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Emmanuel Levinas introdução

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Emmanuel Levinas – Elementos de introdução
				P. Pivatto
Urgência
	“É preciso ler Levinas” – é com esta afirmação incisiva que S. Malka fecha seu livro sobre Levinas. E por dois motivos: primeiro, para não se abusar de um pensamento exigente e difícil, reduzindo-o a expressões provocativas e vulgarizadas, porém não compreendidas; segundo, é preciso ler Levinas, porque nesta afirmação transparece uma urgência, e carrega um imperativo profético. Sua obra não é de fácil compreensão, seu pensamento tem impregnação profética, e sua mensagem provocadora revela urgência inadiável. Ele mesmo previne que sua proposta ética não é “para filhos de papai”. 
	A urgência é sempre índice de uma situação de emergência. Na emergência, o curso normal dos acontecimentos é interrompido, o seu fluir tranquilo é questionado nos seus pressupostos implícitos, os seus pontos de apoio são contestados, para tentar uma mudança, uma conversão que descortina novos horizontes.
	O encontro com a obra e o pensamento de Levinas é uma espécie de aventura intelectual e espiritual. Pode-se repetir para ele o que ele dizia de Husserl, um de seus mestres: ”Encontrar um homem significa ser mantidos vigilantes por um enigma”. Creio que a aproximação ao seu escrever e ao seu dizer seja uma das mais incisivas experiências de desenraizamento, de desestruturação, talvez aquela modulada com maior insistência e com registros diversos, com riqueza de análises e com proposições inauditas, no âmbito da filosofia contemporânea. 
	É incessante em Levinas a busca para “ir além”, “ir aquém”, um “além que é um primeiro”, um futuro que é articulação de um “passado imemorial”. Em vez da “união”, procura e propõe a “separação”, em vez da “identidade” advoga a “alteridade”. Ao afirmar a “separação” não se filia à corrente do solipsismo e do subjetivismo da modernidade recente, mas defende sem equívocos uma “filosofia da socialidade”, do “encontro na separação”. Encontro na separação não será uma relação impossível? Será preciso nada menos do que repensar o infinito, o desejo e a alteridade, questionando teses clássicas da ontologia, da unidade e da linguagem.
Surgência do pensar levinasiano
	A pergunta, talvez, possa ser formulada assim: por que surge o pensamento de Levinas? Pergunta que revela certa curiosidade intelectual, além de afetiva. De fato, estamos diante de uma posição filosófica que diverge radicalmente do pensamento que se estendeu ao longo de séculos no mundo ocidental. É natural que se pergunte: por que surgiu, de onde partiu, quais foram suas fontes de inspiração, quais suas experiências fontais? Sobretudo, porque este pensamento tem origem num contexto social e cultural em que vigorava o valor inconteste do eu e dominava a busca absoluta da autonomia e da liberdade inquestionáveis, após a revolução francesa de 1789. E, no entanto, é um pensamento corajoso, audacioso, que vai contracorrente, mas em diálogo com toda a tradição filosófica ocidental. Porém, a posição de Levinas não é contra o eu ou contra a autonomia, antes é seu fundamento, mas segue outro caminho, caminho sinuoso, difícil, em que o leitor precisa armar-se de paciência e de grande disposição de abertura, sem medo de ver questionados valores e certezas dados como incontestes, sem medo de perder o fio da meada e de se perceber conduzido a posições aparentemente insustentáveis. O fato de perceber-se diante de uma paisagem onde as referências se perdem, onde não há mais contornos identificáveis, onde até a articulação imantada na lógica e suas regras parece balançar, é uma experiência filosófica fascinante, mas também dolorosa e desconcertante, pois as certezas parecem esboroar-se, é como um encontrar-se em perder-se... 
	Traduz uma reviravolta, mas uma reviravolta em favor da pessoa, uma defesa da subjetividade. Os caminhos tradicionais que pareciam conduzir à autonomia, à justiça e à liberdade, de fato levavam, segundo Levinas, ao embriagamento do eu e, estando embriagado, o eu não é mais autônomo, não consegue construir a vida social na interdependência e na intersubjetividade. A filosofia de Levinas propõe outro caminho, assinala uma reviravolta, mas sem recusar em bloco a filosofia ocidental. Sustenta que a filosofia ocidental teve algumas intuições preciosas, porém não foram acolhidas pelos pensadores na elaboração dos seus pensamentos e permaneceram, ao longo dos tempos, sem frutificarem. 
	A primeira intuição preciosa é a idéia do Bem presente em Platão. O Bem é antes do ser, é sobre o ser e, em conseqüência, o centro não é o “querer ser” ou lutar para se manter no ser, mas a bondade, bondade que Levinas traduz como “ser responsável pelo outro”. A segunda intuição descobre-a em Descartes, na ideia de Infinito. Mas, descreve-a de maneira diversa da forma como é costumeiramente apresentada, porém permanece como um ponto de partida: existe a ideia de Infinito que se revela no vestígio do outro, no seu rosto.
	Como surge e toma forma o pensamento original de Levinas?
	Na instância filosófica, o problema fundamental de Levinas pode ser descrito assim: O que é mesmo conhecer? Conhecemos o outro? Como conhecer realmente o outro ser humano sem reduzi-lo à objetivação, sem reduzi-lo a uma identificação do Mesmo? Este problema gnoseológico é comum a todos os pensadores, também do passado, mas se tornou agudo e atual com Edmund Husserl, em seguida reapresentado por Heidegger, também por Merleau-Ponty e outros. Para Husserl, este conhecimento do outro em que o eu procura respeitar o outro torna-se possível pela vigilância sobre o próprio pensamento. O eu deve fazer a “epoché”, isto é, deve colocar entre parêntese os próprios pensamentos para ver o outro em “carne e osso” (cf. HUSSERL. Meditações cartesianas). Para Merleau-Ponty, a relação com o outro é trans-cognoscitivo, é mais uma relação corpóreo-vivida. Aqui o acento é posto sobre a afetividade e sobre a partilha do vivido que consente uma relação com o outro (cf. MERLEAU-PONTY. Fenomenologia da percepção). Para Heidegger, o abrir-se ao outro acontece quando se imerge na real situação concreta do ser-aí-sendo (Dasein). Para Heidegger, trata-se de uma relação ontológica: para conhecer o ente é preciso ter compreendido o ser do ente (cf. HEIDEGGER. Ser e Tempo).
	Levinas, discípulo e leitor destes renomados filósofos, questiona-os, critica-os e procura ir além. Sustenta a tese de que uma relação é verdadeira e é objetiva não quando se procura o conhecimento do outro (este é sempre captador e objetivador), mas quando se vive a responsabilidade para com o outro, em que o outro é acolhido por ele mesmo. Primeiro vem a responsabilidade, depois vem também o conhecimento. Poder-se-ia dizer, a propósito do bom samaritano: o samaritano se fez próximo não porque viu o homem caído, mas o viu porque se fez próximo, isto é, responsável.
	A uma relação de saber (segundo Levinas, tal relação é sempre de domínio, de posse, de objetivação) é proposta em substituição uma relação ética de responsabilidade. Tanto a metodologia husserliana como a ontologia heideggeriana estão sempre dominadas, segundo Levinas, por um primado cognoscitivo dado à presença, ao ver, à compreensão-objetivação, acompanhada da não renúncia ao domínio garantido ao Mesmo.
	A instância ética aparece em todos os textos de Levinas e se tornou a sua contribuição mais significativa. Na primeira página do seu mais importante livro, escreve: “O livro Autrement qu’être ou au-délà de l’essence quer ser o testemunho de um novo caminho, testemunho dado à memória dos seres mais próximos entre os seis milhões de assassinados pelos nacionalsocialistas, ao lado de milhões e milhões de seres humanos de cada confissão e de cada nação, vítimas do mesmo ódio do outro homem, do mesmo antisemitismo”. 
	Mediante uma complexa obra de análise, Levinas consegue constatar que a violência, a guerra e toda forma de usurpação da dignidade humana, derivam do que ele chamou “pensamento da totalidade”, do sistema, da síntese egológica, da uni-identidade, onde o outro é anulado pela identificaçãoobjetivadora que o eu realiza pela operação do saber, saber que culmina na unidade do ser mediante adequações progressivas. A posição de Levinas não nasce, porém, da tragédia de Auschwitz. Poder-se-ia dizer que Auschwitz é como que a prova, a demonstração da falência do pensamento filosófico ocidental, contra o qual, desde os anos de juventude, se contrapõe o jovem Levinas. Reler o ensaio intitulado De l’évasion, depois de ter lido e meditado seu texto da maturidade Autrement, desperta uma impressão particular que é difícil exprimir; entre suas linhas parece ouvir-se como um eco de revolta, uma acusação contra a burguesia, ao mesmo tempo em que procura a matriz ontológica que orienta e difunde as diversas formas de violência. Escreve no livro De l’évasion: “A concepção do eu como auto-suficiente é um dos distintivos essenciais do espírito burguês e da sua filosofia... O seu instinto de posse é um instinto de integração e o seu imperialismo é uma busca de segurança. Mas esta categoria de segurança é concebida a partir da imagem do ser tal como no-la apresentam as coisas. As coisas são... Com efeito, a filosofia ocidental nunca foi além. O seu ideal de paz e de equilíbrio pressupunha a suficiência do ser... No entanto, hoje a literatura contemporânea manifesta a estranha inquietude que aparece como a mais radical condenação da filosofia do ser feita pela nossa geração”. 
	A evasão não é sinônimo de fuga nem de desengajamento ou de nostalgia. A evasão indica a necessidade de “ter razão do ser”, de sair do ser, sem ainda saber como, sem ainda saber onde: simplesmente sair. Assim, tudo é posto em questão porque o sujeito por primeiro é posto em questão e chamado em causa. É o sujeito que através do saber quer legiferar sobre tudo e constituir-lhe o sentido. É aqui que nasce a filosofia da totalidade onde tudo fica sistematizado, ordenado, compreendido, sem outros espaços para a novidade e para a transcendência. Levinas polemiza certamente com Hegel, mas também com toda filosofia que se apresenta e se presume saber absoluto e totalizante. 
	A instância religiosa transparece através da cultura hebraica que ilumina de sentido a filosofia de Levinas. Manifesta um conhecimento profundo da Bíblia hebraica e do Talmud. Não se serve destes textos como inspirados, mas como fonte de sentido e riqueza de experiência tantas vezes lida e refletida ao longo de séculos, por gerações sucessivas e que continua a projetar luz e advertência sobre o viver e conviver. O confronto quase épico situa-se entre Abraão e Ulisses: são duas figuras emblemáticas, dois símbolos, duas experiências fontais. Ulisses é o símbolo do homem que sai à procura de si mesmo, que põe a sua confiança somente nas suas forças e, quando se move na busca da verdade não se transcende, mas retorna sempre a si, e regressa a sua pátria. Abraão, ao invés, é o símbolo do homem que sai de si por uma chamada e um apelo que vem de alhures. Ele silencia a si mesmo para se pôr à escuta, e para obedecer à voz que o levam a transcender, conduzindo-o para uma terra “outra”, estrangeira, e sem retorno ao ponto de partida.
	Abraão é o símbolo do homem que põe em questão sua própria liberdade. Escreve Levinas: “No momento em que acolhe outrem, encontrando-me com ele, é posta em questão minha liberdade”. A voz escutada não deve ser entendida como acontecimento extraordinário ou sobrenatural; ela provém dos acontecimentos humanos que nos rodeiam. A prioridade do humano ou daquilo que é digno dos humanos é o contexto concreto do viver; é ali que, segundo Levinas, pode ter sentido o problema de Deus. Uma religião que diminui ou avilta os homens é por sua natureza errada e distorcida. Em primeiro lugar vem sempre o rosto do outro homem, como interpelação ética dirigida à minha subjetividade. É nas relações humanas que se revela a dimensão do divino. O rosto do outro é como vestígio do Infinito, está no vestígio da passagem do Infinito e, somente na relação com o outro, no assumir a responsabilidade para com o outro, pode aparecer a dimensão religiosa, como dimensão de valência ética. Escreve: “A preocupação com a nossa salvação é ainda um resto de amor próprio, um resto do natural egocentrismo do qual o progresso na vida religiosa nos deve libertar. Enquanto pensais somente na vossa salvação, vós dais as costas a Deus. Deus é Deus somente para quem supera a tentação de degradá-lo para usá-lo a interesse próprio” (Difficile Liberté).
	Encontrar o outro, de modo ético, não significa encontrá-lo como um alter ego do postulado kantiano de “não fazer aos outros o que não queres que seja feito a ti”; e nem encontrá-lo como um elemento de uma “totalidade” (membro de um Estado, de uma sociedade ou do gênero humano). Em vez disso, significa encontrar o outro como “outro” originário, singularmente transcendente, em relação ao qual eu estou em relação assimétrica. E significa também que posso encontrar o outro como pessoa cuja existência me interpela, me questiona e me desafia a atitudes que não são dedutíveis daquilo que eu moralmente entrevejo. É precisamente o outro que me desafia a transcender-me e a humanizar-me.
	Em síntese, pode-se dizer que o pensamento de Levinas é provocado pela visão das relações violentas existentes entre os homens, que culminam tragicamente em guerras. E Levinas não vê, nas filosofias por ele conhecidas, respostas resolutivas a estas desumanidades, por ele também ditas “animalidades”. Ao contrário, acusa estas filosofias de endeusar o eu, de fazer tudo girar em torno deste eu supremo, causa da perversão social e da desordem moral. Intui que o caminho a abrir e percorrer deve ser outro: aquele que propõe a centralidade do outro homem, o caminho da alteridade, suscitando a instância ética como filosofia primeira. 
Os mestres de Levinas
Edmund Husserl
	O pensamento de Levinas não surge como uma busca venturosa de um solitário. Nasce da escuta, da leitura e do confronto, e também do conflito, de pensadores e de filósofos do seu tempo e do passado. Já foi acenado para a contribuição que encontrou em Platão e Descartes. Levinas freqüentou seminário de Husserl e ministrou muitos seminários sobre o pensamento de Husserl. Confessa que permanece ligado a Husserl, embora mais em relação ao método do que ao conteúdo filosófico. É igualmente o primeiro a traduzir em língua francesa e a interpretar agudamente o seu pensamento.
	Na fenomenologia de Husserl aparece a tensão em olhar as coisas na sua nudidade e no seu aparecer, e havia a constatação que elas possuíam uma significação. Desta forma, a fenomenologia será para Husserl a busca dos sentidos a partir das evidências que os constituem. Husserl distingue duas lógicas: aquela formal que é técnica intelectual e racional que se interessa dos dados, e aquela transcendental que busca os horizontes espirituais nos quais as formas lógicas se situam e recebem a sua significação última. Na fenomenologia, portanto, o objeto remete ao sujeito não pelo fato que tem tal ou tal outro sentido, mas pelo simples fato que tem um sentido. A filosofia fenomenológica será então a busca deste sentido, presente e oculto nas coisas e nos fatos e que a lógica formal e a ciência não conseguem decifrar. Levinas conclui dizendo: “A fenomenologia husserliana procura a fonte de todo sentido desenredando os fios do enredo intencional” (cf. En découvrant l’existence avec Husserl et Heidegger, 1º artigo). 
	Convém destacar que a sensibilidade de Levinas em relação ao sentido e sua origem está sempre vigilante e se revela excepcional ao longo de suas obras. Pode-se até dizer que ali se concentra seu interesse essencial em que desenvolve suas tentativas e revela esforço criador. A influência de Husserl neste ponto é clara a ponto desta pergunta pela origem do sentido estar na origem da própria teoria levinasiana. Aos poucos, a filosofia de Levinas afastar-se-á de Husserl, mas a questão permanece. Em que pontos se afasta de Husserl? Na questão do sujeito que, em Husserl, permanece como origem, início, princípio do sentido. Escreve sobreHusserl: “A consciência para Husserl é o fenômeno próprio do sentido”. Neste ponto, a fenomenologia distancia-se da doutrina clássica do conhecimento por “representação” em que era dada a presença do objeto no sujeito. Ora, a estrutura do sentido ou da intencionalidade presente nas coisas supera o sujeito. “A intencionalidade pensa infinitamente mais “coisas” do objeto que fixa”. Em Husserl, o sujeito conhece identificando; o fato do sentido é caracterizado pelo fenômeno da identificação que procede do sujeito que constitui o objeto. Ora, este ato de conhecimento é atividade objetivante e não passividade. É ainda uma ação colonizadora do eu. Levinas e Husserl usam o mesmo método fenomenológico de ir às coisas mesmas, chegar ao concreto. Porém, para Levinas, o significado, o sentido do ser humano não é e não está no conhecer (como o é para Husserl). Para Levinas, o humano se exerce no conhecimento explorado até o fundo, até o ponto em que se esconde. A base do humano é o social, não os sucessos sociais, mas o ser com o outro, que é sempre um ser para o outro. Em vez do saber, poder-se-ia dizer o amor como relação. 
Martin Heidegger
	Também Heidegger influenciou profundamente o pensamento de Levinas, talvez mais como contraste do que como consenso. Levinas recorda o entusiasmo com que leu e releu a obra Sein und Zeit. Afirma que Heidegger é um dos maiores filósofos da história; mas, isto não o impede de mostrar a sombra que cobre sua existência pelo envolvimento com o nazismo, e critica o núcleo essencial de sua filosofia que julga perpetuar a epopéia do ser e, assim, subjugar o ser humano ao anonimato e à força natural do ser. Também para Heidegger, seguindo Husserl, a consciência é a origem do sentido. Ela constitui o sentido, porém ela também é uma consciência situada e, portanto, condicionada pela situação.
	Enquanto na filosofia clássica e, sobretudo, em Descartes, a consciência era governada e guiada pela idéia de “perfeito” que era o critério para descrever e avaliar a realidade finita e imperfeita (o homem não consegue compreender-se a não ser graças a um princípio externo a si mesmo), agora, com Heidegger, a consciência tem na sua existência, e não na idéia de perfeito, o critério para enfrentar o real. Segundo Levinas, aqui está a grande virada e a grande mudança, porque aqui acontece o abandono de qualquer transcendência. A partir daí, a filosofia procura agora a significação do finito no próprio finito. Portanto, em Heidegger, a questão do ser é enfrentada e resolvida no âmbito da própria existência. A compreensão do ser é um modo da existência. Heidegger substitui à consciência a noção de Dasein = ser aí. O homem que vive compreende a sua existência e também a cria. Há, portanto, o primado da existência na compreensão do ser. 
	Aqui, Levinas toma distância também de Heidegger, porque não há espaço para o irracional, para o imprevisível, para o transcendente. Escreve: “Para Heidegger, o contato obscuro com a realidade e suas potências..., o peso da realidade sobre nós, a nossa fuga diante disso, tudo isto é já uma intimidade, uma compreensão. Desde já estamos em um circuito de inteligência com o real. E nada nos pode fugir. Cada compreensão, todo o que se pode chamar “o impulso do irracional”, não passa de um modo deficiente da compreensão. A compreensão torna possível e, coisa essencial, necessária a própria incompreensão” (En découvrant...).
	Mais, Levinas critica Heidegger por este revelar que o interesse pelo ser humano é, no fundo, determinado somente pelo interesse pelo ser em geral. Escreve: “O problema filosófico fundamental é para Heidegger ontológico, e a ontologia não se ocupa senão de um só problema: o que é o ser” (Ib.). Nesta visão do ser, o homem ocupa, certamente, uma posição privilegiada, porém, segundo Levinas – e aqui aparece seu distanciamento radical – o homem, o ser humano singular não é portador de um surplus (mais), irrepetível e único de significado em relação ao ser, mas é visto e definido sempre a partir do ser e vinculado à sua eira. Estaria assim negada a dignidade do homem e não valorizada a diferença enquanto sujeito e rosto.
	Porém, aproveita de Heidegger o valor da relação social, da relação com o outro. Ser-aí é sempre ser-aí com alguém. Ser com o outro é uma modalidade essencial do ser-aí, embora dependente do ser-aí que sempre permanece o eixo essencial. Para Levinas, antes de contemplar o outro, há o fato de ser responsável, donde emerge a possibilidade de ver o outro. 
Kierkegaard
	Também neste filósofo encontrou elementos que o ajudaram na formulação do problema da subjetividade, com rigor e valor filosófico. Escreve: “A ideia forte da existência que o pensamento europeu deve a Kierkegaard consiste no fato de conservar a subjetividade humana como absoluta, como separada, como mantida aquém do ser objetivo, mas também por defender paradoxalmente a posição irredutível do sujeito contra o idealismo” (cf. Nomes próprios). Para Kierkegaard, a subjetividade excede, na sua singularidade, todo e qualquer sistema. Teme inclusive a ética, porque a singularidade de cada um se perderia sob as regras válidas para todos. Pois, o geral prevaleceria sobre o singular. Por isto, Kierkegaard, em vez do ético, prefere o religioso, porque este promove o sujeito e respeita sua interioridade. 
	Levinas recolhe de Kierkegaard o apelo de uma subjetividade que não se perde no universal, que não cede à violência do universal nem por ele se deixa subsumir. Levinas será firme em combater a visão panorâmica do ser ou da história que não consente a diferença das subjetividades. Distancia-se de Kierkegaard quando se trata das formas de como proteger a subjetividade. Para Levinas, será a ética a forma privilegiada de proteção da subjetividade, porém não a ética como conjunto de regras ou códigos, mas como responsabilidade pelo outro.
Buber
	Buber também faz parte do percurso filosófico de Levinas. Os temas trabalhados, o caminho percorrido e várias teses parecem comuns. Mas há diferenças, especialmente duas: a dissimetria e o otimismo. Buber defende a reciprocidade; para ele existe a diferença entre o eu-isso e o eu-tu. Na relação eu-isso, o sujeito é senhor das coisas; na relação eu-tu, existe a igualdade recíproca – a simetria. Mais, Buber é otimista, o seu mundo é aprazível. É a socialidade entre iguais, entre simpáticos, entre amores. Não há aquele lado dramático que inclui a não-reciprocidade.
	Para Levinas, a relação é: eu e outro. O outro é o pobre, o indigente, o estrangeiro, o marginalizado, mas contemporaneamente este outro é o senhor que pede, que suplica, que obriga. A relação é assimétrica. Levinas não crê numa reciprocidade que se sobreponha à responsabilidade. Sua visão de mundo é austera, exigente e a missão de responsabilidade cresce e se alarga à medida que se exerce. O eu responsável torna-se um eu messiânico que carrega o mundo, sobre seus ombros pesa a justiça.
Rosenzweig
	Franz Rosenzweig foi o pensador que exerceu uma decisiva virada no pensamento de Levinas. Filósofo hebreu alemão, escreveu a obra intitulada Der Stern der Erlösung (A estrela da redenção) nas trincheiras, durante a guerra 1914-1918). Levinas pode ser considerado seu continuador, mesmo ultrapassando suas intuições. As intuições de Rosenzweig podem ser descritas como segue: 
1) Crítica à idéia de totalidade: é uma crítica ao pensamento moderno e vai tornar-se a ideia inspiradora da obra talvez mais elaborada de Levinas, sua tese defendida em 1960, intitulada Totalidade e infinito. Rosenzweig sustenta que a filosofia já, no seu início, procurou um elemento unificador e totalizante. Recusa a verdade da experiência para reduzir as dessemelhanças e englobar a verdade dos fenômenos no Todo. Esta totalização realiza-se em Hegel. Aparece em Rosenzweig a idéia de separação: os seres são isolados, existentes a partir de si, irredutíveis. 
2) O valor da relação: A irredutibilidade ao todo é o primeiro estágio da experiência humana; mas o segundo estágio, sempre da experiência humana,é a conexão dos seres. Deus, mundo, homem não são separados, mas conectados. Aqui nasce a idéia da relação. Porém as relações entre os elementos são relações realizadas e não especificações de uma relação genérica e totalizante. A separação, em Levinas, não será disjungida da relação; esta não vai suprimir a separação, antes, vai escavá-la. 
3) O sentido da criação: O mundo não está fechado em si mesmo, não é a sua própria razão, como nos filósofos idealistas. Ele tem referência a um passado, tem uma origem. A criação não é limitação do ser, mas seu fundamento. À contingência negativa de um “ser para nada”, Rosenzweig e Levinas opõem a contingência positiva e capaz de salvação que deriva do fato de ser criados como consciências éticas e livres de reconhecer-se obra de Deus. é por causa da criação que o tempo tem a dimensão do passado e não inversamente; é algo semelhante à teoria heideggeriana dos “êxtases” do tempo.
4) O modo novo de ver e viver a religião: A palavra religião foi evitada, diz Levinas, na obra A estela da redenção. Rosenzweig gloria-se de a não ter usado porque, diz ele, “Deus não criou a religião, criou o mundo”. A religião não é uma realidade a parte, acrescentada à realidade. A sua essência primordial está “no modo próprio em que o ser é” (cf. Difficile liberté, artigo sobre Rosenzweig). Isto levará Levinas a não falar de religião ou a afirmar que o modo para viver a religião é a ética e o modo para ser religioso é ser responsável do outro. 
	Esses autores, ao lado de outros (Marcel, Blondel, Celan, Delhomme, Picard, Blanchot, Wahl, Proust, van Breda), com certeza ofereceram a Levinas instrumentos conceituais para romper com uma tradição filosófica incapaz de elevar-se a reflexões sobre a alteridade e a diferença em ruptura com a essência. Como observou agudamente Derrida, trata-se, com Levinas, de uma contestação da filosofia em nome das perguntas fundamentais que precedem a filosofia e que parece não mais fazer parte dela.
	NB – Para mostrar o método paradoxal como Levinas conduz sua reflexão, contesta a forma tradicional da filosofia, a seguir é apresentado um exemplo a partir do tema clássico da identidade (que ele chama “narcisismo do pensamento ocidental”).
O primado do idêntico
	Levinas afirma com determinação que o pensamento ocidental foi uma filosofia do idêntico e que o seu motivo inspirador é um narcisismo profundo do eu que se considera centro e totalidade.
	E o eu, afirmando-se como centro, reivindica a liberdade como seu princípio. A modernidade caracteriza-se como a busca da liberdade, como busca da auto-afirmação e da autonomia, procurando libertar-se de toda alienação. Ele introduz aqui uma pergunta nada inocente: O que vem antes, a liberdade ou a justiça?
	O eu procura, em primeiro lugar, incorporar a si e possuir todos os elementos, como o céu, a natureza, as coisas e, depois, também os seres humanos. Todos estes elementos apresentam-se à liberdade que quer integrá-los como obstáculos que resistem ao seu projeto de apropriação. Aqui encontramos o projeto de um sujeito livre que reduz toda alteridade a um elemento da própria imanência. A consciência que incorpora a si o universo e toda forma de transcendência é apenas uma etapa subordinada no processo de integração das coisas. O fato de estas últimas poderem ser “compreendidas por mim” significa que a sua existência não é absoluta; todavia, se existem seres totalmente outros, a compreensão revelar-se-á como uma forma de violência, por mais atenuada e velada que seja.
	Ora, escreve Levinas, “toda filosofia busca a verdade. Também as ciências, por sua vez, podem ser definidas por tal busca, na medida em que o eros filosófico, nelas vivo ou dormente, alimenta sua nobre paixão” (La trace de l’autre). Esta busca da verdade, até os dias de hoje, desenvolveu-se na interioridade do eu, num puro processo imanente sem reais e profundos relevos transcendentes.
	Platão define a filosofia em termos de diálogo da alma consigo mesma; e também explica a descoberta de novas verdades como reminiscência do que já se encontra no fundo da alma. Consequentemente, a verdade não move a alma em direção à exterioridade, e o diálogo interior é apenas uma forma narcisista de monólogo. Todas as coisas e a própria história são assim reduzidas às idéias de uma consciência total que não tem meio algum para transcender-se. O cume do narcisismo será atingido quando Hegel vai deduzir, através da lógica do universal, inclusive a essência e a existência daquele ser que Aristóteles tinha definido “animal capaz de razão”. Descartes, na terceira meditação, explica que não é possível estarmos certos de que as idéias das coisas externas ao eu (corpos, anjos, animais, mas também outros homens a mim semelhantes) não sejam produtos do eu penso que faz de mim uma substância incorpórea.
	Em conseqüência, afirma Levinas, a essência da verdade não consistiria na relação heterônoma com um Deus desconhecido, mas no já conhecido que está ainda por descobrir ou reinventar livremente em si e no qual conflui toda coisa conhecida. Pois é precisamente esta a lição de Sócrates, segundo a qual ao mestre não resta outro meio que o exercício da maiêutica: todo ensinamento introduzido na alma nela já estava. A identificação do eu – a maravilhosa autarquia do eu – é o natural crisol desta transformação do Outro no idêntico. Toda filosofia é uma egologia, para usar um neologismo husserliano (cf. La trace de l’autre). 
	O projeto, portanto, da filosofia ocidental, excluiu que o eu se transcenda em um Deus absolutamente Outro e irredutível a qualquer elemento do universo. O nome de Deus cobre os inúmeros ídolos construídos pelos filósofos ou teólogos como, por exemplo, o Logos, o Próprio Ser, a Substância, a Natureza ou o Espírito... Assim, um Deus não conhecido ou pré-conhecido ou sepultado na memória inconsciente ou pré-consciente da consciência é impossível no contexto da filosofia da tradição.
	Apesar das aparências, o ocidente pensante teria ficado sempre sem religião (isto é, sem relação ao totalmente Outro) e, por conseguinte, teria sido sempre ateu. Esta visão levinasiana inclui a época recente e atual, filósofos atuais, como Heidegger.
	A recusa de qualquer heteronomia não exclui apenas a alteridade de Deus, atinge também a alteridade individual do ser humano. Surge aqui o fenômeno típico do anonimato, pelo fato de se excluir o específico próprio de cada subjetividade. O singular nada mais é que um caso ou um número do universal, já que o que interessa mesmo à filosofia é o conhecimento do universal. O sujeito singular não conta por si mesmo, não tem valor em si mesmo, o que conta é o conhecimento das estruturas universais. Aliás, as ciências seguem as mesmas proceduras. Levinas afirma que neste triunfo do universal prevalecem as dimensões do neutro, do anônimo, do genérico, sobrevindo a morte do sujeito, do único e do próprio. O ardil racional usado para conseguir esta generalização consiste na captação do objeto estudado, na sua conceitualização lógica e na sua generalização possibilitada pela representação que dispensa a consideração do específico próprio de cada ser. Levinas vê nesta forma, a que se reduz o processo de conhecimento, uma atitude/comportamento possessivo e dominante que seria o segredo de toda a civilização ocidental. A busca da riqueza, o capitalismo colonialista e imperialista e o projeto de uma teoria totalitária manifestam a mesma vontade de poder e de dominação. 
	Para Levinas, para reparar ou corrigir os males cometidos por esta cultura, não bastam nem um aperfeiçoamento das ciências e nem um incremento do esforço emancipatório. Será necessária uma reviravolta radical que transforme a intenção fundamental do conhecer e do filosofar, uma concepção de sujeito e de relação social.
	Ao analisar a concepção do conhecimento, própria da tradição, constata que conhecer é representar, é ter presente, é doação de sentido e, em última instância, adequação, isto é, “verdade”. “Na verdade, escreve Levinas, o pensamento sai de si mesmoem direção ao ser, sem todavia deixar de ficar junto a si e igual a si mesmo, sem perder a própria medida, sem ultrapassá-la. Tudo isto equivale à adequação. Adequação que não significa uma absurda congruência geométrica entre duas ordens incomparáveis, mas conveniência, enchimento, satisfação. O saber onde o pensamento se mostra é um pensamento pensante que se satisfaz sempre à sua medida” (De Dieu qui vient à l’idée). Consequentemente, o pensamento que pensa sempre segundo sua própria medida é o pensamento da presença, da representação do presente, da sincronia ou da sincronização numa palavra da imanência. 
	O ser humano, na sua espontaneidade natural, é definido na filosofia ocidental a partir do seu direito de conatus essendi (esforço de ser, de continuar no seu ser), da preocupação por si mesmo que é a preocupação de ser e de perseverar no ser. Razão e liberdade são funções subordinadas a este projeto ou a esta preocupação ontológica, à qual está subordinada a própria essência da autonomia. Perseverar ou garantir o ser é o que se procura implicitamente em todo movimento e em toda aspiração do ser humano. A autonomia do homem pensado a partir do ser só pode tornar-se, segundo Levinas, poder, injustiça e imperialismo. O homem ontológico não conhece outra relação com a realidade a não ser a dominação, a posse e a totalização que se prolongam até no conhecimento e na intencionalidade, estruturados como captação, apreensão, seqüestro da transcendência e sua redução à imanência da consciência.
	Na interpretação levinasiana, também o pensamento de Heidegger é um pensamento do ser e do idêntico. Embora admita que Heidegger tenha posições complexas no tocante a este problema, afirma, contudo, que no final das contas, há uma subordinação do Dasein ao ser na relação fosforescente anônima que mantém com o ser, onde não pode produzir-se uma verdadeira relação de alteridade. 
	Em síntese, pode-se concluir o que segue: Na tradição ocidental, como se viu nas anotações acima expostas, a liberdade precede a justiça e a domina; a filosofia do idêntico incorpora e envolve o Outro; o singular é absorvido no universal e cai no anonimato; o monismo resulta vitorioso sobre o pluralismo; a alteridade ou singularidade de cada sujeito humano fica submersa na representação, fica objetivada e conceitualizada, e se sobra algum sentido para ela, aparece somente no conceito universal generalizado ou no conceito de história no qual tudo se relativiza e despersonaliza.
	Haverá modo de salvar o outro e libertá-lo do poder do eu identificador? É nesta questão que se concentram o esforço, o projeto, a genialidade e a contribuição de Levinas. Vejamos alguns pontos centrados na questão assim formulada:
Outrem como questionamento do eu e de sua liberdade	
	Não há problema nem dúvida de que as coisas e os entes em geral sejam tratados como elementos subordinados de um sistema totalizante e hierárquico, a partir de um eu identificador. Mas o que o que acontece quando se trata da relação/conhecimento de seres humanos, de sujeitos singulares? Para Levinas, estes, ao serem objetivados/reduzidos à coisificação ou à totalização, opõem uma resistência totalmente diversa, que refuta incontestavelmente as pretensões da liberdade espontânea do eu identificador/totalizador.
	Partindo da liberdade humana, as filosofias sociais de Hobbes, de Rousseau, também as de Hegel e Marx, propuseram superar os conflitos que derivam como que necessariamente da multiplicidade das vontades humanas, realizando – através do esquema de um contrato – a sua integração numa mais autêntica liberdade coletiva, da qual as múltiplas vontades já fariam parte. A ideia de que a liberdade constitua o fundamento último não ficava estremecida pelo repetir-se de guerras sucessivas. Ora, Levinas contesta este fundamento último. Assim como a ascensão platônica em busca das coisas do alto exigia uma conversão (cf. o livro do Banquete), da mesma forma, segundo Levinas, a orientação capaz de justificar a liberdade exige uma mudança radical do comportamento humano na relação com o outro.
	Que conversão radical seria? Trata-se de voltar-se para a alteridade do outro, pois somente a alteridade do outro pode pôr em questão a liberdade do eu, revelando-lhe a injustiça do seu monopólio. Se, no impacto do encontro com o Outro, o Eu que procura dominá-lo se descobre injusto, a descoberta desta injustiça não é uma qualidade que se acrescenta à existência preliminar de uma liberdade inocente e neutra, mas o início de uma nova posição de si e de um novo modo de ser autoconsciente e de realizar suas relações e ações.
	Portanto, segundo Levinas, na origem não está a posição de um Eu que se compraz e se satisfaz no seu isolamento e autonomia, para depois ir ao encontro dos outros seres humanos. Ao contrário, desde o início, e sem possibilidade de fuga, o Eu se descobre relacionado e ligado a Outrem – de quem é separado – sem poder subtrair-se a esta relação primordial. 
	Em conseqüência, o Eu não é mais o princípio identificador. Na origem está a relação do Eu com Outrem, relação que não se pode relativizar nem romper, e nem reportar a uma relação anterior mais originária. A reviravolta proposta por Levinas não é simples inversão dos termos, como se o ser, a liberdade, o poder, a consciência e a cultura ocidental devessem ser incorporados pelo Outro. 
	Apoiado na tradição profética do hebraísmo, a qual é, “ao menos tão antiga” como as tradições gregas, afirma que se trata de render justiça ao Outro e, por isso mesmo, à justa relação do Outro com o Eu, que assim alcança seu autêntico significado. Esse apelo à tradição de Israel não pretende de modo algum substituir o pensamento filosófico com uma apologia da religião que lhe seria contraposta. A defesa do Outro contra o monopólio do Eu identificador pode ser tão filosófica como o poema de Parmênides ou os aforismas de Heráclito. Para tanto, é preciso conseguir formular e justificar os pontos essenciais da outra tradição numa linguagem filosófica compreensível à humanidade contemporânea, sem fazer apelo a uma fé ou a uma convicção particular. Para fazer isto, Levinas assume algumas indicações da filosofia ocidental, embora as suas conseqüências não tenham sido desenvolvidas no curso da sua história.
	Tais indicações são, entre outras: A afirmação de Platão segundo a qual o ápice da ascensão filosófica é o Bem além do ser; a tese platônica de que o verdadeiro discurso não é monólogo, mas diálogo com os deuses; contra os heideggerianos, que pensam que a filosofia começa com o ateísmo, é preciso dizer que a tradição do Outro é filosófica e não necessariamente religiosa. Porém, é de modo especial a análise da ideia do infinito, tal como se encontra desenvolvida na terceira Meditação de Descartes, que delineia uma autêntica heteronomia no interior da filosofia ocidental.
	Descartes, na terceira Meditação, afirma que na consciência do homem há muitas ideias, e que podem ser produzidas pelo próprio homem. Mas, há um pressuposto: “Nenhuma causa produz um efeito superior a si mesma. O homem finito não pode ser a causa da ideia de infinito”. Por isso, “há uma ideia, que é aquela de Deus, que não pôde vir de mim mesmo”. Descartes descreve esta ideia como a ideia de uma “substância infinita, eterna, imutável, independente, onisciente, onipotente”. Trata-se evidentemente da ideia de Deus da metafísica tradicional, mas Levinas vê aí a intuição cartesiana de uma alteridade que supera e interroga o Eu. “Como poderia conhecer a minha finitude se não tivesse nenhuma ideia de um ser mais perfeito que o meu?”, pergunta Levinas. É daqui que Levinas parte, além da ideia de Bem presente em Platão, para afirmar a ideia de Infinito presente no mundo. E diz? “É uma ideia que pensa mais do que pensa”. É assim que o Infinito mostra a sua exterioridade, a sua transcendência, a sua altura radical. A infinitude positiva do Infinito não é, portanto, definida pela sua grandeza, sua universalidade, seu caráter totalizante e ilimitado, mas pela sua absoluta alteridade.Na relação única com essa alteridade, o Eu é mais do que seria se fosse apenas um Ego munido do poder de integrar, antecipar, projetar todo ente e coisa, mas fechado no horizonte de um universo narcisista. É interessante relevar que Levinas, sempre na esteira de Descartes, insiste particularmente no caráter afetivo da relação ao Infinito, que consiste numa “afeição do finito por obra do Infinito”, e sublinha “aquela afeição de adoração e a passividade de ficar deslumbrados”, pontos aos quais o próprio Descartes se refere ao final da mesma Meditação. 
Identidade x Alteridade 
	O conceito de alteridade aflorou em nossa cultura, com significações flutuantes, como se pode ver no livro de Pedro Laín Entralgo Teoria y realidad del otro. O que este termo significa? Qual é seu horizonte cultural que o promove e sustenta? Que novidades comporta? Ora, a nossa cultura ocidental e também a espessura de nosso agir e pensar se condensam em torno do princípio de identidade. Este princípio de identidade funda-se sobre o fato de que o outro é meu semelhante, e se me é semelhante, posso identificar-me com ele e, portanto, posso possuí-lo. O princípio de identidade levaria inevitavelmente, embora com nuances diversas e, todavia irrelevantes, a pensar o outro a partir de si. Se eu conheço a mim mesmo, então posso conhecer também o outro, pois há uma intensa semelhança que permite chegar à identidade.
	Sendo assim, o outro torna-se parte do meu território, como um prolongamento do meu eu – um outro eu como eu. Neste caso, não há necessidade de eu escutar o outro, para conhecê-lo, basta que eu escute a mim mesmo: as minhas necessidades, as minhas exigências, os meus desejos, as minhas perspectivas etc., hão de ser também as suas. O princípio de identidade, portanto, leva à anulação do outro, da sua diferença e sua originalidade. O princípio de identidade leva à invasão de uma pessoa sobre outra, de uma cultura sobre outra e também de uma religião sobre outra. Neste princípio concentra-se toda a violência e toda agressão não só físicas, mas também morais, psicológicas e sociais. Por isso, alguns vêem no princípio de identidade a causa e a origem do mal-estar da humanidade, sendo os conflitos bélicos sua expressão mais dramática e fatal.
	Este princípio de identidade seria então o fundamento da cultura do eu – uma cultura que parte do eu para chegar ao tu, sem que o eu saia de si – uma cultura apropriadora e massificadora, que não respeita a alteridade e a diferença. É neste sentido que Levinas a nomeia “cultura usurpadora e assassina” (Difficile Liberté). Esta visão repercutiu também no campo teológico: Deus foi pensado a partir do eu e se projetou em Deus as esperanças, as aspirações, as idéias do homem. Deus foi visto como a majoração das esperanças humanas, mas permaneciam vazias de esperança porque fechadas e limitadas ao horizonte humano. Não havia um sair de si, mas um fazer entrar Deus nos projetos humanos. E assim Deus se tornava parte do território humano e um prolongamento majorado do eu. Mudando as projeções humanas, mudavam as projeções de Deus. Mas, de fato, tudo provinha de um eu que se erigia centro e pólo de tudo, em torno do qual tudo gira e se relativiza, inclusive Deus. 
	O princípio de identidade não leva o ser humano a sair de si, mas a ficar em si ou a entrar em si, fazendo com que toda realidade, e até Deus, refluam para dentro do estreito e confinado espaço do eu identificador. Também palavras como homologação, assimilação, uniformidade – entre outras – contêm a tentativa da capturar todas as alteridades e, uma vez capturadas, dominá-las e possuí-las.
	Mas, não basta criticar o princípio de identidade. Que outro princípio propor? Aqui aparece a novidade, a audácia e o esforço filosóficos de Levinas. Afirma que é preciso superar e passar do princípio de identidade para o princípio da alteridade. Escreve Levinas: “Enquanto o objeto fica absorvido na identidade do eu, do Mesmo, Outrem se manifesta com a resistência irredutível dos seus olhos sem defesa. Outrem põe em questão a minha liberdade” (Difficile Liberté). Este outro princípio ergue-se sobre o fato que “o outro” é de outro horizonte, de outra qualidade. As suas esperanças, os seus desejos, o seu ser não podem ser compreendidos, mas somente escutados e acolhidos. Há aqui uma superação do compreender: “Somos chamados a amar o outro antes de o compreender, sem nenhuma necessidade de compreendê-lo. É um amor sem concupiscência” (Noms propres). Aliás, a palavra compreender indica sua ação como um “prender dentro”, reduzindo assim o outro a objeto do ato de compreender do eu. Ao criticar e superar esta visão do compreender, Levinas propõe o outro como incompreensível, estrangeiro, como não capturável pelas redes do eu compreendedor. O outro habita uma luz inacessível; o eu pode aproximar-se ao outro, mas não capturá-lo e possuí-lo. Aproximar-se ao outro é bem diferente do querer compreendê-lo.
Novas perspectivas
	A redescoberta da alteridade pode abrir novos horizontes, pode dar novos impulsos na proposição de renovação e re-impostação das relações humanas, inclusive na vida social e política. Ninguém ignora que nos últimos cinco séculos, o mundo ocidental foi imantado e conduzido pela concepção de um eu identificador, unificador, conquistador, colonialista na sua cultura e opressor dos outros povos. As culturas e os povos não foram respeitados na sua rica diferença. Isto não só impediu o desenvolvimento de uma abertura pluralista entendida como um dialogar e conviver dos diferentes tecidas culturais, mas, sobretudo alimentou a tendência colonialista e racista que conhecemos. A filosofia da alteridade pretende mostrar como o outro, manifestando-se em toda a sua força, irrompe na realidade não somente diferente, mas com freqüência conotada de miséria, de opressão, de marginalização. Assim, ele emerge como resistência e provocação e exige que se olhe as contradições existentes no sistema e que se caminhe com mais decisão na busca da justiça. 
	Pensa Levinas que, substituindo o princípio identificador pelo da alteridade, pode-se dar início ao advento de um mundo novo, diverso, mais justo e respeitoso de cada ser humano. Mas isto tem um alto custo e revela um drama profundo que repercute na concepção da própria subjetividade, com conseqüências nada simples e nada fáceis. Pois estamos habituados ao tempo e ao horizonte cultural e intelectual em que o eu é a medida de todas as coisas, inclusive da ética geral e de seus corolários. Será possível superar esta cultura visceral? Levinas, com suas críticas, análises e proposições, desequilibra este eixo tradicional e desloca o seu centro de gravitação em torno do Outro: Outro que permanece mistério, inclausurável, indefinível, mestre que ensina.
	Inclusive, Levinas fala de uma anterioridade do outro em relação ao eu. Mas, tal anterioridade não é uma razão que mortifique o eu, pois o outro não é um peso, mas uma voz que o chama pelo nome, que lhe revela sua identidade. Esta é a grande característica da alteridade: o seu poder consiste em fazer nascer o eu à sua verdadeira realidade e densidade, mostrando-lhe o seu rosto e sua destinação. Assim, é o outro que, ao falar-me, ao chamar-me, ao ensinar-me, me revela a mim mesmo e minha vocação. Esta voz que vem do outro horizonte, de além e outramente que ser – da alteridade – abre horizontes novos, mais amplos e libertadores. Esta é a “experiência” fundamental, é a “intriga” por excelência – o novo eixo da intersubjetividade humana, em substituição ao eixo do eu identificador. 
Asssimetria x Banalização
	Poder-se-ia pensar que Levinas tenta reequilibrar as relações interhumanas, conferindo certa preferência ao tu, ao outro, em vez do eu, instaurando um diálogo em que ambos possam ter voz e vez, seguindo como que pegadas da reflexão buberiana. Em relação a isto, Levinas é enfático: a relação entre eu e outro é “assimétrica”. Significa dizer que o outro está sempre ‘antes’, está sempre ‘acima’ em relação ao eu, vem primeiro e ensina; e seu ensinamentoé a primeira palavra, que abre a relação como linguagem e abre a inteligência como significação. Esta primeira palavra é base de tudo, é mandamento: “Tu não matarás; tu não me deixarás morrer de fome”. 
	Mas colocar o outro como assimétrico não seria apenas deslocar o jogo da gangorra de um lado para outro, em vez do eu seria agora a vez do tu a preponderar e impor seu jugo? E aceitar este jogo não seria fazer da história humana uma comédia de bobos? É preciso entender bem o pensamento levinasiano sobre a assimetria. Para tanto, é preciso recorrer à idéia do infinito. Por trás da assimetria esconde-se a idéia do infinito, idéia esta que levará a filosofia de Levinas a transpor os limiares do ser e de toda imanência, à procura de um ‘além’, de ou ‘outramente que ser’, de uma transcendência que não aliena o homem da história, mas que lhe ordena viver de maneira diversa, viver eticamente, viver generosamente esta viva na história do mundo. Esta nova visão de ordem ética atinge e critica profundamente a nossa moderna concepção de amor que pensa o amor como relação de fusão com o outro. Ora, nesta concepção e prática do amor moderno não há respeito pela alteridade, cada eu procura ver o outro como seu complemento, para sua satisfação, como complemento do seu prazer e assim passa a reduzir o outro e o avalia segundo seu desejo e para seu consumo. Verifica-se ali o mito do caçador e da caça, do amor como objetivação do outro, do amor como redução do outro à coisa usável e descartável, dado que o desejo do eu seria sempre maior que a promessa que o outro, enquanto apetecível, seria. Na melhor das hipóteses, há sempre o risco que o outro se torne um objeto da extensão da subjetividade amante. Não há nesta visão de amor nenhum mistério, nenhuma alteridade, nenhuma ética, o ser humano não vale por si mesmo, as dimensões ética, humana e espiritual naufragam nas ondas das puras sensações friccionais sexuais, tão passageiras quanto voláteis. 
	Como pensar a relação de amor na ética da alteridade, a partir de Levinas? Eis um tema urgente e desafiador, sobre o qual já se debruçaram vários pesquisadores, e que tem despertado consciências, inaugurado novos horizontes e proposto caminhos e atitudes que não poucos abraçaram e se propuseram não violar a alteridade, respeitar o ‘mistério’ do outro e manter-se no “vestígio” do infinito.
	É essencial manter a tese de que o outro é sempre outro, sua alteridade é inviolável e irredutível na relação com o eu. É o outro enquanto outro que funda a ética da alteridade. Este é um tema de fundo que percorre as obras de Levinas e que se opõe ao pensamento ocidental nascido na Grécia que é o pensamento do ser, pensamento que tende por natureza a compreender tudo para unir e fundir este todo em uma visão totalizante, onde não há mais espaço para o totalmente diverso e novo. Esta visão tradicional é chamada por ele de visão imperialista, onde cada um é visto como uma parte do todo e conta como um número funcional dispensável.
	A inapreensibilidade do sujeito, a alteridade do outro, a abertura ao outro, o respeito absoluto da diferença, entre outros pontos significativos, são estímulos fecundos para pensar e promover um novo modo de conviver entre os seres humanos e que Levinas chama “ética da alteridade”.
A ideia do Infinito e o Rosto de Outem
	De onde chega a mim a idéia do Infinito? Para Levinas, “a ideia do Infinito” é a relação social. O rosto do Outro é o vestígio deste Infinito que me interroga e desperta a minha responsabilidade. O encontro com Outrem não é a união de um ato em que dois seres em potência se identificariam, mas como um choque que rebate a pretensão do Eu, que procura apoderar-se de tudo o que encontra em seu caminho. E Outrem “mostra-se” de maneira diversa dos fenômenos normais. Na realidade, não é “visível”, a sua maneira de “ser” é outra. 
	O encontro com Outro é ético. Começa-se a conhecer Outrem quando se é responsável por ele, quando o eu se despoja do seu poder, quando se depõe e percebe o mandamento: “Não matarás”. Outrem “é aquele que não se pode, não se tem o direito de matar”. A partir do momento em que existe Outrem, o eu descobre que o seu poder está submetido a um imperativo que ele não inventou, nem escolheu e nem aceitou livremente: o imperativo que se opõe a sua tendência espontânea de totalização imperialista. Melhor, além de depor seu comportamento imperialista, o eu começará a perceber a sua responsabilidade para com os outros, responsabilidade que é o sinal do despertar da consciência moral que Levinas diz estar viva quando “cada um de nós é culpável de tudo e de todos, e eu mais que os outros”. 
	Diante da pergunta epistemológica e metafísica: como se pode chegar à verdade? – a análise da experiência conduziu-nos à descoberta de uma relação mais fundamental do conhecimento, entendendo por “conhecimento”, no sentido da tradição grega e moderna, uma relação teórica que seria tanto a base quanto a perfeição de todo contato com os entes no seu ser. A estrutura mais fundamental que veio à luz tem um caráter imperativo e ético: ela é a fonte de todos os deveres e direitos de qualquer moral possível. A ética, por conseguinte, não poderá ser considerada uma disciplina de uma filosofia teorética que precederia o mandamento. A relação ética não é “superestrutura”, mas fundamento de todo conhecimento; a ética é “filosofia primeira”.
	Assim, a relação do eu com o absolutamente outro não é uma relação de conhecimento e nem de simples contemplação, mas uma relação ética, relação de responsabilidade para com o outro. É uma relação que indica tensão, movimento e atração. A tensão do eu em direção ao outro nasce da necessidade ou do desejo? No primeiro caso, o eu buscaria uma completude que lhe falta e indicaria um movimento que retorna ao eu, e exprimiria um apetite que se aquieta logo que satisfeito; no segundo caso, o eu realiza um movimento que nunca se apagará porque a aproximação com o outro revelará sempre mais a sua profunda distância e separação, essenciais a sua alteridade. 
	A inteligência da contraposição das tensões entre necessidade e desejo é indispensável para se compreender a dinâmica do pensamento de Levinas e sua proposta ética como filosofia primeira. A passagem de uma cultura da identidade para uma cultura da alteridade tem conseqüências existenciais e culturais importantes, das quais convém apontar algumas: superação do niilismo; ruptura da identidade enclausurada; superação do saber e conhecer ancorados na clausura do eu; revolução ética pela conversão do eu voltado ao outro. 
 REFERÊNCIAS
COSTA, Levinas. Uma introdução. Petrópolis: Vozes, 
ENTRALGO, P. L. Teoría y realidad del outro. Madrid: Revista del Occidente, 1961. 
MALKA, S. Lire Levinas. 
SUSIN, L.C. O homem messiânico. Porto Alegre: EST-VOZES, 1984. 
Obras de Levinas
LEVINAS, E. De l’évasion.
------------------ De l’existence à l’existant.
----------------- Le temps et l’autre.
----------------- Em découvrant l’existence avec Husserl et Heidegger.
----------------- Totalité et infini.
----------------- Dificile liberte.
----------------- Humanisme de l’autre homme.
----------------- Autrement qu’être ou au-delà de l’essence.
----------------- Sur Maurice Blanchot.
----------------- Noms propres.
----------------- De Dieu qui vient à l’idée.
----------------- Éthique et infini. Dialogues avec Philippe Némo.
----------------- Hors sujet.
----------------- À l’heure des nations.	
----------------- Entre nous. Essai sur le penser-à-l’autre. 
----------------- Quatre lectures talmudiques.
----------------- Du sacré au Saint. Cinq nouvelles lectures talmudiques.

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