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MULHER FIEL

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
MULHER FIEL 
AS FAMÍLIAS DAS MULHERES DOS PRESOS 
RELACIONADOS AO PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL 
 
 
JACQUELINE STEFANNY FERRAZ DE LIMA 
 
 
 
 
 
 
2013 
 
 
MULHER FIEL 
AS FAMÍLIAS DAS MULHERES DOS PRESOS 
RELACIONADOS AO PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL 
 
 
JACQUELINE STEFANNY FERRAZ DE LIMA 
 
 
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de 
Pós-Graduação em Antropologia Social da 
Universidade Federal de São Carlos, como parte dos 
requisitos necessários para a obtenção do título de 
Mestre em Antropologia Social. 
 
Orientador: Prof. Dr. Jorge Luiz Mattar Villela 
 
 
Banca Examinadora: 
Prof. Dr. Jorge Luiz Mattar Villela (orientador - UFSCar) 
Prof. Dr. Luiz Henrique de Toledo (UFSCar) 
Profª. Drª. Heloísa Buarque de Almeida (USP) 
 
Suplentes: 
Profª. Drª. Anna Catarina Morawska Vianna (UFSCar) 
Profª. Drª. Maria Filomena Gregori (Unicamp) 
 
 
São Carlos 
2013 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da 
Biblioteca Comunitária da UFSCar 
 
 
 
F381mf 
 
Ferraz de Lima, Jacqueline Stefanny. 
 Mulher fiel : as famílias das mulheres dos presos 
relacionados ao Primeiro Comando da Capital / Jacqueline 
Stefanny Ferraz de Lima. -- São Carlos : UFSCar, 2014. 
 164 f. 
 
 Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São 
Carlos, 2013. 
 
 1. Antropologia social. 2. Prisão. 3. Gênero. I. Título. 
 
 
 CDD: 306 (20a) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Às mulheres da minha vida. 
Em especial, 
para a Sueli. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
Esta etnografia é sobre as famílias das cunhadas. Mulheres assim denominadas por 
estabelecerem vínculos afetivos com homens relacionados ao Primeiro Comando da 
Capital (o PCC). Mais especificamente, as interlocutoras desta pesquisa eram cunhadas 
que visitavam seus maridos em estabelecimentos prisionais majoritariamente compostos 
por presos do PCC. A construção desta etnografia parte dos diferentes pontos de vista 
enunciados pelas cunhadas sobre a noção de família. Dessa maneira, em primeiro lugar, 
foi favorecido o ponto de vista das cunhadas sobre o ponto de vista do corpo funcional 
dos complexos penitenciários. Em segundo lugar, foi beneficiado o ponto de vista das 
cunhadas sobre o ponto de vista dos apenados. E, por último, foi privilegiado o ponto 
de vista das próprias cunhadas acerca da noção de família. Ser-família, ter-família, 
família-sagrada, família-imperfectiva, família-manutenção, família-completa e família 
como sinônimo de visita. Foram estes os variados sentidos conferidos à noção conforme 
os enunciados das cunhadas. O fio condutor desse texto é a viagem para o dia de visitas 
nas penitenciárias de Cerejeira. Descrições adensadas pelos acontecimentos vividos com 
as cunhadas e suas experiências relacionadas ao evento-prisão. Assim, no deslocar de 
seus pontos de vistas sobre família, veremos uma etnografia sobre mulheres fiéis e 
insubmissas. Mulheres que valorizavam e eram reconhecidas por enfrentarem os 
sacrifícios, por conhecerem a disciplina e por terem proceder. Mulheres que 
assinalavam um ambiente ético que se manifestava como um solo referencial para a 
produção de moral. Aliás, mais do que isso, para a produção de um pluriverso moral. 
Mulheres que “gostam do preso”, “as mulheres dos caras”, mulheres que “gostam do 
ladrão”. Resumidamente, este esforço etnográfico é sobre mulheres fiéis produzidas 
contrastivamente à existência de mulheres talaricas, recalcadas, mulheres que “gostam 
de cadeia”, “de ladrão”, “do crime”. Uma etnografia acerca das famílias das cunhadas. 
Famílias de mulheres fiéis. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
This ethnography is about the families of cunhadas (sisters-in-law). Women so called 
for establish affective bonds with men related to Primeiro Comando da Capital (PCC). 
More specifically, the interlocutors of this research were cunhadas who were visiting 
their husbands in prisons composed mostly by prisoners of the PCC. The construction 
of this ethnography arises from the different points of view expressed by cunhadas 
about the notion of family. Therefore, firstly, it was favored the point of view of 
cunhadas about the view of the functional body of penitentiary complexes. Secondly, it 
was benefited the point of view of cunhadas about the point of view of prisoners. And 
finally, it was privileged the point of view of cunhadas themselves about the notion of 
family. Ser-família (Family-being), ter-família (family-having), família-sagrada 
(sacred-family), família-imperfectiva (imperfective-family), família-manutenção 
(maintenance-family), família-completa (complete-family) and family as synonym of 
“visita” (the visit). These were the varied meanings given to the notion of family 
according to the statements of the cunhadas. The guiding thread of this text is a day of 
visit trip in Cerejeira’s penitentiaries. These descriptions were densified by the events 
experienced with the cunhadas and their experiences related to the prison-event. Thus, 
on the displacing of their points of view about family, we will see an ethnography about 
faithful and unsubmissive women. Women who valorized and were recognized by 
facing of the sacrifices, for knowing the discipline and for having proceder. Women 
that signaled an ethical environment that manifested itself as a referential ground for the 
production of moral. More than that, for the production of a moral pluriverse. Women 
“que gostam do preso” (who like the prisoner), “as mulheres dos caras” (the guys' 
women), women “que gostam do ladrão” (who like the thief). Briefly, this ethnographic 
effort is about mulheres fiéis (faithful women) contrastively produced by the existence 
of talaricas women, recalcadas women, women “que gostam de cadeia” (who like the 
jail), “de ladrão” (the thief), “do crime” (the crime). An ethnography about the families 
of cunhadas. Families of faithful women. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
AGRADECIMENTOS.................................................................................................09 
 
INTRODUÇÃO.............................................................................................................12 
 Pesquisa de Campo 23 
Sobre os Capítulos 26 
 
CAPÍTULO 1 – Enunciados éticos e morais: a construção de um pluriverso moral 
 às cunhadas.....................................................................................................................30 
1.1) Os diferentes sentidos atribuídos à caminhada e a construção de um pluriverso moral 35 
1.1.1) “(...) viajamos 7 horas pra estar aqui e vamos viajar mais 7 horas pra 
voltar pra casa” - A frequência na visita 41 
1.1.2) “CUIDADO. VAI CHUTAR O JUMBO DO PRESO” – A preocupação com 
o Jumbo 46 
1.1.3) “O que importa mesmo é o tempero de casa”. O preparo da comida 55 
1.2) A família, ter família, ser família: os significados do termo família para a 
instituição, segundo as cunhadas 63 
 
CAÍTULO 2 –Sacrifício, disciplina e debate: a produção de uma mulher de proceder722.1) Sacrifício como fundamento da família-sagrada 75 
2.2) A extensão da disciplina e as negociações dos saberes acerca do proceder 85 
2.3) O funcionamento do debate. A produção de uma mulher de proceder 92 
2.3.1) Cobrança 98 
2.3.2) Interdição 101 
2.3.3) Considerações finais sobre o debate 104 
 
CAPÍTULO 3 –Mulher fiel: as famílias das cunhadas................................................107 
3.1) “Aqui quem fecha é a fiel”. Família-imperfectiva, família-manutenção e 
 família-completa: o protagonismo da mulher fiel 112 
3.1.1) A imagem da fiel 113 
3.1.2) O contrário da fiel 123 
3.1.3) As adjacências da fiel 128 
3.2) “Só a fiel vai até o fim”. Negociações e investimentos das cunhadas 137 
3.2.1) “Então eu meto o louco”. A produção de um efeito-resistência 140 
3.2.2) “Elas são submissas porque são as mulheres dos caras, né?”. 
A insubmissão das mulheres 143 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................153 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................159 
 
 
 
9 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
Devo muito mais do que um obrigado a minha família. Avô e avó tão amados. 
Tias e tios tão queridos. Primas e primos (já na segunda geração) tão adorados. Para 
além de toda admiração que alimento por cada um, agradeço por confiarem no meu 
projeto de vida. Aliás, muito mais do que confiarem, por tê-lo como parte do projeto de 
suas próprias vidas. Em especial, a minha avó e à Tia Rô, por todo o carinho, apoio e 
preocupação de todos os dias. Daquele jeito que só mães sabem fazer. E a minha mãe, 
pela condução de uma existência inteiramente doada a mim. Agradeço pelos sonhos que 
sonhamos juntas e pela certeza de que nunca estarei sozinha. Sou grata também a meu 
pai, pela evidente preocupação com o meu futuro e pelas alegrias que deixamos no 
passado. À família XI, por darem sentido à palavra amizade. Agradeço por não 
cansarem em me fazer bem. Ao David pela saudade de todos os dias. Uma dor que eu 
gosto de sentir já que é o que dele me restou. 
Para além da imensa importância que tiveram na elaboração de cada linha dessa 
etnografia, das interlocuções diárias, dos comentários precisos, das provocações 
estimulantes e das revisões cuidadosas, agradeço à Marina Defalque, pelos abraços, pela 
extrema cumplicidade, pela sensação de que terei uma amiga para toda a vida. À 
Vanessa Perin, por corroborar esta sensação e por tamanha generosidade em partilhar 
comigo suas admiráveis leituras do mundo. À Thais Mantovanelli, pela inenarrável 
alegria que me toma nossa forte parceria. Como é seguro e prazeroso viver com o 
sentimento de que estamos “junto no fronte”. À Ariane Vasques, pelos felizes e 
divertidos momentos em que caminhamos lado a lado. 
Agradeço também aos meus colegas de graduação em Ciências Sociais da turma 
de 2007 da UFSCar, em especial, Maria Luisa Ribeiro, Álvaro Brolo e Marco Aurélio 
Ribeiro. Queridos amigos que felizmente durante o mestrado permaneceram em minha 
estrada. Durante a redação desse trabalho, as amizades de Gustavo de Biagi e Anderson 
Machado foram essenciais para evitar que eu sucumbisse à loucura. Sou grata, 
especialmente, por nossas empolgantes conversas sobre artes marciais. Obrigada 
também a Felipe Tiberti por toda força e generosidade. 
Queridas Sara Munhoz e Clarissa Martins (desde o início juntas na caminhada 
antropológica), agradeço-as pelos instigantes diálogos. Certamente é um grande 
privilégio tê-las como amigas. Estendo estes agradecimentos a todos os colegas da 
nossa turma de mestrado de 2011, pelos debates estimulantes que não raramente 
extrapolavam as salas de aula. 
Agradeço à Capes pelo financiamento integral à pesquisa. 
Obrigada também a todos os professores e funcionários do PPGAS-UFSCar. 
Obrigada à Marina Cardoso pelas disciplinas que tanto me inspiraram. Obrigada ao 
Felipe Vander Velden pela paciência e entusiasmo com que me ouvia falar da pesquisa 
de campo. Os apontamentos de ambos foram essenciais para as minhas reflexões. 
Decerto é um grande privilégio contar com a presença de Luiz Henrique de 
Toledo na banca de defesa. Agradeço-o por isso, e pelas estimulantes considerações 
sugeridas desde a qualificação. Obrigada também à Heloísa Buarque de Almeida por 
aceitar participar da banca de defesa. 
Um forte agradecimento à Jania Perla Aquino, por viabilizar o instigante debate 
promovido no III Seminário Internacional - Violência e Conflitos Sociais: Ilegalismos e 
11 
 
Lugares Morais. Alongo este agradecimento a todos os interlocutores de congressos que 
participei durante a graduação e o mestrado. 
Certamente as discussões do curso “Violência, gênero e sexualidade”, realizado 
no primeiro semestre de 2011 na Unicamp, foram essenciais para os desdobramentos da 
pesquisa. Agradeço imensamente à Maria Filomena Gregori pela oportunidade de 
diálogo. Um agradecimento especial também devo à Ana Claudia Marques, por suas 
falas sempre inspiradoras, pelos encontros do Hybris (Grupo de Estudo e Pesquisa sobre 
Relações de Poder, Conflito e Socialidade) e pela possibilidade de participar do curso 
“Família, política e conflito social” no segundo semestre de 2011 na USP. Ambos os 
cursos forneceram um material de reflexão fundamental ao trabalho. Agradeço aos 
colegas do Hybris, por todas as discussões instigantes, em especial, pela discussão do 
meu texto de qualificação. Os comentários de cada colega foram fundamentais para os 
caminhos que essa etnografia trilhou. O mesmo digo aos queridos colegas do Leap, 
Laboratório de Estudos sobre Agenciamentos Prisionais. Sobretudo, pelo intenso 
movimento de ideias. Obrigada ao Adalton Marques, pelo seu forte estímulo no 
processo de elaboração da pesquisa. 
À Karina Biondi. Pelo privilégio de ter, mais do que uma excelente antropóloga 
como parceira de pesquisa e reflexões, uma grande amiga. 
Devo muitos agradecimentos à Catarina Morawska Vianna. São imensuráveis 
suas contribuições para essa pesquisa. Agradeço os deslocamentos despertados pelas 
discussões em sala de aula e fora dela. Agradeço toda inspiração provocada por sua 
brilhante antropologia. Agradeço sua generosa amizade. 
A tarefa de agradecer um orientador como o Jorge Villela, a despeito da plena 
certeza de que lhe devo uma imensa gratidão, não é exatamente fácil. Pelo contrário, 
nunca será suficiente agradecê-lo por tamanha dedicação, não apenas como impecável 
orientador, mas como grande amigo. Seja como for, agradeço o responsável pelo meu 
encontro com a antropologia por não ter enfrentado sozinha esse mestrado. Estou 
convicta de que jamais conseguiria se não o tivesse tão perto. 
 Às cunhadas. Serei para sempre grata ao modo como me acolheram em suas 
caminhadas. Devo muitos agradecimentos a estas mulheres que com grande paciência e 
gentileza conduziram minha pesquisa etnográfica. Lamento não as agradecer 
nominalmente! Agradeço também a Nicole, por toda disposição em viabilizar a 
pesquisa. Igualmente devo um agradecimento a sua família e a seus funcionários. Aos 
motoristas (de São Paulo, Marília e Campinas), aos donos do trailer, às mães, às filhas e 
às irmãs de presos que conheci nessa experiência, muito obrigada pelo carinho que 
tiveram comigo durante as viagens a Cerejeira. 
Pensar em agradecer Isadora por permitir que um momento tão sofrido e 
doloroso de sua vidase tornasse centro dos meus esforços de pesquisa era bastante 
perturbador. Como grandes amigas que somos, eu sabia que a ferida aberta pela 
caminhada crescia todos os dias. Todavia, de tanto ouvi-la dizer que esse trabalho seria 
sua única lembrança boa de todos os anos vividos na caminhada, não mais me perturba 
dizer obrigada pela confiança e pelo cuidado que Isadora dedicou a mim. Espero um dia 
retribuir tamanha dedicação. Igualmente agradeço ao Vitor e à dona Alice (namorado e 
sogra de Isadora). Desejo todos os dias que o sofrimento da prisão chegue ao fim. 
12 
 
Ismene 
Pobre infeliz! Enches-me de medo. 
Antígona 
Não temas por mim. Cuida de tua própria sorte. 
Ismene 
Pelo menos não revele a ninguém 
teus propósitos, age em segredo, também eu me calarei. 
Antígona 
Fala, peço-te! Muito mais odiosa me serás 
calada. Declara tudo a todos. 
Ismene 
De fogo é teu coração em atos que me gelam. 
Antígona 
Mas sei agradar aos que mais que tudo devo agradar. 
 
(Sófocles, 2011: 12) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
 
 
 
 
13 
 
Jantávamos na habitual lanchonete com vistas para uma conhecida rodovia que 
cortava o interior paulista. Ali, era uma parada usual do ônibus procedente do dia de 
visitas nas penitenciárias de Cerejeira rumo à cidade de São Paulo
1
. Aliás, muitos outros 
ônibus também provenientes de instituições penais usualmente paravam naquele local. 
Em companhia das mulheres que haviam visitado seus maridos presos nos 
estabelecimentos prisionais de Cerejeira naquele domingo, apreciava meu primeiro 
prato de comida desde sexta-feira na hora do almoço, momentos antes de sair da cidade 
de São Carlos ao encontro das cunhadas na capital do estado de São Paulo. 
Cunhada era o modo como se denominava as interlocutoras desta etnografia. 
Mulheres assim conhecidas por estabelecerem vínculos afetivos com homens 
relacionados ao Primeiro Comando da Capital (o PCC), presos ou não
2
. Namoradas, 
noivas, companheiras, esposas, independentemente da denominação que se dava à 
relação amorosa com estes homens, as mulheres podiam ser chamadas de cunhada. Seja 
como for, nenhuma relação de aliança baseada em consanguinidade prescrevia essa 
nomeação. Ainda que indiscutivelmente sua germinação se proliferasse nesse solo 
referencial, afinal, era em decorrência dos membros batizados do PCC serem 
denominados irmãos que suas mulheres eram nomeadas cunhadas. Todavia, a intensa 
convivência com as cunhadas que colaboraram com a pesquisa, evidenciou que 
igualmente eram assim chamadas as mulheres dos companheiros. A saber, homens 
relacionados ao PCC não batizados. 
 
1
De modo a preservar as interlocutoras desta pesquisa, o nome da cidade em que se localizavam as 
penitenciárias e de todas as pessoas que aparecem no decorrer do texto são fictícios. 
2
Prevalece a definição de que o Primeiro Comando da Capital é uma coletividade que nasce em 1993 
como um projeto de organização dos presos fortemente influenciados pelo episódio conhecido como 
“massacre do Carandiru” (ocorrido em 1992 que marca a execução de 111 presos, dos quais, mais da 
metade, não havia sido condenados pela justiça). Além disso, os presos reivindicavam as péssimas 
condições sanitárias das penitenciárias brasileiras e o encarceramento em massa. Com o passar dos anos, 
a coletividade extrapola as muralhas penitenciárias. Para abordagens sobre o PCC conferir, sobretudo, 
Biondi (2006, 2010), Marques (2006, 2009, 2010), Feltran (2008, 2010a), Hirata (2010) e Malvasi (2012). 
14 
 
Dados esses esclarecimentos, especifico que as interlocutoras desta pesquisa 
eram cunhadas que, de fevereiro a maio de 2012, visitavam seus maridos presos nas 
penitenciárias I e II da cidade de Cerejeira, oeste paulista. Estes complexos 
penitenciários eram majoritariamente compostos por presos do PCC, ou do Comando
3
 
como preferiam se referir as mulheres. Eram igualmente interlocutoras desta pesquisa 
cunhadas de um bairro na zona sul da cidade de São Paulo que visitavam seus maridos 
em diferentes estabelecimentos penais “favoráveis” (outra maneira como as mulheres se 
referiam a presença do PCC nas cadeias) localizados no interior paulista no período de 
janeiro a maio de 2012. Estas mulheres se conheciam “da porta da cadeia” e se tornaram 
próximas, sobretudo, por serem vizinhas de bairro (ou, como diziam, “da mesma 
quebrada”). Com estas cunhadas, que me foram apresentadas pela amiga e antropóloga 
Karina Biondi, o contato foi estabelecido por telefone, internet e encontros 
intermitentes. Também colaboraram através de encontros intermitentes desde 2009, 
cunhadas moradoras da zona leste da cidade de São Paulo e da grande São Paulo que, 
do mesmo modo, visitavam seus maridos em complexos penitenciários “favoráveis”. 
Estas mulheres são familiares de amigos pessoais que, generosamente, viabilizaram o 
contato. 
Dizer que era meu primeiro prato de comida não foi nenhuma reclamação. Foi 
só uma memória mesmo. Terminamos de jantar e calmamente caminhamos até a fila 
para acertar nossas comandas. Depois de realizada a visita ao preso, como havia 
acontecido naquela manhã, as ações das cunhadas dispensavam qualquer vestígio de 
 
3
 O termo Comando, do modo como elucidado pelas mulheres, em geral, fazia referência à coletividade 
carcerária vinculada ao PCC com atuação específica dentro das cadeias que realizavam as visitas. Biondi 
(2010) mostra que as referências ao PCC como algo transcendente atravessou a sua pesquisa por diversas 
vezes. Para dar conta dessa questão a autora propõe “uma torção do conceito de transcendência” (: 194) – 
transcendência entendida como o conceito durkheimiano de sociedade (Durkheim 2000) – e ancorada nas 
influências de Deleuze e Guatarri (1995: 31-2) – da existência de rizomas em raízes e de formações 
arborescentes em rizomas, o que segundo os autores não se oporiam como dois modelos – Biondi, sugere 
“a possibilidade de existência da transcendência na imanência” (: 195). O que quer dizer que ser possível 
entender o PCC como capaz de produzir “disposições” operando independentemente, porém, mediante a 
existência dos participantes que o produzem. 
15 
 
pressa. Preso, grafado em itálico, corresponde ao modo como frequentemente as 
cunhadas referiam-se aos próprios maridos ou ao marido de uma cunhada em 
particular. Assim, de modo a discernir do uso generalizado do termo, no decorrer desta 
etnografia a menção aos maridos das cunhadas se fará em itálico. Pelo mesmo motivo, 
ladrão será assim grafado quando a intenção for ressaltar o vínculo particular do 
apenado com uma cunhada. 
Sentamos próximas ao ônibus até que todas as passageiras deixassem a 
lanchonete. Em grupos separados, as mulheres conversavam sobre assuntos diversos. Eu 
ouvia atentamente uma das cunhadas narrar alguns acontecimentos vividos na época em 
que visitava o preso no Carandiru
4
. A guia também ouvia a história com bastante 
atenção, não sem lembrar que tinha apenas nove anos de idade no ano de desativação do 
presídio. 
Guia era o nome que se atribuía a uma função. Uma função ocupada por 
cunhadas que viajavam para visitar seus maridos presos nos complexos penitenciários. 
Todos os destinos prisionais tinham, ao menos, uma guia no ônibus a ocupar a função e 
não era incomum sua substituição. A qualquer momento a função poderia ser ocupada 
por outra cunhada em virtude das constantes transferências dos apenados. Ao mudarem 
de destino penal para visitarem seus maridos, as mulheres não carregavam consigo a 
função de guia. 
Genericamente, dizia-se que asguias eram responsáveis pela organização das 
viagens para o dia de visita. E de fato eram. Entretanto, claramente via-se que o 
desempenho das mulheres a quem se atribuía a função não se encerrava na organização 
das viagens. Entre suas responsabilidades, as guias anotavam em seus famosos 
“caderninhos” a ordem de chegada das visitas no ponto de encontro em São Paulo. 
 
4
A Casa de Detenção do Carandiru chegou a ser considerada o presídio maior da América Latina. 
Localizada na cidade de São Paulo, foi desativada no ano de 2002. 
16 
 
Listagem que posteriormente (na hora da chamada também executada pela guia) definia 
a ordem da fila de entrada nos estabelecimentos penais. Nas penitenciárias de Cerejeira 
eram proibidas as distribuições de senhas que recorrentemente dizia-se organizar as filas 
nos demais presídios do estado de São Paulo. Muitas vezes as cunhadas elucidavam 
com desanimo essa distinção proveniente do modo singular como os estabelecimentos 
penais conduziam suas regulamentações. 
Ainda era papel da guia “orientar as visitas”. Dúvidas sobre a documentação 
exigida pela instituição prisional ou sobre as vestimentas, os alimentos e os demais 
produtos cuja entrada era permitida nas penitenciárias, eram frequentemente dirimidas 
pelas guias. O trajeto do ônibus, o controle do tempo nas interrupções das viagens, a 
contagem das passageiras a cada parada, o “bem-estar” das visitantes, eram também de 
responsabilidade das guias. Além do mais, somente as guias podiam mexer nos 
bagageiros dos ônibus. As mulheres a quem se atribuía a função, organizavam todos os 
jumbos e as malas das visitas nos espaços determinados e nada podia ser amassado
5
. 
A função de guia era atribuída às mulheres pelos presos “do Comando”, 
contudo, não sem o consentimento da cunhada e de seu marido. Como uma 
interlocutora esclareceu 
Os irmãos chegaram no meu marido e perguntaram se eu não aceitava ser 
guia. Acho que porque eu já vinha toda semana, nunca tive nenhum 
problema com as visitas. Aí meu marido perguntou o que eu achava. Porque 
é uma responsa, né? 
 
As guias eram as referências dos apenados que desejavam saber as sucessões de 
acontecimentos das viagens. Sobretudo, aos apenados que compunham a “sintonia do 
ônibus”, como disseram as mulheres, os responsáveis pelo “bem estar da família na 
estrada”. Reciprocamente, as guias eram referências às visitas no que dizia respeito aos 
 
5
 Jumbo refere-se aos alimentos, aos produtos de higiene pessoal e limpeza (entre outras coisas), dispostos 
em uma grande sacola plástica, geralmente, transparente destinada ao apenado. Retornarei mais 
detidamente ao jumbo adiante. 
17 
 
comunicados dos presos direcionados aos familiares. Dentre as atribuições das guias, 
então, evidenciava-se também a mediação entre as visitas e os apenados. 
 Diante de todas essas atribuições, não nos causaria nenhum espanto em saber 
que as guias deveriam estar presentes todos os finais de semana na visita mesmo 
quando impedidas de visitar o marido, em ocasiões como as que “o preso tá no pote” 
[de castigo], por exemplo. Mas a despeito de tantas atribuições, a função de guia e suas 
“responsas”, não conferiam às mulheres qualquer autoridade ou domínio sobre as outras 
visitas. Muito pelo contrário, as guias permanentemente deviam lembrar às visitantes 
que todas “estão no mesmo barco”, “que ninguém é melhor do que ninguém” e que 
todas “são de igual”. 
Eu ainda fazia as contas a fim de saber a idade da guia quando uma mulher 
desconhecida aproximou-se e perguntou se estávamos indo para a cidade de São Paulo. 
Mediante a resposta afirmativa da guia, a mulher disse que sua excursão a havia 
esquecido na parada e pediu uma carona. As mulheres olharam-se e, depois de alguns 
instantes de silêncio, uma cunhada disse à guia: “tá no seu peito. Decide aí”. A guia 
esperou até que todas as passageiras voltassem ao ônibus e, antes de consentir a carona, 
expôs a “situação” para todas as visitas. Ninguém se opôs em levar a mulher à capital, 
mas ressaltaram a inexistência de assentos vazios no ônibus. A mulher não se 
incomodou. Em pé no fundo do ônibus, ouvíamos sua conversa com as demais 
cunhadas. 
A prosa estava animada. Falavam alto, davam muitas risadas, até que uma 
cunhada interferiu: “peraí, que história é essa que você é do Habanero? Você é da 
minha quebrada que eu te conheço. Tá mentindo, por quê?”. A mulher desconhecida 
ficou muda. Questionada por várias cunhadas ao mesmo tempo, a ponto de não mais ser 
possível discernir o que falavam, a guia foi chamada. Logo veio à tona que a mulher 
18 
 
visitava o marido em “cadeia desfavorável”, o que significava dizer que para as 
cunhadas seu marido era considerado coisa
6. “ELA É COISA”, gritaram do fundo do 
ônibus. A mulher foi, então, empurrada até a saída do ônibus. Assim que atravessou a 
porta que nos separava do motorista, trancou-a visando se proteger. As cunhadas 
gritavam para o motorista parar o ônibus e atirar “A COISA PRA FORA”. Outras 
diziam que era inaceitável viajar com uma mulher que “fecha com estuprador”. 
Algumas gritavam que decerto a mulher havia sido paga pra queimar o ônibus com a 
gente dentro. Outras ainda lembravam que os presos se aborreceriam pela carona 
prestada à “coisa”. Uma cunhada grávida de oito meses chutava a porta que nos 
separava da mulher-coisa ao mesmo tempo em que gritava para o motorista: “JOGA A 
COISA NA ESTRADA”. Eu observava tudo aquilo praticamente imóvel. Uma senhora, 
claramente religiosa, soltou seus cabelos e passou a rezar alto com os olhos fechados. O 
som da oração misturava-se às vozes de algumas crianças que também se manifestavam: 
“aqui é comando! Joga essa coisa na estrada”. As cunhadas passaram a cobrar uma 
atitude efetiva da guia que pediu silêncio e, seriamente, disse ao motorista: “para já esse 
ônibus pra essa mulher descer. Senão, quem vai segurar o B.O. da presença dela aqui é 
você”. Imediatamente o motorista parou e a mulher-coisa desceu do ônibus. Não 
sabíamos exatamente onde, só sabíamos que a estrada estava completamente deserta e 
escura. 
Até que chegássemos a São Paulo não houve outro assunto dentro do ônibus. 
Todo o cansaço que, em geral, abatia as mulheres no retorno da visita aos seus maridos 
havia se esvaído. As passageiras estavam em pé, falando alto, especulando o que os 
apenados diriam sobre o acontecimento. Desejavam imediatamente dar-lhes a notícia, 
mas as penitenciárias em Cerejeira estavam “fora do ar”. Isto quer dizer que, durante o 
 
6
 Assim eram denominados os apenados que cumpriam pena em estabelecimentos penais de população 
carcerária não relacionada ao PCC. Adiante analisarei mais detidamente. 
19 
 
tempo que realizei trabalho de campo, os presos destes estabelecimentos penais não 
possuíam celulares e, sendo assim, as cunhadas teriam que aguardar que suas 
correspondências postais chegassem aos apenados para que tomassem conhecimento do 
ocorrido. 
A guia manifestava uma clara preocupação por ter deixado a mulher entrar no 
ônibus e não cessava em refletir sobre seu dilema: 
Acho que fui muito burra de deixar a mulher me enganar desse jeito. Essa 
conversa de que tinham esquecido ela... Uma guia do comando nunca ia 
esquecer alguém na parada. Mas, por outro lado, se tivessem mesmo 
esquecido a mulher e, sabendo disso, eu deixasse ela na parada, iam dizer 
que eu abandonei a cunhada. 
 
 
De modo geral, estavam todas muito exaltadas dentro do ônibus. Especulavam sobre os 
possíveis desdobramentos do acontecido.Até mesmo a senhora que rezava no fervor do 
tumulto expressou seu medo em “sobrar um cadáver. E aí? Quem segura um 
homicídio?”. Após um extenso instante de silêncio, uma cunhada deixou claro: “eu não 
posso. Se eu for presa quem visita o meu marido?”. “É isso mesmo. Tinha que ser 
alguém que não visita”, ressaltou outra mulher que sucessivamente olhou para a moça 
que viajava vendendo alimentos e bebidas para as passageiras, e continuou: “tu ia 
segurar o B.O., porque ela [apontou para mim] tem que ficar na rua pra poder escrever o 
que aconteceu aqui”. 
A composição desta etnografia fundamenta-se nos diferentes pontos de vista 
enunciados pelas cunhadas sobre a noção de família. A referência à enunciação baseia-
se nas formulações de Austin (1961) que sugere a diferença entre enunciações 
perlocutórias e ilocutórias. “As enunciações perlocutórias são aquelas que produzem 
consequências como efeito do que foi enunciado, sendo portanto a enunciação e seu 
efeito temporalmente distintos”, retoma Vianna (2012: 246-7) acerca das considerações 
do autor. A autora continua, “enunciações ilocutórias, por sua vez, são aquelas cujos 
20 
 
efeitos se realizam no momento da enunciação”. Estas considerações são também 
retomadas por Butler (1997: 45), a fim de explicar a “força da performatividade” 
indissociável às abordagens que visam enfatizar a variação em detrimento ao padrão 
(Vianna 2010: 56-7 nota 13). Dessa forma, inspirada nessas elucidações, esta pesquisa 
busca privilegiar a força performativa das enunciações das cunhadas, antes do que 
considerar padrões ou estruturas de significado. Para tanto, em primeiro lugar, foi 
favorecido o ponto de vista das cunhadas sobre o ponto de vista do corpo funcional dos 
complexos penitenciários. Em segundo lugar, foi beneficiado o ponto de vista das 
cunhadas sobre o ponto de vista dos apenados. E, por último, foi privilegiado o ponto 
de vista das próprias cunhadas acerca da noção de família. 
Ser-família, ter-família, família-sagrada, família-imperfectiva, família-
manutenção, família-completa e família como sinônimo de visita. Foram estes os 
variados sentidos conferidos à noção conforme os enunciados das cunhadas, efeitos dos 
deslocamentos de seus pontos de vista, como veremos detalhadamente nas linhas à 
frente. 
Houve também quem atribuísse uma equivalência de sentido a família e PCC: 
“Mas como é esse negócio de grupo de pesquisa? Tem gente que estuda coisa? Aqui 
somos uma família, o Comando é uma família. Muito diferente dos coisa”, disse-me 
uma cunhada durante uma conversa em que eu contava como era o meu trabalho na 
universidade. 
A associação desse comentário aos diferentes sentidos atribuídos ao termo 
família pelas colaboradoras de pesquisa enseja o argumento de que para a compreensão 
das famílias das cunhadas seria um tanto inadequado partir de abordagens que de 
antemão as agrupasse em uma classe social específica ou as conferisse alguma 
determinação racial. As mulheres com quem convivi durante a pesquisa de campo 
21 
 
exalavam diferenças por todos os poros. Ainda que eu desconheça os critérios de 
definição de estratificação social ou raça, exatamente por considerar a grande 
dificuldade em homogeneizar realidades singularmente experienciadas, eleger uma 
única classe ou raça que respondesse às famílias das cunhadas desde o inicio estava fora 
das intenções desta pesquisa. Decerto, seria uma tarefa irrealizável sem que se abrissem 
brechas por todos os lados por onde pudessem escapar as variações que fortemente se 
manifestavam. 
Tampouco seria viável compreender as famílias das cunhadas mediante a 
precedência de consanguinidade. Antes disso, poder-se-ia dizer que as famílias das 
cunhadas brotam de um “adensamento de relações”, como sugere Marques (2002) 
acerca da constante definição e redefinição de pertencimento, das segmentações e das 
descontinuidades que fabricam “família” no Sertão de Pernambuco. Para a compreensão 
do que se diz quando se diz “família” entre os sertanejos, seria possível dizer que a 
autora aposta na etnografia. O mesmo pode-se apreender dos “processos de 
familiarização e desfamiliarização”, elaborados por Comerford (2003) na Zona da Mata 
mineira, face ao “movimento” implicado nas “fronteiras de pertencimento” de uma 
“família”. Assim como das considerações de Villela (2009) que, como efeito de sua 
aposta na etnografia, ressalta a pluralidade de sentidos atribuídos à noção em seu 
contexto de pesquisa, também no Sertão pernambucano. “Família é o sobrenome”, 
“família é a linhagem”, “família é a casa”, nos diz o autor. Dessa forma, mediante o 
desejo em compreender as famílias das cunhadas, inspiro-me nas apostas desses 
autores. Em seus esforços analíticos impecavelmente comprometidos com a etnografia. 
Face a esse objetivo, sugiro, portanto, que as linhas subsequentes traduzem o 
empenho de construção de uma imagem. Em outras palavras, as linhas que se seguem 
exprimem a tentativa de estabilizar, analiticamente, alguns dos efeitos decorrentes do 
22 
 
meu encontro com as cunhadas. Trata-se, portanto, da elaboração de uma imagem 
produzida pela intensa convivência com as cunhadas, antes do que da efetivação de um 
projeto que se pretendia aclarar determinado modo de pensar. Pode-se dizer que estes 
investimentos se fazem não sem o estímulo das considerações de Strathern ([1991] 
2004) que, como recupera Vianna (2012: 22), apontam para as “extensões do próprio 
corpo do analista, através das quais se observa sua matéria de investigação”. Vianna 
ressalta a germinação de seu esforço analítico através da articulação das visões de seus 
interlocutores e das formulações teóricas da comunidade científica, “ambos conexões 
parciais de modelos tidos como totais” (: 22). 
Nesse sentido, movida pelos efeitos do encontro-etnográfico, quer dizer, do que 
pude apreender e fui capaz de liberar da intensiva convivência com as cunhadas, por 
meio da ênfase nas variações que se apresentavam nos enunciados destas mulheres que 
experimentavam o evento-prisão
7
, apresento, no deslocar de seus pontos de vistas sobre 
“família”, uma etnografia sobre mulheres fiéis e insubmissas. Mulheres que valorizavam 
e eram reconhecidas por enfrentarem os sacrifícios, conhecerem a disciplina e terem 
proceder. Mulheres que assinalavam um ambiente ético que se manifestava como um 
solo referencial para a produção de moral. Aliás, mais do que isso, para a produção de 
um pluriverso moral. Mulheres que gostavam do preso, as mulheres dos caras, mulheres 
que gostavam do ladrão. Resumidamente, mulheres fiéis produzidas contrastivamente à 
existência de mulheres talaricas, recalcadas, mulheres que gostavam de cadeia, de 
ladrão, do crime
8
. 
 
 
 
7
Chamo de evento-prisão ou evento-cadeia o encontro entre mulher, preso e cadeia, e os efeitos 
produzidos por este e neste encontro. 
8
Um esforço sociológico a respeito de familiares de presos foi produzido por Buoro (1998). A autora 
buscou entender como os Direitos Humanos eram sentidos pelas visitantes dos apenados. 
23 
 
PESQUISA DE CAMPO 
 
Pesquisadora, professora, escritora, assistente social, jornalista, estudante. Era 
assim que as mulheres definiam minha profissão a despeito de qualquer insistência em 
dizer que eu fazia antropologia. Tarefa da qual abdiquei após ouvir a explicação de uma 
mulher sobre o que era ser antropóloga: “sabe aquilo que cuida dos pés? Então, ela faz 
isso. Mas ao invés de cuidar dos pés, ela escreve sobre família de preso”. A explicação 
em nada me soava diferente de milhares de formulações absurdas que a todo momento 
eu tecia sobre o que elas me diziam e explicavamsobre suas experiências de vida. 
Assim, não mais insisti em dizer que era antropóloga. Ainda que tivesse grande prazer 
em conversar sobre antropologia com as mulheres que se diziam interessadas no 
assunto. 
Como já mencionado, durante os meses de fevereiro a maio do ano de 2012, 
viajei junto às cunhadas e outros familiares de presos para o dia de visitas nas 
penitenciárias de Cerejeira, cidade localizada no interior do estado de São Paulo. Essas 
viagens foram, sobretudo, viabilizadas por Isadora, querida amiga dos tempos de 
cursinho pré-vestibular. Tempos em que, segundo ela, o preso não era preso e eu lavava 
sua marmita interessada em um dos seus amigos do cursinho. Era assim que Isadora me 
apresentava às cunhadas, com agradável humor que logo deixava o clima descontraído 
e aprazível, como todos os momentos em sua companhia. 
No período em que realizei trabalho de campo, havia três anos que o namorado 
de Isadora cumpria pena na penitenciária II de Cerejeira. Isadora sugeriu que eu a 
acompanhasse em uma das viagens para o dia de visita. Inicialmente sua intenção era 
me apresentar às cunhadas para ampliar meus contatos de pesquisa que, até aquele 
momento, baseavam-se em encontros intermitentes, ligações diárias e “bate-papos” na 
24 
 
internet com cunhadas moradoras das zonas sul, leste e da grande São Paulo. Isadora, 
então, conversou com as cunhadas que lhe eram mais próximas, com as guias do ônibus 
para Cerejeira e aprovação foi concedida. Nas palavras das cunhadas, o “aval” para a 
viagem estava dado. 
Na primeira viagem eu era a “amiga da Isadora”. Ainda que todas as 
apresentações deixassem claras minhas intenções de pesquisa, as referencias na 
unanimidade dos casos se faziam em associação a Isadora. Assim como as visitantes, 
paguei a passagem do ônibus. Visto que o trajeto São Paulo/Cerejeira, exclusivamente 
para o dia de visita nas penitenciárias, era realizado pela LinhaTur (empresa de Nicole e 
família). 
Fiquei na pousada do centro da cidade com Isadora e sua sogra, querida dona 
Alice que tanto cuidou de mim em campo. Diferentemente da maioria das visitas que se 
hospedavam na pousada também propriedade de Nicole, ligeiramente afastada do 
centro. Além destas duas pousadas, havia outras duas em que as mulheres da cidade de 
São Paulo hospedam-se. Na época, a minoria delas. 
 Em minha primeira viagem, ao chegarmos à cidade às cinco horas da manhã, o 
proprietário da pensão já aguardava as mulheres que, com antecedência, haviam 
reservado um quarto. A mesa do café estava posta, mas as visitas quase não 
conseguiram tocá-la. Em trinta minutos o ônibus de Nicole passaria para levá-las ao 
estabelecimento prisional. Dessa maneira, apressaram-se para o banho. Enquanto 
esperava, juntamente com dona Alice e as crianças presentes, tomava café no salão da 
pousada. Logo o ônibus chegou. 
 Naquela manhã de sábado, permaneci no ônibus com as mulheres até que os 
portões das penitenciárias fossem abertos. Assim que as mulheres entraram, voltei à 
pousada e passei o dia com cunhadas que só visitariam no domingo. Fomos ao 
25 
 
mercado, cozinhamos para os presos e antes das cinco da tarde as visitas já estavam de 
volta. Por alguns minutos, permaneci no quarto com Isadora que me contava sobre sua 
visita ao Vitor (também um querido amigo). As mulheres que ainda não me conheciam, 
mas que já sabiam de minha existência, não paravam de bater na porta a fim de saber 
quem eu era e o que fazia por lá. Outras, com quem eu havia trocado algumas palavras, 
batiam pra dizer que eu podia entrevistá-las se quisesse. Isadora, então, sugeriu que eu 
aproveitasse a disposição das mulheres para conversar sobre a pesquisa. 
Passei cerca de três horas com cunhadas que, ao passar das semanas, tornaram-
se importantes colaboradoras do trabalho. Às nove da noite, como previamente 
combinado, o ônibus de Nicole passou para levar as mulheres para a fila da visita do dia 
seguinte. Minha presença causou bastante estranheza. Algumas mulheres me 
qualificaram como “louca”, ressaltaram que era uma loucura passar por tudo aquilo por 
causa de uma pesquisa. “Você pode dormir na pensão e fazer sua pesquisa amanhã de 
manhã, boba!”, disse-me uma cunhada. Antes que eu sequer pensasse em um 
argumento, Isadora respondeu: “ela não quer saber o que é a família do preso? Não quer 
saber o que a gente passa? Então vai viver juntinho, vai sofrer com a gente, pra não falar 
besteira”. Voltou-se a mim e continuou: “vai, carrega o jumbo do preso”. Todas riram e 
na semana seguinte não mais estranharam a minha presença na noite do sábado para o 
domingo na porta da cadeia. Inclusive quando perguntaram por que eu passaria a noite 
“na porta”, uma cunhada cuidou de responder: “ela quer passar o que a gente passa pra 
escrever direito como é”. 
 Na manhã de domingo, após as visitas entrarem na cadeia, fui com algumas 
cunhadas (que naquele final de semana só visitaram no sábado) para a pousada de 
Nicole. Foi meu primeiro contato com Nicole que, de imediato e com muita 
generosidade, colocou-se a disposição em ajudar com a pesquisa. E, de fato, ajudou 
26 
 
imensuravelmente. Nicole consentiu que eu viajasse todos os finais de semana para 
Cerejeira sem pagar as passagens. Em troca, eu auxiliava nas vendas de bebidas e 
comidas para as visitantes no ônibus e na porta da cadeia. Até o mês de maio, viajei 
com as cunhadas todos os finais de semana e encontrava Isadora uma vez por mês. 
De “amiga da Isadora” logo passei a pesquisadora, professora, escritora, 
assistente social, jornalista e estudante. Ou simplesmente “Jacque”, como a maioria das 
cunhadas optou em me chamar. A cada nova interlocutora que estabelecia contato, era 
necessário descrever Isadora a fim de explicar quem havia me levado para Cerejeira. 
Muitas das cunhadas que fortemente colaboraram com essa pesquisa não a conheciam. 
E vice e versa. 
Por último, e a título de esclarecimento, acentuo que nenhuma fala transcrita 
neste trabalho é de Isadora. Optei por esse cuidado em virtude de nossa proximidade 
anterior à pesquisa. Não há dúvidas de que suas falas e suas experiências afetam-me de 
maneira distinta quando comparadas às falas e às experiências das cunhadas que 
passaram a existir na minha vida já como cunhadas. 
 
 
SOBRE OS CAPÍTULOS 
A etnografia é composta por três capítulos arquitetados de acordo com o 
deslocamento de ponto de vista das cunhadas acerca do que se diz sobre “família”, 
como já mencionado. Dessa forma, os olhares do corpo institucional, dos presos e das 
cunhadas sobre a noção, impreterivelmente sob o ponto de vista das cunhadas, são 
abordados respectivamente nos capítulos 1, 2 e 3. 
A sequência de apresentação dos capítulos tem como fio condutor a viagem para 
o dia de visitas nas penitenciárias de Cerejeira. Assim, no início do capítulo 1 a 
27 
 
narrativa se desenha a partir do embarque na cidade de São Paulo com destino a 
Cerejeira. Analisa, primeiramente, os diferentes significados atribuídos pelas mulheres à 
noção de caminhada. Adianto ao leitor que a formulação “estar na caminhada” constitui 
uma das distinções conferidas ao termo. Como se verá, ela evidenciava um sentido 
indissociável de ação que iluminava uma superfície ética partilhada entre as cunhadas 
(visivelmente identificada nos enunciados sobre frequência nas visitas, preocupação 
com o jumbo e preparo da comida, igualmente trabalhados no capítulo 1). Superfície 
ética de onde germinavam questões morais estrategicamente negociadas entre as 
mulheres a deslindar um pluriverso moral. 
Pluriverso moral que, para além de moralidades distintas, evidenciava mulheres 
de proceder e de disciplina, temas abordados no capítulo2, cuja descrição tem início no 
deslocamento das cunhadas para a noite na “porta da cadeia”. A primeira tarefa 
enfrentada neste capítulo foi discorrer sobre o sentido que as cunhadas – e, segundo 
elas, os apenados – atribuem ao sacrifício. Sacrifício decorrente da adesão à caminhada, 
analisada no capítulo 1. Desse modo, foram explorados os componentes que constituíam 
esta definição de sacrifício, seguidos das análises do que se dizia sobre ter proceder e de 
seu solo referencial, a disciplina. Ter proceder traduzia uma adjetivação positiva 
atribuída às mulheres, proveniente de um embate de saberes distintos sobre sua 
definição e motivado por algum ato constrangido. Em seguida, o argumento direciona-
se para a descrição sobre o caráter fecundo dos enunciados a respeito do proceder e a 
inviabilidade de um modelo de regulação. A despeito da existência de um mecanismo 
capaz de dissolver os dilemas promovidos pelo embate entre os saberes formulados 
pelas cunhadas e de estabilizar um enunciado ético sobre o proceder. Este mecanismo 
era o debate, tema das últimas observações empreendidas no segundo capítulo. 
28 
 
O protagonismo da mulher fiel para a existência das famílias das cunhadas, 
ainda que sua menção se faça ao longo de todos os capítulos, constitui os esforços 
centrais do terceiro e último capítulo. A exposição da análise tem início na madrugada 
na porta da cadeia, nas primeiras horas da manhã da visita do domingo. Primeiramente 
foram privilegiados os enunciados das cunhadas sobre a imagem da mulher fiel, sem 
desconsiderar, subsequentemente, as formulações sobre seus contrários e suas 
adjacências. Em seguida, as reflexões concentram-se no estado intencional indissociável 
das ações das cunhadas, mulheres fiéis. Por estado intencional, considero as condições 
de satisfação de algum propósito estabelecido pelas mulheres. Decorre destas reflexões 
um aparente oximoro concernente à coexistência de um efeito-resistência a caracterizar 
os empreendimentos das cunhadas e mulheres “submissas”. Explanação que, como se 
verá, enseja as conclusões do capítulo. 
Em síntese, os capítulos são construídos a partir do deslocamento de ponto de 
vista das mulheres acerca da noção de família. Sobressaem-se, dessa maneira, o ponto 
de vista do corpo institucional, o ponto de vista dos apenados e o ponto de vista das 
próprias cunhadas. O fio condutor de suas descrições é a viagem para o dia de visita, 
que são adensadas pelos acontecimentos vividos com as cunhadas e suas experiências 
relacionadas ao evento-prisão. Sem, contudo, circunscrever qualquer prescrição 
cronológica a essas exposições. 
A redação dos capítulos, de algum modo, revela o caminho que percorri durante o 
trabalho de campo. Das experimentações que nitidamente manifestavam-se ao meu 
olhar atrapalhado e confuso, aos esforços em lidar com as diferenças, as variações, os 
contrastes que persistentemente proliferavam-se em meio à paisagem desconhecia. 
Talvez, também seja possível dizer (contrariamente, é verdade) que o virar das páginas 
29 
 
subsequentes é o que revela minhas experiências etnográficas. Após a redação desta 
dissertação já não mais sou capaz de discernir. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
30 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO 1 
 
Enunciados éticos e morais: 
a construção de um pluriverso moral 
 
 
 
 
 
 
31 
 
Onze da noite era o horário marcado para saída do ônibus de São Paulo rumo ao 
dia de visitas nas penitenciárias de Cerejeira. Do mesmo ponto de encontro partiam 
ônibus para diversos estabelecimentos penais do interior paulista. Ao menos vinte ônibus 
deixavam a localidade por volta do mesmo horário. Entre 45 e 50 passageiras, era o limite 
de cada veículo. Eles estavam quase sempre lotados, o que mostrava o fluxo intenso de 
mulheres que tinham como destino a cadeia às sextas-feiras à noite
9
. 
Depois de algumas semanas de trabalho de campo, ainda dentro dos transportes 
públicos rumo ao ponto de encontro com as cunhadas, conseguia identificar as mulheres 
que, assim como eu, destinavam-se à cadeia. O jumbo, as malas enormes, as mochilas 
lotadas, o cheiro de comida e o sentido do deslocamento, davam-me pistas das mulheres 
que fariam visita em algum estabelecimento penal. Passadas mais algumas semanas de 
pesquisa de campo, já trocava cumprimentos com mulheres no metrô, ainda que eu nunca 
viesse a saber onde visitavam, sequer os seus nomes, e nem elas nada sobre mim, 
sabíamos que partilhávamos o mesmo destino naquelas noites. 
Da estação de metrô até o ponto de encontro com as mulheres que se destinavam 
às penitenciárias de Cerejeira, caminhava uns 700 metros. Próxima ao local, mas ainda do 
outro lado da rua, já podia avistar a guia de Cerejeira a marcar em seu caderno a ordem 
de chegada das visitas naquela localidade. Como mencionado na introdução, a ordem da 
lista produzida pela guia de acordo com de chegada das cunhadas no ponto de encontro 
em São Paulo era equivalente à ordem da fila de entrada para a visita na cadeia. 
Atravessei a rua e vi a dona da excursão na porta do ônibus a distribuir as 
passagens para as mulheres que, calmamente, ocupavam suas poltronas dentro do ônibus. 
Noite quente e de início de mês, foi necessário chamar ônibus extras para atender toda 
demanda presente. Muitas mulheres a conversar, comer e fumar, e crianças a correr, 
 
9
 Somente para as penitenciárias de Cerejeira havia outros dois horários de saída de ônibus na sexta-feira, 
além do das 23h. E outro no sábado à noite, conhecido pelas mulheres como “bate e volta”. 
32 
 
gritar, rir e chorar. Era preciso muito cuidado para caminhar e não esbarrar em ninguém 
ou em jumbos e malas enormes com os travesseiros e cobertores dobrados por cima. 
Cumprimentei a guia, a dona da excursão e as mulheres que conversavam em meio ao 
cheiro de churrasco dos espetinhos vendidos na esquina, ao lado do colorido produzido 
pelas malas e jumbos, intensificado pela luz do bagageiro: 
Cunhada I: oi amor. Quer um espetinho? 
Eu: valeu, querida. Acabei de comer. Você tá bem? 
Cunhada I: Tô ótima. MOÇO DO CHOCOLATE! 
 
A cunhada gritou ao ver o vendedor de barras de chocolates e outra cunhada 
interrompeu: 
Cunhada II: eu quero um chocolate. 
Cunhada I: escolhe, amor. Era só pro preso, mas vou te dar um. 
 
Dirigiu-se ao vendedor, 
Cunhada I: vou querer seis. VAI, ESCOLHE LOGO AÍ O SEU. E você tá 
bem? 
 
A cunhada I voltou a falar comigo, mas demorei a me dar conta. 
Cunhada I: JACQUELINE! 
Eu: eu tô bem também. Desculpe, não vi que voltou a falar comigo. 
 
Estranhei a ausência de uma cunhada que sempre a acompanhava, então perguntei pela 
mulher. 
Cunhada I: ela vai de carro essa semana e só amanhã de manhã pra esperar 
outra cunhada sair do serviço, acho que às 6h. Vão chegar 12h em Cerejeira. 
O ladrão me mata se eu chegar essa hora. Dona Maria, me vê mais uma 
cerveja? 
 
Enquanto conversávamos, também passavam ambulantes a oferecer sacolas de jumbo, 
roupas, lingerie, selos postais, envelopes, cigarros e isqueiros. Estes produtos eram 
consumidos em abundância pelas visitas. 
A guia guardava as bagagens das passageiras que chegavam e, não raramente, era 
interrompida por mulheres que pediam informações sobre os destinos e as 
regulamentações das cadeias, o que, em geral, sugeria que realizavam a sua primeira 
33 
 
viagem. Apesar de viajar há algumas semanas e conhecer muitas mulheres (ainda que de 
vista) o cenário, no que concerneàs visitas, era bastante instável. A guia fechou o 
bagageiro e nos pediu para entrar no ônibus. Já passava do horário combinado de partida 
e as mulheres que já ocupavam seus lugares começaram a se incomodar: “desse jeito a 
gente vai chegar às dez da manhã na cadeia, entrar meio dia e ficar nada com o preso”, 
diziam algumas mulheres claramente irritadas. Discretamente, a guia ainda pediu para a 
cunhada I (do diálogo descrito acima) não entrar no ônibus com a cerveja. O consumo de 
bebidas alcoólicas no veículo era proibido, assim como fumar, ouvir funk, utilizar um 
vocabulário grosseiro e desrespeitoso. As mulheres atribuíam essas atitudes a “uma falta 
de moral”, em um ambiente em que “é preciso ter ética”. Como veremos mais 
detalhadamente no capítulo 3, o cuidado com o vocabulário e os limites musicais são 
alguns dos elementos que compõem o que chamei de imagem da mulher fiel, a qual, 
provisoriamente, pode ser entendida como uma qualificação a distinguir as mulheres que 
estão na caminhada. Mas o que é a caminhada? 
Em seu contexto de pesquisa, Biondi (2010: 33) indica a variedade de sentidos 
atribuídos ao termo caminhada condicionados às experiências vividas pelos seus 
interlocutores, a saber, homens presos em cadeias de domínio do PCC. Entre os sentidos 
por eles formulados, a autora ressalta os que fazem referências a situações e movimentos, 
além dos que indicam rumos compartilhados, mesmo que construídos individualmente. 
Quanto às mulheres dos presos, Biondi sugere que “a qualidade de sua caminhada está 
relacionada à sua dedicação ao marido” (: 34). Atenta à trama de relações provenientes da 
minha pesquisa etnográfica e certamente influenciada pelas críticas de Herzfeld (1980) a 
respeito das comparações, generalizações e traduções conceituais, aclaradas pela análise 
da produção antropológica do mediterrâneo, somada às considerações de Marques (1999: 
136), que ressaltam o escamoteamento dos significados e da variedade dos fenômenos 
34 
 
que podem brotar das etnografias, caso os antropólogos não deixem de encaixar 
particularidades em pressupostos conceituais teóricos ou do senso comum, esforcei-me 
em compreender o sentido atribuído ao termo caminhada mediante as elucidações das 
colaboradoras desta pesquisa, em circunstâncias e situações específicas. 
A análise dos sentidos de caminhada, a equivocidade do termo, portanto, é a 
primeira tarefa que enfrentarei neste capítulo. Adianto que a convivência privilegiada 
com as cunhadas permitiu-me apreender que a formulação “estar na caminhada” 
constituía uma das distinções conferidas ao termo. Como pretendo mostrar, esta 
formulação implicava uma série de procedimentos a serem desempenhados pelas 
cunhadas, dentre os quais a frequência nos dias de visita, o jumbo e a comida, 
conformavam seus pontos de maior visibilidade. A realização destes procedimentos 
garantidos pela caminhada certamente relaciona-se ao cuidado das mulheres com o 
preso, como sugerido por Biondi (2010). Desse modo, com base no meu material de 
campo, descrevo nos tópicos subsequentes (sobre a frequência nas visitas, o jumbo e a 
comida) em que consiste isto que provisoriamente pode-se entender como dedicação ao 
marido e como ela não se constituía sem desvios, variações, alternativas ou 
eventualidades. 
Com uma abordagem que diverge da minha, Spagna (2008) sugere que as 
mulheres que “visitam seus internos” (: 204) “desempenham o papel de dedicação ao 
companheiro preso, em função dos papéis sociais que lhe são atribuídos por sua condição 
feminina”. Substancialmente contrário às considerações da autora, minha convivência 
com as cunhadas não abriu qualquer possibilidade de vincular suas práticas discursivas a 
“papéis sociais”, sobretudo, derivadas de uma “condição feminina” rotulada de antemão. 
Pude observar que o ato de dedicação envolve, antes, uma profusão de intencionalidades 
das cunhadas, como se verá no decorrer das linhas apresentadas, especialmente, no 
35 
 
capítulo 3. Todavia, ao que concerne ao capítulo 1, levar em conta o ponto de vista do 
corpo funcional da instituição carcerária sobre o que se diz quando se diz família, 
constitui um exemplo deste caráter intencional mobilizado pelas cunhadas. Assim, o 
segundo subcapítulo deste capítulo dedica-se aos sentidos conferidos à noção de família 
pela instituição prisional de acordo com as narrativas das cunhadas. Nos tópicos que lhe 
dão forma, abordo a distinção atribuída à noção quando a referência se fazia à família do 
preso ou ao considerarem que o preso tinha família. Acentuo que ambos os sentidos são 
concernentes às elucidações das cunhadas no que diz respeito ao ponto de vista da 
instituição. 
 
1.1) Os diferentes sentidos atribuídos à caminhada - A 
construção de um pluriverso moral 
 
Dentro do ônibus, sentei ao lado de uma mulher que há algumas semanas 
anunciava sua intenção em me contar como havia entrado na caminhada. Até aquele 
momento não havíamos tido uma boa oportunidade para tratar deste assunto que, segundo 
a cunhada, exigia muito cuidado por sua complexidade e, por estar na caminhada há 
bastante tempo, seria ela a pessoa indicada em me explicar. Muitas outras mulheres 
relataram-me como entraram na caminhada, o que sem dúvidas corrobora a análise que 
se segue. Não obstante, a descrição detalhada pela cunhada sentada ao meu lado no 
ônibus foi crucial para que eu viesse a compreender não só o sentido específico do termo 
empregado nessa circunstância de “entrar” ou “estar” na caminhada (suas implicações e 
importâncias para as mulheres), mas, sobretudo, a polissemia garantida ao termo: 
Diferente das outras mulheres, porque a maioria aqui não é do crime, e, 
também, porque cada uma tem a sua caminhada, conheci o meu marido no 
crime
10
. O preso fazia parte do mesmo grupo de corre que eu, mas nem sempre 
 
10“Crime”, como elucidado pela cunhada, aproxima-se do sentido elaborado por Marques (2009) a partir 
do esforço em mapear a noção diante do modo como é utilizada pelos seus interlocutores de pesquisa, a 
36 
 
a gente tava junto, dependendo do esquema ia uma parte do grupo, dois, às 
vezes todos, isso dependia do corre mesmo. Quando se encontrava, a gente 
ficava na troca de olhar. Assim, ia dividir o dinheiro do corre, e a gente ficava 
se olhando. Ganhei que ele tava me querendo. Até que um dia calhou da gente 
ficar só os dois, assim, depois de uma fuga, sabe? A gente se escondeu juntos, 
sem mais ninguém. Aí a gente se pegou, né? E isso passou a acontecer direto. 
No começo fiquei encanadona, porque ele tem a idade dos meus filhos, 
menina! Mas a gente se dava tão bem que isso foi passando. A gente se dava 
bem principalmente nos corres, porque eu tenho mais experiência e ele mais 
disposição. Boa parceria! Na rua, a gente ficou junto por três anos. Mas não 
pense que foi tudo mil maravilhas. A gente brigou muito, terminamos, 
voltamos, várias vezes. Ele me bateu, eu bati nele, mas sempre teve muito 
amor entre a gente. A gente se gosta muito. Aí um dia a casa caiu pra ele [foi 
preso]. Ele era muito sem experiência no crime, novinho de tudo e se não 
fosse eu, ele já tinha rodado antes. E se não fosse eu de novo, ele tava pagando 
de talarico
11
 e sem visita na cadeia, porque assim que ele caiu no sistema [foi 
preso] um ladrão, em outra cadeia, passou a caminhada pros irmãos da cadeia 
do meu marido dizendo que na verdade eu era mulher dele e que meu marido 
era um talarico. O argumento do ladrão era que a gente tinha um filho juntos e 
isso me fazia mulher dele. A gente tem um filho juntos, mas a gente nunca 
esteve juntos. Só pra fazer o filho, né? O meu marido argumentouque a gente 
tava três anos juntos e que o ladrão nunca tinha sido meu marido, mas ele é 
tão inexperiente que ninguém deu audiência pra ele [deu atenção]. Aí eu tive 
que me intrometer, né? Entrei na linha com os irmãos de várias cadeias, levei 
a ideia pro debate pra eles decidirem quem tava pelo certo. Depois eu te 
explico melhor sobre o debate, mas eu só entrei na linha com os irmãos 
porque corro com o crime, né? O meu argumento era que mesmo que eu 
tivesse um filho com o ladrão isso não me fazia mulher dele, já que eu nunca 
fiz visita pra ele. É só conferir no rol
12
 do cara. Meu nome não vai tá lá. E se 
não tá lá é porque eu nunca fechei com o ladrão. Entendeu? Se eu tivesse feito 
uma visita, tudo bem, eu podia ser considerada a mulher do cara. Mas, não. 
Convenci os irmãos de que eu tava pelo certo. Desse jeito meu marido, aquele 
por quem eu estava na caminhada mesmo, tudo bem que naquela época fazia 
poucos meses que tava na caminhada, mas foi aquele que eu fechei a 
 
saber, os “ladrões”. Segundo o autor, crime não tem origem, não é sujeito de demarcação espacial e, 
diferente disso, é movimento que faz de desfaz “aliados” e “inimigos”. A noção de crime que se refere 
estritamente a furtos, tráficos, roubos, sequestros, homicídios, etc., contempla um ponto de vista 
judiciário (: 93). Decerto o argumento do autor é bem mais sofisticado do que apresento, contudo, minha 
intenção é evidenciar que, ao dizer que a maioria das mulheres não são do “crime” e que conheceu o 
marido no “crime”, a cunhada atribui à noção esse sentido de “relação de consideração”, “puro fluxo” (: 
94), como sugerido pelo autor. 
11
 Nesse caso, ser “talarico” significa manter relações com mulheres casadas. O que é agravado quando o 
marido da mulher é ladrão. 
12
O rol é o registro institucional de visita dos apenados. No estado de São Paulo, em penitenciárias 
masculinas, o rol de visitas só pode ser composto por parentes de primeiro grau – mãe, pai, irmãos e 
filhos – e pela mulher. É necessário que seja registrado em cartório o vínculo de estabilidade do 
relacionamento com o apenado. Essa informação foi unânime entre as mulheres que conheci durante a 
realização da pesquisa, a despeito do estabelecimento penal que visitavam. No entanto, algumas mulheres 
ressaltaram que “antes de 2006”, “da grande rebelião”, a regulamentação era diferente. Conforme a fala 
de uma cunhada: “qualquer um podia visitar o preso, não tinha essa de comprovar relacionamento 
estável. Só em segurança máxima, né? Penitenciária normal era tranquilo”. No caso das penitenciárias de 
Cerejeira, por exemplo, no período em que realizei pesquisa de campo, para colocar o nome no rol de 
algum preso era necessário enviar os documentos de identificação pessoal – RG, CPF – atestado de 
antecedentes criminais, exame médico, foto 3x4, certidão de casamento ou certificado de união estável. 
Ao enviar os documentos, o nome da mulher permanecia por, ao menos, seis meses no rol do apenado. 
Antes que esse prazo terminasse, não era permitido colocar o nome de outra mulher no rol. 
37 
 
caminhada fazendo a primeira visita, não sofreu as consequências de ser um 
talarico. 
 
Ainda que dentro de um mesmo contexto enunciativo, o trecho da conversa com a 
cunhada torna evidente que à noção caminhada foram atribuídos diferentes significados. 
O termo certamente estava sujeito a uma variabilidade de sentidos contextuais, 
situacionais e circunstanciais. Contudo, o ato de enunciação parecia exigir algum 
referencial para que esses sentidos fossem desenhados e tornados evidentes. Visto que o 
argumento fora narrado por uma única cunhada, sobre uma situação específica por ela 
vivida, o modo como as ideias foram encadeadas talvez em nada discernissem os sentidos 
da noção de caminhada caso não associadas a um ponto de contato, algum referencial. 
Caminhada, na frase “cada uma tem a sua caminhada”, associava-se à ideia de 
propriedade, do que é próprio. Mediante a experiência de campo e a imersão nesse 
contexto partilhado com as cunhadas, essa associação da caminhada como algo que 
poderia ser próprio, colocou em relevo a ideia de que caminhada significava trajetórias 
ou histórias de vida. De modo constante ouvia a pergunta “qual a sua caminhada?” e, 
rapidamente, observei que as respostas eram fundamentadas em relatos ou 
acontecimentos passados das vidas das cunhadas. O primeiro sentido atribuído à 
caminhada, portanto, concerne à história de vida. 
Já a formulação da cunhada “o ladrão passou a caminhada”, sugere que a noção 
de caminhada referia-se ao ato de extensão de um tema, ao prolongamento de um assunto 
ou à propagação de um fato ocorrido. Outras expressões neste sentido eram 
continuamente elucidadas pelas cunhadas: “eu passo toda caminhada da rua para o meu 
marido”, “te passaram a caminhada?”. Caminhada aqui, associada ao verbo “passar”, 
conferia à noção um sentido de comunicação ou alastramento de uma notícia ou 
acontecimento, o segundo sentido que atribuo ao termo. 
38 
 
Fechar a caminhada, como também ressalta a fala da cunhada “eu fechei a 
caminhada fazendo a primeira visita”, evoca, de modo interino, o terceiro significado ao 
termo. Neste caso, caminhada expressava o laço com o marido diante da situação 
prisional. Sentido que pode se estender ao que seria seu quarto significado que, ao 
associar caminhada a tempo, como indica a frase “fazia poucos meses que tava na 
caminhada”, também se evidenciava o vínculo com o marido na situação de cárcere. Este 
mesmo sentido de caminhada, que conectava a mulher ao preso em virtude do evento-
prisão, ainda se manifestava, e essa é provisoriamente sua quinta acepção, na frase da 
cunhada: “Aquele por quem eu estava na caminhada”. Estar na caminhada, assim como 
entrar na caminhada, fechar ou ligar-se a uma dimensão de tempo, para além dessa 
conexão com o apenado diante da situação penal, que, aliás, não se relacionava com o 
motivo da prisão e sim com a condição do cárcere, sugeria a ideia de ação, à medida que 
estar/entrar/fechar na/a caminhada há um tempo específico, envolvia o desempenho de 
alguns procedimentos entre as mulheres (que serão analisados no decorrer desta 
etnografia) a produzir um solo ético e moral pelas/às cunhadas. 
Logo, como descrito, a noção de caminhada era mobilizada de modo a significar 
trajetórias de vida ou histórias passadas. Também podia designar o ato de extensão ou 
difusão de alguma narrativa. Distintamente, quando a noção era associada aos verbos 
estar/entrar/fechar ou/e à dimensão temporal, desanuviava um sentido que, 
primeiramente, exprimia o encontro entre mulher, marido e cadeia (o evento-prisão) e, 
mais do que isso, através das ações das mulheres mediante a maneira como 
experimentavam esse encontro, caminhada conduzia a um sentido de solo ético e moral 
que, como mostrarei no capítulo 3, conforma o terreno propício para a produção da 
mulher fiel. 
39 
 
No início do capítulo mencionei que determinados comportamentos dentro do 
ônibus (um ambiente em que “é preciso ter ética”), como ingerir bebidas alcoólicas, por 
exemplo, poderiam ser considerados carentes de “moral”. Diante dessas considerações, 
chamo de solo ético os enunciados das cunhadas concernentes ao desempenho de uma 
conduta específica que, como se verá, mais do que avaliada pelas mulheres, era 
negociada entre elas. A ética, portanto, ativava um modo prático e discursivo de 
experienciar o mundo. O que garantia o reconhecimento de um território existencial 
partilhado pelas cunhadas, um “campo de possibilidade”, nas palavras de Foucault(1982), “onde se inscreve o comportamento dos sujeitos ativos” (: 243). 
A moral, diferentemente da ética, ainda que complementares, evidenciava-se em 
ocasiões em que o desempenho dessa conduta ética era colocado em suspeição ou 
discussão entre as cunhadas. Assim, quando a guia fez uso da discrição para falar com a 
cunhada I a respeito da cerveja, era justamente para evitar que se instaurasse uma 
discussão seguida de acusações morais. Logo, uma questão moral se evidenciava 
mediante o constrangimento ao desempenho dos procedimentos éticos esperados pelas 
mulheres. 
Antes, portanto, de entender a moral como determinante e reguladora de uma 
conduta sobreposta aos indivíduos, como sugerem as análises de Durkheim (2008: 72-3), 
a moral no sentido mobilizado pelas cunhadas era construída por meio de atos 
constrangidos, de modos bastante específicos e situacionais, em referência à ética. Esse 
esforço de pensar antropologicamente a noção de moral, de apreender como a noção era 
articulada entre as cunhadas, em alguma medida, reitera a proposta de Fassin (2008: 334) 
em entender as práticas e as avaliações que operam o mundo social distanciando-se da 
ideia de costumes em consonância às normas superiores. Contudo, conforme observa 
Villela (2010: 175), Fassin propõe que os preconceitos morais do antropólogo sejam 
40 
 
também incluídos na análise como objeto de pesquisa, de modo a aclarar os discursos que 
aparentam ser ininteligíveis. Proposta que, segundo Villela, é insuficiente para nos 
livrarmos do olhar do “normativo, legal, do dever”. Alternativamente, o autor sugere que 
a análise antropológica privilegie os “feixes de enunciados normativos” mobilizados 
tática e estrategicamente, antes do que resigná-los aos códigos, sejam eles morais, legais, 
culturais ou sociais (: 176). Face a esse debate e diante do meu material etnográfico, mais 
especificamente, diante dos enunciados éticos mobilizados pelas cunhadas, a saber, a 
respeito da frequência na visita, do jumbo e da comida, abordados ainda neste capítulo, 
acerca de ter proceder e estar na/ter disciplina, explorados no capítulo 2 e sobre ser uma 
mulher fiel, analisados no terceiro capítulo, mostrarei como de modos bastante distintos, 
por mecanismos divergentes, minhas colaboradoras de pesquisa conduziam os problemas 
morais derivados de atos éticos constrangidos. Assim, antes que se evidenciasse uma 
atomização, uma desagregação do enunciado ético coerente, sugiro que as cunhadas 
estrategicamente experimentavam um pluriverso moral
13
. 
Caminhada, associada a uma dimensão temporal e aos verbos estar, entrar e 
fechar, dizia respeito ao encontro entre as mulheres, os maridos e a cadeia, o evento-
prisão, derivado da realização da primeira visita ao apenado, como ressalta a fala da 
cunhada no início deste subcapítulo. Logo, o sentido conferido ao termo mobilizado 
nessas circunstâncias era indissociável da ação. Estar/fechar/entrar na caminhada 
produzia uma superfície ética de onde germinavam questões morais experimentadas 
pelas cunhadas. Como se verá, ética e moral eram estrategicamente negociadas entre 
mulheres, a deslindar um pluriverso moral de onde, para além de moralidades distintas, 
 
13
Pluriverso, conceito utilizado por Stengers (2011), sugere a conexão entre “eventos simbióticos”, isto é, 
a conexão entre formas heterogêneas de vida, entre eventos que se relacionam positivamente ainda que 
divirjam. A autora mostra que essas conexões são sempre parciais, decorrentes de oportunidades e sem 
harmonia. O sentido atribuído ao conceito, nos diz Stengers (: 60), foi formulado por William James na 
tentativa de livrar-se da ideia de uma “superação da discordância” (Universo) e, ao mesmo tempo, da 
ideia de “partes indiferentes desconexas” (Multiverso). O conceito de pluriverso, portanto, nos sugere 
uma quebra com a indiferença sem, por outro lado, trazer uma unidade abrangente. 
 
41 
 
brotavam mulheres de proceder, na disciplina e, sobretudo, mulheres fieis, seus 
contrastes e adjacências. 
A seguir tratarei dos enunciados éticos que provisoriamente denominei como 
procedimentos mais visíveis da caminhada concernentes à dedicação ao marido: a 
periodicidade na visita, o jumbo e a preparação da comida. Como mencionado, a análise 
mostrará como estas práticas discursivas não se constituíam sem variações, alternativas, 
desvios ou eventualidades que, antes de atomizarem o que era eticamente compartilhado 
entre as mulheres, desenhavam um pluriverso moral. 
 
1.1.1) “(...) viajamos 7 horas pra estar aqui e vamos viajar mais 7 horas 
pra voltar pra casa” - A frequência na visita 
 
 “A Joana não veio. Aposto que já abandonou o marido”. A presença constante no 
dia de visita era uma prática prevista entre as cunhadas. Como sugere a frase de uma das 
interlocutoras, a ausência na visita abria a possibilidade de avaliações negativas entre as 
mulheres que estavam na caminhada. Essa assiduidade na visita era bastante esperada 
pelo preso, o que não só se evidenciava nas falas das minhas colaboradoras de pesquisa, 
como também na etnografia de Grimberg (2009: 59) que ressalta a grande ansiedade e o 
sentimento de medo que acometia os apenados nos casos de ausência das mulheres em 
dia de visita. Além do apenado, a presença assídua das cunhadas nas visitas igualmente 
atendia às expectativas das demais mulheres e corroborava uma qualificação positiva ao 
apenado face à instituição prisional. A frequência na visita aflorava o modo como as 
ações das cunhadas movimentavam-se nesse território efeito da caminhada: entre 
mulher-preso, entre cunhada-cunhada, entre mulher-preso-cadeia, que é o mesmo que 
42 
 
dizer cunhada-sistema
14
. Não que exclusivamente à frequência na visita recaia esse papel 
de imprimir nitidez ao modo como eram estabelecidas as relações entre as interlocutoras 
desta pesquisa. A menção é para que logo se indique ao leitor como eram tecidas as 
relações nesse território experimentado pelas cunhadas. 
A frequência no dia de visita, como já mencionado, dizia respeito a um dos 
procedimentos éticos (que chamei de visível) esperados das mulheres que estavam na 
caminhada. Podia-se de fato ver quem visitava o marido. Tornava-se explícita a 
periodicidade que as mulheres visitavam o preso. Era de domínio público a frequência 
das cunhadas no dia de visita nos estabelecimentos penais. Pude notar mediante a 
convivência com as mulheres que mesmo que se mobilizasse esse enunciado ético sobre a 
frequência, passível de avaliações negativas ou, em outras palavras, de constrangimentos 
ao que se entendia como ética (de onde derivavam problemas de ordem moral), as 
cunhadas não, necessariamente, estavam presentes todos os finais de semana no dia de 
visita. 
Aparente contradição, todavia, incapaz de fragmentar a articulação do enunciado a 
respeito da presença constante das cunhadas na visita aos seus maridos. A experiência 
etnográfica evidenciou que as mulheres condicionavam de modo particular a frequência 
com que realizavam a visita ao apenado. Elas estabeleciam marcações temporais que 
indicavam o caráter assíduo de sua presença junto ao marido: semanalmente, 
quinzenalmente ou mensalmente. Logo, o que garantia sentido à assiduidade das 
cunhadas não era a presença infalível em todos os fins de semana, mas, antes, a 
regularidade que particularmente conferiam à realização das visitas. 
A qualidade assídua das mulheres, quando alvo de avaliações, se fazia diante de 
uma regularidade singularmente impressa, uma cadência, a despeito de um enunciado 
 
14
Ainda que sejam omitidos os verbos estar,

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