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A sociologia diante da globalização - Ana Maria Kirschner

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A SOCIOLOGIA DIANTE DA GLOBALIZAÇÃO: 
POSSIBILIDADES E PERSPECTIVAS DA SOCIOLOGIA DA EMPRESA 
 
Ana Maria Kirschner1 
Universidade Federal do Rio de Janeiro 
 
“A empresa, um dos fenômenos mais característicos e marcantes da sociedade industrial, se 
traduz pela aparição e adoção de um novo modelo de organização social. Seu nascimento 
supõe uma ruptura com a ordem social anterior e a aparição de formas particulares que 
encontram uma nova legitimidade. Um de seus componentes fortes, em gestação desde o 
início da Revolução Industrial, surgido no séc.XIX, é a separação radical dos aspectos 
econômicos do tecido social e sua construção num domínio autônomo. Esta separação, 
inovação sem precedentes, dá conta de um dos aspectos da Sociologia da Empresa.” 
Karl Polanyi- The Great Transformation, 1944 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
A compreensão do mundo atual apresenta muitos desafios para a Sociologia. A 
globalização nos dá a impressão de viver de fato numa nova época, em que os parâmetros 
conhecidos estão sendo questionados: o papel do Estado, o emprego e a qualificação dos 
trabalhadores, assim como a diminuição de seu poder de negociação devem ser analisado sob outra 
ótica. 
A retirada progressiva do Estado das atividades econômicas e o enfraquecimento de sua 
função reguladora; evidenciam que “deixar as forças do mercado atuarem livremente” deixou de ser 
apenas um recurso de retórica ou uma tendência apenas percebida para se tornar uma forte política 
econômica adotada por diversos países. 
 
1
Este trabalho contou com a colaboração de Gisele Lopes Machado. 
Agradeço as críticas e sugestões da Professora Wally Chan Pereira, que sem dúvida, contribuiram muito para 
deixar este texto mais claro. 
É compreensível portanto, que num ambiente econômico em que o mercado 
estabelece as características fundamentais das economias nacionais, as empresas se 
tornem alvo de atenção de sociólogos, pela sua expressiva participação no 
desempenho econômico de um país. Entretanto, pouco adiantaria fazer esta afirmação 
se não dispuséssemos de instrumentos satisfatórios para compreender e explicar as 
empresas sob uma ótica sociológica. 
Este trabalho é uma sucinta discussão sobre as possibilidade e perspectivas 
abertas pela Sociologia da Empresa. Esta análise busca mostrar através da relação 
empiria e teoria, que elementos permitiram para que a empresa ressurgisse como 
objeto sociológico. A exposição de alguns aspectos teóricos e metodológicos, pretende 
mostrar as possibilidades da análise sociológica das empresas para a compreensão de 
dimensões importantes do mundo contemporâneo. 
 
AS RESPOSTAS TEORICAS AS MUDANÇAS SOCIAIS E ECONOMICAS A PARTIR DA DECADA DE 80 
A empresa nasce da separação do círculo familiar e do lugar de trabalho. 
Autores clássicos da sociologia e da economia, como Max Weber e Karl Marx fizeram 
trabalhos memoráveis. Weber mostra que as oficinas surgiram das comunidades 
domésticas e de vizinhança, que conheceram diferentes formas de desenvolvimento 
até chegarem à grande indústria, com uma organização racional do trabalho.2 Marx 
analisa o surgimento do capitalismo a partir das transformações na organização do 
trabalho - das corporações de artesãos à grande indústria.3 
A crise econômica e o crescimento do desemprego que atingiram a Europa, 
na década de oitenta, contribuíram para que a empresa começasse a ser valorizada 
pela sua capacidade de salvaguardar o emprego - valor essencial da socialização na 
sociedade contemporânea. O papel da empresa vai além do econômico: ademais de 
provedora de emprego é também agente de estabilização social. 
 
2
WEBER, M. (1977) - Economía y Sociedad, Fondo de Cultura Económica, Mexico. (1
a
 edição alemã de 1922). 
WEBER, M. (1967) A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Livraria Pioneira Editora, São Paulo. (1
a
 
edição alemã de 1947) 
3
MARX, K. (1971) - Le Capital, Editions Sociales, Paris. (1
a
 edição alemã de 1867) 
Pesquisas de campo analisaram as práticas dos trabalhadores em seu 
ambiente de trabalho e temas ligados a cultura de empresa emergiram na sociologia4. 
Tais aportes teóricos e empíricos fizeram a empresa aparecer como um lugar em que 
se tece uma teia social particular, onde se desenvolve uma criação social autônoma. 
Paralelamente, desenvolveu-se a Sociologia da Organização que, a partir 
dos anos sessenta, tornou-se referência obrigatória no mundo da empresa. Dentre os 
diferentes ramos da Sociologia, foi a Sociologia da Organização que ficou mais 
conhecida fora do ambiente acadêmico. Tal sucesso deve-se a alguns fatores, dentre 
os quais destacamos: 
a) os instrumentos da Sociologia da Organização se revelaram eficazes para a 
compreensão dos comportamentos e das ações dos atores nas empresas; 
b) os atores das empresas perceberam a importância da organização sobre o 
funcionamento e sobre os resultados das empresas; 
c) a distância entre pesquisadores e responsáveis nas empresas diminuiu muito, pois o 
avanço deste conhecimento só foi possível graças a profundos “mergulhos” de 
acadêmicos em empresas. A conseqüência foi uma modificação do olhar do sociólogo 
e dos atores envolvidos com a firma. 
As “imposições incontornáveis” sofridas pela empresa foram revistas, a partir 
do momento em que se passou a admitir a existência de racionalidades e lógicas 
diferentes no seio empresa. A técnica, o econômico e a cultura começaram a ser 
considerados como elementos determinantes da organização, e esta passou a ser vista 
como um construto, resultado da agregação de decisões individuais. Bernoux5 lembra 
que a Sociologia da Empresa não poderia se desenvolver enquanto se pensasse que 
certas limitações impunham um determinado tipo de organização, por exemplo, 
enquanto o sistema taylorista predominasse. Até se admitir a legitimidade de lógicas 
diferentes na empresa, - o que a Sociologia da Organização evidenciou - não era 
possível conhecer a empresa através de uma abordagem sociológica. 
Ao desenvolver-se completamente à parte da Sociologia do Trabalho, o 
instrumental teórico da Sociologia da Organização não permitiu pensar a empresa 
como um sujeito que combinasse trabalho e organização. Preenchendo este vazio, nos 
 
4
SAINSAULIEU (R.) - 1987 - Sociologie de l’Organisation et de l’Entreprise, Presse de la Fondation Nationale 
des Sciences Politiques & Dalloz, Paris. 
5
BERNOUX (P) - 1995 - La Sociologie des Entreprises, Editions du Seuil, Paris. 
anos oitenta, muitas pesquisas foram realizadas sobre a cultura e identidade das 
empresas e trouxeram à tona a existência de redes formais e informais6. 
A partir destas evidências, a empresa pode ser tratada como construto social 
e objeto sociológico, capaz de autonomia e criadora do social no sentido literal do 
termo, isto é, daquilo que une os indivíduos e constitui uma sociedade. Segundo 
Bernoux, uma empresa não existe sem o reconhecimento mútuo, sem affectio 
societatis, sem uma certa comunidade, sem relações privilegiadas entre seus 
membros, ainda que permeadas pelo conflito; a violência do conflito traduz a esperança 
decepcionada de uma relação privilegiada. Assim definida, a empresa pode ser vista 
como um lugar de aprendizado e de cooperação, mesmo quando é palco de ações ou 
atitudes conflitantes. 
A Sociologia das Organizações começa a ser contestada nos anos oitenta, 
quando a empresa passa por transformações tão profundas que modificam 
substancialmente a relação empresa/sociedade. Verificou-se a necessidade de outros 
instrumentos teóricos para explicar a mudança queestá sob nossos olhos: hoje o 
modelo burocrático que serviu de campo de observação para a Sociologia das 
Organizações deixou de ser considerado um modelo de sucesso. 
As grandes organizações permitiram a elaboração de conceitos centrais 
como sistema, poder, incerteza, racionalidade limitada. Estes conceitos passam a ser 
questionados porque esse tipo de grande empresa - pesada, burocrática e de difícil 
“manejo” - mostrou seus limites. A própria pertinência da teoria construída sobre as 
grandes organizações é posta em questão. As mudanças na organização do trabalho, 
a externalização de funções, a economia de rede, as mudanças rápidas de direção 
e/ou proprietário, levam a que não se tenha mais certeza do que está dentro ou fora da 
empresa. Entretanto, o aporte da análise estratégica permanece importante; seus 
conceitos principais - ator, incerteza, poder - permanecem úteis; toda empresa pode 
ser estudada sob este aspecto. 
A análise estratégica7 vai se esforçar para quebrar esta idéia de modelo e 
tenta introduzir a idéia de ator, de autonomia, de contingência dos modelos 
 
6
SAINSAULIEU (R.) - 1987 - Op. cit. 
LIU (M.) - 1992 - Op. cit. 
ROMANTSOA (B.) - 1992 - “L’autonomie stratégique des entreprises”, in L'Entreprise, une affaire de société, 
in SAINSAULIEU (R.) éd., Presse de la Fondation nationale des sciences politiques, Paris. 
organizacionais e incerteza. Ela mantém o conceito de racionalização, fazendo-o 
evoluir para o conceito de racionalidade limitada. 
Esta mudança teórica coincide com as mudanças no modelo de produção, 
que evidenciam a importância das comunicações entre serviços e entre níveis 
hierárquicos na empresa, pensada como um sistema de interações. 
 
POSSIBILIDADES DA ANALISE SOCIOLOGICA DAS EMPRESAS 
O campo da Sociologia das Empresas é diferente do campo de análise dos 
sociólogos do trabalho. Parte dos seguintes temas: indivíduo, poder, estratégia e 
sistema. Saliente-se que estes temas fundamentais já foram desenvolvidos ao longo 
desta análise. Neste ponto, convém ressaltar outras categorias e seu respectivo 
alcance analítico.8 
1 - A EMPRESA COMO CONSTRUTO SOCIAL 
Na década de oitenta, Sainsaulieu, em seu livro “Sociologie de l’Organisation 
et de l’Entreprise” 9 analisa as estruturas e o desenvolvimento dos sistemas sociais 
assim como os jogos de poder que ocorrem no interior das empresas, abrindo espaço 
para que elas recebam tratamento de objeto sociológico. A empresa é tratada como 
construto social: considerada como lugar autônomo de criação e regulação de relações 
sociais, é também lugar de identidade, cultura e convenções. Ela apresenta uma certa 
autonomia em relação aos meio-ambientes - econômico, sócio-político e institucional 
em que se insere. Os diferentes meio-ambientes constituem a realidade à qual a 
empresa não só se adapta, como também transforma. 
Já na década noventa, seguindo a mesma linha, Bernoux (1995) aprofunda o 
problema das relações formais e informais no interior da empresa. O autor trata os 
jogos de poder a partir das próprias questões que os atores colocam, e mostra que elas 
estão longe de se esgotarem pela lógica do interesse econômico. Diz, por exemplo: 
 
7
CROZIER, (M.) - 1977 - L’acteur et le systéme, Seuil, Paris. 
ROMANTSOA (B.) - 1992 - “L’autonomie stratégique des entreprises”, in L'Entreprise, une affaire de société, 
SAINSAULIEU (R.) éd., Presse de la Fondation nationale des sciences politiques, Paris. 
PORTER (M.) - 1986 - L’avantage concurrenciel, InterEditions, Paris. 
8
 Seria interessante pensar o operariado, as organizações sindicais e suas lideranças utilizando algumas destas 
categorias empregadas na Sociologia das Empresas. 
9SAINSAULIEU, R. (1987) - Op. cit. 
“O projeto da empresa pode ser lido num extremo como a fria busca do 
lucro, e no outro, como uma história de amor, com muitos parceiros. ... 
Sob outro ângulo, a empresa pode ser considerada como uma soma de 
indivíduos ou como um corpo social, às vezes autônomo, às vezes 
reproduzindo traços da sociedade em que se localiza.”10 
 
2 - A EMPRESA COMO SISTEMA ABERTO 
Durante muito tempo, as regras nas empresas foram definidas a partir da 
ótica de seu meio-ambiente externo: técnico, econômico, cultural e sociopolítico. Os 
estudiosos de empresas consideravam que os diferentes meio-ambientes estabeleciam 
padrões de funcionamento tão impositivos que o espaço de liberdade reservado ao 
grupo humano reunido na empresa era muito limitado. A perspectiva adotada explicava 
a construção das regras pela influência direta das imposições, e não pela 
recomposição destas mesmas regras através de um agregado de ações individuais. Tal 
consideração remetia a um impasse teórico-metodológico: como fazer da empresa um 
objeto sociológico se ela vive ao sabor das circunstâncias externas? Ou, de outra 
forma, um objeto sociológico pode ser considerado como tal se não dispõe de 
autonomia? 
Desde que a empresa começou a ser considerada como fonte autônoma de 
construção de relações sociais, ela passou a ser compreendida através do modelo de 
sistema aberto, que associa as noções de autonomia e dependência na relação 
empresa/meio-ambiente11. Um sistema aberto faz constantes trocas com seu meio; 
tem necessidade destas trocas para existir. Entretanto, estas trocas não dependem 
apenas do meio. Um sistema não é aberto a qualquer tipo de influência, possui uma 
fronteira seletiva que filtra o que deixa passar. Em contrapartida, exporta para seu 
meio-ambiente produtos muito controlados. 
É possível questionar outra dimensão desta autonomia: uma empresa pode 
realizar um projeto apesar das circunstâncias desfavoráveis de seu meio, ou ela só 
pode conceber e realizar projetos que respondam a uma demanda deste meio? 
 
10
BERNOUX, (P.) - 1995 - Op. cit., pág. 15 
11
LIU (M.) - 1992 - “L’autonomie des entreprises dans le champs social”, in L'Entreprise, une affaire de société, 
SAINSAULIEU (R.) éd., Presse de la Fondation nationale des sciences politiques, Paris. 
Uma empresa não cria um projeto social ex nihilo. Através de seus 
trabalhadores, ela importa as características sócio-culturais de seu meio-ambiente. 
Entretanto, 
“... ela forma um meio social original que imprime sua marca sobre os 
indivíduos. Esta transformação não se limita a seu espaço interior, 
porque a empresa não retém seus membros de maneira permanente. 
Eles se reintegram à sociedade onde agem, utilizando também os 
comportamentos aprendidos na empresa que vão influenciar a 
sociedade inteira”.12 
 
3 - EMPRESA E SEU MEIO-AMBIENTE 
Os efeitos sociais diretos da empresa - aqueles ligados à produção, à 
aquisição de conhecimentos, à mudança de comportamentos - acabam sendo menos 
importantes que os efeitos indiretos, ou seja, as transformações que não estão 
explicitamente inscritas nos objetivos do empresário. A história nos mostra que as 
modificações sociais mais importantes e de maior duração apareceram como efeitos 
inesperados ou perversos de objetivos econômicos ou técnicos da empresa. Se os 
indivíduos foram reunidos por necessidades da produção, esta reunião teve um papel 
importante na propagação de idéias e nas transformações sociais. 
A noção de transformação social é apropriada para representar os efeitos 
sociais da empresa. Mostra que a empresa modifica seu meio escolhendo o que lhe 
interessa. Apropria-se destes elementos, impondo a marca de sua especificidade. Esta 
transformação conjuga múltiplos aspectos dasituação, técnicos, jurídicos, econômicos 
e humanos, cujas conseqüências são inseparáveis. Estas conseqüências, a curto 
prazo, geram efeitos perversos ou inesperados em relação aos objetivos proclamados; 
a longo prazo, contribuem para modificar o meio-ambiente, o que pode acarretar 
evoluções ou ruptura macroeconômicas para toda a sociedade. 
Quando vários aspectos (econômico, técnico, social) estão presentes num 
projeto, os efeitos acarretados são potencializados. Isso faz com que a influência da 
empresa aumente assim como sua autonomia. 
 
12
BERNOUX (P.) - 1995 - Op. cit. pág. 125. 
 
A autonomia da empresa tem aspectos muito complexos. Não se pode 
separar a dimensão social da empresa de suas dimensões técnica e econômica, o que 
torna mais difícil definir e explicar seus efeitos. A autonomia social aparece como uma 
representação necessária para a análise, mas que não pode ser observada no 
cotidiano da empresa. 
A autonomia social não se caracteriza simplesmente em termos de distinção 
e dependência em relação ao meio-ambiente. Ela exige a noção de abertura seletiva, 
que associa a necessidade de trocas contínuas entre a empresa e seu meio-ambiente 
com a noção de escolha no seio destas trocas. Ela se apoia na noção de 
transformação. 
“ ... a empresa é um poderoso ator no campo social pela razão 
paradoxal que ela mistura os fatos sociais, os projetos econômicos e 
as realizações técnicas. Esta realidade multidisciplinar deveria se 
impor cada vez mais a todos que querem agir nas empresas ou 
estudá-las”.13 
 
4 - O SISTEMA SOCIAL DA EMPRESA E RELAÇÕES DE PODER 
O diagnóstico das relações de poder depende da compreensão da dinâmica 
intra e inter serviços, o que exige uma leitura extensiva dos sistemas de ação que, de 
coalizões a alianças duráveis, podem ir além das fronteiras formais do organograma e 
incluir os atores no meio-ambiente sindical, institucional e educacional. 
O sistema social na empresa é um conjunto de interações, ou de relações 
entre atores, que se reproduzem e estabelecem relações coletivas duráveis que 
mediatizam e transformam os efeitos previstos pela regra da organização formal. 
Quando se desvenda este sistema social, pode-se conhecer melhor os grupos 
humanos ativos e passivos, seus objetivos mobilizadores e suas modalidades de 
interações conflituais ou consensuais. 
 
5 - OS INDIVIDUOS E A EMPRESA 
 
13
BERNOUX (P.) - 1995 - Op. cit. pág. 130. 
Uma das maiores dificuldades da explicação sociológica das empresas é o 
lugar atribuído aos indivíduos. O senso comum valoriza o papel dos indivíduos, 
enquanto grande parte dos sociólogos preferem silenciar sobre os indivíduos e buscar 
explicações através do social, das regras e do coletivo. 
Assume-se aqui uma postura próxima do individualismo metodológico, ou 
seja, os fatos coletivos são considerados como o produto, a combinação, a agregação 
de um conjunto de ações individuais. Recusa-se a idéia de um fato social coletivo, 
imposto de fora aos indivíduos. Tal método exige que se passe pelos indivíduos para 
se chegar ao composto que é o fato social, visto como algo construído, que se deve em 
parte à agregação dos comportamentos individuais. Para os sociólogos da empresa, 
esta é uma construção social, cujo conhecimento deve ter como base uma 
interpretação que considere o conjunto - indivíduos e imposições - ligado a um corpo 
social. 
É absurdo pensar que o sucesso ou o fracasso de uma empresa dependa, 
exclusivamente, da ação ou da personalidade de um indivíduo, ainda que ele seja um 
ator-chave14. Claro que há configurações individuais que desempenham um papel 
maior ou menor em situações particulares. O problema a ser resolvido é exatamente 
esta equação. 
“Conhecer o indivíduo é importante, desde que não se considere seu 
comportamento resultante somente dos componentes de sua psiquê. 
Trata-se de apreendê-lo na sua relação com o grupo onde ele age. 
Como qualquer grupo humano, a empresa é um lugar de articulação do 
individual e do social. Sem esta articulação, é impossível conhecer a 
empresa.”15 
 
6 - SISTEMA SOCIAL: RELAÇÕES FORMAIS E INFORMAIS 
Segundo Michel Crozier16, os três princípios que norteiam o sistema de 
organização burocrática estão na origem das regras formais da empresa. São os 
seguintes: 
 
.
14
Categoria que será analisada mais adiante. 
15
BERNOUX, (P.) - 1995 - Op. cit. pág.70. 
16
 CROZIER, (M.) - 1977 - Op. cit. 
- um princípio igualitário, que corresponde à aplicação do regulamento da 
antigüidade, 
- um princípio hierárquico fechado: as categorias dos trabalhadores são bem 
delimitadas e pouco sujeitas às mudanças, 
- um princípio de impessoalidade das regras e dos procedimentos, que permite 
eliminar ao máximo o arbítrio da direção. 
Um desequilíbrio deste sistema em uma empresa pode acarretar mudanças 
que dêem lugar a uma rede particular de relações. Criam-se, paralelamente, regras e 
relações informais, conhecidas apenas por aqueles que estão diretamente envolvidos 
nas atividades concernidas. 
É de extrema importância conhecer estas regras informais, pois os 
administradores encontram sérias resistências quando tentam implementar mudanças 
que as contrariem. É fundamental detectar os pontos-chave de articulação entre os 
diversos grupos. 
 
7 - ATOR E ATOR-CHAVE 
A literatura sobre administração de empresas atribui uma importância muito 
grande ao agente capaz de implementar mudanças numa organização. Este agente é 
chamado ator-chave, pois dispõe de poder e autoridade ou influência suficientes para 
tomar decisões importantes para o futuro do grupo no qual está inserido, ou mesmo da 
empresa. 
Para a Sociologia, os indivíduos não são milagrosos. Nem os mais 
competentes conseguem sozinhos mudar radicalmente uma empresa, conduzindo-a ao 
sucesso ou ao fracasso. 
Bernoux comenta: 
“O tema do ator-chave e de seu papel meio milagroso se baseia na 
experiência que algumas pessoas tiveram ao vivenciar sua própria 
autonomia, ao desfrutar de liberdade individual; experiência, portanto 
limitada àqueles que tiveram condições de viver tais situações.” 17 
 
17
BERNOUX (P.) - 1995 - Op.cit. pág.79. 
 
Em empresas, só dirigentes, gerentes ou alguns líderes têm condições de 
viver estas situações. A questão que se coloca é: em que medida se pode reduzir a 
mudança em uma empresa à ação de alguns atores-chave? 
Esta questão supõe que a relação do líder com o grupo é unilateral, 
excluindo a expectativa dos membros do grupo. Quando trabalhamos com a noção de 
legitimidade, tal como Weber a concebe, esta questão se amplia e diz respeito ao 
grupo todo. Um líder é bem sucedido na medida em que sua ação corresponde às 
aspirações do grupo, e não apenas a seu carisma individual. É exatamente esta 
correspondência que lhe confere legitimidade e que faz o grupo aceitar sua liderança. 
O ator-chave não é, portanto, independente do grupo do qual ele é líder. Convém 
examinar a relação que ele estabelece com seu grupo: para agir sobre um grupo, o 
líder deve compreender suas expectativas e expressá-las. 
Podemos nos perguntar sobre quais as possibilidades que um ator-chave 
dispõe para mudar uma organização ou para fazer uma empresa evoluir. 
O estabelecimento de novos objetivos em uma empresa implica em 
estabelecer novas regras formais. Chamamos atenção para um ponto: a mudança nas 
regras formais não implica necessariamente em mudança nas regras informais. 
O ator-chave será capaz de modificar os projetosda empresa e os objetivos 
de um grupo se levar em consideração a cultura e os mitos18 que permitirão mobilizar 
indivíduos e grupos. As empresas são construídas socialmente através de mitos, 
símbolos e culturas que alguns sujeitos contribuem mais do que outros para forjá-los. A 
instância mítica é essencial para compreender o funcionamento de um grupo e os 
líderes ocupam uma posição estratégica que lhes permite trabalhar com ela. Porque 
este papel dos mitos? 
“Porque toda sociedade exige, para se instaurar e se perpetuar, a 
referência a uma ordem que legitime sua existência. Esta ordem cria 
os indivíduos sociais, investe as consciências, rege as inconsciências 
e se desdobra num discurso fundador. Não há sociedade sem 
discurso fundador, sem mitos aos quais se identificar. Estes podem 
tomar a forma de pessoas, de fundadores. O ator-chave pode 
 
18
SAINSAULIEU (R.) - 1988 - L’Identité au Travail ,Presse de la Fondation Nationale des Sciences Politiques, 
Paris (1a edição: 1977). 
desenvolver algumas imagens, orientando e/ou reforçando alguns 
mitos. Entretanto, isto só é factível se corresponder às imagens e 
expectativas do grupo. Ele não pode criar integralmente os mitos.”19 
 
8 - MOTIVAÇÃO 
A Sociologia das Empresas considera que o sucesso dos projetos de 
empresa estão associados à legitimidade daquele que os conduz. Os projetos bem 
sucedidos são implementados por indivíduos que conseguiram compreender o sistema 
social em que estão inseridos e que conhecem bem os pontos-chave da articulação 
entre os grupos. 
O conceito de motivação, na Sociologia das Empresas, é referido ao sentido 
que o ator dá às suas ações. Segundo Bernoux, a motivação é uma construção do 
indivíduo ligada ao sentido que ele atribui à ação que executa. O sentido é social. A 
motivação não corresponde a necessidades fundamentais e universais, mas a 
construções sociais enraizadas nos indivíduos e em grupos complexos e evolutivos. 
Portanto, em relação aos projetos de empresa, um sentido novo e motivante 
só pode surgir se a relação de trabalho mudar, a nível da própria tarefa ou dos grupos 
de trabalho, ou da interrelação entre os grupos, ou da organização e da sua cultura. 
Enfim, um indivíduo se motiva quando sua situação social relativa, sua identidade 
profissional - a maneira como ele é visto pelos outros - evolui num sentido favorável a 
seus olhos, de forma a sentir-se reconhecido e valorizado em sua função. 
 
 
CONCLUSÃO 
A empresa é, segundo Sainsaulieu, locus de produção de sociabilidades, de 
projetos, de articulação da diversidade dos sistemas de representação; é portanto, 
“... uma microsociedade capaz de instituir duravelmente e fazer 
interiorizar pelos agentes suas próprias regras de funcionamento 
social.”20 
 
19
BERNOUX.(P.) - 1995 - Op.cit .pág.73. 
20
SAINSAULIEU (R.) - 1987 - Op. cit. pág. 208. 
A Sociologia da Empresa vai além dos modelos que definem o espaço fabril 
como espaço de relações antagônicas de classe. A empresa tem uma função 
identificadora na sociedade e constitui, portanto, verdadeira instituição social: ela 
instaura um conjunto de relações sociais e culturais e produz, assim, identidades 
novas. Nela se desenvolvem relações de oposições e de alianças e o ator vivencia as 
relações de trabalho de forma interativa e estratégica. 
A Sociologia da Empresa rompe com os modelos que interpretam as 
estratégias dos atores apenas em termos das oportunidades de poder, que omitem da 
análise a função dos valores e lógicas coletivas que permeiam as práticas sociais. 
A mobilização dos recursos humanos para fins econômicos depende não só 
das capacidades profissionais mas também das regulações das relações sociais de 
produção de forma a suscitar a complementaridade das ações coletivas, a solidariedade, 
a comunicação e a criatividade no seio do sistema social. 
Tradicionalmente, a literatura sobre administração de empresas, quando se 
refere a dirigentes e, principalmente a fundadores, apresenta-os sob uma ótica 
shumpeteriana: invariavelmente é empreendedor, dinâmico, com agudo faro para 
detectar novas oportunidades de negócios. Sua trajetória profissional é formada por 
sucessos, seus fracassos são mencionados no máximo para mostrar que aproveitou 
bem uma experiência mal sucedida. Michel Bauer21, em pesquisas realizadas nas 
décadas de oitenta e noventa, faz uma ruptura com esta abordagem que apresenta as 
ações dos dirigentes de empresa como puramente guiadas pela lógica econômica. O 
autor mostra que as lógicas políticas e familiares, desempenham um papel fortíssimo no 
universo econômico moderno. A quebra da regra do “falar somente economia” é, para 
Bauer, indispensável para compreender o comportamento dos atuais donos de 
empresas e suas decisões; é necessário considerar suas ações como produto de 
racionalidades diferentes e inextrincavelmente ligadas. 
O instrumental teórico e metodológico utilizado na Sociologia da Empresa tem 
permitido estabelecer relações entre família, propriedade e administração com 
resultados muito interessantes. O avanço de pesquisas ligadas a temas como mudança 
da propriedade em grupos econômicos tradicionais; formação de um novo tipo de 
empresário; formação e trajetória de grandes dirigentes; processo sucessório em 
 
21
BAUER (M.) - 1993 - Les patrons de PME entre le pouvoir, l’entreprise et la famille. Paris, InterEditions. 
empresas familiares; reconstituição da história de grupos econômicos; papel dos 
empresários nas economias nacionais globalizadas, tudo isto abriu novas perspectivas 
no estudo de fenômenos sociais e econômicos da década de noventa.

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