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MICHEL FOUCAULT BIOPOLÍTICA

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MICHEL FOUCAULT- EM DEFESA DA SOCIEDADE – AULA DE 17 DE MARÇO DE 1976. 
Fichamento: Rogério Madeira
Foucault inicia seu texto apresentando um mudança que ocorre no poder no final do século XVIII e início do XIX: a assunção da vida pelo poder, ou dito de outro modo, a tomada de poder sobre o homem enquanto ser vivo. Ocorre a estatização do biológico. 
Essa mudança reverbera na teoria clássica da soberania. Esta, fundamentada sobre o direito de vida e morte do soberano sobre o súdito (poder fazer morrer e deixar morrer) começa a ceder lugar para o poder de “fazer viver” e de “deixar morrer”. Não que o novo poder pautado sobre a “vida” exclua o poder de “fazer morrer” da soberania, mas ocorre uma interação entre os dois . Deste modo, surge no século XVIII outra tecnologia de poder, que não exclui a primeira, mas a integra. Ela se dirige à vida dos homens, não somente ao corpo. Tem como objeto o homem enquanto espécie, como multiplicidade e massa. O poder partiu, então, de uma anátomo-política do corpo para a Biopolítica. O poder foca agora em processos em que se pode aferir o geral, tais como a proporção de nascimentos, óbitos, taxas de reprodução, fecundidade, ou seja, processos de natalidade, mortalidade e longevidade. 
A política passa a se fundir com o biológico e as questões do poder centram-se em pontos como a fecundidade e, principalmente, com a morbidade. A mortandade passa a ser um problema, pois subtrai as forças, diminuem o tempo de trabalho e aumenta os custos econômicos. É preciso “fazer viver” e para isso a medicina passa a ter como função a higiene pública. Introduz-se mecanismos de grande assistência para minorar questões ligadas à incapacidade. Preocupa-se agora com as relações entre a espécie humana e seu modo de existência (geográficas, climáticas, hidrográficas... ), especialmente os ligados à cidade. É sobre o conjunto dessas questões que a biopolítica vai extrair seu “saber” e definir o campo de intervenção de seu “poder”. 
Com a biopolítica surge um novo personagem: a população (que não é o corpo social dos juristas formado pelo contrato voluntário e tampouco o indivíduo-corpo das disciplinas). População é o corpo múltiplo que passa a ser um problema político e também científico, um problema biológico e também de poder. Deste modo, “a biopolítica vai se dirigir aos acontecimentos aleatórios que ocorrem numa população considerada em sua duração” (293). Assim, os mecanismos da biopolítica são as previsões, estimativas, estatísticas e medições globais com o intuito de baixar a morbidade, encompridar a vida e estimular a natalidade. Criam-se mecanismos reguladores para essa população global objetivando extrair e maximizar forças. 
Com a biopolítica não se trata de assegurar ao homem-espécie uma disciplina, mas uma “regulamentação”, expressão de um poder sobre o homem enquanto ser vivo, um poder de “fazer viver”, diferente do poder da soberania com seu poder de “fazer morrer”.
A biopolítica se revela na desqualificação progressiva da morte. O poder agora é de fazer viver. O domínio que se estabelece não é o da morte, mas sobre a mortalidade. A soberania liga-se à morte enquanto a regulamentação liga-se à vida. 
Uma possível explicação para o ganho de espaço da regulamentação sobre a soberania é que os mecanismos desta última de controle sobre o corpo teriam ficado inoperantes para regerem o corpo econômico e político de uma sociedade demograficamente maior e industrializada. Contudo, esse ganho de espaço não quer dizer a superação de uma forma de poder sobre o outro. Ocorre que os mecanismos disciplinares e regulamentares articulam um ao outro (como exemplo, a medicina vai se constituir em um saber-poder que incide ao mesmo tempo sobre o corpo e sobre a população).
A “norma” é o elemento que circula entre o disciplinar e o regulamentar e se aplica da mesma forma ao corpo e à população. Permite controlar a ordem disciplinar do corpo e os acontecimentos aleatórios de uma multiplicidade biológica. 
O biopoder se incumbe tanto do corpo quanto da vida; da vida em geral com o pólo do corpo e o pólo da população. 
Foucault fala também de alguns paradoxos ligados a esse poder fundamentado sobre o “fazer viver”. Trata-se do poder atômico e seu poder de matar a própria vida. É o excesso do biopoder sobre o direito do soberano: quando a possibilidade é técnica e politicamente dada ao homem, não só de organizar a vida, de fazer a vida proliferar, mas também de produzir e fabricar algo monstruoso e destruidor (303).
Como esse poder que tem o objetivo de “fazer viver” pode “deixar morrer”? Como exercer o poder de morte? Como exercer a função de morte num sistema político centrado no biopoder?
A resposta para isso Foucault encontra no racismo. Com ele se introduz no domínio da vida o corte entre o que deve viver e o que deve morrer (304). O racismo se apresenta como uma forma de defasar, no interior da população, uns grupos em relação aos outros. Tem a função de fragmentar, fazer cesuras no interior desse contínuo biológico a que se dirige o biopoder (305). Uma segunda função do racismo se estabelece na idéia de que “se você quer viver, é preciso que o outro morra”. Constrói-se assim uma relação do tipo guerreira, contudo, de cunho biológico, pois a morte do outro – de raça inferior – vai permitir que a “minha raça” fique mais sadia, mais pura. 
Estabelece-se uma relação biológica de poder em que se busca não suprimir os adversários, no sentido político, mas os perigos em relação à população. Deste modo, a morte é admitida no biopoder como forma de eliminação do perigo biológico e ao fortalecimento, por meio dessa eliminação, da própria espécie ou da raça. O racismo se constitui assim como condição de aceitabilidade de se tirar a vida numa sociedade de normalização (306). A função assassina do Estado somente pode ser assegurada desde que o Estado funcione no modo do biopoder, pelo racismo. 
É por esse motivo que se compreende a razão por que se estabeleceu no século XIX o vínculo entre a teoria biológica e o discurso de poder, tendo o evolucionismo se constituído como forma de se pensar o poder. 
O racismo vai irromper onde o direito à morte é necessariamente requerido (307). Emerge daí a existência de um racismo de guerra (308). O racismo vai assegurar a função de morte na economia do biopoder. Por esta razão o racismo moderno vai se constituir numa tecnologia de poder utilizado pelo Estado para exercer o poder soberano (309). 
Nesse contexto o nazismo foi a máximo expressa desse biopoder articulado ao poder disciplinar. Foucaul finaliza seu texto afirmando que essa chave para “fazer morrer” em que se constituiu o racismo foi utilizado indistintamente por todas as formas de Estado, seja o capitalista como o socialista.

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