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O materialismo histórico e os estudos organizacionais - José Henrique de Faria

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O MATERIALISMO HISTÓRICO E OS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS 
 
Parafraseando Marx (A Miséria da Filosofia), dedico 
humildemente este estudo aos pesquisadores e 
professores que têm sobre mim a vantagem de nada 
entenderem sobre o que escrevem e ensinam. 
 
José Henrique de Faria 
 
1. Introdução 
 
Ao discorrer sobre como realizar uma pesquisa sobre uma base sólida, 
Marx (1974) refere-se ao método em Economia Política e não a qualquer 
método. Entretanto, os fundamentos de sua proposta alcançaram uma 
amplitude que extrapolou a economia política, servindo de orientação às 
ciências sociais em geral e à filosofia. O objetivo destas reflexões é o de ajustar 
o método exposto por Marx aos Estudos Organizacionais. Assim, o presente 
estudo tratará do Materialismo Histórico e do Método Dialético a ele 
correspondente no campo dos Estudos Organizacionais, do ponto de vista 
epistemológico e metodológico, como fundamento da Teoria Crítica em 
Estudos Organizacionais de base marxista. Não se pretende, portanto, discutir 
as semelhanças e diferenças com os representantes da Teoria Crítica 
Frankfurtiana, sejam eles da primeira (Adorno, Horkheimer, Benjamin, 
Marcuse, Fromm, Pollock, entre outros), da segunda (Habermas) ou da terceira 
(Axel Honneth) gerações. Também não se pretende discutir os desvios 
estruturalistas de Althusser, a concepção mecanicista de Engels em sua 
dialética da natureza, a visão reflexológica de Lênin, entre outras 
interpretações. Estes são estudos importantes, mas cujo debate não cabe no 
espaço deste trabalho. Também não se pretende discutir os problemas 
epistemológicos e metodológicos dos CMSs, da arqueologia foucaultiana e 
outras correntes abarcadas pelos Estudos Organizacionais Críticos. 
Neste sentido, é necessário esclarecer desde logo que aqui se entende, 
de maneira bem simples, por epistemologia o estudo científico do 
conhecimento. A epistemologia pretende responder à seguinte questão: como 
o conhecimento é produzido (construído, obtido, desenvolvido), organizado, 
sistematizado e transmitido (explicitado, divulgado, exposto)? Deste modo, 
entende-se que o método é um procedimento epistemológico, na medida em 
que ele define como o conhecimento é produzido, sistematizado e transmitido. 
O método não se confunde com as técnicas de coleta (quantitativas, 
qualitativas ou ambas), processamento e análise de dados, fatos e informações 
e tampouco com as fontes (primárias ou secundárias), embora se valha 
totalmente de todas elas. Este é, portanto, um estudo sobre, ao mesmo tempo, 
epistemologia e metodologia do Materialismo Histórico e que está organizado 
em seis partes. 
Na primeira e na segunda serão apresentados temas básicos que 
ajudam a esclarecer o restante da exposição. Inicia-se pelo esclarecimento 
sobre o que é e quais as diferenças entre materialismo, idealismo e interação. 
Em seguida, serão apresentados os fundamentos da dialética em sua 
evolução. Estes dois itens serão breves, pois os mesmos têm apenas o 
propósito de elucidar e não o de promover discussão. O terceiro item aprofunda 
o segundo, pois tratará de expor o que é a dialética marxista, discutindo 
posições sobre este tema. O quarto item indicará os princípios do materialismo 
histórico marxista e também discutirá posições. O quinto ítem tratará do 
método em Marx, que é o tema central deste estudo. Aqui as discussões 
implicam tomadas de posição e, portanto, desencadeamento de polêmicas. O 
sexto item completenta o anterior ao abordar o que são categorias de análise 
na perspectiva marxista. Insiste-se que a discussão de cada tema terá sempre 
como suporte a epistemologia. 
 
2. Materialismo, Idealismo e Interação 
Todas as discussões epistemológicas partem da visão entre duas 
concepções opostas: o materialismo e o idealismo. O que se encerra nesta 
discussão é se a origem do conhecimento está na realidade apreendida pelo 
sujeito ou em como o pensamento apreende a realidade. No primeiro caso 
encontra-se o materislismo, que considera que o conhecimento é produzido a 
partir do real. No segundo caso está o idealismo, que considera que a 
realidade é dada a conhecer a partir da idéia que se tem dela. 
O materialismo considera que todas as coisas são matérias e todos os 
fenômenos são resultados de interações materiais. Matéria, neste sentido, não 
é o mesmo que objeto tangível, mas objeto realmente existente. Assim, a 
organização da sociedade para produzir suas condições de existência é uma 
realidade material tanto quanto uma barra de ferro, embora sejam realidades 
de concretudes diferentes. Entretanto, a matéria é a única substância e, deste 
modo, é a fonte do conhecimento e da prática, ou seja, o sujeito pensa e age 
de acordo com a realidade dos fatos. Na filosofia, Demócrito e Epicuro foram 
dois pensadores pré-socráticos que defendiam a posição materialista. 
Embora o idealismo tenha em Platão um de seus mais importantes 
filósofos1, é com a revolução filosófica de Descartes e o seu cogito que esta 
concepção ganha força na filosofia. Contudo, o idealismo está em geral 
associado a Kant e Hegel que são considerados os mais importantes 
pensadores idealistas da filosofia moderna. Em linhas gerais o idealismo 
refere-se ao primado da idéia, mas não à idéia de maneira simples, pois isto 
significaria reduzir a realidade ao pensamento. O ponto central do idealismo é o 
Eu subjetivo, ou seja, seu postulado básico é “Eu sou Eu”, porquanto o sujeito 
(Eu) é objeto para si (Eu). Desta forma, a oposição entre sujeito e objeto se 
revela no próprio sujeito, já que o próprio sujeito (Eu) é o objeto para si mesmo 
(Eu). 
As análises mais simplistas consideram, em geral, que a primazia da 
idéia e a primazia do real signicam formas absolutas de desenvolvimento do 
conhecimento. Esta maneira de separar o mundo do saber em duas fontes 
originárias do conhecimento é uma redução analítica que desemboca no 
empirismo e no abstracionismo. Em vista disto, alguns autores sustentam que 
há uma terceira forma, à qual chamam de interacionismo entre sujeito e objeto. 
Contudo, analisada esta fórmula, nota-se que ela mesmo é fruto de uma 
 
1
 Existem autores que defendem a tese de que Platão foi o fundador do idealismo. A história da 
filosofia indica que Platão é um dos mais importantes, se não o mais importante filósofo da 
antiguidade a defender o idealismo como filosofia, mas não há certeza de que tenha ele sido o 
pioneiro. Por outro lado, há quem, citando o mito da caverna, reivindique a origem de uma 
teoria crítica ao pensamento platônico, negligenciando que para Platão a verdadeira realidade 
está no mundo das idéias, das formas inteligíveis, acessíveis apenas à razão (somente o 
visível é real, ou seja, a realidade é aquela que o sujeito controi a partir das imagens ou 
sombras e o esclarecimento é o que se pode ver na luz do pensamento novo). 
elaboração metafísica, é uma espécie de partenogênese, em que o 
conhecimento se desenvolve sem ter sido fecundado por uma interação 
instantânea entre sujeito e objeto. Neste sentido, é necessário esclarecer 
melhor a questão. 
Pode haver uma interação permanente entre sujeito e objeto, interação 
dialética. Para o materialismo histórico, como se verá adiante, esta interação é 
mediada pelo pensamento e a primazia é do real, ou seja, a produção do 
conhecimento é inicialmente fecundada pela realidade material. O materialismo 
histórico não recusa a interação, mas se opõe ao idealismo que esta vertente 
contém. Para o materialismo histórico a primazia, portanto, não é da interação. 
Tampouco é da dialética, como querem outros autores, que confundem a 
forma, o processo, o conteúdo da produção e do desenvolvimento do 
conhecimento com a ação do sujeito em relação ao objeto, ou seja, autores 
que acreditam que o que desencadeia o desenvolvimento da produçãodo 
conhecimento é a dialética quando a dialética é a relação sujeito-objeto. 
A interação sujeito-objeto no processo de conhecimento, fora da 
perspectiva do materialismo e do idealismo, pode ser bem compreendida na 
explicação piagetiana2. De fato, para Piaget (1975; 1976), todo o sujeito possui 
estruturas cognitivas e estruturas afetivas, as quais são constituídas de 
esquemas cognitivos e esquemas emocionais (conscientes e inconscientes). 
Esquemas são modos de reação passíveis de serem generalizados de uma 
ação a outra e constituem a principal fonte dos conceitos. Os esquemas 
possibilitam a adaptação do sujeito ao meio, a qual se dá através de seus 
mecanismos constituintes: a assimilação (o sujeito age sobre o objeto 
assimilando suas propriedades) e a acomodação (o objeto “age” sobre o sujeito 
quando este acomoda o que assimilou em forma de esquema). Desde o início, 
as estruturas mentais alicerçam tanto a formação quanto o funcionamento dos 
esquemas. Assim, as estruturas são modificadas pelos novos esquemas, ou 
seja, se reestruturam, em um movimento permanente, dinâmico e dialético, no 
qual contradições e paradoxos ocupam seus lugares, pois não se trata de um 
percurso linear. 
Desde seu nascimento, o sujeito possui uma forma de funcionar, dada 
por sua condição humana. Em seu início, na constituição do indivíduo, este 
padrão de funcionamento, descrito pela Neurobiologia dos Processos Mentais 
e do Comportamento como sistemas neurais organizados (Buss, 1999; 
Damásio, 1999), obedece a princípios gerais e a estruturas próprias do mapa 
genético, constituindo os primeiros atributos e capacidades individuais. Esta 
forma, portanto, determinará o ponto de partida da constituição das estruturas 
por um processo organizado de adaptação, de sorte que o sujeito, ao longo de 
seu próprio desenvolvimento, assimila o que lhe é fornecido pelo ambiente (age 
sobre o objeto), acomoda este conhecimento (ajeita a ação do objeto sobre 
suas estruturas), torna a assimilar e acomodar em um movimento contínuo, o 
qual forma e renova os esquemas, estabelece relações entre os mesmos, 
 
2
 Interessante notar que há marxistas que condenam a epistemologia piagetiana (para além do 
argumento rasteiro de que seria burguesa ou se prestaria à burguesia) por considerá-la 
etapista. Não é o caso aqui discutir esta avaliação, mas a mesma decorre de uma leitura 
superficial e apressada dos trabalhos de Piaget. Entendem, ainda, estes observadores que as 
concepções epistemológicas marxistas e piagetianas são absolutamente incompatíveis. São 
eles que também reverenciam a proposição de Vygotsky ou de Paulo Freire. Entretanto, há 
mais semelhanças entre Piaget, Vygotsky e Paulo Freire, do ponto de vista epistemológico, do 
que tais observadores podem supor. Veja-se, sobre isto, Fernando Becker (xxxx; xxxx;). 
ampliando e aprimorando cada vez mais as estruturas da inteligência. Este 
movimento dialético (assimilação→acomodação→assimilação) é que constitui 
a interação entre sujeito e objeto 
Assim, as estruturas, constantemente renovadas, ao mesmo tempo em 
que formulam e geram informações, concepções e conceitos, processam, 
controlam e compartilham informações fornecidas pelo real e pelos símbolos, 
constituindo desta maneira o fundamento do comportamento exibido e da sua 
compreensão. Gradativa, dinâmica e contraditoriamente, o desenvolvimento do 
sujeito depende de sua condição de internalizar e se apropriar em suas 
estruturas cognitivas e afetivas das interações que é capaz de formular 
conscientemente ou que lhes são inscritas inconscientemente; dito de outro 
modo, as possibilidades de adaptação (assimilação e acomodação) são 
geradas por interações processadas no interior das estruturas mentais. 
De acordo com Piaget (Battro, 1978), existem dois tipos básicos de 
experiência: 
I. A experiência física refere-se à interação do sujeito com o real a partir 
das propriedades do real. Interação na medida em que o sujeito só 
pode se relacionar com o real enquanto uma ação própria que tem por 
suporte os esquemas constituintes da estrutura. Aqui, com seus 
esquemas, o sujeito realiza uma abstração do real de acordo com as 
propriedades deste e com os esquemas de apreensão daquele. 
II. A experiência lógico-matemática refere-se a uma abstração decorrente 
da ação do sujeito sobre o real, ou seja, decorrente das propriedades 
da ação do sujeito. 
Em ambos os casos, o sujeito é sempre e necessariamente ativo na 
relação com o real, de forma que o real não determina a percepção do sujeito e 
sua interpretação (o que seria uma concepção positivista), e tampouco a 
percepção do sujeito determina a forma do real (como supõe o idealismo). 
Ainda que o real tenha primazia na construção do conhecimento e que a 
abstração lógica possa decorrer de deduções de fórmulas e de leis universais 
(da geometria, da matemática, da física, da química, etc.), é a relação do 
sujeito com o real, é a ação e o pensamento, ou seja, é a práxis que constitui a 
percepção inteligente. 
A interação não é uma operação em si mesma e nem é a origem do 
processo de conhecimento, mas a condição da relação do sujeito com o objeto. 
Assim, se o sujeito não interage com o objeto, poderá ter dele apenas o que ele 
puder mostrar ao sujeito ou, de outra maneira, poderá concebê-lo apenas com 
o os limites que seu pensamento aprioristicamente permitiu. A interação 
também não é uma simples interpretação que desencadeia uma ação, como 
sugere o chamado esquema interpretativo que entende que o sujeito interpreta 
o real e age sobre o mesmo. Neste caso, o sujeito não interage com o real, 
mas o interpreta segundo o que dele pôde deduzir, agindo sobre uma 
interpretação deduzida e não sobre o objeto concreto e sobre a relação dele, 
sujeito, com o real. Há, aqui, uma ação impositiva do sujeito sobre o real 
baseada em uma interpretação alienada tanto do real como do sujeito, pois 
este, de fato, não se apropriou daquele como objeto do conhecimento e sim 
como objeto representado, interpretado de acordo com um esquema prévio e 
estranho ao objeto e a si mesmo na relação com este objeto. 
Esclarecidos estes conceitos básicos de materialismo, idealismo e 
interação e suas implicações, trata-se, agora, de discorrer sobre outro conceito 
importante para as reflexões que se seguirão. Que é o conceito de dialética. 
 
3. A Dialética 
A dialética não tem uma única e definitiva concepção. Poder-se-ia 
afirmar, de maneira simplificada, que a dialética passou por diferentes etapas 
históricas revelando diversos modelos conceituais, todos vinculados ao 
pensamento dominante ou aos pensamentos de oposição em cada uma das 
fases. Resumidamente, a dialética experimentou cinco fases. 
Na primeira fase encontra-se a dialética dos filósofos jônicos, 
especialmente representada por Heráclito e sua conhecida observação de que 
a água que corria sob a ponte não era a mesma que ele havia visto 
anteriormente. Esta observação da natureza em movimento desenvolve a 
dialética da sucessão. 
Na segunda fase e ainda na filosofia grega, a dialética foi considerada 
uma forma de razão usada como um modelo de perguntas e respostas, 
conforme se encontra exemplificado nos diálogos de Platão e na filosofia de 
Aristóteles. Considerando que a retórica é um modo de estabelecer um 
plausível argumento convincente, a dialética aparece como um método para 
chegar à verdade. Platão e Aristóteles, que representam a segunda fase, 
desenvolveram a dialética da co-existência. 
Na terceira fase, a dialética é usada por Kant para descrever a 
necessária lógica da razão pura. Observa, contudo, que a confiança nas ideias 
auto-contraditórias e nos silogismos não está baseada em premissas empíricas 
para passar para a “grande certeza”. Entendendo que o método de Descartes, 
fundado em um conjuntode procedimentos racionais com suas quatro regras 
para chegar à verdade representava o fim da filosofia3, Kant propõe os 
“imperativos categóricos” para se compreender a realidade4. 
Mas é realmente com Hegel que a dialética, em sua quarta fase, se 
torna uma importante noção no pensamento moderno. Hegel reune as noções 
de sucessão, coexistência e lógica para propor uma dialética histórica. Trata-se 
de uma dialética sob uma forma idealista. Para Hegel, o desenvolvimento da 
subjetividade e do auto-conhecimento e o desenvolvimento da história do 
mundo são governados, ambos, por uma dialética entre as divergentes e 
contraditórias expressões da mente ou do espírito. Todo o estágio de 
desenvolvimento é caracterizado por uma tensão entre forças opostas (a mais 
conhecida nas análises de Hegel eram as que se davam entre os interesses 
dos mestres e dos escravos), as quais serão resolvidas quando uma nova 
 
3
 De fato, para Descartes a evidência não é aquela sensível e empírica. Segundo Descartes, os 
sentidos enganam e apenas as idéias e a razão são claras e distintas. Assim, as quatro regras 
que ele propõe em “Discursos sobre o Método” são: evidência, análise, síntese e 
desmembramento. 
4
 “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne 
lei universal”. (KANT, 1984) Esta é a fórmula do imperativo categórico de Kant. Trata-se do 
princípio subjetivo de uma ação, o qual é distinto do princípio objetivo (lei prática) que é válido 
para todos. O ser racional reconheceria no imperativo categórico aquele imperativo que 
“representasse uma ação como objetivamente necessária por si mesma, sem relação com 
qualquer outra finalidade” (KANT, 1984. pp. 124-5). A norma moral existe sob a forma de 
imperativo categórico, ou seja, o imperativo categórico é também a moralidade, pois a lei moral 
é um fato da razão-pura, um a priori, que se distingue da legalidade. 
síntese é alcançada. Esta síntese irá, por seu turno, gerar uma nova 
contradição interna e, então, uma nova resolução. 
Assim, para Hegel, a dialética opera a partir de uma tese que contem 
dentro de si uma antítese. O choque destes contrários resultará em uma 
síntese. Tal síntese conterá sua própria contradição, ou seja, transformar-se-á 
em uma tese com sua antítese do que resultará nova síntese. O processo 
cessará, para Hegel, somente com a emergência de um sereno, maduro e 
completo auto-conhecimento do Espírito Absoluto, que abole todas as 
contradições. Como se pode perceber, a dialética hegeliana é justamente 
chamada de idealista na medida em que parte e termina no plano das ideias. É 
a ideia ou o conhecimento que é capaz de definir a tese e sua antítese e é a 
ideia que poderá compreender a síntese. A dialética é uma construção do 
espírito, da ideia, ou seja, o real é apreendido e compreendido à partir da ideia. 
Contrariamente a Kant, não se trata de um imperativo categórico da 
moralidade, mas de uma lógica e de um caráter de universalidade. 
A contribuição de Hegel para a filosofia é inquestionável. Hegel introduz 
elementos importantes para a história do pensamento moderno. Os conceitos 
de em si e para si, que Marx vai usar para tratar das classes sociais, re-
aparece nos estudos de Lukacs sobre consciência de classes e é utilizado pela 
“Escola de Frankfurt” para compreender o totalitarismo. Para Hegel, uma 
montanha em si mesma é uma montanha. Uma montanha para si é uma 
montanha apropriada pelo pensamento ou para uso-exploração. Com este 
conceito, as ciências sociais vão tratar de entender, tanto do ponto de vista do 
sujeito, quanto do ponto de vista coletivo, as atitudes ou ações sociais ou 
individuais. A psicanálise, por exemplo, ao investir na apropriação, pelo sujeito, 
de seu inconsciente, no sentido de melhor lidar com a vida, está trabalhando 
com o conceito de sujeito para si, sujeito capaz do desejo, sujeito autônomo. 
Outra importante contribuição de Hegel para a filosofia encontra-se nos 
fundamentos da fenomenologia e em sua noção de totalidade. Ainda que Hegel 
tenha tratado da Fenomenologia do Espírito, sua concepção de essência 
versus aparência será utilizada por Marx (que, entretanto, reclama que a 
aparência também compõe a essência e que forma e conteúdo constituem 
momentos de um mesmo fenômeno), por Husserl, por Weber (que deste ponto 
deriva para a construção do seu “Tipo Ideal”), por Merleau-Ponty e por Sartre, 
todos com perspectivas diferentes. 
Do ponto de vista da política, Hegel vincula-se ao pensamento liberal e 
vê no Estado Liberal a única forma de se chegar à Verdade Absoluta. Sendo 
um Estado livre da opressão, em que todos teriam direitos iguais (inclusive de 
propriedade) e viveriam em comum, este seria o Estado que superaria as 
contradições e os conflitos. Analistas modernos, como Itsván Mészáros, 
afirmam que Hegel “forçou” sua análise da dialética para acomodar o ideário do 
liberalismo. Ao discorrer sobre a Filosofia do Direito, Hegel afirma que uma 
pessoa concreta, que como uma pessoa particular é um fim em si mesmo, é 
também uma totalidade de desejos e uma mistura de necessidades e 
caprichos, sendo este um dos princípios da Comunidade Cívica. Mas a pessoa 
particular é essencialmente conectada com outras e desde que ele satisfaça a 
si mesmo por meio de outros, tem-se uma forma de universalidade, que é outro 
princípio da comunidade cívica. Assim, o particular é condicionado em sua 
realização pelo universal, formando um sistema de mútua dependência. 
Tal sistema Hegel denomina de estado externo, ou seja, o indivíduo 
particular tem seus próprios interesses e necessidades que se manifestam no 
universal, que são os meios, de forma que para satisfazer sua individualidade a 
pessoa deve se conformar ao universal e tornar-se parte deste todo, que lhe é 
externo enquanto indivíduo. O Estado, então, é a ideia ética realizada ou o 
espírito ético (note-se que o Estado não é uma contrução que resulta do 
esforço produtivo mas é uma ideia realizada), é o desejo que se manifesta ele 
mesmo, que o torna claro e visível, que pensa e conhece a si mesmo. O 
Estado, para Hegel, encontra nos costumes éticos sua existência e 
indiretamente reflete sua existência na auto-consciência dos individuos, em seu 
conhecimento e suas atividades. A auto-consciência na forma de disposição 
social tem sua liberdade substantiva no Estado, como essência, propósito e 
produto de suas atividades. Tal Estado ético, que resulta do espírito, que é o 
lugar da liberdade e que coordena as consciências que o constituíram, é 
oEstado liberal, detentor de toda consciência e, portanto, da Verdade Absoluta, 
do Espírito Absoluto, no qual não haveria mais lugar para as contradições pois 
todos os interesses, necessidades e desejos resultaria em sua constituição. 
Como se pode notar, embora o pensamento de Hegel não seja muito 
referenciado nos dias atuais, os fundamentos de sua proposta continuam a 
habitar o mundo da filosofia, da política e das ciências sociais em geral. 
A quinta fase pode ser chamada a do Materialismo Histórico, em que a 
concepção de dialética refere-se à contradição entre classes sociais, e entre as 
forças e relações de produção e o modo de produção. Como afirmam Marx e 
Engels (Manifesto Comunista), os meios de produção e troca através dos quais 
a burguesia construiu seu poder foram, na verdade, criados na sociedade 
feudal. As relações sociais de propriedade-posse tornaram-se imcompatíveis 
com as forças produtivas da indústria e com o sistema fabril. Nota-se que do 
ponto de vista marxista não é a ideia que contem as contradições, mas o real. 
Também é o real que contem o movimento e é no real que se encontram as 
relações. Porém, é necessário que o pensamento também seja dialético para 
compreender o movimento dialético do real. A dialética marxista e o 
MaterialismoHistórico serão mais bem destacados adiante. 
A análise dialética se aplica a qualquer campo das ciências. Na área dos 
Estudos Organizacionais pode-se propor temas a partir de fatos mais 
relevantes ou conhecidos. Os dois exemplos a seguir mostram uma tese e uma 
antítese, ou seja, um fenômeno e sua contradição interna. A síntese, de acordo 
com Marx, é um processo histórico em construção e, de acordo com Hegel, é 
um processo do pensamento. 
I. Globalização 
Tese: movimento de integração econômica, política e cultural no qual os países 
se abrem para os mercados e para as trocas e manifestações de diferentes 
culturas, usufruindo dos benefícios dos avanços científicos, do acesso a 
informações via internet e satélite, entre outras; 
Antítese: a integração permite que os países do bloco central comandem os 
mercados de produção, através do domínio e da propriedade tecnológica 
(microeletrônica, biotecnologia, engenharia genética, farmacologia, etc.) e o 
fluxo de capitais. Os países periféricos, para poderem inserir-se no mundo 
global, importam indústrias de alto composto tecnológico, geralmente 
poupadoras de força de trabalho e demandantes de importação de 
componentes sofisticados de alto custo. O resultado é aumento da 
dependência da periferia para com o centro, desemprego e necessidade de 
financiamento do desenvolvimento (o que permite o livre passeio do fluxo de 
capitais estrangeiros de alta remuneração e o conseqüente aumento do 
endividamento externo e interno); 
II. Ação Afirmativa e Política Pública 
Tese: Programa adotado nas universidades, no setor público (através de 
reserva de vagas) e em algumas empresas privadas, visando permitir o acesso 
de parte das populações excluídas, ou seja, negros, afro-descendentes, 
indígenas e portadores de necessidades especiais, etc. aos cursos 
universitários e aos empregos públicos e privados; 
Antítese: Partindo de um acordo entre um governo popular e as elites políticas, 
empresariais e educacionais, o programa pretende reafirmar a idéia de 
democracia racial através de uma demonstração de diversidade étnica e 
cultural, introduzindo os excluídos em cursos universitários, em cargos e 
funções públicas, empresariais e educacionais, com uma política que disfarça, 
mas não elimina o preconceito e nem retira o estigma segregacionista das 
relações sociais; 
Outras análises podem ser elaboradas à partir da dialética. Para a 
dialética o que importa é a forma de análise, na qual é relevante a contradição, 
o movimento e como estes componentes dos fenômenos estudados se 
relacionam internamente tendo em vista uma totalidade. Entretanto, para que 
as pesquisas tenham um caráter teórico rigoroso é necessário que sejam 
definidas quais as categorias de análise que serão utilizadas para apreender o 
real e suas relações. Tais categorias devem ser buscadas na realidade para, 
então encontrarem correspondência na teoria, como se verá adiante. Cada 
categoria pode comportar sub-categorias que a detalhem. Cada categoria/sub-
categoria deve ser encontrada no fenômeno tal como o mesmo se manifesta, a 
partir de seus elementos constitutivos, procurando compreender seu significado 
e sua contradição e, neste sentido, também o seu movimento. 
 
4. A Dialética Marxista 
Segundo alguns autores (ABBAGNANO, 1971; CHEPTULIN, 1982; 
KONSTANTINOV, 1959; KOSIK, 2002; LEFEBVRE, 1975; POLITZER, BESSE, 
e LAVEING, 1977; REALE e ANTISERI, 1986; SWINGEWWOD, 1978; 
TRIVINOS, 1992), na dialética marxista os objetos e os conceitos devem ser 
considerados em seu encadeamento, em suas relações mútuas, em suas 
ações recíprocas, em seu processo (nascimento, desenvolvimento, 
transformação). Tais objetos devem ser analisados no interior da formação 
histórica, na qual a verdade não é um conjunto de princípios definitivos, mas 
um processo em mutação. Tendo em conta estas duas questões, cinco 
características se levantam: 
I. Primeira característica: tudo se relaciona (ação recíproca e 
conexão universal), tudo se condiciona reciprocamente; 
II. Segunda característica: tudo se transforma (desenvolvimento 
incessante): a realidade é movimento (em termos de deslocamento, 
natureza e propriedade), pois este é o modo de ser da matéria. A 
matéria sem movimento é tão inconcebível quanto o movimento 
sem matéria; 
III. Terceira característica: existe uma relação entre mudanças 
quantitativas (simples aumento ou diminuição da quantidade) e 
qualitativas (passagem de um estado ou qualidade para outro). O 
novo decorre da acumulação de pequenas mudanças quantitativas 
(o que é resulta do que foi, embora seja qualitativamente diferente). 
O movimento assume, assim, duas formas: evolutiva (quantitativa) 
e revolucionária (qualitativa): 
a. Não se pode separar quantidade de qualidade (a 
quantidade é sempre quantidade de alguma coisa, é 
quantidade de uma qualidade); 
b. A quantidade se transforma em qualidade e esta 
novamente em quantidade. 
IV. Quarta característica: a luta dos contrários. Todos os fenômenos 
possuem contradições internas. Existe uma unidade entre os 
contrários5: a realidade é ao mesmo tempo, ela mesma e outra 
coisa, diferente dela. A contradição interna é uma “causa 
fundamental” ou de primeira ordem; as relações externas são 
“causas complementares” ou de segunda ordem. Toda a mudança 
qualitativa é a mudança fecunda de uma contradição. Neste 
sentido, é necessário levar em conta que: 
a. A contradição existe ainda que não seja manifesta; 
b. O antagonismo é um momento de contradição. O 
antagonismo pode ser resolvido, mas a contradição 
permanece; 
c. O caráter específico da contradição não é absoluto e não 
tem sentido quando separado da totalidade. O específico 
não tem valor senão em relação à totalidade, na medida 
em que ambos são inseparáveis; 
d. Há contradições principais (que existem do começo ao 
fim do processo e cuja existência e desenvolvimento 
definem o processo) e secundárias ou subordinadas (e.g. 
luta de classes e luta no interior das classes); 
e. As contradições principais e secundárias interagem, 
sendo que estas podem alcançar tal relevância que 
condicionam aquelas. 
V. Quinta característica: negação da negação (terceiro incluso): todo o 
fenômeno é, ao mesmo tempo, o que ele afirma (tese) e o seu 
contrário (antítese). Da luta entre o que afirma e o que nega, 
resulta outra negação (síntese). 
Enquanto para a fenomenologia dialética, a sociedade é um processo 
dialético, que envolve tanto a atividade humana subjetiva quanto a estrutura 
social objetiva, ou seja, os homens produzem a sociedade e são produzidos 
por ela (“o produto retroage sobre o produtor”), para Marx, a sociedade é 
construída e não dada. Como tal, a consciência não pode ser resultado ou 
reflexo da realidade objetiva. Aqueles que pensam que o homem é produto das 
circunstâncias, diz Marx, esquecem que as circunstâncias são mudadas pelos 
homens. “O próprio educador deve ser educado”, afirma Marx (Teses contra 
Feuerbach).. 
 
5
 Como sugere Engels, em seu Dialética da Natureza, se a semente fosse apenas semente, 
permaneceria indefinidamente semente. Mas há uma “luta” entre a permanência da semente e 
o processo de germinação. Desta luta resulta a planta, que já não é mais semente e nem 
germinação, mas que contém os elementos de ambos. 
A consciência não é redutível à estrutura social, política ou econômica, 
mas é um elemento relativamente autônomo capaz de retroagir sobre tal 
estrutura. A consciência é tanto um produto social como um fator independente 
de mudança. Para Marx (1977), quando o homem constrói o quadro objetivo do 
mundo por meio da reflexão, o próprio ato de conhecer não só lhe permite 
mudar (ou intervir sobre) a realidade, como de fato a muda, pois o pensamento 
é parte desta realidade. De fato, o movimento é sempre uma unidadede 
elementos contraditórios e não uma evolução homogênea. Marx (A miséria da 
filosofia), afirma que o pensamento dialético rejeita as falsas antíteses 
(positivo-negativo; dia-noite, etc.). “Não é a categoria que é apresentada e se 
opõe a si mesma, mas sua natureza contraditória”; 
A dialética não implica em desenvolvimento (progresso) histórico 
definido, necessário e inevitável. Primeiro, porque a regressão (que nunca se 
dá nos mesmos termos) histórica é tão possível quanto a progressão (e.g. 
declínio de Roma); segundo, porque o futuro será o que a práxis humana for 
capaz de construir: não existe tal objetividade extra-histórica e extra-humana. 
Afirmar uma realidade independentemente dos homens (ENGELS “Dialética da 
Natureza”) é invocar um conceito metafísico da matéria como sendo externo e 
absoluto: a história nada faz por si, mas o homem é quem desencadeia as 
mudanças em suas relações históricas. “A História nada mais é do que a 
atividade do homem em busca de seus fins” (MARX e ENGELS6 em A 
ideologia alemã). 
Marx rejeita a concepção determinista e teológica. Para ele, o homem 
(coletivo) intervém diretamente no processo histórico, mas apenas como parte 
deste processo. Somente os homens podem colocar seus propósitos em 
realização, mas o que eles podem querer é condicionado pelo estado 
predominante das forças materiais e culturais (o socialismo não é concedido 
pela história, por suas leis ou tendências, mas deve ser algo que os homens 
desejam e pelo que devem lutar). A dialética não é um movimento externo às 
ações dos homens, pois os envolvem tanto objetiva quanto subjetivamente. 
Ao contrário das críticas segundo as quais o pensamento de Marx é 
determinista, mecanicista ou reducionista (tudo se reduz à determinação da 
estrutura econômica), sua concepção é a de que todo o processo procede em 
forma de interação. Não uma interação simples de fatores (do tipo “os homens 
produzem a sociedade e são produzidos por ela” ou X influencia Y que 
influencia Z...), mas complexa, dinâmica e contraditória. 
Como se viu no início, o método de Marx baseia-se na categoria da 
totalidade, que compreende a relação do simples para o complexo (forma 
simples de valor, valor, mercadoria...). Para Marx (1974), o método que analisa 
os fatos sem investigá-lo em sua totalidade, em suas contradições e 
movimentos, termina por propor leis universais abstratas aplicáveis a quaisquer 
casos. 
A concepção segundo a qual a sociedade é construída com base na 
interpretação que dela os homens fazem (como em “A construção Social da 
Realidade”, de Luckman e Berger ou como no chamado interpretacionismo), é 
chamada pelo marxismo de “atomismo social” (axioma metodológico em que as 
“opiniões” são mais “reais” que a análise histórica objetiva). A sociedade, para 
Marx, é uma totalidade complexa na qual os elementos subjetivos (consciência, 
 
6
 O homem, no sentido empregado por Marx, não é o indivíduo, mas o sujeito coletivo, os 
grupos, as classes sociais. 
ideologia) são também elementos objetivos, no sentido de que existem para os 
outros. No método de investigação de Marx, a unidade de análise é sempre 
coletiva (grupos, classes) e jamais individual. Desta forma, Engels, ao 
descrever a história em termos de “conflitos entre muitas vontades individuais” 
e a sociedade como “agregado” de tais vontades, entrou no campo dos 
individualistas metodológicos. Para Marx (1977) os fatos não são coisas 
concretas dadas imediatamente aos sentidos, pois sua concretude existe 
apenas dentro da totalidade específica: os fatos precisam ser, neste sentido, 
mediados pela consciência e pela práxis humana para serem apreendidos 
como tais e não em sua aparência ou superficialidade. 
A essência do método de Marx é que a análise social consiste em um 
vaivém constante entre as partes e o todo. Não simplesmente um movimento 
em uma só direção, mas em ambos; não uma simples interação, mas 
complexa, dinâmica e contraditória. A parte não pode ser retirada do todo para 
ser examinada em separado dele e depois, mecanicamente, inserida 
novamente na análise: os fatos empíricos devem estar integrados na totalidade 
ou vão permanecer abstratos, superficiais e teoricamente enganadores; 
Como já referido anteriormente, metodologicamente é incorreto, para o 
marxismo, começar a análise social a partir de fatos isolados (instituições, 
população, classes) porque estes pressupõem uma sociedade econômica, 
política e socialmente específica. Trata-se de partir destas abstrações, mas 
para reconstruí-las pela via do concreto e não partir delas tais como estão 
dadas para a observação. 
A relação entre conhecimento e sociedade é dialética, contraditória e 
desigual em seu desenvolvimento: o conhecimento não reproduzirá 
passivamente a estrutura dominante. O conhecimento pode ser, em parte, 
autônomo e construir uma crítica da sociedade existente. Porém, do ponto de 
vista marxista o conhecimento é científico ou ideológico na medida em que 
correspondam aos interesses práticos de classe: uma teoria da sociedade 
genuinamente científica entenderá a realidade social como um todo orgânico, 
que abrange tanto os valores como a ação humana. A teoria e a prática não 
podem separar-se. 
De fato, no âmbito do marxismo, a questão quanto a se a verdade 
objetiva pode ser atribuída ao pensamento humano não é uma questão teórica, 
mas uma questão prática. O homem deve provar a verdade em sua prática e 
não em seu discurso. Mesmo assim, tal verdade jamais será absoluta, pois ela 
é sempre referente ao momento e às condições históricas e materiais. Quanto 
mais se desenvolve o conhecimento, mais se apresentam novas indagações e 
mais as “verdades” são desfeitas. Portanto, a verdade, enquanto resultado do 
conhecimento, jamais será definitiva. 
Os sujeitos possuem conhecimento, decorrente de sua práxis. Este 
conhecimento (que não se confunde com interpretação) do concreto pela via do 
pensamento, dada a primazia do real, sempre oferecerá uma verdade 
passageira, falsificável, que será superada pelo desenvolvimento deste mesmo 
conhecimento. 
Marx parte da dialética hegeliana, mas a recoloca sobre seus pés, 
emprestando-lhe uma “fisionomia racional” em contraposição à sua “fisionomia 
espiritual”. Se, enquanto para Hegel é o pensamento que cria a realidade, 
sendo esta a manifestação exterior da Idéia, para Marx o objeto é o mundo 
material e a contradição é histórica e social: é o mundo material que é dialético, 
que está em constante movimento, sendo que historicamente as mudanças 
ocorrem das contradições surgidas a partir do processo de produção social. 
Neste sentido, portanto, é que se pode dizer que existem categorias, leis e 
características do materialismo histórico e dialético. 
As características são: 
I. Materialidade do mundo (fenômenos, objetos, processos, etc. são 
aspectos da matéria em movimento); 
II. A matéria é anterior à consciência (a consciência é um reflexo da 
matéria); 
III. O mundo é cognoscível (tudo pode ser conhecido com o tempo). 
As categorias são entendidas como formas de conscientização dos 
conceitos dos modos universais da relação do homem com o mundo, que 
refletem as propriedades e leis mais gerais e as essências da natureza, da 
sociedade e do pensamento. As categorias são: 
I. A matéria (realidade objetiva); 
II. A consciência (apreensão, pelo pensamento, da matéria); 
III. A prática social (atividade, resultante da relação entre matéria e 
consciência, orientada à transformação). 
As leis são ligações necessárias gerais, interativas e estáveis entre 
fenômenos. São três as leis da dialética: 
I. Lei da transformação da quantidade em qualidade e vice-versa; 
II. Lei da interpenetração dos contrários (lei da unidade e da luta dos 
contrários); 
III. Lei da negação da negação. 
Os aspectosdestas leis podem ser resumidos em quatro pontos: 
I. Tudo se relaciona. Na natureza, na economia, na sociedade, nas 
organizações, os objetos não são um amontoado acidental de 
fenômenos separados, independentes, isolados, mas uma totalidade 
coerente, orgânica, em que tudo se relaciona com um ou vários 
sentidos, em que cada fenômeno condiciona outros e é por eles 
condicionado. Nada pode ser compreendido fora dos seus fenômenos 
circundantes. A conexão entre os fatos não é um detalhe destes, mas 
uma condição de sua totalidade, não uma particularidade, mas uma 
universalidade. A pesquisa dialética precisa, sempre, avaliar seu objeto 
do ponto de vista das condições que o determinam e explicam, da 
interação entre os fatos e entre estes e o sujeito pesquisador, pois este 
é o ponto de partida de toda a teoria científica dialética; 
II. Tudo se movimenta. Como afirma Engels (XXXX), “jamais, em parte 
alguma, houve matéria sem movimento, nem poderá haver. (...) A 
matéria sem movimento é tão inconcebível como o movimento sem 
matéria”. A realidade não é estática. Por isto, a pesquisa dialética não 
se contenta em ser descritiva, em esgotar sua investigação no 
momento da análise sem considerar seu desenvolvimento. A descrição 
serve de base para a formulação de conceitos. Reduzir a realidade a 
um de seus aspectos, reduzir o processo a um de seus momentos, 
acreditando que o que é será, é desconhecer a dialética. Os conceitos 
exercem o papel de leis que explicam o movimento e não que o 
descrevem; 
III. Tudo muda. Existem duas espécies de mudança. As mudanças 
quantitativas, que são transformações simples que não interferem na 
natureza essencial do objeto/fato; as mudanças qualitativas, que são 
passagens de um estado a outro. A segunda não acontece sem a 
primeira: mudanças mínimas (quantitativas) vão se acrescentando e 
provocam, em determinado momento, um salto ou mudança de 
qualidade. Isto explica porque as pequenas mudanças podem levar a 
uma ruptura de uma determinada estrutura. Esta passagem também 
permite distinguir evolução (ou reforma) de revolução, crescimento de 
desenvolvimento, contingente de necessário. O salto de qualidade 
(passagem do inferior para o superior), quando se opera, é resultado 
de um acúmulo às vezes imperceptível de pequenas mudanças. Para a 
pesquisa dialética, cabe sempre observar como pequenas mudanças 
(quantitativas) levam a mudanças radicais (qualitativas); como a 
qualidade se transforma em quantidade, já que ambos os movimentos 
são inseparáveis, a partir do novo estado de qualidade que entra em 
movimento; 
IV. Tudo resulta da luta (do choque) dos contrários. Da interação das 
forças contraditórias, em que uma nega a outra, surge uma terceira, 
que é a negação da negação, a síntese, o novo. A síntese contém 
elementos dos contrários de onde surgiu (da tese e da antítese), mas 
não se confunde mais com os mesmos. Ao se concretizar, a síntese se 
transforma em nova tese, com seu contrário, sua antítese. O choque 
dos contrários é o motor de toda a mudança na natureza e o motor do 
pensamento, mas nada se realiza na história social dos homens que 
não seja decorrente de sua práxis. 
Alguns pontos desta lei merecem destaque: 
I. A contradição é interna ao movimento, é inerente a ela, é sua 
essência. A realidade muda por ser, em essência, ela mesma e outra 
coisa, diferente dela. A mudança não se opera de fora, mas de dentro. 
A interação com o exterior pode acentuar, precipitar, favorecer ou 
arrefecer a mudança, mas não causá-la; 
II. A contradição é inovadora. Quando o superior supera definitivamente o 
inferior de onde surgiu, aparece a fecundidade da contradição. O 
passado não se repete senão como farsa. O novo sempre se impõe, 
mesmo quando sua constituição não remete a uma “elevação” (por 
exemplo, quando uma política democrática se esgota e dá lugar a uma 
autoritária, esta não será o que já foi e nem o novo que ela representa 
significa que houve uma elevação); 
III. A contradição encerra dois termos que se opõem: a unidade dos 
contrários. Os contrários se combatem, mas são inseparáveis. Um não 
existe em si senão com o outro, de forma que se um desaparecer, 
também desaparece o outro (e.g. burguesia e proletariado): há uma 
unidade indissociável dos contrários; 
IV. Análise e síntese, para o pensamento, implicam-se mutuamente. Na 
análise, separam-se os elementos do todo, mas os elementos não são 
partes do todo, senão um todo, pois não há elementos em si. A 
separação analítica é apenas formal, pois a síntese que ela reclama 
define-se pela análise e esta pela síntese. Da mesma forma, teoria e 
prática são duas forças em interação dialética, que se interpenetram e 
se fecundam mutuamente, de onde resulta a práxis. Para compreender 
a dialética da natureza, o pensamento também precisa ser dialético; 
V. A contradição é universal e é específica. A contradição é uma 
característica universal dos fenômenos, o que não significa que não se 
possa buscá-la nas particularidades destes. Pode-se falar da 
contradição do capitalismo, manifesta na existência de duas classes 
antagônicas. Mas pode-se também falar das contradições que se 
operam no interior destas classes, entre frações específicas. Do 
mesmo modo, pode-se falar em contradições no interior de uma fração 
de classe e no interior de grupos sociais desta fração. 
Pode-se tomar, aqui, um exemplo da dialética na natureza para mostrar 
que a mesma não é uma operação apenas da razão que opera sobre a coisa, 
mas que a dialética se encontra na estrutura da coisa. Em 1960, o físico 
Yoishiro Nambu criou o conceito de “quebra de simetria”, que em síntese é 
uma nano diferença na forma como um tipo de força nuclear funciona na 
matéria e na antimatéria. Makoto Kobayashi e Toshihide Maskava, baseados 
na teoria de Nambu, mostraram que esta diferença é que deve ter contribuído, 
no início do Universo, para que houvesse um excesso de matéria sobre a 
antimatéria, pois sem isto as quantidades seriam iguais e ambas teriam se 
aniquilado totalmente. Os três físicos foram agraciados com o Prêmio Nobel de 
Física de 2008. A descoberta, resumidamente, indica que para cada tipo de 
partícula elementar (tese) sempre existe outro tipo que é a sua antipartícula 
(antítese). A antipartícula (antítese) tem a mesma massa (qualidade) que a 
partícula (tese), mas com carga elétrica e outras propriedades invertidas 
(particularidade). A aparência é a mesma, mas a ação é diferente (unidade dos 
contrários). Quando uma partícula (tese) encontra sua antipartícula (antítese) 
as duas se aniquilam (choque ou luta dos contrários) e se transformam 
(mudança qualitativa) em outras partículas (síntese ou terceiro incluso). A 
simetria significaria, neste caso, que em um encontro entre a matéria e a 
antimatéria haveria uma explosão e uma anulação total de ambas sem a 
criação de um terceiro. A descoberta dos físicos da “quebra da simetria” sugere 
que o movimento da dialética da natureza não é o de destruição, mas o de 
superação, de transformação e de construção. 
Finalmente, cabe alertar que a lógica dialética não faz desaparecer a 
expressão formal. A investigação dialética e o pensamento dialético são 
expressos de maneira formal, ou seja, de forma organizada, sistematizada, 
dividida, categorizada. A dialética se distingue pela origem e não pela 
expressão. 
Enquanto a natureza e a produção de idéias são dialéticas, sua 
expressão é sempre formal. O que é pensado dialeticamente tem que ser dito 
formalmente, pois se acha subordinado às categorias da linguagem (formadas 
por força de sua constituição social). 
 
5. Características do Materialismo Histórico 
De acordo com diversos autores (ABBAGNANO, 1971; CHEPTULIN, 
1982; KONSTANTINOV, 1959; KOSIK, 2002; LEFEBVRE, 1975; POLITZER, 
BESSE, e LAVEING, 1977; REALE e ANTISERI, 1986; SWINGEWWOD, 1978; 
TRIVINOS, 1992),do ponto de vista do materialismo marxista a natureza (o 
real) comporta dois estados: matéria7 e consciência. Para o materialismo 
marxista, tudo o que existe na natureza é matéria (ou seja, é matéria para o 
 
7
 A matéria pode ser tanto pode ser o elemento “tangível” quanto o “intangível”. A matéria é a 
matéria para o conhecimento, por isso é o objeto do saber. 
conhecimento), mas nem toda a matéria é percebida pelos sentidos. Como se 
viu anteriormente, a matéria existe independentemente da consciência que 
dela se tenha, de onde decorre a primazia do real concreto sobre o real 
pensado. A forma que a matéria adquire é dada pelo seu conteúdo, ou seja, a 
forma não pode existir sem um conteúdo. Porém, a forma também condiciona o 
conteúdo, embora não o determine, pois a mesma não é pré-existente e 
imutável. 
Forma e conteúdo interagem, mas são as contradições internas do 
conteúdo que podem modificar a forma nos limites das relações entre ambas: a 
matéria tem seu próprio movimento. Assim a aparência (a forma) é inferior 
ontologicamente ao conteúdo (essência), mas não há como se compreender a 
realidade sem que se compreendam ambos, a forma e o conteúdo; 
Já a consciência, tanto quanto a matéria, é real (realmente existente), 
mas não se confunde com esta, pois o sujeito é diferente do objeto. Matéria e 
consciência, não são estáticos, o que implica em que o pensamento é uma 
abstração da matéria quando com ela interage (concreto pensado), mas pode 
ser uma abstração idealista ou dogmática, quando existe independentemente 
da matéria (metafísica). Para o materialismo dialético as divindades (deuses, 
mitos, etc.) não existem realmente, o que não significa que não se possa 
estudá-las, porém não na perspectiva delas mesmas, mas como um problema 
da idéia da divindade (fatos reais). A religião, neste sentido, pode ser 
problematizada enquanto força ideológica (qualquer que seja sua divindade 
específica)8. O materialismo é, portanto, uma concepção do mundo, uma forma 
de compreender os fenômenos da natureza e da vida social (objetivos e 
subjetivos). 
Existem, segundo os mencionados autores, quatro características que 
distinguem o materialismo marxista de outros tipos de materialismo: 
I. O mundo é material e os múltiplos fenômenos, que se relacionam e 
se condicionam reciprocamente, são diferentes aspectos da 
matéria em movimento; 
II. A matéria (realidade objetiva) é anterior à consciência, pois é a 
fonte das representações; 
III. O mundo é cognoscível, sendo a práxis (teoria e a prática) 
relevante para a consciência: não há diferença entre a propriedade 
de uma coisa e a própria coisa. Para o materialismo dialético, o 
conhecimento não é uma operação pela qual o pensamento 
interpreta os dados dos sentidos, mas um processo complexo de 
interação entre o sujeito e o objeto; 
IV. As leis da natureza e da sociedade são históricas, sendo a história 
uma construção humana marcada pelas relações de produção das 
condições de existência. 
 
6. O Método em Marx 
O método original adotado por Marx se opõe ao pensamento idealista e 
ao pensamento abstrato, bem como ao empirismo descritivo. Ao idealismo 
porque este se refugia na afirmação incondicionada de uma verdade e de um 
valor transcendentais enquanto garantias do real. Ao pensamento abstrato 
porque este se limita a classificar os fenômenos que encontra e a elaborar uma 
 
8
 Por exemplo, a justificativa de Laplace, para Napoleão, sobre a desnecessária inclusão da 
hipótese divina em sua teoria sobre a evolução do sistema solar. 
lógica formal e uma gramática. Ao empirismo descritivo porque se contenta 
com a narrativa, ainda que minuciosa, dos fenômenos sem questionar seu 
conteúdo e suas relações não aparentes. 
O pensamento idealista, metafísico, é rejeitado por Marx (XXXX – Manu) 
porque ao tomar como ponto de partida a apreensão das contradições entre 
sujeito e objeto não alcança qualquer resultado a não ser que coloque o real ou 
do lado do sujeito ou do lado do objeto, de forma que ainda que a contradição 
seja recusada, ela não deixa, de fato, de se apresentar como realidade 
existente a partir do instante seguinte à sua colocação entre parêntesis (em 
uma époché). O pensamento formal, abstrato, é rejeitado por ser incapaz de 
avançar e porque as classificações e análises deixam subsistir, sem resolver, 
todas as contradições. O pensamento empirista descritivo é rejeitado porque ao 
discorrer sobre um fenômeno tomado a partir dele mesmo, não tem como voltar 
ao mesmo por não realizar nenhuma elaboração enriquecida que permita 
expandir, conceituar e reproduzir. Para Marx, o método científico deve ser um 
movimento dialético ao mesmo tempo do real e do pensamento. E por este 
motivo que se pode afirmar, com Calvez (1959), que o problema do método é o 
problema central do pensamento marxista. 
A dialética marxista é uma crítica severa à dialética hegeliana, pois para 
Marx (Manu), Hegel concebeu corretamente o movimento do real e do saber 
enquanto negatividades sucessivas, mas o fez de forma abstrata e 
especulativamente. Tal como Hegel, Marx admite que o real, assim como o 
conhecer, constitui um movimento, um ato de negação sucessiva de 
determinações, o qual é o fundamento concreto da totalidade enquanto 
também fundamenta cada um dos atos particulares. Mas, para Marx, Hegel 
rejeita o princípio do movimento fora da própria experiência, ou seja, para 
chegar ao princípio da consciência humana e da experiência feita por esta 
consciência, Hegel recorre sub-repticiamente a uma experiência total e a uma 
consciência plenamente integrada, que escapam ao domínio da experiência e 
da consciência (CALVEZ, 1959). Para Marx é necessário reencontrar a 
experiência total sob o modo de uma experiência ao mesmo tempo particular e 
concreta, ou seja, ao contrário de Hegel, é preciso descobrir o sentido completo 
da história na própria história e não fora dela. 
Para Marx, a dialética não é a superação da primazia do concreto ou da 
idéia, ou seja, não existe tal primazia da dialética na relação do sujeito com o 
real como alhures se pretende sugerir ao se tratar da epistemologia na Teoria 
Crítica9. A dialética é a relação sujeito-objeto, a qual nem é separação absoluta 
e nem ligação imediata, mas separação sempre ao mesmo tempo renovada e 
suprimida, de forma a ser finalmente conciliada através de mediações 
sucessivas. A primazia é assim, do real e é na dialética sujeito-objeto que o 
real concreto, através de mediações sucessivas, se concilia consigo mesmo na 
forma de real pensado. Portanto, a supressão da separação sujeito-objeto não 
é a supressão do próprio objeto e da objetividade do sujeito, mas a firmação da 
dialética de uma relação dinâmica e tensionada. 
Hegel (Fenomenologia) entende que a supressão deve ser também 
conservação, porém o que se conserva para ele é o ser pensado, o ser “para 
si”, o ser “para a consciência de si”. Como afirma Marx (Manuscritos P. ???), tal 
 
9
 Não existe tal primazia sequer na Teoria Crítica Frankfurtiana. Dialética é método, é relação 
sujeito-objeto e, portanto, é processo e não origem. 
“supressão-conservação é uma supressão da 
essência pensada (...) porque o pensado se 
imagina como imediatamente o Outro de si 
mesmo, realidade sensível: e porque para ela a 
sua ação vale também como ação real sensível, 
esta supressão em pensamento, que deixa 
permanecer o objeto na realidade, cuida de tê-lo 
realmente ultrapassado; e, por outro lado, porque 
o objeto se tornou agora momento do 
pensamento, vale para o pensamento, na sua 
realidade, como auto-atividade do pensamento da 
consciência de si, da abstração”. 
Assim, não tendo atingido o real concreto pela via do pensamento,como 
real pensado, já que o concreto foi reduzido a mera abstração, na 
fenomenologia hegeliana o pensamento vê no real não o movimento deste, 
mas o seu próprio movimento, considerando como realidade aquilo que é 
abstração, proveniente de um sujeito exterior ao objeto. Sujeito este que se 
eleva sob a forma de uma consciência de si, como a origem do 
desenvolvimento do real concreto, de tal forma que, ao final, o concreto é 
suprimido ao ser reduzido a um momento abstrato. Feito isto, é possível retirar 
ou dar ao objeto características que o pensamento subjetivamente define para 
ele, independentemente daquelas que o mesmo venha a ter. 
Para o Materialismo Histórico não há como suprimir a existência 
concreta, empírica, do objeto, sejam quais forem os métodos adotados, pois o 
pesquisador efetivamente não “sai do real” para elevar-se à contemplação 
deste objeto. Desta maneira, não é o real que deve ser suprimido, mas a 
alienação que impede a apropriação da essência objetiva da coisa, do objeto, 
ou seja, o que se deve suprimir na relação sujeito-objeto é a “percepção 
alienada da objetivação real” (MARX, Manuscr.). É neste sentido que no campo 
dos estudos organizacionais, sempre quando a própria organização é tomada 
como uma abstração, ou seja, como coisa em si esvaziada de materialidade, a 
alienação que acomete o pesquisador o coloca não em confronto com o 
concreto, mas com as ideologias, não com o real, mas com as idéias, de tal 
maneira que este acredita que confrontando as idéias confrontará a realidade 
que elas mascaram. 
O Materialismo Histórico, assim, recusa a concepção hegeliana de que o 
movimento se encontra em um universo transcendente ao movimento real, 
concepção esta que destrói a autonomia do movimento da realidade para 
reassumi-lo em seguida, no plano da subjetividade, como idéia. Para o 
Materialismo Histórico a primazia é do real porque é no próprio movimento do 
real que o princípio do movimento se exprime total e integralmente. \Porque se 
dá no interior da situação, o movimento atinge a situação. Porque se dá no ser, 
é movimento do ser. (CALVEZ, 1959). Esta relação dinâmica 
objeto↔sujeito↔objeto ou matéria↔consciência↔matéria, mediada pelo 
pensamento, é a forma de se apropriar do real concreto como real pensado, 
não permitindo a fuga do pensamento como um elemento exterior e anterior à 
relação. 10 Para o Materialismo Histórico, o método que concede ao 
 
10
 Isto não significa que se defenda a concepção de uma tábula rasa. Todo o sujeito 
pesquisador traz consigo teorias, metodologias, valores, experiências, decorrentes de suas 
relações sociais e daquelas legadas pela história e pela cultura. O que se argumenta, aqui, é a 
pensamento exteriorizar-se para reconstruir e para colocar movimento no 
objeto, não tem nenhuma outra existência além das próprias categorias 
definidas pelo pesquisador. Tal método somente pode ser útil como filosofia da 
abstração ou filosofia da idéia. É por esta razão que, como aponta Calvez, 
(1959), para o método dialético na perspectiva do Materialismo Histórico: 
I. Não há verdade eterna, imutável, pois não há ciência metafísica e no 
interior da ciência não metafísica não há verdades abstratas; 
II. A verdade se encontra na práxis e sua explicitação decorre de uma 
apreensão desalienada desta pelo sujeito do pensamento; 
III. O saber é dialético, é um movimento que procede de contradições; 
IV. O saber é parte de uma consciência entendida como atividade e não 
como intuição contemplativa; 
V. O procedimento correto do método é o que vai do concreto ao concreto 
pela consciência (pela mediação do pensamento), permanecendo, 
contudo, sempre no interior do concreto; 
VI. O saber é dialético porque o real também é dialético. O conhecimento 
está em relação dialética com o real e com a práxis. A consciência é 
condicionada pelo ser. E também esta relação é em si mesma 
dialética. 
Ao contrário dos métodos e das dimensões epistemológicas (FARIA, 
2009) que se interessam ou pela forma como o objeto se apresenta em suas 
relações causais simples (positivismo; pragmatismo), ou pelo conteúdo, pela 
essência do objeto, suspendendo-o para colocar a forma entre parêntesis, ou 
reduzindo-o a um simulacro de um conjunto formal de relações fundamentais 
ou ainda remetendo-o a um sistema integrado de funções (respectivamente: 
fenomenologia; estruturalismo; funcionalismo), o método dialético é, para o 
Materialismo Histórico, a unidade de forma e conteúdo, essência e aparência, 
pois ambos se condicionam. 
O real é a base da ciência para o Materialismo Histórico e a relação do 
sujeito com o real é dialética. Entretanto, o conhecimento científico difere 
daquele imediatamente sensível do qual o sujeito não se apropria totalmente, 
porque o elabora apenas precariamente. A consciência imediatamente sensível 
é indiferenciada e vazia e, portanto, nega-se como consciência e como saber 
elaborado. Do ponto de vista do conhecimento científico, portanto, a primeira 
consciência do pesquisador resulta de uma “aproximação precária com o 
objeto” (FARIA, 2008). Nesta fase da relação sujeito-objeto o objeto escapa ao 
sujeito quando este o contradiz, quando este o enfrenta, o questiona, o 
submete às primeiras tensões. O objeto não se revela inteiramente ao sujeito 
senão em sua forma fenomênica e tampouco o sujeito apreende o objeto senão 
em sua forma aparente. Esta contradição desencadeia uma síntese primária 
em que o pesquisador é instado a refletir sobre o objeto, sobre si mesmo e 
sobre a relação dialética dele com o objeto, o que lhe permite avaliar a ambos 
e suas relações. Como resultado desta síntese primária a percepção do sujeito 
acerca do objeto eleva-se para uma aproximação relativamente elaborada, em 
que sujeito e objeto movem-se em direção um ao outro, ainda sob tensão. A 
consciência sensível do sujeito é parcialmente preenchida à medida que o 
objeto vai se revelando em sua qualidade. 
 
recusa a um pensamento preconceituoso, pré-concebido, pré-elaborado sobre o objeto antes 
de se estabelecer com ele uma relação dialética. 
A segunda fase do processo científico, para o Materialismo Histórico, é 
aquela em que a relação dialética sujeito-objeto é intensa e persistente, de 
maneira que mais e mais o objeto se revela ao sujeito e este mais e mais dele 
se apropria, porém agora como objeto relativamente elaborado. Sujeito e objeto 
movem-se à medida que o conhecimento eleva-se, aprofunda-se, estende-se e 
qualifica-se. A segunda fase do processo científico é a fase do conhecimento 
relativamente elaborado ou do conhecimento renovado, que se constitui na 
negação do conhecimento imediato, da síntese primária conferida pela 
aproximação precária. Porém, este conhecimento renovado que se opõe e se 
contradiz ao conhecimento precário, na medida em que o recusa e o enfrenta, 
forma com ele uma unidade necessária, pois o conhecimento renovado não 
existe sem o conhecimento precário, já que para negá-lo deve ser parte 
constitutiva deste. Quando o pesquisador se aprofunda no conhecimento do 
objeto ele coloca em tensão permanente o conhecimento renovado com o 
conhecimento imediato, ou seja, tanto o objeto vai se dando a conhecer 
qualitativamente quanto o pesquisador vai renovando seu conhecimento sobre 
o objeto. Tal tensão faz suscitar uma síntese. 
De fato, a superação da tensão entre o conhecimento precário e o 
conhecimento renovado, desta negação entre o conhecimento imediatamente 
sensível e o conhecimento relativamente elaborado, resulta na apropriação 
sintética definitiva (porém jamais final) do objeto pelo sujeito11. Esta é a terceira 
fase do processo científico, a fase da síntese dialéticado processo, na qual o 
pesquisador alcança o conhecimento da essência, que lhe permite elaborar os 
conceitos e organizar, enfim, a idéia da totalidade do objeto. Isto não é senão 
uma síntese dialética, uma nova forma de consciência sensível ou, em outros 
termos, não é senão o real concreto sintetizado na forma de real pensado. 
Nesta fase o pesquisador retorna ao real qualitativamente enriquecido, pois é a 
passagem do abstrato (do conceito) ao concreto que constitui “o método 
científico exato” (MARX, 1974). Para Marx (1974, p. 38): 
O concreto é concreto já que constitui a síntese de 
numerosas determinações, ou seja, a unidade da 
diversidade. Para o pensamento constitui um 
processo de síntese e um resultado e não um 
ponto de partida. É para nós o ponto de partida da 
realidade e, portanto, da percepção e da 
representação. No primeiro caso, a concepção 
plena se dissolve em noções abstratas. No 
segundo, as noções abstratas permitem 
reproduzir o concreto pela via do pensamento. 
Hegel caiu na ilusão de conceber o real como 
resultado do pensamento que se concentra em si 
próprio, se aprofunda e se move por si, enquanto 
o método que consiste em elevar-se do abstrato 
ao concreto é para o pensamento a forma de se 
apropriar do concreto, ou seja, o modo de 
reproduzi-lo sob a forma de concreto pensado. 
Mas, este não é de modo algum o processo da 
gênese do próprio concreto. 
 
11
 A apropriação sintética é definitiva no que se refere ao estágio da pesquisa em que o 
pesquisador encerra sua investigação. No entanto, tal apropriação jamais é final, porque o 
conhecimento se renova à medida que a ciência e a história avançam. 
Convém, aqui, analisar em detalhe esta concepção. 
I. Quando se analisa um objeto em um determinado campo concreto, o 
real aparece como uma unidade. Entretanto, o pesquisador deve saber 
que esta unidade é uma síntese (uma fusão de uma tese e de uma 
antítese em uma noção ou em uma proposição nova que retém o que 
elas têm de legítimo e as combina mediante a introdução de uma 
instância superior, um resultado de uma contradição dialética) de 
numerosas determinações. O concreto é uma unidade para o 
pesquisador, mas uma unidade que se origina da diversidade; 
II. Para o pensamento, o concreto é um resultado. O concreto constitui 
um processo de síntese para o pensamento porque o pensamento se 
apropria do real. A primazia é do real e não do pensamento. Não é o 
pensamento que cria o real, ou seja, o pensamento não é o ponto de 
partida, mas é o real que dá origem ao pensamento sobre ele. 
Contudo, o pensamento se apropria do real não como o mesmo é 
exatamente, mas como real pensado. O concreto é o ponto de partida 
da realidade e, deste modo, é o ponto de partida da percepção e da 
representação; 
III. Como processo de síntese para o pensamento, a concepção plena se 
dissolve em noções abstratas. Como já mencionado, a concepção 
plena se dissolve em categorias mais simples, as quais permitem 
alinhavar categorias mais elaboradas e abstraídas. Estas noções 
abstratas do mais simples ao mais complexo permitirão ao sujeito 
(pesquisador) se apropriar do real pelo pensamento; 
IV. O real, enquanto ponto de partida da realidade, ou seja, da percepção 
e da representação, se apresenta para o pensamento como um 
conjunto de noções abstratas que permitem ao sujeito (pesquisador) 
reproduzir o concreto pela via do pensamento; 
V. O real não é o resultado do pensamento que se concentra em si 
próprio, do pensamento que se aprofunda e se move por si, como 
propunha Hegel. É importante reter esta observação, porque parte 
significativa das pesquisas em organizações aborda o real como 
resultado do pensamento, de forma que o sujeito lança hipóteses sobre 
o mesmo ou faz “leituras” sobre o mesmo sem que o real se pronuncie 
ao sujeito. O real resulta, desta maneira hegeliana, da idéia que o 
sujeito faz dele sem que ele se apresente ao sujeito. O pensamento (a 
razão) se concentra em si mesmo, se aprofunda em suas elucubrações 
e se movimenta por sua própria disposição, porque o pensamento 
deseja conceber o real como resultado de sua produção independente. 
Uma vez pensado o real, o sujeito dirige-se a ele para confrontá-lo com 
o seu pensamento acerca do mesmo; 
VI. O método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto, isto é, de 
compreender o concreto a partir de categorias mais simples e mais 
elaboradas e complexas, é para o pensamento a forma de se apropriar 
do concreto, ou seja, o modo de reproduzi-lo sob a forma de concreto 
pensado. Contudo, o processo como o real pensado reproduz o 
concreto não é de modo algum o processo da gênese do próprio 
concreto, pois o pensamento opera, a partir do concreto, uma 
abstração dele, enquanto o mesmo se apresenta para o pensamento 
apenas na forma que este pode conhecê-lo. 
 O movimento que vai do concreto ao concreto não é uma circularidade 
simples em que o sujeito pesquisador volta a encontrar o ponto de partida tal 
como o deixou. É um percurso dialético enriquecido com as múltiplas 
determinações do real que o sujeito foi capaz de desvendar e com as 
reelaborações que o sujeito foi capaz de fazer em suas reflexões, pois ambos, 
sujeito e objeto, se moveram no processo. Desta forma, o real concreto que o 
sujeito reencontra é apenas aparentemente o mesmo de onde ele saiu, pois o 
concreto não se apresenta mais ao sujeito em sua forma fenomênica e o 
sujeito não o percebe mais como conhecimento imediato. Ao reproduzir o 
concreto o sujeito o faz em sua forma apropriada pelo pensamento, como real 
pensado, elaborado, sintético, como totalidade síntese de sentido, pois o 
sentido do real deve ser buscado nele mesmo e não fora dele. 
Como se nota, o concreto encontra-se no ponto de partida e no ponto de 
chegada. A primazia é, portanto, do real. Contudo, se o real não for 
considerado pelo pesquisador em toda sua riqueza e extensão, o mesmo será 
abandonado como concreto e não será reencontrado no ponto de chegada do 
processo científico sequer em seu aspecto fenomênico, reduzido. Como 
argumenta Marx (MMMM. p. X), “a representação plena é volatilizada na 
determinação abstrata”. Deste modo, para o Materialismo Histórico o concreto 
deve estar igualmente no ponto de saída (conhecimento imediato) e no de 
chegada (conhecimento mediato) do processo científico. Há aqui, contudo, uma 
questão crucial que diferencia o método no Materialismo Histórico com outros 
métodos: o concreto pensado é uma reprodução enriquecida do concreto no 
plano da consciência e não uma produção do concreto pela consciência. 
De fato, ao contrário de outros métodos, para o Materialismo Histórico 
não é o processo científico que constitui, que faz ou que produz o concreto, 
ainda que aparentemente seja assim que possa ser percebido em uma leitura 
apressada. Tampouco a primazia do real consiste em uma garantia de que 
todo o processo de investigação leve ao seu retorno (ao concreto). Métodos 
inspirados na primazia do real, no campo empírico, tais como o positivismo e o 
pragmatismo, partem do concreto imediato, porém o destroem analiticamente 
no curso do processo científico fixando abstrações, elaborando leis em 
decorrência de repetições causais diretas, enfim, produzindo e deduzindo o 
concreto partindo de determinações simples (FARIA, 2009). Métodos 
inspirados na primazia da idéia, da razão, tais como a fenomenologia, o 
funcionalismo e o estruturalismo, por seu turno, buscam conceber o real não a 
partir dele, mas como resultado do pensamento, das reduções, das 
suspensões, dos modelos (simulacros), das relações funcionais previamente 
esperadas, enfim, do pensamento que se move por si mesmo. Neste caso, é a 
condição de aprofundamento do pensamento em si mesmo sobre a coisa que 
produz o entendimento da coisa como resultado, ou seja, partindoda idéia para 
a coisa (objeto, concreto), avança-se para a coisa e retorna-se à idéia 
enriquecida da coisa. Não é o concreto que se desvenda e enriquece e nem o 
sujeito que se move, mas o pensamento sobre a coisa que se transforma a 
partir de si mesmo (FARIA, 2009). 
Citar Marx, passagem sobre concreto vivo, já dado. 
Marx (1974) argumenta que começar um estudo por uma base sólida 
concreta pode parecer um bom método, mas sem que lhe proceda a uma 
análise profunda, chegando a noções cada vez mais simples, este método é 
errôneo. Um estudo organizacional, nestes termos, poderia começar pelo que 
constitui a base de sua estrutura e de sua produção, que é a totalidade dos 
sujeitos que nela atuam, ou a sua “organização”. Mas, é preciso conferir 
materialidade a esta “organização”, pois a mesma é uma abstração se não se 
consideram os grupos que a compõem12. Todavia, tais grupos também não têm 
sentido caso se ignore “os elementos sobre os quais se assentam”, como a 
divisão do trabalho, o controle sobre a gestão e o processo de trabalho, o 
controle sobre a hierarquia gestora e o processo decisório, a posição 
estratégica e política na gestão, a posse e a propriedade dos meios de 
produção, etc. Se a análise começasse pela “organização”, ainda que ela seja 
a raiz e o motivo de todo o processo, ter-se-ia, parafraseando Marx (1974, p. 
37) “uma visão caótica do conjunto”. 
Partindo do conjunto dos sujeitos, da “população organizacional”, passa-
se para abstrações cada vez mais sutis até chegar às categorias mais simples. 
Deste ponto, volta-se à “organização”, mas aí já não se terá uma idéia caótica 
do todo e sim “um conjunto rico de determinantes e relações complexas”. 
Quando se analisa uma organização a partir destas categorias mais simples 
(divisão do trabalho, processo e mecanismos de controle, comando sobre a 
estrutura hierárquica, posse e propriedade dos meios de produção, etc.), torna-
se possível alinhavar categorias mais elaboradas e abstraídas. Tais categorias 
se elevam até as investigações sobre relações de poder, estratégias 
competitivas, associações (fusões, incorporações, cartelizações), cadeias 
produtivas e complexos industriais nacionais e internacionais, Estado 
Capitalista Contemporâneo, Globalismo/globalização. Este é o método correto 
para Marx que, evidentemente, difere daqueles em que a investigação inicia 
por um elemento de aparência concreta (por exemplo, o estudo de redes 
organizacionais, de estratégias institucionais, de habitus ou crenças e valores 
instituídos), mas que verdadeiramente se debruçam sobre uma abstração, pois 
os elementos que o constituem são, também eles, abstrações. 
De fato, este também é o caso de análises que se inspiram nas funções e nos 
papéis que desempenham os atores sociais ou os fatos sociais (funcionalismo), 
nos sistemas sociais ou organizacionais e seus componentes ou subsistemas 
(enfoque sistêmico), na prevalência das instituições sobre as ações práticas 
(teoria institucional), nos modelos construídos a partir da realidade empírica e 
nas relações e transformações obtidas que fornecem o sistema de regras 
(estruturalismo). Estas análises tomam a idéia (a abstração, o idealismo), a 
razão (racionalidade) como ponto de partida. Há, assim, dois pressupostor: (i) o 
de que existem elementos sociais dados (instituições, habitus), definidos não 
por relações sociais concretas, mas por um conjunto de crenças, costumes, 
valores, usos e interesses que se impõem aos sujeitos; (ii) o de que a realidade 
é fruto do pensamento que se tem sobre ela, isto é, a realidade é criada pelo 
pensamento. Estas análises diferem daquela do Materialismo Histórico não só 
epistemológica, como metodologicamente, porque para o Materialismo 
Histórico, todos os métodos que se valem de sistematização de categorias 
predeterminadas, de concepção de um mundo imutável ou conhecível do 
exterior, estão condenados à falência, porque concretizam o conhecimento e 
absolutizam os diversos aspectos relativos da experiência do saber (CALVEZ, 
1959).13 
 
12
 Grupos sólidos, relativamente permanentes, identificados pelo lugar que ocupam no 
processo de trabalho ou pela posição política que ocupam nas relações de poder. 
13
 Esta e as seguintes citações de Calvez (1959) serão livres e referidas em itálico. 
 
 
 
 
 
Figura 01: Categorias Simples e Categoria Elaborada ou Complexa 
 
 
 
De fato, este é o caso de análises que se inspiram nas funções e nos 
papéis que desempenham os atores sociais ou os fatos sociais (funcionalismo), 
nos sistemas sociais ou organizacionais e seus componentes ou subsistemas 
(enfoque sistêmico), na prevalência das instituições sobre as ações (teoria 
institucional), nos modelos construídos a partir da realidade empírica e nas 
relações e transformações obtidas que fornecem o sistema de regras 
(estruturalismo). Estas análises tomam a idéia (a abstração, o idealismo), a 
razão (racionalidade) como ponto de partida. Há, assim, um pressuposto de 
que, por exemplo, existem elementos sociais dados (instituições, habitus), 
definidos por um conjunto de crenças, costumes, valores, usos e interesses. 
Tanto as instituições quanto seus elementos são obras da razão e são, 
portanto, abstrações. 
Para Marx (1974, p. 38), ao contrário: 
O concreto é concreto já que constitui a síntese de 
numerosas determinações, ou seja, a unidade da 
Divisão do 
Trabalho 
Relações de 
Poder 
Processos e 
Mecanismos 
de Controle 
Processo 
Decisório 
Posse e 
Propriedade 
dos MP 
Estrutura 
Hierárquica 
Categoria Simples 
Categoria 
Complexa 
diversidade. Para o pensamento constitui um processo de 
síntese e um resultado e não um ponto de partida. É para 
nós o ponto de partida da realidade e, portanto, da 
percepção e da representação. No primeiro caso, a 
concepção plena se dissolve em noções abstratas. No 
segundo, as noções abstratas permitem reproduzir o 
concreto pela via do pensamento. Hegel caiu na ilusão de 
conceber o real como resultado do pensamento que se 
concentra em si próprio, se aprofunda e se move por si, 
enquanto o método que consiste em elevar-se do 
abstrato ao concreto é para o pensamento a forma de se 
apropriar do concreto, ou seja, o modo de reproduzi-lo 
sob a forma de concreto pensado. Mas, este não é de 
modo algum o processo da gênese do próprio concreto. 
Convém, aqui, analisar em detalhe esta concepção. 
i. Quando se analisa um objeto em um determinado campo concreto, o 
real aparece como uma unidade. Entretanto, o pesquisador deve saber que 
esta unidade é uma síntese (uma fusão de uma tese e de uma antítese em 
uma noção ou em uma proposição nova que retém o que elas têm de legítimo 
e as combina mediante a introdução de uma instância superior, um resultado 
de uma contradição dialética) de numerosas determinações. O concreto é uma 
unidade para o pesquisador, mas uma unidade que se origina da diversidade; 
ii. Para o pensamento, o concreto é um resultado. O concreto constitui 
um processo de síntese para o pensamento porque o pensamento se apropria 
do real. A primazia é do real e não do pensamento. Não é o pensamento que 
cria o real, ou seja, o pensamento não é o ponto de partida, mas é o real que 
dá origem ao pensamento sobre ele. Contudo, o pensamento se apropria do 
real não como o mesmo é exatamente, mas como real pensado. Convém 
lembrar a célebre indicação de Spinoza: o conceito do cão não é o cão. O 
concreto é o ponto de partida da realidade e, deste modo, é o ponto de partida 
da percepção e da representação; 
iii. Como processo de síntese para o pensamento, a concepção plena 
se dissolve em noções abstratas. Como já mencionado, a concepção plena se 
dissolve em categorias mais simples, as quais permitem alinhavar categorias 
mais elaboradas e abstraídas. Estas noções

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