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Sociologia Política Pablo Ornelas Rosa Rodrigo Guidini Sonni © 2012 INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA - PARANÁ - EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Ballão, Carmen Metodologia da pesquisa / Carmen Ballão [et al.]. – Curitiba: Instituto Federal do Paraná, 2012. 104 p. : il. color. ISBN: 978-8564614-86-4 Inclui bibliografia 1. Ciência – Metodologia. 2. Pesquisa – Metodologia. I. Stadler, Adriano. II. Arns, Elaine. III. Reis, Loureni. IV. Penkal, Patricia. V. Título. CDD 001.42 Eutália Cristina do Nascimento Moreto CRB 9/947 Irineu Mario Colombo Reitor Joelson Juk Chefe de Gabinete Ezequiel Westphal Pró-Reitoria de Ensino – PROENS Gilmar José Ferreira dos Santos Pró-Reitoria de Administração – PROAD Silvestre Labiak Pró-Reitoria de Extensão, Pesquisa e Inovação – PROEPI Neide Alves Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas e Assuntos Estudantis – PROGEPE Bruno Pereira Faraco Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento Institucional – PROPLAN Marcelo Camilo Pedra Diretor Geral do Câmpus EaD Célio Alves Fibes Junior Diretor Executivo do Câmpus EaD Luana Cristina Medeiros de Lara Diretora de Administração e Planejamento do Câmpus EaD Sandra Terezinha Urbanetz Coordenação de Ensino Superior e Pós-Graduação do Câmpus EaD Adriano Stadler Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Gestão Pública Elaine Mandelli Arns Coordenadora de e-learning Ester dos Santos Oliveira Coordenação de Design Instrucional Ana Luísa Pereira Franciane Heiden Rios Loureni Reis Roberta Sotero Designer Instrucional Helena Sobral Arcoverde Ana Luísa Pereira Revisão Editorial Flávia Terezinha Vianna da Silva Capa Paula Bonardi Projeto Gráfico e Diagramação Imagens da capa: © VLADGRIN/Shutterstock; JelleS/Creative commons; © Dmitriy Shironosov/Shutterstock; visaointerativa/Creative commons; © Robert Kneschke/Shutterstock; © NAN728/Shutterstock; gracey/morgueFile; dbking/Wikimedia commons; © Robert Proksa/Stock.XCHNG; © Yuri Arcurs/Shutterstock; © jeff vergara/Stock.XCHNG; © Andresr/Shutterstock. Sumário Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 Capítulo 1 – Pressupostos da Sociologia Política . . . . . . . . . . . . . . . 7 1.1 Formação da Ciência Política . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 1.2 Da Física Social à Sociologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 1.3 Diferentes Sociologias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 1.4 A Influência da Modernidade no Surgimento da Sociologia 15 1.5 Sociologia Política . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 Capítulo 2 – A Teoria Sociológica Funcionalista de Émile Durkheim 21 2.1 Seguindo os passos de Comte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 2.2 Relação entre o Indivíduo e a Sociedade . . . . . . . . . . . . . . 22 2.3 Fato Social e Função Social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 2.4 Da Solidariedade Social aos Tipos de Consciência . . . . . . . 26 2.5 Anomia e Moralidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 2.6 A Importância do Estado em Durkheim . . . . . . . . . . . . . . 30 Capítulo 3 – Teoria Sociológica Compreensiva de Max Weber . . . 35 3.1 Principais Influências de Weber . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 3.2 Relação entre Sujeito e Objeto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 3.3 Ação Social, Relação Social e Ordens Legítimas . . . . . . . . 39 3.4 Os Tipos Ideais e as Consequências da Modernidade . . . . 41 3.5 Ciência e Política . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 3.6 Poder, Burocracia e Tipos de Dominação . . . . . . . . . . . . . . 47 Capítulo 4 – O Materialismo Histórico e Dialético atribuído a Karl Marx . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 4.1 Teoria e Prática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 4.2 Trabalho e Luta de Classes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 4.3 Estado, Ideologia e Alienação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 Pl an ej am en to E st ra té gi co P úb lic o Capítulo 5 – O Poder no Pensamento Social . . . . . . . . . . . . . . . . 69 5.1 Diferentes Concepções de Poder . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 5.2 Relação entre Poder e Política . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 5.3 Poder Natural e Instrumental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 5.4.1 Concepções Subjetivistas de Poder . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 5.4.2 Concepções Objetivistas de Poder . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 Capítulo 6 – Estado Moderno e Sociedade Civil . . . . . . . . . . . . . 81 6.1 Maquiavel, os Contratualistas e Hegel . . . . . . . . . . . . . . . . 85 6.3 O Estado e a Sociedade Civil na Tradição Marxista . . . . . . 89 Capítulo 7 – Diferentes Faces da Participação Política . . . . . . . . . 95 7.1 Escolha pela Democracia Representativa . . . . . . . . . . . . . . 95 7.2 Participação Política Individual e Coletiva . . . . . . . . . . . . . 96 7.3 Participação Política Eventual e Organizada . . . . . . . . . . 100 7.4 Conscientização e Organização Política . . . . . . . . . . . . . . 102 7.5 Participação Eleitoral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 7.6 Movimentos Sociais e Ações Coletivas . . . . . . . . . . . . . . 106 Capítulo 8 – Ideologias Políticas Modernas . . . . . . . . . . . . . . . . 111 8.1 O Significado da Ideologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112 8.2 Esquerda, Direita e a Política . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116 8.3 Ideologias “Clássicas” e “Novas” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125 Currículo dos autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127 Apresentação Este livro que você, aluno do curso de Pós-Graduação em Gestão Pública, do Instituto Federal do Paraná (IFPR) tem em mãos não se trata de um trabalho que propõe debates teóricos e políticos acerca de questões clássicas e contemporâneas proferidas por diferentes autores da Sociologia e da Ciência Política. Trata-se de um material introdutório ao estudo da Sociologia Política e, portanto, de um livro didático que visa possibilitar uma imersão neste campo do conhecimento que, de certa forma, abarca parte de nossas experiências vividas cotidianamente. Para isso, no primeiro capítulo, apresentamos os pressupostos da Sociologia Política, mostrando quais são suas particularidades e no que se diferencia e se aproxima tanto da Sociologia quanto da Ciência Política. Desenvolvemos uma breve construção histórica acerca do surgimento dessas duas disciplinas, apontando qual a particularidade da Sociologia Política e sua importância para o estudo da Gestão Pública, sobretudo, a partir do desenvolvimento e da implementação das políticas públicas. No segundo capítulo, proporcionamos uma compreensão dos elementos basilares da chamada Teoria Sociológica Funcionalista desenvolvida por Émile Durkheim, na França, a partir da segunda metade do século XIX. Apresentamos algumas de suas principais obras e conceitos promovendo um importante diálogo com os demais autores e teorias mencionadas neste trabalho. No terceiro capítulo abordamos os pressupostos da Teoria Sociológica Compreensiva ou Hermenêutica produzida por Max Weber, a partir de seus principais conceitos. Assim como nos capítulos anteriores e nos posteriores, apresentamos as perspectivas dos autores a partir de suas teorias sociológicas, teorias da modernidade e de seusposicionamentos políticos, que muitas vezes perpassam pontos de vista permeados, ora 6 Pl an ej am en to E st ra té gi co P úb lic o pela manutenção da ordem social ora por sua alteração. Mostramos que as teorias sociológicas clássicas apresentadas neste livro a partir de Comte, Marx, Durkheim e Weber perpassam diferentes concepções tratadas através do conflito e do entendimento. No quarto capítulo, além de mostrarmos as concepções de Karl Marx a partir do chamado (materialismo histórico e dialético), vimos como sua teoria foi construída e no que ela se diferencia das demais teorias desenvolvidas por Comte, Durkheim e Weber. Como no capítulo inicial havíamos mostrado as especificidades da Sociologia Política em relação à Ciência Política, constatando que a primeira visa estudar as relações de poder que perpassam pelo Estado, mas sem limitá- lo a ele; neste quinto capítulo, propusemos apresentar as formas com que o poder tem sido tratado pelo pensamento social. Deste modo, acabamos oferecendo um panorama geral de como o poder tem sido tratado por essas diferentes teorias sociológicas clássicas, sobretudo, a partir de duas de suas principais concepções: as objetivistas e as subjetivistas. No sexto capítulo, apresentamos sob quais condições houve o desenvolvimento do Estado moderno. Partimos de uma reflexão sobre o que significa a modernidade, para, posteriormente, descrevermos as contribuições mais relevantes da teoria social acerca da compreensão do Estado moderno e de que maneira ele se relaciona com a chamada sociedade civil e com a sociedade burguesa. No sétimo capítulo, desenvolvemos um texto didático sobre a importância da sociedade civil como grupo de pressão decorrente, principalmente dos movimentos sociais e de suas diferentes manifestações políticas que podem, inclusive, ultrapassar as barreiras da ação do Estado. Logo, partimos do pressuposto de que a participação política não inclui exclusivamente a participação eleitoral através do voto, chamado comumente de sufrágio universal, mas também por outros diferentes meios. Por fim, no oitavo e último capítulo, apresentamos as diferentes concepções de ideologia e as comumente chamadas ideologias modernas, tais como o liberalismo, o conservadorismo, o fascismo, o socialismo, o movimento ecológico e o fundamentalismo religioso, apresentando não apenas os diferentes posicionamentos políticos, mas também as diferentes visões de mundo. 1 CapítuloPressupostos da Sociologia Política Este capítulo inicial propõe ao aluno do curso de Pós- Graduação em Gestão Pública do Instituto Federal do Paraná (IFPR) uma introdução à Sociologia Clássica, aos seus principais autores e teorias, apontando sua relação com a Ciência Política. O seu principal objetivo é proporcionar um maior entendimento acerca dos principais elementos sociais, políticos e econômicos localizados no contexto do surgimento da sociologia e da ciência política, possibilitando a compreensão das especificidades dessas disciplinas, assim como de seus objetos de análise mais elementares que resultaram na junção, elaboração e desenvolvimento da sociologia política. Embora sejam apresentadas de forma simplificada as principais visões das tradições clássicas da sociologia nos três capítulos seguintes, busca-se neste momento inicial esboçar algumas noções basilares da teoria positivista, da funcionalista, do materialismo histórico e dialético, bem como da teoria sociológica compreensiva ou hermenêutica, elaboradas, respectivamente, por Augusto Comte, Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber. Nossa intenção é fundamentar as principais concepções teóricas e políticas dos precursores do pensamento sociológico com a construção de suas metodologias de análise que se apresentam de maneira bastante distinta umas das outras. Deste modo, procuraremos responder algumas questões como: Qual a relação entre a sociedade e as diferentes teorias sociológicas e políticas? O que é sociologia? O que é política? O que esses campos do conhecimento científico estudam? E qual a relação entre eles? Certamente esses questionamentos seriam respondidos pelo senso comum de forma bastante simplificada, possivelmente por meio da afirmação de que enquanto a sociologia estuda os fenômenos que ocorrem no interior da sociedade, a política trata da organização, da administração e das relações de poder existentes nos negócios internos (política interna) e externos (política externa) da sociedade, as diferentes formas de governo e ideologias. 8 So ci ol og ia P ol íti ca Embora essas considerações estejam bastante próximas das corretas, a superficialidade deste tipo de resposta aponta para uma simplificação da questão. Ao percebermos a falta de certo grau de complexidade, abarcado por sua história e seus demais desdobramentos no campo das ciências humanas, notamos que há uma necessidade de aprofundamento teórico sobre essas áreas, conforme veremos a seguir. Afinal, o que é política? O conceito de política possui suas raízes no adjetivo polis (politikós), que trata de tudo aquilo que se refere à cidade, ao urbano, ao civil, ao público, ao sociável e ao social. Já a sua utilização moderna designa aquelas atividades ou conjuntos de atividades produzidas e compostas pelo Estado. Contudo, antes de apresentarmos o processo de formação da Ciência Política é imprescindível definirmos o seu campo de atuação. Para Bobbio (1990), ciência política refere-se a um tipo de pesquisa realizada no campo da vida política que ocorre por meio de três condições: 1ª) do princípio da verificação como critério de aceitabilidade dos resultados; 2ª) do uso de técnicas da razão que permitam dar uma explicação causal do fenômeno investigado; 3ª) da abstenção de juízos de valor. A política contemporânea, comumente chamada de ciência política, localiza-se principalmente nos escritos de Maquiavel (1469-1527); a política clássica situa-se em Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), pensador grego, e em sua constatação de que o ser humano é um zoonpolitikón (animal político) que vive na polis (cidade), considerada a unidade constitutiva indecomponível e a dimensão suprema da existência. Para os gregos, o viver “político” e a “politicidade” não eram apenas aspectos da vida, mas o seu todo e a sua essência. Logo, o ser humano “não político” era tratado como um ser deficiente, um ídion (“idiota” no sentido original do termo), cuja insuficiência consistia justamente em ter perdido (ou nunca ter adquirido) certa dimensão e plenitude de sua simbiose com a polis, que consistiria em uma relação mutualmente vantajosa para ambos, conforme constatou Sartori (1981). É importante esclarecer que não há como pensar em política e, portanto, em ações humanas, sem considerá-las como um campo permeado por 9Capítulo 1 – Pressupostos da Sociologia Política relações de poder, pois quem faz política busca ou procura exercer o poder sobre outra pessoa ou sobre um grupo social no intuito de obter alguma vantagem pessoal ou coletiva. Segundo Weber (1970), todos que se entregam à política aspiram ao poder – seja considerando-o como instrumento a serviço da consecução de outros fins, ideais ou egoístas, seja porque desejam o poder “pelo poder”, no intuito de gozarem de um sentimento de prestígio que ele confere à pessoa. Embora se constate que a política tenha sido utilizada como um conjunto de esforços que visam à participação do poder ou sua influência na divisão do poder tanto entre Estados quanto no interior de um único Estado – conforme apontou Weber (1970) – é possível averiguar que a política tem oscilado entre duas interpretações opostas: Para uns, a política é essencialmente uma luta, um combate: o poder permite aos indivíduos e grupos que o detêm assegurarsua dominação sobre a sociedade e dela tirar proveito; os outros grupos e os outros indivíduos se erguem contra esta dominação e esta exploração, esforçando-se por resistir-lhe e destruí-las. Para outros, a política é um esforço no sentido de fazer reinar a ordem e a justiça: o poder assegura o interesse geral e o bem comum contra a pressão das reivindicações particulares (DUVERGER, 1968). Deste modo, a política tem servido tanto para manter os privilégios de uma minoria sobre uma maioria, quanto para integrar os indivíduos na comunidade, criando uma suposta sociedade justa, conforme buscava Aristóteles. Apesar de haver discordâncias entre os cientistas políticos no que se refere à ação da política tratada por meio do consenso ou do conflito, há certa convergência acerca da fundação da chamada ciência política moderna, pois para a grande parte dos pesquisadores contemporâneos, Nicolau Maquiavel é considerado o fundador da ciência política. Foi a partir de sua obra intitulada O Príncipe, escrita por volta de 1512, que o autor garantiu sua condição de inaugurador deste campo do conhecimento. Em O Príncipe, oferece um estudo da dinâmica de governo, dos meios e circunstâncias que conduzem à obtenção e manutenção do poder, além de mostrar os erros que podem ser cometidos e como evitá-los. Defendeu que para se ter êxito com o poder todos os meios se justificam. No período em que Maquiavel escreve, a Itália estava dividida entre diferentes reinos, ducados e repúblicas, marcada por profundas divisões, rivalidades e corrupção. Neste contexto, considera que a debilidade italiana só podia ser superada através do Estado, e ao observar a unidade existente em outros países justifica a monarquia absoluta como única forma possível de a Itália superar sua condição (DIAS, 2011). 10 So ci ol og ia P ol íti ca O Príncipe, principal obra de Maquiavel, fundamentava-se em um manual prático destinado a ensinar técnicas de governo e de manutenção do poder. Para o autor, a religião e a moral poderiam ser prudentemente utilizadas na consolidação do poder dos governantes, entretanto, não seriam necessárias para seu funcionamento, pois os fins políticos são sempre justificados pelos meios empregados. Maquiavel (1996) não propôs a legitimação do poder, mas sua manutenção através da força e da astúcia, uma vez que estes eram os únicos elementos capazes de explicar a queda dos impérios e dos governos. Deste modo, o autor não apenas procurou ensinar aos governantes e ao povo quais eram os mecanismos de governo mais utilizados na consolidação e no fortalecimento do Estado, como também apontou quais eram os erros mais elementares que engendravam a decadência e a ruína dos governantes. O que Maquiavel realmente queria era evidenciar a natureza estratégica da atividade política destacando tanto a virtú (firmeza de caráter, coragem militar, habilidade no cálculo, capacidade de sedução e inflexibilidade), quanto à fortuna (sucesso ao avaliar o melhor momento para agir). 1.1 Formação da Ciência Política Na época em que Maquiavel escreveu O Príncipe, meados do século XVI, as sociedades europeias ocidentais atravessavam um período demarcado por intensas transformações provocadas, principalmente, pelo Renascimento1. As principais alterações ocorridas naquele momento foram sintetizadas por Châtelet; Duhamel & Pisier-Kouchner (2009), conforme veremos no quadro ao lado: A partir do início do século XVI, ocorreram transformações que abalaram as sociedades da Europa Ocidental. Essas múltiplas e interferentes transformações (o Renascimento) envolveram: 2 1 Renascimento, Renascença ou Renascentismo são termos utilizados para identificar o período da história europeia que ocorreu entre o final do século XIII e meados do século XVII, exercendo forte influência nos escritos dos autores da época, sobretudo, no campo da política. O Renascimento esteve marcado por transformações em diversas áreas da vida humana, caracterizando a transição do feudalismo para o capitalismo, assinalando o final da Idade Média e o início da Idade Moderna. 2 Laissez-faireé a contração da expressão em língua francesa laissezfaire, laissezaller, laissezpasser, que significa literalmente “deixai fazer, deixai ir, deixai passar. (Fonte: http://www.recantodasletras.com. br/ensaios/741674) 11Capítulo 1 – Pressupostos da Sociologia Política A As realidades históricas e econômicas (extensão e aplicação – prática das descobertas feitas durante a Idade Média; desenvolvimento da civilização urbana, comercial e manufatureira); B A imagem do mundo (descoberta do novo mundo; revoluções astronômicas de Copérnico e Kepler; a física de Galileu); C A representação da natureza (o universo medieval dos signos é substituído por uma realidade espacial a conquistar e explorar); D A cultura (a redescoberta da Antiguidade greco-romana pelos humanistas suscita um maior interesse pelo ser humano enquanto dado natural e pelas especulações ético-políticas; E O pensamento religioso (a radicalização da contestação do poder e da hierarquia de Roma, esboçada no século XIV por J. Hus, na Boêmia, e Wycliff, na Inglaterra, pelos movimentos que reivindicam cristianismo primitivo e se apoiam em especificidades “nacionais”). Esses abalos e os conflitos que os marcam colocam às práticas e às reflexões políticas problemas que essas vão ter que resolver por meio de invenções que estão na origem da modernidade: entre as mais marcantes, a do Estado como soberania (CHÂTELET; DUHAMEL & PISIER- KOUCHNER, 2009: 35). Apesar de serem raros os momentos consensuais estabelecidos por sociólogos e cientistas políticos, podemos dizer que há certa concordância no que se refere à importância dada ao pensamento de Maquiavel para a constituição da ciência política. Contudo, é importante destacar que tamanha relevância dada ao autor só foi possível devido à sua responsabilização pela introdução de elementos que resultaram em uma ruptura decisiva, construída a partir de concepções que contrariavam as teorias da sociabilidade natural e dos ensinamentos teológicos cristãos3. Ao abordar as atividades coletivas, enfatizando a preponderância do Estado, Maquiavel reconheceu a ascensão de um novo tipo de poder soberano que se encontrava representado na figura do Príncipe. A grande originalidade de seu pensamento se deve, sobretudo, à sua obra O Príncipe, na qual o autor mostrou que para manter o poder é preciso buscar a onipotência através da recusa de quaisquer fraquezas. Deste modo, seria necessário afastar quaisquer considerações morais e religiosas no intuito de garantir ao Príncipe que ele seja efetivamente o senhor da legislação e, portanto, o definidor do bem e do mal público. 3 A teologia cristã pode ser definida tanto como as verdades extraídas da Bíblia e de quaisquer outras fontes reconhecidas como divinas que são apresentadas de forma sistematizada, quanto como uma filosofia que trata do nosso conhecimento sobre Deus e de seu relacionamento com os indivíduos, abarcando, portanto, tudo aquilo que se relaciona a Ele, a Bíblia e os propósitos divinos. Im ag em 1. 1: Ni co lau M aq uia ve l Fo nt e: ht tp: //r ev ist ah ist ori en .bl og sp ot. co m. br/ (A ces sad o n o d ia 27 de m aio de 20 12 ). 12 So ci ol og ia P ol íti ca As disponibilizações dessas diferentes ferramentas analíticas que viabilizaram e ainda viabilizam importantes reflexões sobre a gênese do Estado moderno, elaboradas a partir de O Príncipe, possibilitaram a abertura de caminhos imprescindíveis para as ciências sociais que proporcionaram outros tipos de análises sobre a sociedade moderna, resultando, inclusive, na elaboração de outro campo do conhecimento científicochamado de sociologia, conforme veremos adiante. A noção de ‘política’ é mais difícil de precisar que a de ‘sociologia’. Esta palavra é recente: conserva um sentido técnico; é ainda pouco empregada em linguagem corrente. O termo ‘política’, pelo contrário, é muito antigo e pertence ao vocabulário usual: por força das circunstâncias, tornou-se muito mais vago. Sem dúvida, ao lado de seu uso vulgar, é ele utilizado de modo mais preciso pelos sociólogos. As expressões ‘sociologia política’ ou ‘ciência política, que lhe é quase sinônima adquiriram já direito de cidadania em França há muitos anos, para designar um ramo da Sociologia (DUVERGER, 1968). 1.2 Da Física Social à Sociologia Apesar de ser composta por diferentes concepções políticas, teóricas e conceituais, a sociologia é uma disciplina criada recentemente, em meados do século XIX. O grande responsável pela atribuição deste nome a este campo do conhecimento foi Augusto Comte (1798–1857) que, em sua obra intitulada Curso de Filosofia Positiva, escrito em 1839, propõe a alteração da física social, termo empregado pelo autor em 1830, mas já utilizado anteriormente por Saint-Simon e Thomas Hobbes, para sociologia. Segundo Duverger (1968), a substituição do termo física social para sociologia ocorreu devido à constatação de Comte de que, em 1836, Quételet4 havia aplicado este termo no estudo estatístico dos fenômenos morais. A grande preocupação de Comte ao propor esta nova disciplina consistia em formular as bases deste campo de saberes sobre a sociedade moderna que emergia, amparando-se na utilização de metodologias validadas pelo conhecimento científico da época. Deste modo, o autor propôs que fossem utilizados às Ciências Sociais métodos semelhantes àqueles validados pelas Ciências Naturais e Exatas daquele período, no intuito de que fossem abandonados os pressupostos analíticos abarcados pela filosofia política, 4 Lambert Adolphe Jacques Quételet (1796—1874), matemático, astrônomo, estatístico e sociólogo belga, foi quem iniciou importantes estudos acerca da demografia e do índice de massa corporal. 13Capítulo 1 – Pressupostos da Sociologia Política saber que até aquele momento se dedicava exclusivamente a analisar os fenômenos sociais, por meio de especulações. Segundo Comte, a racionalidade humana havia passado por três estágios durante o seu desenvolvimento: o teológico, o metafísico e o positivo, sendo o último destes o mais importante por se fundamentar exclusivamente no conhecimento científico, que para o autor era o saber mais avançado. Comte ainda constatou que no interior do campo científico existia uma espécie de hierarquia, na qual a matemática encontrava-se no nível mais baixo desta escala, entretanto, a biologia, naquela época chamada de fisiologia e, principalmente, a sociologia ocupava o posto mais alto. Augusto Comte insistiu enfaticamente sobre o caráter científico da Sociologia. O nascimento mesmo desta disciplina está ligado à ideia fundamental de que se devem aplicar ao estudo dos fenômenos sociais os mesmos métodos de observação que empregam às ciências naturais: daí a expressão “física social”, inicialmente usada por Comte. Durkheim expressará mais tarde a mesma ideia, dizendo que se deve tratar os fatos sociais “como coisas”. Ver-se-á mais adiante que os autores modernos não adotam de todo a mesma atitude (DUVERGER, 1968:02). A ideia de Comte pautada na aplicação dos métodos das Ciências Naturais e Exatas ao estudo da sociedade recebeu influências de Saint- Simon – pensador do qual Comte foi colaborador entre 1817 e 1824 – e Condorcet – que sustentava a importância do cálculo e da matemática ao estudo dos fenômenos sociais, desenvolvendo as principais concepções que fundamentaram o positivismo. Para Comte, a evolução do conhecimento é comparada à evolução do ser humano. Assim, a religião representaria a infância da humanidade, a filosofia (metafísica) representaria a adolescência e só a ciência traria a plena maturidade, atingindo o estado positivo. Im ag em 1. 2: Au gu sto C om te Fo nte : h ttp :// no ssa -es co lad os son ho s.b log sp ot. co m. br/ (A ces sad o n o d ia 27 de m aio de 20 12 ). 14 So ci ol og ia P ol íti ca Entendendo que a ciência positivista seria a única explicação legítima da sociedade, Comte constatou que a religião e a filosofia conduzem o ser humano ao engano, mas que este estava sendo substituído pelo avanço da ciência, propiciando à sociedade um completo domínio e conhecimento do mundo que o cerca. Embora tenha proferido críticas à religião, no final de sua vida, Comte acabou propondo a chamada Religião da Humanidade, em sua obra intitulada Catecismo Positivista (escrita em 1852). O principal objetivo de Comte era resgatar a moralidade perdida com a ascensão da modernidade. 1.3 Diferentes Sociologias É possível falarmos em nome de uma única sociologia ou de uma única ciência política? Ou existem diferentes formas de fazê-las? Existe uma única maneira de se estudar e de desenvolver pesquisas a partir dessas disciplinas? Não, pois o pensar sociológico e político pressupõem a existência de diferentes “escolas” e tradições, conforme veremos adiante. Apesar de Maquiavel ser comumente considerado o fundador da Ciência Política, e Comte o instituidor da Sociologia, principalmente pelo fato de ter atribuído o nome a esta disciplina, há certo consenso entre os sociólogos acerca da maior importância dada, do ponto de vista teórico-metodológico e político, a Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber (além de outros autores como Simmel, Tarde, Tönnies, etc.). É importante ressaltar que, embora tenham desenvolvido suas teorias sociológicas e políticas, bem como suas visões acerca da modernidade, de forma bastante distinta, não há uma unidade no pensamento desses autores. Logo, cada um acabou desenvolvendo distintamente sua teoria sociológica, sua teoria da modernidade e sua teoria política: Teoria sociológica: métodos de estudo da realidade social. Teoria da modernidade: interpretações quanto às características das relações sociais em tempos modernos. Teoria política: discussão sobre os problemas e desafios da vida em sociedade. Fonte: Sell (2009) Como ambos viveram em diferentes momentos daquele período que se convencionou chamar de modernidade, marcado por diversas mudanças sociais, culturais, políticas e econômicas, sobretudo, em decorrência do Renascimento, Iluminismo, Revolução Industrial e Revolução Francesa, 15Capítulo 1 – Pressupostos da Sociologia Política conforme veremos na sequência, cada um deles desenvolveu suas metodologias e teorias destinadas a analisar os fenômenos sociais que estavam à sua volta, posicionando-se politicamente diante daqueles acontecimentos. A construção desses diversificados arcabouços teóricos elaborados pela sociologia clássica, que trata tanto dos fenômenos sociais daquela época, como também da sistematização de metodologias e dos posicionamentos políticos desses autores, são reflexos de suas diferentes concepções de mundo. Os clássicos da Sociologia foram alguns dos grandes intérpretes do mundo moderno. Eles nos ajudaram a entender que a modernidade implica uma profunda ruptura com o passado, trazendo novas formas de organizar a produção (economia), distribuir o poder (política) e compreender a existência (cultura) (SELL, 2009:17). Sell (2009), de forma bastante simplificada, apresentou um quadro comparativo referente aos três principais autores da sociologia clássica, que será apresentado doravante. Autores Teoria Sociológica Teoria da Modernidade Teoria Política Marx Método Histórico- Dialético Modo de Produção Capitalista Comunismo Durkheim MétodoFuncionalista Divisão do Trabalho Social Culto do indivíduo Weber Método Compreensivo Racionalismo da Dominação do Mundo Liderança Carismática Fonte: Sell (2009) Embora este seja um material didático destinado a introduzir o aluno do curso de Pós-Graduação em gestão pública do Instituto Federal do Paraná – IFPR no campo da Sociologia Clássica e da Ciência Política para, subsequentemente, tratarmos da Sociologia Política, queremos deixar claro que este livro não tratará de debater estas Teorias, mas apresentá-las de maneira introdutória. 1.4 A Influência da Modernidade no Surgimento da Sociologia Antes de definirmos o campo da sociologia política e os seus principais objetos é importante destacarmos que a Revolução Industrial e a Revolução 16 So ci ol og ia P ol íti ca Francesa – que, de certa forma, estiveram permeadas por certa revolução científica – foram acontecimentos imprescindíveis para o surgimento da sociologia. O Renascimento e o Iluminismo proporcionaram importantes mudanças dos pontos de vista social, cultural e religioso, assim como a Revolução Francesa provocou uma transformação política e a Revolução Industrial uma modificação na ordem econômica. A Europa, no século XVIII, havia atravessado por um importante período de abalo as tradições políticas com a revolução francesa. Este fenômeno da maior importância resultou na queda da monarquia e na progressiva instauração do sufrágio eleitoral, do processo de ampliação dos direitos humanos, das noções de liberdade, fraternidade e igualdade, trazendo novos ideais políticos, inaugurando novas formas de organização do poder a partir da ascensão da classe burguesa. No entanto, antes da Revolução Francesa consagrou-se uma nova forma de pensar filosoficamente o mundo, através do chamado Iluminismo ou Século das Luzes. Este se destacou por ser um movimento intelectual que possuía como objetivo entender e organizar o mundo a partir da razão. Segundo os filósofos Voltaire, Rousseau, Diderot, D’Alembert dentre outros, a razão era a luz que sepultaria as trevas apresentadas pela monarquia e pela religião que manipulavam o conhecimento da época. Esse processo de transformação cultural teve seu início no Renascimento, século XV, pois embora tenha sido mais forte no campo das artes, o objetivo era colocar o ser humano (antropocentrismo) no lugar de Deus (teocentrismo). Entretanto, o Iluminismo acabou acrescentando um elemento importantíssimo ao Renascimento, que seria o potencial da razão humana. Desta forma podemos entender que por detrás da transformação de ordem política ocorrida na Revolução Francesa, havia outra transformação concomitante, mas de ordem cultural através do pensamento iluminista que estava se consolidando nos séculos XVII e XVIII, tendo iniciado seu processo de busca pela racionalização desde o Renascimento. Assim, este século de contestação política e cultural acabou propiciando outra importante transformação posterior de ordem econômica – a chamada Revolução Industrial. 17Capítulo 1 – Pressupostos da Sociologia Política A Revolução Industrial alterou plenamente as formas de interação humana, aumentando a produtividade e instaurando duas novas classes sociais: a burguesia (que já era existente) e o proletariado. A primeira se destacava por possuir a propriedade das máquinas ou os chamados meios de produção, enquanto que a segunda se obrigava a vender o único bem que possuía, ou seja, o próprio corpo para o trabalho ou a chamada força de trabalho. Junto a essas transformações vieram a imigração, a urbanização, a proletarização, novas formas de pobrezas e fenômenos sociais radicalmente novos que possibilitaram uma transformação de ordem econômica. É importante destacar que as três transformações que apresentamos de forma arbitrária alteraram não apenas as estruturas fundamentais da sociedade europeia e/ou ocidental, como também os rumos da história, desencadeando novas relações sociais, assim como novas formas de luta política, tanto o Iluminismo com as revoluções Francesa e Industrial. Essas transformações começaram um movimento de transição entre o que hoje chamamos de Idade Média e Idade Contemporânea. Foi em meio às concepções sobre os acontecimentos desses séculos que os três clássicos da sociologia – Marx, Durkheim e Weber – construíram suas teorias sociológicas (dimensão teórico-analítica) pautadas nas análises dessas transformações históricas, que pressupõem teorias da modernidade (dimensão teórico-empírica) e proposições de projetos políticos (dimensão teórico- política), ambas permeadas pela objetividade do conhecimento científico na busca por uma maior compreensão da relação entre indivíduo e sociedade. Enquanto a dimensão teórico-analítica consiste na capacidade de explicação baseada na utilização de métodos científicos, a dimensão teórico- empírica compreende o uso destes métodos a partir de elementos extraídos de determinada realidade empírica que se relaciona intimamente com a dimensão teórico-política, amparada nos posicionamentos destes autores diante das transformações que presenciavam a partir do século XIX. No entanto, até o século XIX eram poucos os pensadores que se preocupavam com as chamadas atualmente de questões sociais. E estes poucos que havia, analisavam as questões sociais com auxílio da filosofia política, limitando suas compreensões a partir do fenômeno do poder pensando na esfera do Estado. Como a filosofia política possuía um caráter eminentemente especulativo, não dispondo da observação e da experimentação (elementos essenciais para o 18 So ci ol og ia P ol íti ca olhar científico), foi necessária a elaboração de uma disciplina que utilizasse os métodos científicos na compreensão da realidade: a sociologia política. 1.5 Sociologia Política Sempre que falamos em sociologia política, falamos também em ciência política. Podemos dizer que ambas são as mesmas coisas? O que as caracterizam? Embora alguns autores constatem que seja “impossível estabelecer qualquer distinção teórica entre sociologia política e ciência política” (BOTTOMORE, 1979:08), uma vez que ambas versam sobre as questões referentes ao poder; outros, como Duverger (1968), por exemplo, apesar de reconhecerem a enorme proximidade entre esses campos, acabam distinguindo-os, na medida em que consideram a ciência política como uma ciência do Estado, e a sociologia política como uma ciência do poder, ultrapassando, assim, os limites da organização estatal. Segundo Duverger (1968), a sociologia política não deve ser tratada apenas como uma disciplina que visa analisar e corroborar com a manutenção da ordem social em proveito de todos, mas, principalmente, como uma ferramenta de combate entre indivíduos e grupos destinados a conquistarem poderes utilizados em proveito próprio ou em detrimento da coletividade. Deste modo, o autor propõe que, para a sociologia política, o poder possui duas faces: a opressão e a integração, elementos que são disponibilizados de maneira diferente entre os autores da sociologia clássica. [...] A ciência política se caracteriza por buscar nos fatos políticos as variáveis explicativas, ou seja, independentes e que dão sentido a outros fenômenos e processos do mundo político ou fora dele. Ao analisar os tipos de regimes políticos, as condições do exercício do poder, os negócios políticos, os programas governamentais, os grupos de poder, os conflitos e tensões institucionais, o cientista político busca regularidades, conexões causais entre os fatos do mundo político. Por sua vez, o sociólogo localiza nas condições socioestruturais, nos fenômenos sociais, as causas explicativas de outros acontecimentos sociais, ou mesmo políticos, econômicos etc. São conceitos típicos da Sociologia: comunidade (rural e urbana),trabalho, status, autoridade, classe social, alienação, ideologia, mito etc. [...] Fonte: SOUZA, Nelson Rosário de. O que é Sociologia Política. Disponível em: <http://www2.videolivraria.com.br/ pdfs/8697.pdf> (Acessado no dia 27 de abril de 2012). 19Capítulo 1 – Pressupostos da Sociologia Política A aproximação entre a ciência política e a sociologia ocorreu a partir do século XX, em decorrência da massificação da política institucional e dos diferentes movimentos sociais que se iniciaram, sobretudo, na Europa central. Foi somente a partir da formação dos partidos de massa e da intensificação na organização de mobilizações sociais que a junção dessas duas disciplinas foi possível, objetivando analisar os diferentes elementos que compõem e influenciam não apenas o jogo político institucional, mas as demais relações sociais. Neste capítulo pudemos compreender quais foram as condições em que a sociologia e a ciência política emergiram. Vimos também que a elaboração e o desenvolvimento da ciência política ocorreram na Europa, sobretudo, na Itália, em meados do século XVI, com a publicação de O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, enquanto que a sociologia só foi se desenvolver no século XIX, na França, com a criação da teoria positivista, forjada por Augusto Comte a partir de sua obra intitulada Curso de Filosofia Positiva. Além de proporcionarmos uma análise sobre o contexto em que a sociologia emergiu, ainda tratamos de expor, de maneira bastante introdutória, alguns elementos basilares dessas diferentes teorias sociológicas clássicas que serão abordadas doravante. Contudo, gostaríamos de ressaltar que as teorias elaboradas por Marx, Durkheim e Weber não somente passaram a ser utilizadas como ferramentas indispensáveis para a compreensão da realidade social através de um processo de validação perpassado pelo crivo da cientificidade que visava explicar, compreender, refletir e analisar os fenômenos sociais, além de combatê-los, como também apresentaram aspectos imprescindíveis que subsidiaram a elaboração daquilo que se convencionou chamar de sociologia política, tema deste livro. Síntese 20 So ci ol og ia P ol íti ca Sugestão de livro: GIDDENS, Anthony & TURNER, Jonathan (org.).Teoria Social Hoje. São Paulo: Unesp, 1999. Neste livro, os autores debatem as grandes questões que permearam o universo das ciências sociais nas últimas décadas, como ‘O que existe fora do universo social?’; Quais são as propriedades mais fundamentais do mundo?’; ‘Que tipo de análise dessas propriedades é possível ou apropriada?’ Dessas abordagens resulta um rico panorama responsável pela configuração da variedade de posturas em torno das quais se desenvolve a teoria social contemporânea. Fonte: http://www.skoob.com.br/livro/35159-teoria-social-hoje. Acesso em 27 de maio de 2012. Sugestão de filme: WAJDA, Andrezej (direção). Danton – O Processo de Revolução. França, 1983. (Danton, O Processo da Revolução é um dos filmes indispensáveis sobre a Revolução Francesa. Com a Direção do mestre Andrzej Wajda (Cinzas e Diamantes), essa obra prima tem como destaque o astro Gérard Depardieu, em uma das grandes interpretações de sua carreira. Quatro anos após a Revolução, a situação econômica da França é um desastre. Na época, cada cidadão era um suspeito em potencial. As cabeças rolavam com a guilhotina. O povo vivia com fome e com medo. Os mesmos revolucionários – Danton e Robespierre –, que tinham proclamado a Declaração dos Direitos do Homem, implantavam o Reino do Terror. Enquanto Danton tinha o apoio do povo, o segundo tinha o poder. O embate entre os dois líderes dá início a um complexo processo político. CHAPLIN, Charles (direção). Tempos Modernos. Inglaterra, 1936. A história gira em torno de um trabalhador que ao sofrer um colapso nervoso devido ao seu cansativo trabalho, é levado para um hospital, e ao voltar para a sua vida exaustiva, encontra a fábrica fechada. Sem saber do que viver, ele vai atrás de outros empregos. E nessa busca acaba fazendo uma grande amizade. Di vu lga çã o. Di vu lga çã o. Di vu lga çã o. 2 CapítuloA Teoria Sociológica Funcionalista de Émile Durkheim Este capítulo propõe descrever os principais elementos teóricos, metodológicos e políticos que compõem a chamada teoria sociológica funcionalista elaborada por David Émile Durkheim (1858-1917), disponibilizando ao leitor as percepções sobre a modernidade e sobre a pesquisa sociológica, além de apresentar as concepções políticas do autor. 2.1 Seguindo os passos de Comte Seguidor de Augusto Comte, um dos autores apresentados no capítulo anterior, mas sem perder de vista seus limites, e com a pretensão de conferir à sociologia uma reputação verdadeiramente científica, Émile Durkheim teve como principal objetivo desenvolver um importante aspecto que faltava na sociologia criada por seu precursor: um método de análise. Através de sua tese intitulada Divisão do Trabalho Social (1893), Durkheim desenvolveu “ferramentas” que o ajudaram a ser considerado por seus pares um dos pesquisadores pioneiros na área da sociologia da religião (com sua obra intitulada As Formas Elementares da Vida Religiosa, 1912), na área do conhecimento (com sua obra intitulada As Regras do Método Sociológico, 1895), nos estudos empíricos sobre o fenômeno do suicídio (em sua obra intitulada O Suicídio, 1897), e na área da educação (expostos em sua obra Educação Moral, 1925, por exemplo). Dentre as influências fundamentais do pensamento de Durkheim podemos destacar três correntes de pensamento: o positivismo, o evolucionismo e o conservadorismo que contribuíram para a elaboração da teoria sociológica funcionalista. O pensamento positivista, que partia das ideias de Comte, enfatiza o poder da razão oriundo do iluminismo e a Im ag em 2. 1: Ém ile D urk he im Fo nte : h ttp :// sin ds erj .or g.b r/ (A ces so em 27 de m aio de 20 12 ) 22 So ci ol og ia P ol íti ca superioridade da ciência através do positivismo; o evolucionismo aplicava a noção de evolução da natureza a partir de Darwin e evolução da sociedade a partir de Spencer1; o conservadorismo de Burke2, Maistre3 e Louis de Bonald4, que se opunham as transformações trazidas pela Revolução Francesa, criticando o racionalismo e a agitação do mundo moderno, propondo um retorno aos ideais de estabilidade da Idade Média enfatizada pela religião, que deveria ser sobreposta pela ampliação de um modelo de educação laica. Embora Durkheim não rejeitasse o progresso, a ênfase conservadora na ordem o influenciou em suas posições políticas. 2.2 Relação entre o Indivíduo e a Sociedade Mas, qual a relação entre a sociedade e o indivíduo? De acordo com Durkheim, de que maneira um complementa o outro? 1 Herbert Spencer (1820-1903) foi um grande admirador de Charles Darwin e de sua obra intitulada A Origem das Espécies, sendo o responsável pela expressão “sobrevivência do mais apto”. Em suas obras o autor aplicou as supostas leis da evolução a todos os níveis da atividade humana. Spencer também foi considerado o fundador de uma corrente chamada dedarwinismo social. Com base em suas ideias, alguns autores procuraram justificar a divisão da sociedade em classes, propondo que estes seriam exemplos de seleção natural. 2 O conservadorismo é uma corrente do pensamento políticos que iniciou na Inglaterra por volta do final do século XVIII pelo advogado, filósofo e político irlandês, Edmund Burke (1729-1797), como uma reação à Revolução Francesa. Partia do princípio de que as utopias provenientes deste acontecimento resultaram em uma instabilidade política e em crises sociais em toda a França. O pensamento conservador foidifundido pelo mundo, sobretudo, a partir do período do Terror jacobino, que, durante o auge da Revolução, causou a morte de 35 a 40 mil pessoas. O termo “conservador” pressupõe certa adesão aos princípios e aos valores atemporais, que deveriam ser conservados a despeito de toda mudança histórica. 3 O Conde Joseph-Marie de Maistre (1753-1821) foi um importante escritor, filósofo, diplomata e advogado proponente do pensamento contrarrevolucionário no período seguinte à Revolução Francesa de 1789. Ao ser favorável a restauração da monarquia hereditária, pressupondo-a como uma instituição de inspiração divina, Maistre defendia a suprema autoridade do Papa, quer em matérias religiosas como também em matérias políticas. 4 Louis-Gabriel-Ambroise, comumente chamado Visconde de Bonald (1754-1840), foi um filósofo francês que contestava o Iluminismo e a Teoria Política em que se fundamentava a Revolução Francesa. Junto à La Mennais no domínio da filosofia, a Joseph de Maistre na religião e a Ferdinand d’Eckstein na história, Louis de Bonald é reconhecido, na filosofia política, como um dos precursores da filosofia católica contrarrevolucionária. 23Capítulo 2 – A Teoria Sociológica Funcionalista de Émile Durkheim Ao averiguar que a sociedade incide sobre os indivíduos, Durkheim, influenciado pelo positivismo, verificou que a explicação da realidade está condicionada pelo objeto. Portanto, a sociedade (objeto) tem precedência sobre o indivíduo (sujeito). Segundo o autor, a sociedade deve ser tratada como algo para além da soma dos indivíduos que a compõem, pois uma vez vivendo em sociedade, os indivíduos dão origem às instituições sociais que possuem dinâmica própria: os seres humanos passam pela sociedade, mas ela fica. Para Durkheim, é a sociedade que age sobre o indivíduo, modelando suas formas de agir, influenciando suas concepções e modos de ver, condicionando e padronizando o seu comportamento. Assim, a noção de que somos pessoas ou sujeitos individuais nada mais é do que uma construção social. Em relação ao método científico elaborado por Durkheim na construção da teoria sociológica funcionalista a partir de sua obra As Regras do Método Sociológico (1895), o autor afirmou que a primeira e a mais importante regra da sociologia é considerar os fatos sociais como “coisas”. Essa concepção parte do princípio de que a realidade social se aproxima da realidade da natureza. Assim, tal como as “coisas” da natureza funcionam de forma independente da ação humana, cabendo ao cientista apenas mostrar suas regularidades; as “coisas” da sociedade, chamadas de fatos sociais, também seriam uma realidade distinta da ação humana. Segundo Durkheim (1979), para a sociologia obter a objetividade plena deveria “registrar” da forma mais imparcial e neutra possível a realidade pesquisada (objeto), tal qual fariam as demais ciências. Desta forma, o papel do pesquisador seria elaborar um retrato da realidade pesquisada, pois ela seria uma realidade objetiva como qualquer outra “coisa” da natureza. Na percepção sociológica do autor, é a realidade (objeto) que se impõe ao sujeito (observador). Por isso, Durkheim e Comte defendiam a tese de que as ciências sociais deveriam adotar o mesmo método das ciências naturais. Im ag em 2. 2: Re laç ão In div ídu o X So cie da de Fo nte : h ttp :// cid ad ex tre me .w ord pre ss. co m/ (A ces so em 27 de m aio de 20 12 ). 24 So ci ol og ia P ol íti ca 2.3 Fato Social e Função Social (...) é um fato social toda maneira de agir, fixa ou não, capaz de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, ou ainda; que é geral no conjunto de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente de suas manifestações individuais (DURKHEIM, 1979). Como para Durkheim os fatos sociais não existem por acaso, na medida em que existem porque a princípio cumprem uma função social, o autor comparará a sociedade a um “corpo vivo”, em que cada órgão desempenha um papel devido. Daí o nome de metodologia funcionalista como método de análise e daí a ideia de que o todo predomina nas partes, implicando na afirmação de que a parte (fatos sociais) existe em função do todo (sociedade). Para Durkheim (1979), o objeto da sociologia são os fatos sociais, que consistem em diferentes maneiras de agir capazes de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior generalizante do ponto de vista do conjunto de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria que independe de suas manifestações individuais. Segundo o autor, a forma como o ser humano age é sempre condicionada pela sociedade, já que essas formas de agir chamadas de fatos sociais possuem um tríplice caráter: são exteriores (provêm da sociedade e não do indivíduo), coercitivos (são impostas pela sociedade ao indivíduo) e objetivos (tem uma existência independente do indivíduo). Um professor, por exemplo, ao fazer a chamada em sala de aula no intuito de verificar os alunos presentes e os ausentes ou ao aplicar uma simples prova, não o faz necessariamente por ser seu próprio desejo, mas sim porque é coagido por normas e regimentos objetivos que são exteriores a ele, provenientes da instituição de ensino da qual faz parte. Portanto, este ato pode ser tratado, sob um viés funcionalista, como um fato social, exatamente também por pressupor elementos exteriores, coercitivos e objetivos. Embora tenha desenvolvido o conceito de fato social de forma mais aprofundada somente em sua segunda obra As Regras do Método Sociológico (1895), foi em sua primeira obra intitulada Divisão do Trabalho Social, que Durkheim (2010) centrou suas análises sobre a função Fo nte : A cer vo do s a uto res 25Capítulo 2 – A Teoria Sociológica Funcionalista de Émile Durkheim da divisão do trabalho nas sociedades modernas. Neste trabalho, o autor adotou a tese de que a sociedade havia passado por um processo de evolução caracterizado pela diferenciação social, partindo de uma sociedade demarcada por laços de solidariedade mecânica – caracterizada pela consciência coletiva, pelas sociedades fragmentadas e pelo direito repressivo – para outra demarcada por laços de solidariedade orgânica – assinalada pela divisão social do trabalho, pelas sociedades diferenciadas e pelo direito restitutivo5. Conforme o autor, o que distingue esses momentos de “evolução” da sociedade são os mecanismos que geram os laços de solidariedade social (tipos de consciência e divisão social do trabalho), pois a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica seriam diferentes estratégias de integração das pessoas nos grupos ou instituições sociais, correspondendo diferentes formas de organização da sociedade (sociedades fragmentadas ou sociedades diferenciadas) e podendo ser percebidas de acordo com o tipo de organização jurídica predominante (repressivo ou restitutivo). Portanto, nas sociedades caracterizadas em comportamentos abalizados nas semelhanças, as ações tidas como desviantes são punidas de maneira ainda mais severa a partir de regras e normas extraídas dos costumes e hábitos, podendo, inclusive, garantir a pena de morte. As sociedades de solidariedade mecânica se caracterizam pela semelhança, enquanto que as de solidariedade orgânica se afirmam pela diferença. Nas primeiras, os indivíduos se diferem pouco uns dos outros, já que os membros dessas coletividades compartilham os mesmos sentimentos e valores, reconhecendo os mesmos elementos e objetos como algo sagrado, conforme podemos localizar certos elementos de integração social na chamada Idade Média. Já as segundas são aquelas em que a unidade coerente da coletividade, o consenso, resulta de certa diferenciação ou é exprimida pormeio dela, conforme os dados encontrados por Durkheim nas formas de organização social da modernidade. Segundo o autor, a oposição gerada entre essas duas formas de solidariedade social se combina com a distinção entre as chamadas sociedades segmentárias e aquelas em que aparece a moderna 5 Segundo Durkheim o direito repressivo revela a consciência coletiva nas sociedades de solidariedade mecânica (tipo de solidariedade social em que os indivíduos se diferem muito pouco uns dos outros), devendo garantir a subordinação da consciência individual à consciência coletiva, fator relevante da integração social. Já o direito restitutivo é aquele em que predomina nas sociedades de solidariedade orgânica (tipo de solidariedade encontrado nas sociedades complexas, onde a integração é realizada a partir da diferenciação entre os indivíduos e grupos no interior da sociedade). Neste, a coesão social não depende tanto da vigência de um sistema de crenças e sentimentos comuns a todos, mas principalmente da moral profissional para cada atividade especializada e de normas legais que possibilitam a dependência mútua. Deste modo, o direito localizado nestas sociedades individualistas tem a função de garantir o mínimo de consciência coletiva para que a sociedade não entre num processo de desintegração. 26 So ci ol og ia P ol íti ca divisão do trabalho social. Embora as sociedades de solidariedade mecânica sejam, em certo sentido, sociedades segmentárias, a definição de ambas não é exatamente a mesma. Vejamos o que nos diz Aron (2002): (...) a noção de estrutura segmentária não se confunde com a solidariedade por semelhança. Sugere apenas o relativo isolamento, a autossuficiência dos vários elementos. Pode-se conceber uma sociedade global ocupando amplo espaço que não passasse da justaposição de segmentos, todos semelhantes e autárquicos. É possível a existência de um grande número de clãs, tribos ou grupos regionalmente autônomos, justapostos e talvez até mesmo sujeitos a uma autoridade central, sem que a coerência por semelhança do segmento seja quebrada, sem que se opere, no nível da sociedade global, a diferenciação das funções características da solidariedade orgânica. A divisão do trabalho que Durkheim procura apreender e definir não se confunde com a que os economistas imaginam. A diferenciação das profissões e a multiplicação das atividades industriais exprimem a diferenciação social que Durkheim considera de modo prioritário. 2.4 Da Solidariedade Social aos Tipos de Consciência Ao elaborar os conceitos de solidariedade mecânica e solidariedade orgânica a partir da obra Divisão do Trabalho Social, Durkheim (2010) evidenciou dois tipos de consciência presentes em todos os indivíduos e que variam de intensidade de acordo com o tipo de organização social. A constatação de que existem diferentes tipos de solidariedade social fez com que o autor verificasse que o grau de coesão, ou melhor, de integração entre os indivíduos, acabou sendo alterado com a divisão do trabalho social, incidindo sobre eles de maneira distinta através da variação da preponderância das consciências individual e coletiva. No entanto, Durkheim alerta que a solidariedade social não pode ser realizada somente para que cada um cumpra apenas sua tarefa, antes disso, é imprescindível que ela lhe seja conveniente. Enquanto a consciência individual refere-se a todos os estados mentais relacionados às nossas concepções pessoais e visões de mundo provenientes de acontecimentos ocorridos em nossas vidas; a consciência coletiva trata do sistema de ideias, sentimentos e hábitos que exprimem em todos nós as concepções do grupo e da sociedade que fazemos parte, revelando nossas crenças religiosas, tradições nacionais, práticas morais, além de quaisquer outras opiniões manifestadas coletivamente que formam o ser social. 27Capítulo 2 – A Teoria Sociológica Funcionalista de Émile Durkheim Ao procurar avaliar os diferentes tipos de incidência dos laços de solidariedade social que implicam na preponderância ora da consciência coletiva ora da consciência individual, Durkheim (2010) encontrou como possível indicador as normas estabelecidas pelo Direito. Para o autor, o Direito seria uma forma estável e precisa que serviria perfeitamente de fator externo e objetivo para analisar os elementos essenciais encontrados nesses diferentes tipos de solidariedade social. Segundo Durkheim (2010), o Direito atuaria nas sociedades complexas de maneira análoga ao sistema nervoso, uma vez que regularia as funções deste “corpo vivo” que seria a sociedade. Deste modo, as sanções impostas pelos costumes que se caracterizavam por serem difusas seriam substituídas pelo Direito, que passou a organizá-las de maneira mais coerente, proporcionando uma alteração significativa no tratamento daquelas ações tidas moralmente como desviantes ou criminalizáveis. O direito e a moral são o conjunto de vínculos que nos prendem uns aos outros e à sociedade, que fazem da massa dos indivíduos um agregado e que fazem um todo coerente. É moral, pode-se dizer tudo o que é fonte de solidariedade, tudo o que força o ser humano a contar com outrem, a reger seus movimentos com base em outra coisa que não os impulsos do seu egoísmo, e a moralidade é tanto mais sólida quanto mais numerosos e mais fortes são esses vínculos. Vê-se quão inexato é defini-la, como se faz com tanta frequência, pela liberdade; ela consiste antes num estado de dependência. Longe de servir para emancipar o indivíduo, para separá- lo do meio que o envolve, ela tem como função essencial, ao contrário, torná-lo parte integrante de um todo e, por conseguinte, tirar-lhe parte da sua liberdade de movimento (DURKHEIM, 2010). 2.5 Anomia e Moralidade Assim como Comte, Durkheim (2010) acreditava que a França se encontrava imersa em uma enorme crise moral devido ao vazio trazido pelo desaparecimento dos valores e das instituições que zelavam, protegiam e envolviam o mundo feudal como as organizações de ofícios, por exemplo. Para Durkheim, os conflitos e as desordens que ocorriam na França do século XIX eram considerados sintomas da anomia jurídica e moral presentes na vida econômicas, uma vez que os progressos ocorridos não haviam acompanhado o desenvolvimento das instituições capazes de regular os interesses e limites. A constatação de que a sociedade francesa de sua época estava imersa em um estado doentio provocado pela ascensão da modernidade acabaram 28 So ci ol og ia P ol íti ca levando-o a enfatizar em sua tese de doutorado intitulada A Divisão do Trabalho Social tanto a importância dos fatos morais na integração e coesão dos indivíduos à vida coletiva, quanto à preocupação com as possíveis consequências ocasionadas pela desintegração social, chamada por Durkheim (2010) de anomia. O primeiro diagnóstico das patologias da modernidade de Durkheim recebeu uma formulação sociológica e é representado especialmente pelo conceito de anomia (a + nómos, que significa ausência de normas). Segundo a tese desenvolvida em A divisão do trabalho social, com a passagem da sociedade de solidariedade mecânica para a sociedade de solidariedade orgânica, ocorre uma ampliação da esfera da individualidade. A especialização das funções acarreta o declínio da consciência coletiva que ainda não havia sido substituída por novos valores adaptados aos diversos órgãos da sociedade. Nesta obra, Durkheim sustenta que a anomia seria um fenômeno passageiro, fruto de um desajuste temporário na integração das tarefas econômico-sociais. Em momento posterior, na obra O suicídio, Durkheim reformula o conceito que aparece agora como um problema endêmico do mundo moderno, resultado do enfraquecimento da regulação moral das condutas sociais. Na visão sociológica durkheimiana, o conceitode anomia expressa as contradições da vida em tempos modernos: o paradoxo da modernidade é que, se de um lado existe maior autonomia para o indivíduo, por outro, existe risco de que o excesso de liberdade leve à desagregação social (SELL, 2009). A preocupação de Durkheim com a anomia também está relacionada com a questão da moral, que aparece em vários pontos da sua obra, apresentando como fatos morais aqueles fenômenos em que a moral aparece como um sistema de acontecimentos relacionados ao sistema total do mundo que permite tratar dos fatos da vida moral a partir do método das ciências positivas, apresentadas no capítulo anterior. É possível constatar que a concepção durkheimiana de divisão do trabalho se apresenta intimamente relacionada à sua visão de moral, quando o autor verifica que a divisão do trabalho deve estar permeada por um caráter moral, porque as necessidades de ordem, de harmonia e de solidariedade social são geralmente tidas como elementos morais. Assim, verifica-se que a construção do conceito de solidariedade social é visto como um fenômeno totalmente moral. De que forma a realidade moral é visualizada por Durkheim? Para Durkheim (2004), a chamada realidade moral pode ser visualizada sob dois aspectos diferentes: um objetivo e outro subjetivo. A moral objetiva pressupõe que sociedade é regida por normas baseadas em seus preceitos morais sob as quais os tribunais se guiam para tratar da condenação dos indivíduos que violam as barreiras dessa moral, ou seja, o compartilhamento 29Capítulo 2 – A Teoria Sociológica Funcionalista de Émile Durkheim de uma moral comum e geral para todos os seres humanos que pertencem a uma coletividade. Já a moral subjetiva se situa na esfera da posição dos indivíduos frente à moral objetiva citada. Nela, cada um pode interpretar a moral comum ao seu modo, possibilitando ainda que os diferentes indivíduos interpretem-na como imoral. Portanto, ao verificar que existe um número indefinido desse tipo de moral, Durkheim (2004) acabou constatando que o seu enraizamento nas consciências originaram-se das influências do meio, da educação e, até mesmo, da hereditariedade. Para Durkheim (2010), o mundo moderno passou a ser caracterizado pela redução da eficácia daquelas instituições sociais integradoras como a religião e a família, uma vez que os indivíduos passaram a se agrupar conforme suas atividades profissionais. Enquanto a família deixou de manter sua condição integradora de garantir a unidade e a indivisibilidade diminuindo, assim, sua influência sobre a vida privada, o Estado também se manteve distante dos indivíduos, exercendo sobre eles relações exteriores intermitentes, possibilitando uma profunda penetração nas consciências individuais, socializando- as interiormente. Durkheim (2010) verificou que a diversidade de correntes de pensamento que acabou restringindo a eficácia das religiões, uma vez que elas deixaram de subordinar plenamente o fiel, subsumindo-o àquilo que considerava sagrado. Deste modo, o enfraquecimento do poder de coesão da religião proporcionou às profissões uma importância cada vez maior na vida social, substituindo e excedendo a antiga condição da família. Ao constatar o deslocamento da ênfase da religião e da família como instituições que engendravam laços de coesão social para o campo do trabalho, sobretudo, dos grupos profissionais, Durkheim encontrou nesses espaços os caminhos para a reconstrução da solidariedade social e da moralidade integradoras que careciam nas sociedades industriais. Assim, conforme o autor, os grupos profissionais e as corporações poderiam suprir essas demandas na medida em que cumpririam as condições necessárias para a regulamentação da vida social que havia sido perdida com a emergência da modernidade. 30 So ci ol og ia P ol íti ca 2.6 A Importância do Estado em Durkheim Segundo Oliveira (2011), existe um grande debate acerca da existência ou não de uma teoria política em Durkheim. Embora não se possa afirmar nitidamente se existe, de fato, nas obras deste autor uma teoria política no sentido estrito do termo, conforme constatou Oliveira (2011), é possível encontrar em seus escritos o aprofundamento de debates sobre assuntos como democracia, liberalismo, socialismo, pacifismo, nacionalismo, além da religião, educação, suicídio, divisão do trabalho social, ou seja, sobre elementos tangenciados pelo poder que hoje certamente poderiam ser encontrados no campo da sociologia política6. Segundo Oliveira (2011), a passagem dos estudos sobre o Estado para as análises sobre a moral, e destas para as interpretações acerca dos laços de solidariedade social foi anunciada em A Ciência Positiva da moral na Alemanha, publicada por Durkheim em 1887. Logo após alterou o objeto de sua tese de doutorado que havia sido intitulado em 1882 de “Individualismo e Socialismo”, passando a alterá-lo posteriormente7. Na obra A Divisão do Trabalho Social, Durkheim (2010) averiguou que o fator que garante as formas de solidariedade social não é uma exclusividade do Estado, mas sim da divisão do trabalho. Assim, ao fugir da circularidade problematizada na especialização do trabalho e no dever moral possivelmente resgatada pelo Estado, o autor recorre à história e à comparação, referenciando diversos tipos de Estado e de regras jurídicas existentes nas mais diversas sociedades, conforme encontramos nesta sua obra. O Estado é o conjunto de corpos sociais exclusivamente preparados pra falar e agir em nome da sociedade. Quando o parlamento vota uma lei, quando o governo toma alguma decisão em seus conselhos de competência, toda a coletividade acaba se encontrando ligada. Quanto às administrações, estas são órgãos secundários, criadas pelo Estado, mas que não o constituem. Explica-se assim porque Estado e sociedade 6 Embora seja possível situar Durkheim como teórico da sociologia política, uma vez que ele propõe análises que perpassam não somente as relações de poder, mas também relações com o Estado, o autor não disponibilizou esta disciplina em seu quadro de especializações da sociologia exposto na organização da revista Année Sociologique. Neste quadro estava citada apenas a sociologia geral, religiosa, moral e jurídica, conforme apontou Oliveira (2011). 7 De retorno da Alemanha, em 1886, Durkheim modifica o objeto de sua tese de doutoramento, que havia sido vagamente definido, em 1882, como “individualismo e socialismo”. Naquele primeiro momento, ele pretendia contrapor duas formas de organização social, o liberalismo e o socialismo de Estado, Mas, nesse novo momento, seu objeto fora redefinido: “Trata-se agora da relação entre o indivíduo e a solidariedade social” (OLIVEIRA, 2011 apud STEINER, 2005). 31Capítulo 2 – A Teoria Sociológica Funcionalista de Émile Durkheim política se tornaram expressões sinônimas. Não obstante, foi somente a partir do momento em que as sociedades políticas conquistaram um determinado nível de complexidade que elas puderam agir coletivamente através da intervenção do Estado (DURKHEIM, 1958: 433). Segundo Durkheim (1958), a utilidade do Estado seria de possibilitar a introdução de certos tipos de reflexões sobre a vida social, tendo elas papéis cada vez maiores na medida em que ele se encontre mais desenvolvido. Da mesma forma que o cérebro não cria a vida do corpo, o Estado não cria a vida coletiva, conforme podemos averiguar naquelas sociedades políticas em que ele não existe. Nelas, a coesão se dá através das crenças dispersas em todas as consciências que movem os indivíduos. Quando há algum tipo de Estado, os elementos diversos que podem mover a multidão anônima em sentidos diferentes não teriam a capacidade de determinar a consciência coletiva, pois essa determinação seria a própria ação do Estado, segundo Durkheim (1958). Destemodo, entende-se o Estado como um lugar onde todos deveriam convergir, pois ele não é somente um órgão de reflexão social, como também é um espaço de inteligência institucionalizada. Ao examinar a quantidade e a diversidade das regras jurídicas em diferentes sociedades através das análises desenvolvidas em sua tese de doutoramento que também tratava do volume total do direito, Durkheim (2010) mostrou que toda a centralidade da especialização se situa na divisão do trabalho social. Deste modo, o autor constatou que, embora seja possível verificar que as consequências da divisão do trabalho social existam e sejam comprovadas pelo Direito, suas consequências fundamentais são sociais, pois se encontram situadas nos diferentes tipos de solidariedade social. Para Durkheim (2010), o direito e a moral são compreendidos como a materialização da lógica de funcionamento das distintas sociedades. Além disso, em seu entendimento, o responsável pela manutenção da sociedade na modernidade não é mais o Estado, mas as leis que ele expressa que são constituídas pelos costumes presentes nos fatos morais. Ao definir que fatos morais são regras de conduta às quais uma sanção difusa está ligada na média das sociedades desta espécie social, Durkheim verificou que as regras são definidas a partir da sociedade e de suas representações coletivas que atuam de forma exterior, coercitiva e objetiva, por meio dos fatos sociais. 32 So ci ol og ia P ol íti ca Segundo Oliveira (2011), foi por meio deste percurso teórico que Durkheim conseguiu definir o fato social, entendendo que as sanções físicas são estabelecidas e regidas pelo Direito e as sanções morais estabelecidas e regidas pela sociedade, incidindo assim sobre os indivíduos através das normas jurídicas produzidas e garantidas legalmente pelo Estado. Segundo o autor, “não é por acaso, portanto, que, a partir dos anos 1890, os três grandes livros publicados têm por objetos temas estritamente sociológicos, morais e políticos” (OLIVEIRA, 2011). Vimos que a Teoria Funcionalista elaborada por Émile Durkheim não trata somente de concepções sociológicas, mas também de visões políticas construídas por meio de referenciais teóricos centrados em perspectivas tangenciadas pelo evolucionismo, conservadorismo e, principalmente, pelo positivismo de Comte que buscava garantir certa ordem social. A teoria desenvolvida por Durkheim pressupõe que os fenômenos sociais devem ser tratados como “coisas” objetivas, exteriores e coercitivas que, a princípio, cumpririam uma função social. Entretanto, caso não cumpram essa suposta função social gerarão a chamada anomia, entendida como uma patologia social. Ao analisar a divisão do trabalho social em sua tese de doutoramento, o autor constatou que a emergência da modernidade possibilitou da ascensão de laços de solidariedade demarcados pela solidariedade orgânica que se sobrepôs à solidariedade mecânica, sendo a primeira demarcada pela consciência individual e a segunda pela consciência coletiva. Já no que se refere às perspectivas políticas, Durkheim verificou que o fator que garante esses dois tipos de solidariedade social não é necessariamente o Estado, mas sim da divisão do trabalho, pois sua utilidade seria possibilitar a introdução de certos tipos de reflexões sobre a vida social que garantiriam certa normalidade na sociedade permeada pela manutenção da ordem. Para concluir, constatamos que a concepção sociológica da política em Durkheim perpassa a ideia de que o Direito e a moral seriam materializações da lógica do funcionamento das diferentes sociedades. Além disso, a responsabilidade pela manutenção da ordem nas sociedades modernas não seria necessariamente o Estado, mas as leis expressadas por ele que são constituídas pelos costumes presentes nos fatos morais. Síntese 33Capítulo 2 – A Teoria Sociológica Funcionalista de Émile Durkheim Sugestão de livro: OLIVEIRA, Márcio & WEISS, Raquel (Orgs.). David Émile Durkheim: A Atualidade de um Clássico. Curitiba: Ed. UFPR, 2011. O ponto de partida desse livro é Durkheim, filósofo, sociólogo, cientista político em relação à questão da moral. As análises aqui reunidas podem ser consideradas uma amostra significativa, embora de modo algum exaustiva, dos temas que atualmente atraem a atenção dos pesquisadores. Fundamentalmente, querem romper com as visões unilaterais e simplificadoras que insistem em classificar Durkheim em termos de uma ou outra corrente de pensamento e superar a imagem de “conservador” que ainda o envolve. Além disso, tem o propósito de compreender o autor a partir de um olhar atual, pautado por questões teóricas ou práticas que já não são as mesmas de duas ou três décadas atrás. Fonte: http://www.editora.ufpr.br/detalhe_lanc.php?_index=357. (Acesso em 27 de maio de 2012) Di vu lga çã o. 3 CapítuloTeoria Sociológica Compreensiva de Max Weber Neste capítulo, apresentaremos os principais elementos teóricos, metodológicos e políticos que compõem a Teoria Compreensiva ou Hermenêutica elaborada por Karl Emil Maximiliam Weber, disponibilizando ao leitor suas concepções sobre a modernidade, sobre os limites do conhecimento científico apontados por Comte e Durkheim, descrevendo as concepções políticas do autor. 3.1 Principais Influências de Weber Contrapondo-se aos pressupostos do positivismo iniciado com Comte, Max Weber desenvolveu uma análise pautada na ideia de que a razão humana, na versão encarnada pela economia capitalista e pela burocracia do Estado, seria uma força que, ao mesmo tempo em que “desencanta” o mundo, invade todas as esferas da vida humana, ocasionando a perda da liberdade e o sentido da vida. Dentre as correntes teóricas que mais influenciaram o pensamento de Weber podemos citar: a filosofia moderna a partir de Kant, que afirmava que o conhecimento não capta a essência da realidade, mas apenas os fenômenos que nos são transmitidos através dos sentidos, de Nietzsche, do qual herdou uma visão pessimista da sociedade moderna e de Marx, que propôs uma análise rigorosa sobre o chamado modo de produção capitalista. Weber ainda foi influenciado pelos filósofos neokantianos, Im ag em 3. 1: M ax W eb er Fo nte : h ttp :// so cio log y.a bo ut. co m/ . (A ces sad o e m 27 de m aio de 20 12 ) 36 So ci ol og ia P ol íti ca como Dilthey1, Windelband2 e Rickert3, que insistiam na necessidade da distinção entre as características das ciências sociais (chamadas de ciências do espírito/cultura) das demais ciências da natureza, contrapondo-se às ideias positivistas desenvolvidas por Comte, e pelo pensamento social alemão de diferentes autores contemporâneos a ele, pois, embora tenha sido um dos maiores expoentes da sociologia alemã, o autor retomou as ideias de vários outros importantes pensadores da época, principalmente Tönnies4, Simmel5 e Sombardt6. 1 Wilhelm Dilthey (1833-1911) foi um filósofo hermenêutico, psicólogo, historiador, sociólogo e pedagogo alemão que lecionou filosofia na Universidade de Berlim. Considerado um empirista, ele contestava o idealismo dominante na Alemanha de sua época, o que acabou fazendo com que seus conceitos acabassem influenciando toda a tradição literária e filosófica da Alemanha. 2 Wilhelm Windelband (1848–1915) foi um filósofo alemão da escola de Baden que nasceu em Potsdam. Ele ficou conhecido principalmente por ter introduzido os termos nomotético e idiográfico que são comumente utilizados em psicologia e em outras áreas das ciências humanas. Windelband protestou tanto contra outros pensadores neokantianos quanto contra os seus contemporâneos positivistas, argumentando que a filosofia deveria se envolver em diálogos humanísticos
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