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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Registro: 2013.0000167906 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0010097- 37.2009.8.26.0457, da Comarca de Pirassununga, em que é apelante/apelado PREFEITURA MUNICIPAL DE PIRASSUNUNGA, é apelado ASSOCIAÇÃO AMBIENTAL PAIQUERÊ. ACORDAM, em 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso da autora deram parcial provimento ao recurso do município requerido. VU", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores ANTONIO CARLOS MALHEIROS (Presidente sem voto), AMORIM CANTUÁRIA E MARREY UINT. São Paulo, 19 de março de 2013. JOSÉ LUIZ GAVIÃO DE ALMEIDA RELATOR ASSINATURA ELETRÔNICA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação - nº 0010097-37.2009.8.26.0457 - Pirassununga 2 Apelação Nº 0010097-37.2009.8.26.0457 Comarca de Pirassununga Apelante/Apelado: Prefeitura Municipal de Pirassununga Apelado: Associação Ambiental Paiquerê VOTO Nº 26048 Ação Civil Pública Insatisfação das partes Preliminares e nulidade não acolhidas Feito decidido atendendo os ditames legais – Mérito O município de Pirassununga é responsável pela manutenção das instalações físicas do teatro municipal Lesão Moral Coletiva Improcedência Nada obstante seja admitida a possibilidade da comunidade poder sofrer dano moral, nos autos a lesão difusa restou comprovada Multa Readequação dos valores e modalidade, para considera-la diária e no valor de R$ 200,00 para cada dia de descumprimento Aplicação do § 6º do art. 461 do CPC Sucumbência mantida Recurso da associação requerente improvido e do município requerido parcialmente provido. Trata-se de ação civil pública ajuizada pela Associação Ambiental Paiquerê contra o Município de Pirassununga. Diz a inicial que o prédio público denominado “Teatro Municipal Cacilda Becker” apresenta problemas físicos colocando em risco a integridade dos munícipes, especialmente após o ocorrido em 15.11.2009, quando em meio ao mau tempo, partes do teto se deslocaram da estrutura. A associação pretende a realização de perícia técnica e multidisciplinar, incluindo a regularização junto ao Corpo de Bombeiros e responsáveis técnicos, bem como a reforma do espaço público e para tanto pugnam por sua interdição. Por fim, requer-se a condenação do município ao pagamento de danos morais coletivos, ante o descaso com o patrimônio cultural e por expor os frequentadores do espaço ao risco de morte, devendo a condenação ser revertida em benefício da própria associação. A tutela antecipada foi indeferida (fls. 69). Houve a interposição de agravo de instrumento (fls. 72/93), tendo esta Corte deferido o efeito suspensivo ativo para determinar a vistoria prévia do edifício e para interditá-lo por trinta dias (fls. 99/101). PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação - nº 0010097-37.2009.8.26.0457 - Pirassununga 3 Citado, o município requerido contestou (fls. 112/122), alegando, em preliminar, ilegitimidade ativa e impossibilidade jurídica do pedido. No mérito sustentou que o ocorrido no dia 15.11.2009 se deu devido à tempestade atípica. Dois peritos foram nomeados (fls. 102 e 132). Laudos periciais a fls. 147/155 (Luiz Cesar Kotó) e 169/189 (Sérgio Luiz Hypólito). Informações do Corpo de Bombeiros (fls. 162/163). Manifestação da associação sobre os estudos técnicos (fls. 193/202). Impugnação à contestação (fls. 206/228). A fls. 230/233 houve a antecipação parcial da tutela, apenas para que permanecesse a interdição por tempo indeterminado. Reposta dos ofícios a fls. 272/274 (Rádio Difusora), 289 (Elektro) e 315/316 (Setor de Meteorologia da Universidade de São Paulo). Pugnou- se pela prorrogação do prazo para a regularização do teatro junto ao Corpo de Bombeiros, o que foi indeferido pelo juízo (fls. 355), decisão da qual se agravou (fls. 357/368). Indeferiram-se as perícias na rede elétrica, urbanística, acústica e contábil (fls. 775), pelas razões expostas a fls. 762. Manifestação dos peritos a fls. 785 e 787/789. Informação do Corpo de Bombeiro a fls. 793. Diante da desídia da administração, fixou-se multa de forma global no valor de R$ 30.000,00, tendo-se encerrado a instrução (fls. 977). Alegações finais a fls. 1081/1097 (autora) e 1099/1100 (município). Realizada a audiência de instrução, uma testemunha foi ouvida (fls. 1168/1169), tendo as partes reiterado suas teses. Parecer do Ministério Público (fls. 1172/1182) pela procedência parcial da ação. A ação foi julgada parcialmente procedente (fls. 1184/1194) pelo Juiz Dr. Djalma Moreira Gomes Júnior, para condenar o requerido a realizar no PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação - nº 0010097-37.2009.8.26.0457 - Pirassununga 4 bem imóvel público as obras referidas nas perícias de fls. 147/155 e 169/189, a providenciar a regularização do bem público junto ao Corpo de Bombeiros, determinando-se a continuidade da interdição até a completa execução das condenações. No tocante à sucumbência, considerou-a recíproca, compensando-se as verbas. A sentença foi embargada de declaração pela requerente (fls. 1196/1207), sendo os embargos rejeitados (fls. 1298 e verso). Insatisfeitas, as partes apelaram. O município (fls. 1300/1305) insistindo na preliminar de ilegitimidade ativa. Caso esta não fosse acolhida, informou o cumprimento da sentença pelo que a multa deveria ser considerada ineficaz ou, ao menos reduzida. A associação, por sua vez, apelou (fls. 1327/1345) alegando a nulidade da sentença, por não se ter alcançado a tutela jurisdicional pretendida. A ocorrência de cerceamento de defesa ante o indeferimento de prova pericial. A ofensa ao princípio da identidade física do juiz. Pugnou ainda pela condenação ao dano moral coletivo, apuração do valor real da reforma, além da perícia para apurar a qualidade e segurança dos serviços realizados e aos gastos diretos e indiretos, motivo pelo qual o julgamento do feito deveria ser convertido em diligência, havendo ainda a necessidade de cominação de multa. Por fim, requereu a reforma da sucumbência. Recursos tempestivos e contrariados as fls. 1352/1354 (município) e 1386/ 1416 (associação requerente). Manifestação do Ministério Público (fls. 1422/1425) e parecer da Procuradoria (fls. 1432/1438). É o relatório. Primeiramente, não se conhece do agravo retido interposto a fls. 1102/1104 e versos, ante a ausência de requerimento expresso, nos termos do art. 523 § 1º do Código de Processo Civil. A prefeitura insiste na ilegitimidade ativa, mas esta não subsiste. O prédio público objeto desta ação integra o patrimônio cultural do PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação - nº 0010097-37.2009.8.26.0457 - Pirassununga 5 município de Pirassununga. Grande parte dos eventos culturais do município foram nele realizados, confirmando tratar-se de componente do meio ambiente artificial da localidade. O tombamento não é imprescindível para viabilizar a defesa do patrimônio cultural em apreço. Os documentos juntados na exordial espancam qualquer dúvida a respeito da legitimidade da associação (fls. 25). O art. 137 da lei orgânica do município de Pirassununga confirma a legitimidade ativa na defesa do meio ambiente: “Art. 137. O Município assegurará a participação das entidades representativas da comunidade no planejamento e na fiscalização da proteção ambiental, garantindo o amplo acesso dos interessados às informações de que dispuser sobre asfontes de poluição e degradação ambiental.” (http://www.camarapirassununga.sp.gov.br/index.php/lei- organica,acessado em 09.10.2012) Além disso, o art. 5º, inciso V, alíneas “a” e “b” da lei de ação civil pública confirma a legitimidade ativa. Assim, a associação, em defesa do meio ambiente, em especial o patrimônio cultural, está autorizada a atuar no processo. Alega-se a nulidade da sentença por inobservância da apuração dos valores diretos e indiretos conforme requerido na letra “c” do pedido inicial. Todos os pedidos foram bem analisados pelo juiz de primeiro grau. Inclusive a alegada omissão foi apreciada nos embargos de declaração interpostos, cujos argumentos foram rejeitados. As considerações do juízo “a quo” permanecem inalteradas e a tutela jurisdicional concedida atendeu ao comprovado nos autos, sem violar os ditames legais pertinentes ao caso em apreço. Ademais, as considerações do Ministério Público bem sintetizam o ocorrido nos autos: “O pedido de apuração de todos os valores diretos e indiretos gastos não consta do pedido principal. Ademais, não seria razoável que se esperasse, no curso do processo, o término de uma obrigação, para tão somente PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação - nº 0010097-37.2009.8.26.0457 - Pirassununga 6 findar o feito com apuração dos gastos com a reforma. Aliás, esqueceu-se a nobre Associação que é lícito propor ação de obrigação de fazer contra a Municipalidade para que o Teatro volte a funcionar não causando riscos para a sociedade. Contudo, como se dará esta reforma e como a Prefeitura realizará a obra para a finalidade pretendida é ato discricionário que não cumpre ao particular interferir.” fls. 1424. Suscita-se a ocorrência de cerceamento de defesa, haja vista que o juiz teria julgado a lide sem a produção de prova pericial, contrariando o interesse público e chocando-se com a decisão proferida pelo colegiado. Afirma-se que a não produção da prova impossibilitou o controle das obras de engenharia no imóvel, significando ausência de prestação jurisdicional. A prova pretendida prescinde de necessidade na presente ação no sentido de que os gastos decorrentes da reforma do espaço público podem ser extraídos do contrato de fls. 722/728. Além disso, a prova técnica não foi de todo indeferida. Entendeu-se inócua apenas a perícia elétrica, uma vez que na exordial não se indicou a ocorrência de dano neste sentido no teatro. Portanto, o MM. Juiz “a quo” acertou, segundo a sua discricionariedade e atentando para o princípio da economia processual. Ademais, ressalva-se que a parte não manifestou sua insatisfação com o encerramento da instrução processual pela via cabível, pelo que não pode agora voltar-se contra ato já convalidado. Se nada fez, há de arcar com as consequências de sua omissão. Não há que se falar em violação ao princípio da identidade física do juiz. O argumento levantado não diz respeito à irregularidade na atuação dos magistrados, nos termos do art. 132 do CPC. A insurgência reside no entendimento dos juízes atuantes. Todos atentaram para os limites legais, ressalvando-se a inexistência de entendimento vinculante com relação à condução da instrução processual. Assim, não merece acolhida a insurgência ventilada. Aduz a associação a necessidade de reforma/anulação da sentença no tocante ao valor do preparo e do porte de remessa, ante a isenção do PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação - nº 0010097-37.2009.8.26.0457 - Pirassununga 7 recolhimento por se tratar de ação civil pública. Nada há para ser reformado ou anulado. A certidão de fls. 1195 consignou o valor do “eventual” preparo, mas na hipótese nada há para ser recolhido por imposição legal. Seguiu-se o padrão na condução do processo, conforme as normas da Corregedoria. O próprio termo utilizado informa a condicionalidade do preparo caso seja a hipótese dos autos. Superadas as preliminares e nulidades arguidas, a sentença não merece reforma no tocante ao mérito. O art. 23 incisos III, IV e VI da Constituição Federal ensina que cabe aos entes federados proteger o meio ambiente considerando o valor histórico e cultural dos bens que o compõe. A proteção do meio ambiente está estampada no art. 225 da Constituição Federal, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de preservá-lo e de defendê-lo. O prédio público, cuja reforma se buscou, compõe o meio ambiente artificial, assim considerado o patrimônio histórico e cultural afeto à municipalidade de Pirassununga e, por conseguinte, aos seus cidadãos. A lição vem repetida na lei orgânica do município no art. 134. A lei orgânica do Município de Pirassununga estabelece no art. 5º, XXIV e art. 167: “Art. 5º. Compete privativamente ao Município de Pirassununga: (...) XXIV promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual; (...)” PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação - nº 0010097-37.2009.8.26.0457 - Pirassununga 8 “Art. 166. Constituem patrimônio cultural municipal os bens de natureza material e imaterial, tomadas individualmente ou em conjunto, portadores de referencias à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade, nos quais se incluem: III as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; IV os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.” (http://www.camarapirassununga.sp.gov.br/index.php/lei- organica, acessado em 09.10.2012). A prova oral produzida aponta para a falta de manutenção do patrimônio cultural local, culminando na queda de parte da estrutura do prédio público em decorrência das chuvas que atingiram o município na data descrita na inicial. O Corpo de Bombeiros (fls. 162/163) informou que o teatro municipal não contava com a regularização para funcionamento junto ao órgão, conforme prevê o decreto estadual nº 46.076/2001. Os laudos periciais acostados (fls. 147/155 e 169/189) confirmam o descaso do Poder Público com o bem em discussão, a precariedade das instalações, a ausência de sinalização adequada e a má condição do telhado, sinalizando o laudo para a pontualidade do estado deste último (fls. 172/173). Assim, não restam dúvidas sobre a pertinência da pretensão inicial, devendo a municipalidade arcar com as obras requeridas e gastos diretos e indiretos. Aduz a municipalidade estar prejudicado o pedido inicial por já estarem realizadas as reformas, o que refletiria na ineficácia da multa cominatória fixada em sentença. O pedido não se encontra prejudicado. Como bem apontado pelo Ministério Público: “Como se verificou nos autos, há provas de que as reformas PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação - nº 0010097-37.2009.8.26.0457 - Pirassununga 9 estavam em andamento. Porém, a conclusão da obra não se deu no curso do processo” (fls. 1423). O magistrado de primeiro grau arbitrou multa global para o caso de descumprimento da sentença, no valor de R$ 30.000,00. Nos termos do art. 461 do Código de Processo Civil é possível a aplicação de multa coercitiva para se constranger ao cumprimento da obrigação. Ela pode ser fixa, periódica ou progressiva. A primeira modalidade está consubstanciada naquela em que um valor único é estipulado para o caso do descumprimento da ordem, ou seja, quando se pretende impedir a prática de um ato ou a sua repetição. Por outro lado, constam dos autos a entrega formal provisória da reforma(fls. 1322) e a obtenção da regularidade junto ao Corpo de Bombeiros em 2011, cuja validade varia de três a cinco anos (fls. 1320), embora não haja informações nos autos da reinauguração do teatro. Com fundamento no § 6º do art. 461 do CPC, pode o magistrado rever o valor e a periodicidade da multa cominada, quando esta se mostra excessiva. Atentando para a proporcionalidade entre o valor fixado a título de astreintes e o bem jurídico tutelado, melhor arbitrá-la em R$ 200,00, para cada dia de descumprimento, contados a partir do prazo estipulado em sentença. No tocante ao dano moral coletivo, cuja reforma é pretendida pela associação, as ações civis públicas são o meio cabível para se insurgir contra danos ao patrimônio histórico e artístico de uma comunidade. Com o julgamento do REsp 636.021 pelo STJ, prescindível a vinculação com a noção de dor. Todavia, a prova do dano é indispensável. Na hipótese dos autos, o fato não restou cabalmente comprovado, pois o que se provou foi a exposição de alguns expectadores ao risco de lesão, pela queda de parte da estrutura do teatro. Quando muito, o caso configura lesão individual daqueles que se encontravam no interior do teatro no momento do deslocamento do telhado. Não é crível que durante os anos que se seguiram à inauguração do teatro municipal a população sempre esteve exposta ao perigo de PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação - nº 0010097-37.2009.8.26.0457 - Pirassununga 10 morte, embora ao longo desse período não se tenha realizado a devida manutenção. Do conjunto probatório produzido nos autos não se pode afirmar categoricamente que o fechamento do espaço público causou tamanha comoção, indignação ou opressão à coletividade pirassununguense. A testemunha arrolada pela associação informa a transferência de eventos culturais para outros espaços, não se queixando das acomodações disponibilizadas (fls. 1169). Ante o exposto, não ficou suficientemente tipificada a lesão moral coletiva, pelo que deve ser mantida a sentença. Conquanto se tenha alterado a multa cominada para descumprimento, a sucumbência há de ser mantida, posto inexistir modificação do mérito. Dessarte nega-se provimento ao recurso da autora e dá-se parcial provimento ao apelo interposto pelo município. JOSE LUIZ GAVIÃO DE ALMEIDA RELATOR ASSINATURA ELETRÔNICA
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