenados (ver abaixo) e deixar que o resultado final indique a evolução desse caráter. Como discutimos no início, há muita controvérsia sobre o ordenamento a priori de caracteres. Fica a cargo do investigador decidir sobre um tratamento ou outro, defendê-lo e/ou testar vários cenários (i,e., ordenando e não ordenado) verificando assim a dependência de seus resultados do ordenamento a priori de caracteres. Uma outra maneira de se ordenar multiestados é através de transformações ontogenéticas. A seqüência em que os vários estados de um caráter se substituem ao longo do desenvolvimento do organismo pode ser transcrita diretamente para uma ordem de transformação para fins de análise filogenética. Note que a informação ontogenética nesse caso é utilizada apenas para se determinar a adjacência dos vários estados, não a direção das transformações. Dados ontogenéticos também podem ser utilizados para se determinar a polaridade, pelo chamado método ontogenético de polarização, mas essa é uma questão que não será abordada aqui. O ordenamento de caracteres baseado em transformações ontogenéticas assume que a evolução das ontogenias em questão ocorreu por adição terminal (i.e., de ○→●→◘ para ○→●→◘→◙) e que eventos tais como inversões (i.e., de ○→●→◙→◘ para ○→●→◘→◙), substituições (i.e., de ○→☼→◘→♦ para ○→●→◘→◙) e etc não ocorreram. O mesmo raciocínio aplicado ao princípio auxiliar de similaridade simples é prudente neste caso. Multiestados Não-ordenados Até agora, temos tratado de multiestados em que os vários estados são ordenados ou aditivos. Existem casos, entretanto, em que simplesmente não existem dados que permitam a ordenação, ou mesmo que existam o investigador prefere não inserir nenhuma premissa a priori na análise. Atualmente, é possível tratar tais casos por programas de computador, que podem analisar caracteres multiestado não-ordenados ou não-aditivos. Em caracteres não-ordenados, pode-se passar de qualquer estado para qualquer outro com um único passo (Figura 5.10). Diz-se neste caso que os estados estão maximamente conectados. Um caráter com 5 estados, se não ordenado, teria a representação gráfica mostrada na Figura 5.10. Desta forma, é possível passarmos do estado 0 ao estado 3, por exemplo, com o custo de um único passo, já que os dois estados estão interligados diretamente. Não é possível representar multiestados não-ordenados por meio de codificação binária aditiva. Na matriz apresentada na Figura 5.10, se o caráter for considerado não ordenado, não se obtém resolução total. Neste caso, todas as possibilidades de transformação entre os estados são consideradas, e não apenas aquelas determinadas pela ordenação original. Por conseguinte, obtém-se um sem-número de hipóteses igualmente parcimoniosas, que quando combinadas em uma árvore de consenso resultam em total ou parcial irresolução. nã o d ist rib uir Princípios de Sistemática e Biogeografia – Capítulo 5: Enraizamento, otimização e caracteres multiestado 11� Figura 5.10. Distribuição da transformação não-ordenada para dez terminais, representação gráfica das transformações possíveis, codificação binária não-aditiva e cladograma resultante. Alguns argumentam que não se deve tratar caracteres como não-ordenados a menos que realmente não haja nenhuma base possível para ordenação. A não-ordenação de um caráter implica em um desconhecimento total sobre as relações entre seus estados. Se há alguma base para ordenação, então a não-ordenação estará obscurecendo dados potencialmente informativos. Por outro lado, como discutimos anteriormente, outros argumentam que não se deve inserir premissas desnecessárias na análise Ao se realizar uma análise de parcimônia incluindo caracteres não-ordenados, o que se faz é considerar todas a possibilidades de conexão entre os vários estados e determinar quais aquelas que implicam em menor número de passos ao se considerar a matriz completa. Obviamente, computadores lidam com isso de forma mais eficiente do que nosso cérebro. Desta forma, o caráter não-ordenado é, por assim dizer, ordenado a posteriori ao longo da análise de acordo com os outros caracteres. Entretanto, pode ocorrer que algumas possibilidades de transição de um não-ordenado resultem em possibilidades de resolução igualmente parcimoniosas mas discordantes daquelas indicadas por outros caracteres. Neste caso, é possível que uma árvore de consenso (ver Capítulo 6) perca resolução unicamente devido a esse fator. Esta situação é indesejável, pois está permitindo que uma possibilidade puramente teórica de transição (do caráter não-ordenado) obscureça a informação advinda de caracteres binários ou positivamente ordenados, porém pode ser inevitável segundo alguns autores. Literatura Citada:
Compartilhar