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Mazzaropi e a invenção do caipira nas telas do cinema

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA 
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA 
CURSO DE HISTÓRIA 
 
 
Thaís Valvano 
 
 
 
 
MAZZAROPI E A INVENÇÃO DO CAIPIRA NAS TELAS DO 
CINEMA 
 
 
 
 
 
 
 
 
Niterói 
2012 
 
 
 
 
Thaís Valvano 
 
 
 
 
MAZZAROPI E A INVENÇÃO DO CAIPIRA NAS TELAS DO 
CINEMA 
 
Monografia apresentada ao Curso 
de História da Universidade 
Federal Fluminense, como 
requisito parcial para obtenção do 
Grau Bacharel em História. 
 
 
 
Orientadora: Profª. Drª. Denise Rollemberg. 
 
 
 
 
Niterói 
2012 
 
 
 
 
Thaís Valvano 
 
 
 
 
MAZZAROPI E A INVENÇÃO DO CAIPIRA NAS TELAS DO 
CINEMA 
 
Monografia apresentada ao Curso 
de História da Universidade 
Federal Fluminense, como 
requisito parcial para obtenção do 
Grau Bacharel em História. 
 
 
 
 
 
Profª. Drª. Denise Rollemberg 
Orientadora – U.F.F. 
 
 
 
Prof. Dr. Mauro Castilho 
Leitor crítico – P.U.C. – S.P. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
À minha avó Maria Terezinha (em 
memória), que com seu amor infinito me 
ensinou a ter responsabilidade e a confiar 
em mim e nas pessoas. Sem o seu amor, 
mesmo que de longe, eu não seria nada. 
 
 
 
 
 
 
 
Agradecimentos 
 Após meses de pesquisa para a elaboração desse trabalho, percebi que o mais difícil 
era agradecer às pessoas que acompanharam o processo desde as primeiras palavras 
escritas até as considerações finais. Não foi difícil lembrar todas as pessoas que me 
ajudaram, de alguma forma, na elaboração do trabalho. O complicado foi encontrar as 
palavras certas que abrangessem o melhor possível meus sentimentos de gratidão. 
 Inicio assim meu agradecimento à minha avó, Jurema. Sim, foi ela que possibilitou 
a elaboração desse trabalho, pois me forneceu o computador que era a necessidade 
básica para produzir. Digo isso não só pelo valor material de sua atitude, mas também 
pela confiança que ela depositou em mim, sem contar as incalculáveis horas que eu 
reclamei no telefone, ela sempre me acalmou e me deu força para seguir em frente. 
 A meus pais, Adriana e Ney, que desde o primeiro dia de aula na faculdade me 
incentivaram a me formar e a dar valor para a chance que eu estava tendo. Não vou 
fingir que meu pai ficou feliz com minha decisão por história, mas, mesmo contra sua 
vontade, bancou meus estudos financeira e emocionalmente. Minha mãe sempre me 
querendo por perto, guardou sua proteção e me apoiou na decisão de morar no Rio de 
Janeiro. Além deles, agradeço a minha família inteira, meus irmãos, Raí e Catarina; 
avô; tios; primos que mesmo indiretamente foram importantes nessa trajetória. 
 Minhas amigas e companheiras de Niterói que sempre estiveram ao meu lado, 
aguentando as crises, as indecisões e as chatices quase cotidianas em nome da amizade. 
Graças a Amanda, Ana Beatriz, Fernanda, Janille, Julia, Luana, Rafane, Taiane e 
Thaíse, nunca me senti sozinha na cidade grande e tive coragem de continuar a 
faculdade. Sou muito grata pelas risadas, pelos conselhos, pela companhia e pelo amor 
que sempre senti com e por elas. 
 Agradeço também às pessoas que me ajudaram em todos os capítulos desse 
trabalho. Meu padrinho, Mauro, sempre lendo e me ajudando na correção. A meu ex-
professor, Gustavo, que somente por boa vontade me ajudou nessa jornada também. E a 
minha orientadora, Denise Rollemberg, que com sua orientação me ajudou bem mais do 
que a concluir esse trabalho, me inspirou a sentir mais a história. 
 Por fim, mas não menos importante, a Bruno, que com seu carinho e dedicação me 
tranquilizou nos momentos difíceis e me inspirou a ser uma pessoa melhor. Foi 
fundamental para me motivar na conclusão desse trabalho e a atingir meus objetivos 
presentes e futuros, sempre ao meu lado. 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
O estudo propõe identificar, a partir da análise fílmica da obra de Mazzaropi, elementos 
que representam a cultura caipira nos anos de 1950 a 1970. Para isso, analisa fatores 
presentes nos filmes que, de certa forma, criam a figura do caipira no imaginário social, 
ao mesmo tempo, que possibilitam uma abordagem prática sobre questões que foram 
pouco abordadas nos discursos textuais. Nesse sentido, o objetivo é fazer uma leitura do 
mundo rural, a partir do discurso iconográfico, compreendendo as relações sociais por 
meio das tradições, mentalidades e costumes. Além disso, a proposta circula entre a 
recuperação e a reinvenção da memória, à medida que faz a contra-análise social, 
buscando através das informações da imagem, significados que possibilitem novos 
elementos no processo de constituição de identidades sociais. 
 
Palavras-Chave: História e Cinema – Cultura Caipira – Contra-Análise Social – 
Identidade Rural; 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
This article proposes to identify, from filmic analyze of Mazzaropi production, elements 
that represent the caipira culture in the years around 1950 to 1970. The analyze consists 
in present factors inside the movies, creating the caipira figure in the social imaginary, 
in the same time, enable a practical approach about usually low addressed questions in 
textual speeches. Accordingly, the objective is to propose a Mundo Rural interpretation, 
from iconographic speech, comprising social relationships through tradition, mentalities 
and manners. Furthermore, the article circulates between recovery and reinvention of 
memory, analyzing the Marc Ferro production, “History and Cinema”, searching 
through image information the meanings that enable new elements creation in the social 
identities constitution process. 
 
Key-words: History and Cinema – Caipira culture – Contra-Análise Social – Rural 
identity; 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sumário 
 
Introdução – O surgimento do tema.................................................................... 9 
Capitulo 1 – O fazer histórico através do Cinema de Mazzaropi........................... 12 
 A teoria de Marc Ferro............................................................................................... 12 
 Ficção na obra de Ferro.............................................................................................. 17 
Capítulo 2 - O Jeca do interior de São Paulo.......................................................... 22 
O caipira por Antonio Candido.................................................................................... 22 
O filme Jeca Tatu......................................................................................................... 25 
A cultura caipira e suas representações........................................................................ 32 
Capítulo 3 - De Jeca a empresário............................................................................ 37 
Da infância caipira ao sucesso de público.................................................................... 38 
A crítica especializada.................................................................................................. 41 
O sucesso de “Jeca contra o Capeta”............................................................................ 44 
Mazzaropi e a crítica ao cinema novo......................................................................... 51 
Capítulo 4 - O filho preto do Jeca – No Brasil o preconceito não tem vez. Ounão 
seria bem assim?............................................................................................................ 54 
Considerações finais – Sobre o cinema de Mazzaropi.......................................... 69 
Bibliografia............................................................................................................... 72 
Anexos......................................................................................................................... 74 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Introdução 
O surgimento do tema 
 Amácio Mazzaropi nasceu em São Paulo no dia 9 de abril de 1912 e morreu em 13 
de junho de 1981. Criado no interior paulista ficou conhecido por incorporar as 
características do caipira em suas apresentações no rádio, no cinema e na televisão. Seu 
personagem era conhecido como “Jeca” 1 devido à influência das peças teatrais das 
quais ele participava ainda na adolescência. Nesta época a necessidade de encontrar um 
nome artístico e de construir seu personagem fizeram com que ele juntasse a 
personalidade de Sebastião de Arruda, um caipira do interior que levava o público à 
gargalhada com as suas trapalhadas, com a figura do “Jeca Tatu”, criada por Monteiro 
Lobato. Foi com seu próprio nome, Mazzaropi, e com a caricatura de Jeca que ficou 
conhecido nacionalmente. 
 Aos poucos Mazzaropi começou a se inserir no mundo da comunicação. As 
apresentações de sua trupe pelo interior e até mesmo capital fizeram com que seu 
personagem ficasse cada vez mais conhecido e admirado pelo público de uma forma tão 
progressiva que logo ele foi convidado para participar de programas na rádio. 
 Não obstante, além de marcar a entrada do Mazzaropi nesse universo, a década de 
1940 presenciou o surgimento de novas produtoras cinematográficas em São Paulo, que 
foram criadas para acompanhar a cena cultural paulista que nesse período já superava a 
carioca
2. Foi nesse contexto que a produtora de cinema “Vera Cruz”3 iniciou seus 
trabalhos e, dentre outros filmes, passou a produzir os filmes de Mazzaropi, tornando-se 
a instituição responsável pela sua estreia nos cinemas. 
 A Vera Cruz acompanhou o período de ascensão da bilheteria do cinema brasileiro, 
visto que o número de público aumentava a cada ano
4
. Nesse sentido, sua criação esteve 
 
1
 Personagem criado por Monteiro Lobato, a figura do Jeca Tatu teve várias interpretações, sendo a sua 
maioria representada por Mazzaropi na caracterização do seu personagem “Jeca”. 
2
 MATOS, M. Sai da Frente – A vida e a obra de Mazzaropi. . Rio de Janeiro: Desiderata, 2010. pp 63-
64. 
3
 Criada em 1949 pelos empresários Franco Zampari e Francisco Matarazzo Sobrinho. “Espelhada em 
Hollywood, fundaram a Companhia Cinematográfica Vera Cruz” (Matos, M. p 63) 
4
 Op.cit. p.65. 
 
 
ligada principalmente à preocupação dos empresários brasileiros em fomentar a 
economia interna com o cinema, já que esse crescimento da bilheteria nacional estava 
muito ligado aos filmes estrangeiros, principalmente norte-americanos que cobravam 
uma porcentagem muito alta sobre a distribuição dos filmes. 
 O contexto dos anos 1950 foi marcado pela quebra e criação de várias companhias 
cinematográficas. Isso pelo advento da televisão, que esvaziou muitas salas de cinema. 
Mas mesmo assim havia muitos empresários que ambicionavam criar uma indústria 
cinematográfica no Brasil. Um deles foi Oswaldo Massaini
5
, fundador da Cinedistri 
Ltda, que além de produzir mais três filmes do ator, depois do fechamento da Vera 
Cruz, ensinou a Mazzaropi tudo o que era necessário para a produção de um longa. 
Equipamentos técnicos, direção, fotografia, enredo e contou com a ajuda de 
profissionais especializados para isso. Porém, o que foi mais válido para Mazzaropi 
nesse período de trabalho na ainda pequena Cinedistri foi a percepção de que ele não 
precisava de grandes estúdios para rodar seus filmes, o que fomentou a ideia de criar sua 
própria produtora. 
 O artista progredia a todo instante, tornou-se conhecido nacionalmente, até criar sua 
própria produtora de cinema em 1958. A Produtora Amácio Mazzaropi (PAM – filmes), 
a partir do ano de 1959, proporcionou a Mazzaropi a autonomia de dar vida a seu 
personagem “Jeca”, que caricaturava o grupo rural paulista de forma cômica e 
denunciativa. Seus filmes eram compostos por cenas externas gravadas em cidades do 
interior de São Paulo que garantiam a veracidade do cenário. Muitas vezes, recrutava a 
própria população rural para serem figurantes em seus filmes. 
 Nesse sentido, a viabilidade do trabalho pode ser argumentada a partir da obra 
“Cinema e História” de Marc Ferro, quando o autor defende a possibilidade do fazer 
histórico a partir do cinema
6
. Portanto, a proposta é utilizar os filmes de Mazzaropi 
como fonte documental e a partir do estudo da imagem fílmica propor a contra-análise 
social no processo de urbanização, que ocorreu a partir dos anos de 1950, focando nos 
modos, costumes e condições sociais da população do interior que durante esse período 
lotava as salas de cinema de suas pequenas cidades. 
 Isso porque, para entender esse processo de urbanização, é necessário, previamente, 
pensar o mundo rural e as condições sociais daquela população. As mudanças que 
 
5
 Produtor e distribuidor de filmes brasileiros. Nasceu em São Paulo em 1920 e foi responsável pela 
produção de mais de 60 filmes, entre eles o “Pagador de Promessa” (Ganhador da Palma de Ouro em 
Cannes). 
6
 Ver MORETTIN, E. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 38, p. 11-42, 2003. Editora UFPR. 
 
 
ocorreram, a necessidade de mão de obra nas grandes cidades e ainda a questão da 
identidade rural nesse contexto, são temas pertinentes de serem estudados. Além disso, 
pensar que Mazzaropi sempre defendeu a figura do Jeca, mas só começou a utilizá-la 
em seus filmes no ano de 1959. Isso requer a análise de outro problema: por que o 
produtor incorporou a ruralidade em sua obra? Que efeitos ele almejou obter com essa 
proposta? 
 Portanto, o objetivo dessa obra é analisar a construção da identidade caipira a partir 
dos elementos presentes na sociedade rural paulista dos anos de 1950. No entanto, tal 
analise será feita a partir dos filmes produzidos por Mazzaropi nesse período. O foco é 
identificar, através da imagem fílmica, os caracteres do caipira e entender como as 
mudanças causadas pela modernização modificaram o cotidiano do interior. Para isso, é 
necessário compreender as características que estiveram presentes na formação desse 
grupo e como ela foi reinterpretada ao longo dos anos, definindo modos, costumes e 
relações pessoais. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Capítulo 1 
O fazer histórico através do Cinema de Mazzaropi 
“certamente o cinema não é toda a História. 
Mas, sem ele, não se poderia ter o 
conhecimento do nosso tempo” 7. 
 
 Trabalhar com história e cinema requer um cuidado acerca da utilização dos filmes 
como fonte histórica. Por isso pretendo utilizar teoricamente autores como Marc Ferro 
que estudam essa relação e argumentam a possibilidade de fazer história através do 
cinema, observando casos concretos. Porém, antes de incorporar o cinema ao fazer 
histórico, Ferro elaborou uma nova teoria que fundamentasse essa discussão, no 
contexto do que ficou conhecido como História Nova 
8
. 
 A proposta de fazer um balanço historiográfico acerca da relação entre cinema e 
históriaocorreu da necessidade de argumentar historiograficamente a análise que fiz: 
um estudo sobre a população rural do estado de São Paulo, a partir dos filmes de 
Mazzaropi. Para isso utilizo os próprios filmes do produtor como fonte histórica, que 
somado à bibliografia sobre o tema compõe a minha argumentação. 
 Nesse sentido, utilizarei fundamentalmente o autor Eduardo Morettin, que, em sua 
obra “O cinema como fonte histórica na obra de Marc Ferro”, observa, além do lugar 
que o cinema ocupa na obra de Ferro, o processo de elaboração dessa teoria. 
 
1.0 – A teoria de Marc Ferro 
 
 Em sua obra mais conhecida acerca da discussão entre História e Cinema, Ferro 
analisa a sociedade e suas representações. No artigo “Filme: uma contra-análise da 
sociedade?”, defende logo de inicio que o cinema pode ser considerado uma fonte de 
 
7
 Moetin. IN FERRO, Société du XXe. sièclè...., p. 585.. p. 19. 
8
 De Le Goff, ver LE GOFF, J. História. In: ROMANO, R. (Org.). Enciclopédia Einaudi, Memória – História. 
[S.l.]: Imprensa Nacional/Casa da Moeda,1984. v. 1, p. 158-259; e LE GOFF, J. L’histoire nouvelle. In: LE 
GOFF, J. et al. (Orgs.). Les Encyclopédies du Savoir Moderne – La Nouvelle Histoire. Paris: CEPL, 1978. p. 
210-241; de Le Goff e Pierre Nora, ver: LE GOFF, J., NORA, P. (Orgs.). História: novos objetos. Trad.: 
Terezinha Marinho. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976; por fim, ver GARÇON, F. Desnoces anciennes. In: 
GARÇON, F. (Dir.). Cinéma et Histoire. Autour de Marc Ferro. CinémAction, n. 65, p. 9-18, oct./déc. 1992. 
 
 
análise de qualquer sociedade. E vai além, garante que o estudo através do filme pode 
ser ainda mais contundente do que as fontes tradicionais, pois a produção 
cinematográfica não carrega da mesma forma o controle de estâncias estatais
9
. 
 
Para Ferro, “o documento fílmico produzido pelo Estado ou por 
outras instituições difere do documento escrito que possui a 
mesma origem”. O primeiro “traz sem querer uma informação 
que vai contra as intenções daquele que filma, ou da firma que 
mandou filmar”. Não que não haja “lapsos” nos documentos 
escritos, “mas no filme há lapsos a todo o momento, porque a 
realidade que se quer representar não chega a esconder uma 
realidade independente da vontade do operador”.10 
 
 No entanto, não é possível fazer a analise de um determinado grupo social 
simplesmente a partir da reprodução da imagem e os lapsos documentais que ela aponta. 
Num estudo sistemático de determinada sociedade é necessário ter um pré-
conhecimento desse objeto de estudo. Só a partir de uma noção do objeto é que se torna 
possível encontrar conteúdo que retrate o grupo analisado. Além disso, o filme pode 
abrigar leituras opostas acerca de um determinado fato, e a percepção desse movimento 
deriva fundamentalmente do conhecimento específico do meio. 
 Portanto, Ferro passa a analisar os grupos sociais marginalizados, que por esta 
condição não detêm o poder de representação social. Tais grupos ficam na dependência 
dos grupos sociais de maior poder que dificilmente farão uma história dessa classe 
marginalizada, ao menos não sem deter juízo de valor. É a partir dessa visão que Ferro, 
analisando as produções cinematográficas concretas desses grupos, chega à conclusão 
de que tais produções são efetivos elementos correspondentes à contra-análise da 
sociedade. 
 Segundo Ferro, a contra-análise da sociedade acontece quando se encontram 
elementos nos filmes que representam a sociedade de uma forma diferente daquelas 
presentes nas fontes tradicionais
11
. Isso porque, tais elementos não são visíveis nessa 
sociedade e aparecem nos filmes de forma involuntária. Simplesmente acontecem, sem 
que produtores ou diretores disso tomem ciência. Estão presente no cenário, no modo de 
falar, nos diálogos, na própria estrutura dos filmes, entre outros. 
 
9
 Morettin. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 38, p. 11-42, 2003. Editora UFPR. p. 13. 
10
 Morettin. Op.cit. p.14. 
11
 Fontes escritas, ou reconhecidas como documento histórico. 
 
 
 Um modo de exemplificar essa teoria de Ferro e aproximá-la do objeto de análise 
desse estudo é identificar esses elementos nos filmes de Mazzaropi. Para isso, é 
necessário observar que o objetivo do produtor era criar um enredo a partir de um 
representante de um grupo social: o caipira. Seguindo o conceito de Ferro, é possível 
identificar nos filme de Mazzaropi, elementos que comprovam que o filme pode deter a 
função de contra-análise social. 
 Nesse sentido, uma analise da sociedade rural através dos filmes que esteja 
relacionada a uma bibliografia prévia cria um debate interessante. Possibilita identificar 
a viabilidade de utilizar uma ou outra forma do fazer histórico. O que determina essa 
condição é o objeto do estudo proposto. No entanto, na medida em que há um enfoque 
maior num tipo de fonte em detrimento de outro, o trabalho pode se tornar incompleto. 
Outra análise da teoria de Ferro é ver o cinema como fonte complementar a uma fonte 
escrita. A exemplo do que utilizei nesse capítulo, para entender a proposta do filme para 
além do que a imagem transmite, é necessária uma contextualização prévia, 
principalmente se esse entendimento depender da análise de um grupo social. 
 Como defesa de sua proposta, que em termos práticos corresponde à criação de 
uma nova ciência
12
, Ferro cria sua argumentação a partir da análise de vários filmes. 
Nesse sentido, defende o cinema como novo documento. No entanto, sabe que sua 
defesa requer um cuidado especial, pois afirma “que o cinema, como fonte histórica, 
sempre foi desprezado pelos historiadores e pela sociedade. Esse desprezo pelo cinema 
reflete um distanciamento do historiador diante de informações de outra natureza” 13, 
que só uma análise fílmica pode proporcionar. 
 Seguindo essa linha de pensamento, Ferro defende que só a imagem pode ser 
livre de manipulação. Por mais que haja uma intenção determinada, uma leitura mais 
intrínseca de tal imagem revela fatos que nem mesmo o produtor ou roteirista do filme 
poderia prever. Para chegar a essa conclusão, o autor buscou estudar os filmes 
produzidos por grupos sociais marginalizados de algumas sociedades. Um exemplo 
disso foi a análise de um filme produzido por um grupo de índios. 
 Contudo, analisando esse estudo de Ferro, Morettin observa que mesmo essas 
sociedades marginalizadas ao compor a representação de sua história estão, ao mesmo 
 
12
 Morettin. Op. cit. P. 18. 
13
 Morettin. Cf. FERRO, O filme: uma contra-análise..., p. 199-202. A posição que o cinema 
ocupava na sociedade, nos inícios do século XX, é discutida também em FREY (1977) e FERRO, M. 
Cinéma 14u Histoire – 2. Entretien avec Marc Ferro. Cahiers 14u Cinéma, n. 257, p. 22-26, mai/juin 1975. 
P. 21. 
 
 
tempo, fazendo sua contra-análise. Por mais que eles tenham o poder de intervir na 
produção, a própria imagem fílmica possibilita uma leitura além de suas propostas, 
trazendo fatos e características sociais que possivelmente são inéditas para a própria 
sociedade representada. 
 
“A contra-história, via cinema, apresenta-se em sua forma mais 
cristalina quando grupos marginalizados pela sociedade 
assumem o controle da produção de imagens. Neste momento, 
teríamos um ponto de junção entre a natureza histórica do 
cinema enquanto possibilidade de “revelar” o inverso da 
sociedade e a origem social desses grupos, uma vez que eles 
representam esse inverso. Por serem excluídos,não participam 
nem da representação da sociedade – elaborada por uma de suas 
partes que, entretanto, apresenta-a como pertencente ao todo – e 
nem do poder instituído. No momento em que estabelece esta 
relação, Ferro precisa um pouco melhor a maneira pela qual o 
cinema contribui para uma contra-análise da sociedade, mas, ao 
mesmo tempo, coloca-nos um outro problema se pensarmos de 
acordo com o seu referencial teórico: as imagens 
cinematográficas produzidas por esses grupos não forneceriam 
elementos para a sua própria contra-análise, pondo abaixo a 
representação que fazem de si e da sociedade?”14 
 
 Nota-se nesse trecho, que Ferro se preocupa com a veracidade histórica das fontes 
tradicionais e com a questão política nas produções cinematográficas. Argumenta que 
em regimes totalitários, o cinema, principalmente o produzido por grupos 
marginalizados, pode representar mais do que as autoridades permitem. Pois, além de 
em governos totalitários ocorrer a censura, os grupos que detêm o poder de registrar a 
história são os que possuem boa escrita e leitura, comum em classes de poder aquisitivo 
maior. Portanto, mesmo que tal filme seja produzido pela classe privilegiada, a própria 
manifestação cultural e até mesmo os cenários mostram, mesmo que involuntariamente, 
as relações sociais e os costumes da sociedade. 
 Essa visão de Ferro é observada nos filmes de Mazzaropi. Analisando as 
películas, percebe-se que o produtor se esforça para representar as relações sociais 
desde o inicio e que elas são determinadas pela condição social dos personagens. Na 
maioria dos filmes, o personagem principal representa, utilizando as palavras de Ferro, a 
camada mais marginalizada da sociedade. O interessante é que todo enredo se constrói a 
 
14
 Morettin. Op.cit. pp. 16-17. 
 
 
partir dessa camada, que, mesmo sendo marginalizada historicamente, no filme dita as 
regras. 
 Um dos filmes em que esse argumento mais se faz presente é o “Jeca contra o 
Capeta”, que aborda a lei do divórcio. Historicamente existem muitas fontes que 
resgatam as discussões ocorridas no Brasil na época em que a lei foi aprovada. São 
fontes tanto oficiais, como os próprios diários oficiais, quanto veículos de divulgação, 
como jornais. No entanto, tais fontes, que guardam a memória social, foram escritas de 
acordo com o interesse das partes que a produziam, no caso as autoridades e a mídia. 
Sem abster da complexidade dessa abordagem, essa é uma visão possível, mas não 
completa sobre tal memória. 
 O que o filme de Mazzaropi propõe, logo no início, é representar a opinião da 
sociedade acerca da aprovação da lei do divórcio. No entanto, o grupo social que analisa 
é o caipira, a população rural paulista dos anos de 1970. Tal elemento comprova que 
para estudar o filme de Mazzaropi, antes é necessário ter um conhecimento do momento 
e da condição histórica em que estão sendo representados, para depois analisar a 
construção da opinião social. 
 Na maioria de seus filmes, Mazzaropi critica, nos diálogos e enredos construídos, a 
influência que a modernização teve nas mudanças ocorridas no cotidiano do interior. Os 
filmes do produtor são compostos por várias cenas externas, gravadas, algumas vezes, 
nas cidades rurais próximas ao estúdio. Esse fato possibilita que haja uma análise social 
a partir da própria imagem fílmica, como defende Ferro. 
 
[o cinema] destrói a imagem do duplo que cada 
instituição, cada indivíduo se tinha constituído diante da 
sociedade. A câmara revela o funcionamento real 
daquela, diz mais sobre cada um do que queria mostrar. 
Ela descobre o segredo, ela ilude os feiticeiros, tira as 
máscaras, mostra o inverso de uma sociedade, seus 
“lapsus”. É mais do que preciso para que, após a hora 
do desprezo venha a da desconfiança, a do temor (...). A 
idéia de que um gesto poderia ser uma frase, esse olhar, 
um longo discurso é totalmente insuportável: 
significaria que a imagem, as imagens (...) constituem a 
matéria de uma outra história que não a História, uma 
contra-análise da sociedade. 
15
 
 
 
15
 FERRO, M. O filme: uma contra-análise da sociedade? In: LE GOFF, J., NORA, P. (Orgs.). História: novos 
objetos. Trad.: Terezinha Marinho. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976. p. 202-203. 
 
 
 Não obstante, Ferro, ao aprofundar nesse tema, sentiu certa carência de 
argumentação teórica para defender sua tese. Por isso, em sua obra “Société du XXe 
siècle et histoire cinematographique”, de 1968, afirma que a “sócio história 
cinematográfica”, então nascente, constitui uma nova área das ciências humanas16. É 
um novo recurso que possibilita ampliar o campo de análise. No entanto, como toda 
ciência que está sendo criada, carece de elementos que estabeleçam os limites de sua 
argumentação e seu fazer histórico. Pois toda ciência necessita de delimitações que 
construam a epistemologia do objeto. 
 Seguindo sua argumentação, rumo à criação de uma nova ciência, Ferro continua a 
analisar as mudanças culturais e historiográficas que ocorreram na história. Para isso, 
ressalta a importância cultural que o cinema passou a ter no século XX, visando a 
entender melhor o papel das fontes nas produções historiográficas. Ao analisar somente 
as fontes escritas, o historiador provoca um efeito superficial no fazer histórico. A 
proposta do teórico é demonstrar que o estudo da sociedade está para além das fontes 
tradicionais, está também nos modos, gestos e costumes. 
 Sua teoria pode ajudar na recuperação das fontes escritas, se considerarmos que a 
memória, a imagem fílmica e a cultura material são tipos de fontes. A partir do 
momento em que o imaginário da sociedade passa a ser considerado pelo historiador, o 
cinema como fonte fica mais perto de se tornar um elemento da argumentação histórica, 
pois, segundo Ferro, “aquilo que não se realizou, as crenças, as intenções, o imaginário 
do homem, é tanto a História quanto a História” 17. 
 
1.1 – Ficção na obra de Ferro 
 
 Uma das propostas desse trabalho é perceber a identidade caipira, a partir dos 
filmes de Mazzaropi, no contexto de modernização do Brasil dos anos de 1950. 
Considerando o grande sucesso de público que o produtor tinha, é possível observar 
elementos que comprovem a força da identidade caipira, inclusive nos que migraram do 
campo para a cidade. A partir disso, entender a cultura e os costumes predominantes na 
cultura rural paulista na segunda metade do século XX. 
 A argumentação de Ferro possibilita uma defesa historiográfica para a minha tese, 
à medida que garante que os filmes de ficção podem identificar com maior clareza o 
 
16
 Morettin. Op.cit. p. 19. 
17
 FERRO, O filme: uma contra-análise..., op. cit., p. 203 
 
 
diálogo entre filme e sociedade por meio da crítica e da recepção do público
18
. Nesse 
sentido, garante que os gêneros cinematográficos devem ser entendidos como tais, sem 
que as diferenças se tornem um impedimento para o historiador, porque, seja qual fora 
natureza fílmica (documentário ou ficção), ela captará imagem, consideradas reais, 
sobre algum aspecto da sociedade, tanto o imaginário, quando a economia e a política. 
“Na verdade, para a análise social e cultural, eles são igualmente objetos documentários. 
É suficiente aprender a lê-los” 19. 
 Ferro passa a analisar metodicamente a veracidade do documento fílmico. Para ele, 
existe um procedimento importante para analisar a produçãode película e a partir disso 
entender os recursos utilizados na montagem no longa-metragem. É a partir disso que a 
analise fílmica começa a se aproximar cientificamente do conhecimento. 
 
No que diz respeito aos noticiários, Ferro arrola traços 
identificadores da presença ou não de reconstituição, 
entendida como tentativa deliberada de modificação do 
documento. O primeiro se refere ao ângulo adotado, na 
tomada de cena que “permite averiguar se um 
documento é autêntico em sua totalidade e intacto em 
sua continuidade”. O segundo, à “distância das 
diferentes imagens de um mesmo plano”. O terceiro, ao 
“grau de legibilidade das imagens e da iluminação”. O 
seguinte, ao “grau de intensidade de ação”. O último, ao 
“grão da película”, pois, para Ferro, se a película é 
contratipada (cópia de um positivo), ela encerra maior 
possibilidade de trucagens
20. 
 
 Não obstante, Ferro segue argumentando que fazer histórico através do cinema tem 
que obedecer aos limites que o estudo compreende. Mesmo as fontes tradicionais 
necessitam dessa delimitação. A crítica mais comum de historiadores é a presença, em 
algumas obras, de elementos do momento histórico do autor que constrói a obra. Essa 
questão se torna mais importante no momento em que se escreve sobre o passado. Tal 
cuidado, segundo Ferro, também necessita ser acompanhado na produção de um filme. 
 Na produção de um filme de época é comum que haja um estudo prévio da cultura, 
indumentária e costumes da sociedade que serão representados. No entanto, a partir do 
 
18
 Morettin. op. cit. p. 23. 
19
 Morettin. op.cit. p. 24. Ibid., p. 13. O que pode diferenciar estas duas categorias (“films-documents” e 
filme de ficção) é a “natureza diferente das tomadas de origem”. A partir desta distinção, o autor se 
propõe a analisar os gêneros mais diversos: “desde o documento bruto, ou considerado como tal, até o 
filme de ficção, mesmo o de ficção científica” (FERRO, Analyse de film..., op. cit., p. 15). 
20
 FERRO, Analyse de film..., op. cit., p. 21. 
 
 
momento que a reprodução recupera processos e acontecimentos históricos importantes, 
essa questão se torna fundamental. Para Ferro, uma análise mais contundente seria 
aquela feita sobre um filme produzido no mesmo período que pretende documentar 
21
. 
 Não obstante, sobre essa visão acerca da veracidade histórica,“a possibilidade de 
representação do passado se manifesta de outra maneira. Como dito mais acima, Ferro 
entende que algumas obras de ficção, com trechos rodados em exteriores, trazem 
informações documentais” 22. Essa questão está presente na analise dos filmes de 
Mazzaropi. O produtor, na maioria das películas, procura filmar as cenas externas nas 
próprias cidades de interior paulista, para aumentar o grau da veracidade do enredo que 
está sendo exposto no filme. 
 Nesse sentido, Mazzaropi é bem fiel a essa proposta. Inclusive criou sua produtora 
de cinema no município de Taubaté, interior de São Paulo. Algumas de suas cenas 
externas eram gravadas na cidade vizinha, São Luiz do Paraitinga, que na época era 
estritamente rural. Além disso, recrutava os próprios moradores dessas cidades rurais 
para atuarem como figurantes. Todos esses recursos na produção, de certa forma, 
garantia uma construção baseada em fatores verídicos, que relacionada à visão de Ferro, 
torna-se uma importante fonte documental. 
 No entanto, não se pode confundir a veracidade representativa de um filme 
produzido por Mazzaropi com a produção de um documentário. Neste, o produtor tem o 
cuidado de reproduzir algum dado histórico, de formas mais real possível. O que de 
certa forma faz com que Ferro analise a questão mais profundamente. Para ele, o 
documentário de ficção traz mais dados históricos do que os próprios documentos, pois, 
segundo ele, “analizan el funcionamiento económico y estudian la mentalidad de 
tiempos pasados”.23 
 Não obstante, com o intuito de aumentar a argumentação sobre os cuidados que se 
tem que ter na analise fílmica, é importante ressaltar autores que também escreveram 
sobre esse modo de fazer história e que para isso desenvolveram procedimentos que 
defendam o cinema como fonte histórica. Como Leutrat que defende que analisar um 
filme é: 
 
 
21
 Como os produzidos durante a república de Weimar, por exemplo. Produzidos nos anos de 1920, são 
fundamentais na representação da sociedade alemã da época, além disso, possibilita um estudo mais 
aprofundado dos fatores que antecederam o regime nazista. 
22
 Morettin. op.cit. p. 31. 
23
 FERRO, Cine e Historia, op. cit., p. 41. IN Morettin. p. 32. 
 
 
“delimitar um terreno, medi-lo, esquadrinhá-lo muito 
precisamente (trata-se de um fragmento de obra ou de 
uma obra inteira). Uma vez recortado e batizado o 
terreno, devemos nele, e em conformidade com a sua 
natureza, efetuar seus próprios movimentos de 
pensamento. Para este périplo é imperativo dispor de 
várias cartas, ou seja, de instrumentos trazidos de 
disciplinas diversas, para que se possa superpô-las, 
saltar de uma a outra, estabelecer as passagens, as 
trocas e as transposições (...). A descoberta de tais 
signos depende das questões postas às obras, cada obra 
necessitando de questões particulares. Como diz Gérard 
Granel, “não há migalhas numa obra, nem ‘triagem’ 
possível entre o que seria importante, revelador ou 
insignificante”. (...) Afinal de contas, tudo pode ser 
levado em conta, dado que é disto que o sentido 
advém”.24 
 
 A partir disso, outra questão que Ferro ressalta é a importância de fazer a relação da 
documentação escrita com a fílmica para argumentar sobre a veracidade do contexto 
histórico. Ou seja, antes de partir para a análise fílmica, é necessário ter um 
conhecimento prévio do período de análise através de fontes escritas. Isso facilita um 
melhor entendimento do processo histórico, tal como suas implicações e influências, 
além de propiciar a criação de argumentos que defendam a análise fílmica quando esta 
for comparada com os documentos escritos. 
 Nesse sentido, o que Ferro procura fazer é sistematizar, através das fontes escritas, 
o conhecimento do fato histórico e a partir dele buscar denúncias nos filmes que 
demonstrem a representação desse fato. O autor se preocupa com a veracidade da fonte 
e com a busca do documento autêntico. Idealiza o alcance de uma realidade, numa 
perspectiva que tem como eixo o fato histórico, reinterpretado
25
. Portanto, o historiador 
que pretender estudar um determinado fato histórico através do cinema tem que se 
conscientizar de que a análise do filme não pode ser dada por interpretações de criticas 
ou propagandas da época. É através da estrutura do próprio filme que ele deve ser 
interpretado, pois cada filme tem sua intenção singular. 
 A partir dessa explicação teórica dada por Ferro, os capítulos que se seguem nesse 
trabalho destacam, através das estruturas fílmicas, um período que abriga a 
modernização brasileira e os conflitos gerados por ela, principalmente para o mundo 
 
24
 LEUTRAT, J. L. Uma relação de diversos andares: Cinema & História. Imagens. Cinema 100 anos, n. 5, 
31 août./déc. 1995 
25
 MORETTIN, 2003, p. 37. 
 
 
rural. Entender os motivos que levaram o produtor Mazzaropi a produzir filmes popular 
nessa época. Algumas questões ficam evidentes quando se pensa na popularidade que 
seus filmes atingiram. Eram filmes modestos em termos de financiamento no primeiro 
momento ede acordo com o sucesso atingido obtinham lucro. 
 Não obstante, a proposta desse capítulo foi situar historicamente o objeto de estudo 
a ser analisado a partir de reconstruções que permitiram abordar de forma cômica o 
período de grande transformação na sociedade brasileira ocorrido com a modernização. 
A partir dessas mudanças, passo agora a analisar um dos tipos sociais brasileiro mais 
afetado e não por acaso mais representado no cinema de Mazzaropi: o caipira paulista. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Capítulo 2: 
O Jeca do interior de São Paulo 
 
 O estudo sobre Mazzaropi, tanto através de sua biografia quanto de análises de seus 
filmes, remete fundamentalmente a uma cultura específica que necessita ser estudada. 
Nesse sentido, a proposta desse capítulo é analisar de que modo o produtor se apropriou 
das características do caipira do interior paulista, da metade do século XX, para recriar o 
cenário nacional, demonstrando as contradições entre os meios urbanos e rurais e os 
desafios da formação da identidade nacional. 
 Para argumentar a questão do caipira e suas representações utilizarei a obra “Os 
parceiros do Rio Bonito”, de Antonio Candido26. Já para caracterizar o caipira como um 
tipo de identidade brasileira
27, o filme “O Jeca Tatu”, de Mazzaropi. E, por fim, para 
compor um diálogo entre representação e manifestação do caipira, o artigo “A tradução 
do Jeca Tatu por Mazzaropi: um caipira no descompasso do samba”, de Maurício 
Bragança
28
. 
 
2.0 – O caipira por Antonio Candido 
 Na obra “Os parceiros do Rio Bonito”, o autor discute a formação da cultura caipira 
que se iniciou com o fim do ciclo dos bandeirantes. No capítulo “O caipira e sua 
cultura”, Candido começa por analisar os acontecimentos que caracterizaram os 
paulistas do interior, como, por exemplo, o início da formação dos povoados da região, 
considerando a importância que a terra passou a ter para a população da época. Darcy 
Ribeiro é outro teórico que estuda o processo de transformação que ocorreu com o fim 
da mineração, analisando posteriormente o crescente interesse pela terra. 
 
26
 Estudioso da literatura brasileira e estrangeira possui uma obra crítica extensa, respeitada nas 
principais universidades do Brasil. À atividade de crítico literário soma-se a atividade acadêmica, como 
professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 
27
 Uma obra de importante análise antropológica sobre a identidade brasileira é a obra de Darcy Ribeiro, 
“O povo brasileiro”, 1995. 
28
 Doutor em Letras pela Universidade Federal Fluminense. Pós-Doutorando junto ao programa de Pós-
graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense (Niterói-RJ). 
 
 
 No entanto, a obra de Candido é mais eficaz no objetivo do trabalho à medida que o 
autor caracteriza a cultura caipira, justificando a forma peculiar com que as pessoas do 
interior levavam a vida. O autor passa a analisar as atividades econômicas dos 
proprietários rurais do interior de São Paulo que se dividiam em donos de fazendas de 
cana, gado e café e em sitiantes. Os primeiros eram permeáveis às atividades de troca; já 
os proprietários do tipo sitiantes ora seguiam as atividades de troca ora produziam 
somente o necessário para subsistência. Tal observação acerca dos proprietários mostra 
o papel que a produção e o comércio tinham no cotidiano da população caipira, o que 
sistematizando, principalmente os sitiantes, sugere o desenvolvimento de uma economia 
caipira de subsistência
29
. 
 Tendo a economia relativamente fundamentada na subsistência, Candido passa a 
analisar as relações pessoais e o modo de vida da população do interior. Segundo ele, 
“essa diferenciação de camadas, pelo nível e as formas de participação cultural, não 
decorreu necessariamente de uma diferença social na origem dos grupos” 30. 
Inicialmente, argumenta que existia certa democracia, mas que foi se perdendo de 
acordo com o surgimento de grandes e pequenas propriedades. Além disso, havia a 
existência do trabalho servil que carregava o peso da escravidão, pois a maioria desses 
trabalhadores era descendente de escravos. Por isso a crescente diferenciação e criação 
de grupos determinados por questões econômicas influenciavam na formação da cultura 
caipira. 
 A diferenciação entre os grupos aumentou de acordo com o progresso das questões 
produtivas. Segundo Candido, a falta de diferença inicial dá lugar a uma estrutura que se 
torna mais complexa à medida que coloca uma sobreposição dos fazendeiros em relação 
aos sitiantes
31
 que por sua vez se sobrepunha aos agregados sem estabilidade. O autor 
admite ainda que nas três camadas se encontra a cultura caipira. Porém, para ele, o 
caipira típico são os sitiantes fechados em sua cultura, que sofrem com a posse ilegal de 
terras e vivem à mercê dos latifundiários. Segundo Candido, caipira é aquele que tem a 
cultura e a sociabilidade voltadas para si mesmo, sem influencias ou dominações 
externas. 
 Candido chega a dialogar com obras que vão discutir a as características da 
formação do caipira. Porém, o que parece ser mais explicativo é a tese de que a 
 
29
 Ver Candido. p. 104. 
30
 Idem. 
31
 Muitas vezes tinha a mesma quantidade de terra que os fazendeiros, mas o que os diferenciam 
destes é que eles trabalhavam pessoalmente nas lavouras. (Ver Candido, 105). 
 
 
elaboração de um equilíbrio ecológico e social fez com que o caipira se acomodasse a 
essa forma de ser, “enquanto tipo de cultura e sociabilidade” 32. Não é a toa que 
Monteiro Lobato descreveu o caipira, Jeca Tatu, como um sujeito preguiço e 
desanimado. Para Candido, o que se tinha era um apego por parte do caipira às formas 
mínimas de sobrevivência, uma dificuldade de adaptação rápida às formas mais 
produtivas e exaustivas de trabalho. 
 Nesse sentido, “a precariedade dos direitos à ocupação de terra contribuiu para 
manter os níveis mínimos de sobrevivência biossocial. As formas culturais, 
condicionadas por ela, favorecem sua permanência naquele nível” 33. Essa 
argumentação é necessária para defender que a cultura caipira não foi feita para o 
progresso. Candido ainda diz que o caipira está tão adaptado a essa estrutura social e 
econômica que qualquer alteração dessas formas pode acarretar o fim de sua própria 
cultura. Por isso, o fato de encontramos vivos costumes antigos e de pouca variação é 
condicionado pela própria sobrevivência de sua identidade. 
 No entanto, Candido aceita que a cultura caipira teve variações no tempo. Porém, 
antes de entender a condição atual dessa cultura, ele a caracteriza: 1) Isolamento; 2) 
posse de terras; 3) trabalho doméstico; 4) auxílio vicinal; 5) disponibilidade de terras; 6) 
margem de lazer. 
 Para o autor, o isolamento é importante à medida que não é visto a partir de um 
individuo isolado, mas sim de um grupo de indivíduos que mesmo participando das 
crescentes atividades de troca, não tiveram experiências realmente novas. “Por toda a 
parte, as mesmas práticas festivas, a mesma literatura oral, a mesma organização da 
família, os mesmos processos agrícolas e o mesmo equipamento material” 34. A partir 
dessa observação de Candido, é possível fazer uma analogia com os filmes de 
Mazzaropi, que de certa forma mantinham as mesmas estruturas, os personagens com os 
mesmos problemas e a própria produção sem grandesalterações técnicas
35
. 
 Com efeito, “ressalvados os latifúndios, movidos pelo trabalho servil, espalhou-se 
pelo território habitado de São Paulo o tipo já referido, do caipira proprietário ou 
posseiro, relativamente estável” 36. Resumindo Candido defende que o desamor ao 
trabalho estava ligado à desnecessidade de trabalhar, condicionada pela falta de 
 
32
 Candido. Opcit. p. 107. 
33
 Idem. p. 107. 
34
 Idem.p. 108. 
35
 Ver Bragança. p. 107 
36
 Idem. p. 109. 
 
 
estímulos prementes, pela técnica sumária e, em muitos casos, pela espoliação eventual 
da terra obtida por posse ou concessão. 
 Nesse sentido, entender a cultura caipira como defensora das tradições e costumes 
do passado é fundamental. Tais tradições se manifestavam de formas negativas e 
positivas. Ao mesmo tempo em que a precariedade de recursos humanos fazia com que 
a população desenvolvesse pessoas subnutridas, presa de verminoses e moléstias 
tropicais, ela proporcionava oportunidades para caça, coleta, pesca e indústria 
doméstica. Além disso, havia manifestações culturais de grande importância para as 
relações sociais, como festas e celebrações. 
 Portanto, Candido defende no capítulo “O caipira e sua cultura” a desnecessidade de 
trabalho das pessoas do interior de São Paulo. Seu isolamento em grupos, sua extensa 
posse de terra e seu apego ás tradições marcam as principais características desse 
caipira, que, segundo o autor, não é um vadio, pelo menos não em absoluto. O que se 
tem é um sujeito que não é ambicioso nem previdente. Continua por defender que 
“desambição e imprevidência devem ser interpretadas como a maneira corrente de 
designar a desnecessidade de trabalho, no universo relativamente fechado e homogêneo 
de uma cultura rústica em território vasto” 37. 
 
2.1 – O filme Jeca Tatu 
 A delimitação do conceito de “caipira” é importante para analisar a obra completa 
de Mazzaropi. Em todos os 32 filmes que produziu, ele representou de forma ora trágica 
ora cômica, o cotidiano do caboclo do interior que tinha como maior característica a 
preservação de sua cultura. A escolha do filme “Jeca Tatu” é para retratar essa cultura 
tradicional do caipira. Mazzaropi representou bem neste filme os problemas e as 
características do Jeca que foram inspiradas principalmente na obra “Jeca Tatuzinho” 38, 
de Monteiro Lobato. 
 Tanto Mazzaropi, quanto Monteiro Lobato sabiam bem como a população do 
interior vivia. Nascido e crescido na cidade de Taubaté, interior de São Paulo, Monteiro 
Lobato passou sua infância nas grandes fazendas da região, observando o cotidiano e os 
costumes da população. Mazzaropi nasceu na capital, mas foi no interior, propriamente 
em Taubaté que passou boa parte da sua infância. Lobato sempre foi questionador, 
 
37
 Ver Candido. p . 114. 
38
 Lançado em 1924, o livro Jeca Tatuzinho veio ensinar noções de higiene e saneamento às crianças, 
por meio do personagem-símbolo criado por Monteiro Lobato. 
 
 
desde criança. Quando adulto passou a questionar a vida da população do interior, tal 
como sua cultura. Ao passo que percebia a falta de disponibilidade por parte dos 
caipiras para trabalhar, sua inquietação aumentava. Não admitia, ao contrário de 
Candido, que a própria cultura de subsistência do caipira causava essa estagnação. 
 A partir disso, Monteiro Lobato passou a representar o Jeca em suas obras como 
um sujeito preguiçoso, doente, sem motivação para qualquer atividade, principalmente 
econômica. A obra que sistematiza essa questão é o “Jeca Tatuzinho”. Direcionada ao 
público infantil, é muito importante para entender a visão de Lobato sobre o caipira. 
Além dessa visão, a obra é interessante à medida que traz alternativas para a doença do 
“Jeca” e faz com que ele se transforme em um sujeito pró-ativo. Esse trabalho de 
conscientização aumenta sua importância quando analisamos a sociedade brasileira dos 
anos de 1920, principalmente na área rural. Inúmeras doenças assombravam a 
população, mas algumas eram mais frequentes, como, por exemplo, a doença do “Jeca 
Tatu”, o amarelão. 
 Mazzaropi, por sua vez, utilizou o personagem de Monteiro Lobato para endossar e, 
em certa medida, criticar a forma pejorativa com que o Jeca foi visto por Lobato. Pois, 
para além da preguiça e dos defeitos, o produtor busca acrescentar o teor questionador e 
crítico que o modo de vida do caipira pode demonstrar sobre conflitos sociais, como, 
por exemplo, a desigualdade entre os proprietários de terra do interior de São Paulo. 
Isso porque encontrava no Jeca elementos representativos da cultura caipira. Para além 
da falta de conformação que Lobato tinha sobre a imobilidade das pessoas do interior, 
Mazzaropi enxergava uma rica cultura, a qual deveria ser aproveitada. 
 Nesse sentido, defender que Mazzaropi queria preservar e retratar a cultura caipira 
em seus filmes é um caminho, principalmente considerando sua infância no meio rural. 
Porém outro fator era determinante para o interesse do produtor pela reprodução do 
caipira nas telas de cinema: a certeza do retorno financeiro. 
 Mazzaropi acompanhava o processo de desenvolvimento da população brasileira. 
Antes de produzir um novo filme, o produtor percorria o interior do Brasil para entender 
o que mudou no imaginário do povo, ou, muitas vezes, quais costumes permaneciam no 
seio dessa população. Por mais que as mudanças chegassem, principalmente com a 
industrialização dos anos de 1950 e 1960, as pessoas do interior se esforçavam para 
manter a cultura caipira tradicional, com festas e costumes antigos, que, de certa forma, 
norteavam a sua identidade. 
 
 
 O autor sabia que seu público era fundamentalmente caipira e que, portanto, era para 
esse grupo social que ele deveria produzir seus filmes. Por isso, pode-se dizer que o 
retorno financeiro acontecia na medida em que a exibição do filme emocionava esse 
público. A plateia encontrava, nos filmes de Mazzaropi, uma forma de manifestar todo o 
saudosismo guardado em meio à industrialização. Isso porque, acompanhando os 
enredos dos filmes produzidos pelo produtor, à medida que passam- se os anos e a forte 
urbanização perde força, os filmes voltam a recriar a realidade rural, representando o 
que restou do espaço rural face aos desdobramentos da modernização. 
 Nesse sentido, o filme “Jeca Tatu” retrata bem o ambiente do interior paulista, as 
pequenas casas, as grandes quantidades de terras e a população fechada em seu grupo 
social. Esses elementos formam o segredo de Mazzaropi, que foi o único cineasta 
brasileiro a ter sucesso sem o sistema de financiamento do governo 
39
. O produtor 
utilizava os lucros do filme anterior para produzir o novo, garantindo assim o capital 
para a nova produção e a tranquilidade financeira, sem ter que depender de 
empréstimos. 
 O filme “Jeca Tatu” foi produzido em 1959. Diferentemente dos outros filmes que 
analisei, produzidos nos anos de 1970, esse filme é preto e branco. Nesse sentido, a 
precariedade de recursos técnicos, tal como a falta de diálogos presentes mostram como 
os filmes mazzaropianos foram aumentando sua qualidade técnica ao longo dos anos. 
 “Jeca Tatu” dá continuidade a uma série de filmes que seguem a mesma trama. Na 
maioria dos casos, Mazzaropi representa um caboclo, geralmente proprietário de terra 
que sofre humilhações devido a sua pouca informação. Nesses filmes, o Jeca é 
enganado por vários personagens que se aproveitam da inocência do povo interiorano. 
Foramessas e outras tramas que marcaram o cinema de Mazzaropi, rico em contestação 
social e teve como marca registrada o personagem Jeca. 
 Entretanto, por mais que a própria figura do personagem levasse o público a adotá-
lo como tal, o filme “Jeca Tatu” foi o único em que o personagem recebeu efetivamente 
tal denominação. No inicio do filme, Mazzaropi reconhece que a fita foi produzida para 
homenagear à obra “Jeca Tatuzinho” de Monteiro Lobato. Portanto, é natural encontrar 
no filme cenas que mostram as características do protagonista da história de Lobato, 
principalmente no que se refere a preguiça. O personagem passa o filme todo evitando 
 
39
 Fressato, Soleni Biscouto. Caipira sim, trouxa não: representações da cultura popular no cinema de 
Mazzaropi. Salvador: EDUFBA, 2011. p. 63. 
 
 
se envolver nos conflitos, preferindo manter-se isolado e ignorante quanto aos fatos ao 
redor. 
 Já de início essa característica fica evidenciada. Mesmo sendo proprietário de terra, 
o Jeca é considerado pobre perto do italiano “Giovanni”, um latifundiário da região. 
Esse fator é explicado pela falta de vontade de trabalhar por parte do Jeca em 
detrimento do italiano, que enriquece mais a cada dia. Além disso, o italiano passa a 
explorar as famílias mais pobres da região, fazendo com que elas vendam suas terras em 
troca do perdão das dívidas. É esta problemática que envolve a trama do filme. 
 O Jeca, com preguiça de trabalhar, passa a produzir menos alimentos para se 
sustentar e acaba tendo que fazer compras na venda local. Uma cena que mostra essa 
situação. Jeca vai fazer compra e não tem dinheiro para pagar e o português, dono do 
comércio, sugere que o caipira forneça parte de sua propriedade para pagar a dívida. 
Inocentemente o Jeca, até por falta de ambição, assina a venda de parte das terras em 
troca de alguns mantimentos. 
 
(Português): - O que há, vais levar tudo isso? 
(Jeca): - Vou, por que, não pode? 
(P): - Poder, pode! Mas e o pagamento, tens dinheiro? 
(J): - Dinheiro agora eu não tenho, mas assim que tiver 
eu venho pagar. 
(P): - Jeca a tua conta está muito alta, mas não faz mal, 
vamos conversar. Vamos fazer um trato, tu me vendes 
um pedaço das tuas terras, liquidamos a dívida anterior 
e começamos uma nova. Tu vais plantar... 
(J): - Não vou, porque não tenho tempo. 
(P): - Então, 5m não fazem falta e pagam as dívidas. 
(J): - 5m dá pra pagar tudo? Posso levar os 
mantimentos? 
(P): - Pode. 
 
 Nesse sentido, a trama se desenvolve a medida que o Giovanni compra a parte da 
terra que o Jeca vendeu para o comerciante e começa a plantar naquele pedaço. 
Juntamente a esse conflito, aparece o “Vaca Brava”, um trabalhador da região temido 
pelo seu caráter violento, interessado na filha do Jeca que o rejeita de imediato. A partir 
disso, vários acontecimentos marcam a humilhação sofrida pelo Jeca. A falta de 
dinheiro para se sustentar, a pressão do vizinho latifundiário e a perseguição feita pelo 
“Vaca Brava” fazem com que ele chegue a cogitar deixar suas terras e viver em outro 
lugar. 
 
 
 Como Antonio Candido mesmo defendeu, o caipira se fez isolado em sua 
propriedade e a quebra desse paradigma pode acarretar na total perda de sua 
identidade
40
. Esse momento do filme é muito interessante porque dialoga com essa 
questão. Ressalta os trabalhadores que deixaram suas terras em busca de maiores 
oportunidades na cidade grande. Porém, como Candido mesmo defendeu, essa seria a 
última opção para o caipira. Por isso o que realmente determinou essa fuga pensada pelo 
Jeca foi o incêndio de sua casa, provocado pelo italiano. Isso porque, naquele contexto o 
que determinava a identidade do Jeca era a terra. Esse acontecimento propiciou duas 
cenas emocionantes do filme, que, para além da emoção, dialoga com os princípios e 
conceitos da época. 
 Na primeira cena, que vou descrever, o Jeca conversa com Giovanni de modo a 
questionar a atitude do italiano, que tendo muito não se preocupou em destruir a casa de 
quem só a tinha para viver. 
(Giovanni): - Tá satisfeito agora? Viu o que você 
arranjou com suas brigas, seus rolos, sua covardia? Fui 
eu que fiz isso, Está contente agora? 
(Jeca): - Não seu Giovanni, estou triste, muito triste. 
(G): - Pois é. Que isso sirva de lição, nem casa você tem 
mais pra morar. 
(J): - Mas não é por causa da casa que eu to triste, casa 
tem muita. Eu to triste é por causa do senhor mesmo. 
(G): - Por mim? Não compreendo. 
(J): - Senhor, sim. Senhor queimou minha casa, 
queimou tudo as minhas coisas, mas isso foi maldade 
sua, porque eu não matei, nem roubei galinha de 
ninguém. O senhor não devia ter feito isso. Tenho 
mulher e filho pra sustentar. O senhor não teve dó de 
mim, o senhor sempre procurou me encrencar falando 
mal de mim por aí. Mas Deus sabe que eu nunca fiz 
nada de mal pro senhor. Ele sabe também que senhor 
não presta, mas eu não vou fazer justiça, nem eu, nem o 
delegado, nenhum homem daqui da terra. E ele mesmo 
que ta lá em cima olhando tudo... 
(G): - Não vejo ninguém 
(J): - Mas não vê mesmo porque tá escuro, mas mesmo 
se estivesse claro, o senhor não veria, pra homem da sua 
marca ele não aparece. O senhor não é justo, seu 
“Giovão”, e por isso ainda vai receber um castigo muito 
grande. Não é praga que eu to rogando não, mas quem 
na terra faz, na terra há de pagar. 
 
40
 Ver Candido. p. 107. 
 
 
 
A outra cena, para além da descrição, é emocionante à medida que os próprios 
trabalhadores de Giovanni defendem o Jeca. Para impedi-lo de ir para Brasília
41
, eles 
convencem o Jeca a utilizar a política a seu favor. Nesse sentido, as cenas posteriores 
vão trabalhar a questão da política, principalmente os políticos do interior que 
necessitam dos votos da grande massa de trabalhadores para se elegerem. 
 A questão política, para o interior do Brasil, gira em torno da terra. O único modo 
de manter o Jeca na região era fornecendo terra para ele viver e trabalhar. Porém o 
modo mais fácil de consegui-la seria obtê-la em troca da promessa de votos para eleger 
um deputado. Para isso, o Jeca teria que ir para a cidade grande e entrar em contato com 
o deputado Felisberto. O interessante nessa cena é o jogo de poder entre os personagens. 
O Jeca e seus amigos trabalhadores vão procurar um coronel influente da região para 
que ele faça a ligação com o deputado. 
 As cenas seguintes descrevem o conflito entre meio urbano e rural, à medida que o 
Jeca chega a São Paulo e se vê perdido naquela cidade. O caipira acha tudo estranho, 
sente-se como se estivesse em outro mundo. Um mundo que mesmo perto 
geograficamente, é distante de tudo que o caipira tinha como referência. O movimento 
dos carros, as pessoas andando apressadas e o cenário cinza da cidade de São Paulo 
formam a paisagem observada pelo Jeca no instante em que desembarca na capital. Por 
uma doença que impossibilitou o grande fazendeiro de acompanha-lo, Jeca passa a ter 
que se virar sozinho para encontrar o endereço do deputado. 
 Ao chegar à residência do deputado, outro fator chama atenção e garante boas 
risadas. Jeca chega de taxi, sem saber que teria que pagar ao chofer que o levara. Além 
disso, encontra um ambiente totalmente descontraído e um tanto moderno para o 
caboclo do interior. Essa característica de ambiente moderno acontece na cena em que o 
Jeca se depara com um churrasco na piscina, onde todos estão felizes e à vontade para 
se divertir. A cena da piscina demora alguns minutos, o que é suficientepara descrever 
a reação do Jeca que fica espantado e preocupado com aquela situação. Essa cena é 
analisada por Mauricio de Bragança que destaca elementos que compõem a relação 
entre o progresso urbano e o “atraso” rural. 
 
 
41
 Interessante observar essa passagem no filme, principalmente considerando a história do Brasil. Pois, 
em 1959, Brasília estava sendo construída e vários trabalhadores rurais estavam abandonando o campo 
em busca de melhores oportunidades de trabalho. (Ver Ferreira, Jorge. O Brasil republicano. Vol 3. p. 
155). 
 
 
“Não voto mais em ninguém, não arranjo voto pra mais 
ninguém”. Nesta declaração do caipira, a compreensão 
da situação que permite manter aquela elite paulistana 
bonita e animada à beira da piscina – e todos os seus 
códigos de modernidade (os carrões, a música 
“estrangeira”, etc.) – à realidade de exclusão social e 
total subordinação a práticas seculares na história 
brasileira de relações de clientelismo político e 
corrupção. Está colocada, desta forma, a ideia, 
paradoxal, de que o arcaico promove a modernidade.
42
. 
 
 Não obstante, não se atendo somente às questões complexas de relação de poder e 
mantendo a característica leve do filme, Mazzaropi constrói a figura do político de 
forma cômica. A baixa estatura, a magreza em excesso e o inicio de calvície satirizam o 
político que complementa fazendo gestos e discurso demagógicos em toda frase 
proferida, aumentando ainda mais o teor cômico do personagem. 
 Mazzaropi nesse sentido cria uma obra consistente, pois engloba – além de uma 
visão, feita por Monteiro Lobato, do caipira preguiçoso, sem vontade e inerte – as 
mudanças sociais por que o país atravessava. O produtor utilizou uma obra de um autor 
fortemente politizado como Lobato para criar seu filme. Nesse sentido, sem perder 
absolutamente a característica leve e cômica do enredo, possibilitou outra visão acerca 
do Jeca para além da de Lobato. Conseguiu mostrar a desigualdade social e a 
precariedade da qualidade de vida no campo ao mesmo tempo em que descrevia o amor 
dos caipiras pela terra. 
 Não é por acaso que Mazzaropi adotou o estilo caipira em todos os outros filmes 
depois de “Jeca Tatu”. A própria figura do caipira já causava risos no público que 
somada à identificação que esse público tinha com os enredos de seus filmes gerava o 
grande sucesso de bilheteria. A prova desse sucesso estava no tipo de publico que ele 
abrangia: caboclos vindos de interior para trabalhar na cidade grande em busca de 
melhores condições de vida. Além disso, tinham aqueles que queria prestigiar um filme 
leve, cheio de canções e que garantia boas risadas. 
 Nesse sentido, o filme “Jeca Tatu” tornou-se uma referência, não só pelo sucesso de 
público, mas também pela abrangência de temas e situações pertinentes para entender 
melhor o contexto social e político de 1959. A disputa pela terra; a terra como único 
bem de subsistência; a modernização e a construção de Brasília; o contraste entre meio 
urbano e rural e, por fim, a questão política, são eles elementos que Mazzaropi consegue 
 
42
 Bragança.p. 113. 
 
 
reproduzir a partir das peripécias de um simples caipira do interior de São Paulo, que se 
dependesse dele passaria a vida inteira apenas descansando. 
 
 2.2 – A cultura caipira e suas representações 
 Maurício de Bragança, ao analisar tanto a obra de Monteiro Lobato, quanto a obra 
de Mazzaropi, admite que ambos queriam problematizar a industrialização e 
modernização brasileira. Consideravam que o Brasil, além de ser fortemente marcado 
pelo espaço rural em todas as esferas, passava por um processo veloz que não englobava 
questões básicas como a importância da economia agrária. Até o governo de Getúlio 
Vargas, o país era estruturado fundamentalmente pelas atividades rurais. Essa condição 
diminui no Estado Novo, mas é fundamentalmente alterada nos anos de 1950 com o 
plano de metas
43
. 
 Brangança faz uma analise histórica acerca do período de 1930 a 1960 para 
entender como o processo de modernização marcava cada vez mais a contradição entre 
o progresso do meio urbano em detrimento do espaço rural. Além dessa contradição, 
Bragança ainda discute a questão da formação da identidade nacional nesse período. 
Para isso, utiliza autores como Sônia Mendonça
44
 e Antonio Candido, que discutem o 
forte nacionalismo como formador de uma cultura nacional. 
 
O nacionalismo não esteve presente somente no 
pensamento de uma política econômica colocada em 
prática pelo Estado Novo, mas também na (re) 
definição de um conceito de “cultura brasileira”, que 
passava pela relação entre o Estado e as classes 
trabalhadoras. Era um momento em que houve maior 
consciência a respeito das contradições da própria 
sociedade, podendo-se dizer que sob este aspecto os 
anos 30 abrem a fase moderna nas concepções de 
cultura no Brasil (...) Assim, a consolidação de um 
Estado forte e intervencionista garantia a articulação 
necessária não somente para a sedimentação de um 
projeto de desenvolvimento econômico brasileiro, mas 
também para reunir o plantel de signos que sugerissem 
 
43
 Programa de industrialização e modernização levado a cabo na presidência de Juscelino Kubitschek 
(1956-1961), na forma de um "ambicioso conjunto de objetivos setoriais", que "daria continuidade ao 
processo de substituição de importações que se vinha desenrolando nos dois decênios anteriores”. 
(PASSOS, 1957). 
44
 Sonia Regina de Mendonça concluiu o doutorado em História Econômica pela Universidade de São 
Paulo em 1990. Atualmente é aposentada da Universidade Federal Fluminense, contando com 
credenciamento junto ao Programa de Pós-Graduação em História da UFF. 
 
 
a construção de uma “identidade nacional”, no qual “o 
Estado substituía o mercado também como espaço de 
legitimação cultural”.45 
 
 Brangança continua analisando os anos de 1950 por defender que foram os anos em 
que o país passou pelo processo mais intenso de modernização. Foi quando as estruturas 
econômicas, políticas e sociais tiveram transformações mais contundentes. No entanto, 
para isso, era preciso superar o “atraso” caracterizado pelo meio rural que contrapunha o 
progresso do meio urbano-industrial. Segundo o autor, a única forma efetiva e acelerada 
de ter êxito nesse processo era uma forte industrialização. 
 
A superação da condição agrário-exportadora brasileira 
vinha no bojo de uma inevitável hegemonia cultural 
urbano-industrial. Esta, tida então como 
“autenticamente nacional”, afirmava-se em detrimento 
do universo rural, que se decompunha como 
representatividade do ser nacional (o que não significa 
que os interiores deixassem de criar possíveis Brasis no 
imaginário de inúmeros caipiras, sertanejos, matutos e 
capiaus que compunham o “tal lado arcaico da realidade 
nacional”). 46 
 
Nesse sentido, passa a defender esse imaginário caipira, que se afastando do processo de 
modernização cria um imaginário social tradicional, com o universo cultural de hábitos, 
crenças, valores, mitos e comportamentos, que de certa forma garantia a base da cultura 
caipira. 
 Buscando o significado e a formação da cultura caipira, Bragança parte para um 
debate historiográfico acerca da própria formação nacional. Para isso ele utiliza Antonio 
Candido, que oportunamente foi analisado anteriormente, principalmente para entender 
a cultura caipira e Sérgio Buarque de Holanda e sua obra Raízes do Brasil, um marcona 
análise dos elementos formadores da identidade nacional. “As relações sociais e as do 
âmbito do trabalho são impregnadas deste aspecto do afeto e da solidariedade. Talvez aí 
encontremos uma chave de análise possível para pensarmos a respeito da ideia de 
“homem cordial” trabalhada por Holanda.”47 
 
45
 Bragança. Ipotesi, Juiz de Fora, v. 13, n. 1, p. 103 - 116, jan./jul. 2009. p. 104. IN MENDONÇA, 1998. p. 
264. 
46
 __________________. p. 105. 
47
 Bragança. p. 106. 
 
 
 Seguindo essa analise fica evidente o motivo que levou Bragança a analisar mais 
precisamente o capítulo tanto de Candido, quanto de Holanda acerca da solidariedade 
do homem do meio rural. Mazzaropi, no filme “Jeca Tatu”, manifesta essa teoria de 
forma contundente. Quando o Jeca pensa em ir embora da região, a comunidade de 
trabalhadores se reúne e impede que ele consolide sua decisão. Não apenas o impede, 
mas organiza-se para ajudá-lo a conseguir terras para plantar. Nesse sentido, a causa é o 
início da representação do modo de vida do caipira nos filmes brasileiros e a 
consequência é a divulgação de uma sociedade fortemente rural contraditória ao 
processo de modernização. 
 Analisando os primeiros filmes de Mazzaropi, Bragança entende que não é possível 
ter a pretensão de figurar os filmes que abordam o meio rural como explanador da 
identidade nacional. Desde o Estado Novo, a política do governo propunha a criação de 
uma identidade a partir do imaginário carioca e estritamente urbano, com os malandros 
e as mulatas. Tais personagens foram fixados no imaginário social através dos filmes de 
chanchadas, produzidos pela produtora carioca, Atlântida. Porém, mesmo fazendo parte 
do espaço cinematográfico nacional, os filmes de que Mazzaropi participava não 
ganhavam reconhecimento cultural amplo, mas sim na esfera regional. 
 Assim, Bragança passa a analisar o grande prestígio alcançado por Mazzaropi. Ele 
defende que, em certa medida, o sucesso dá indícios de uma grande identificação entre 
público e personagem. 
Se levarmos em conta que seus filmes faziam 
muito mais sucesso nos estados onde a cultura 
rústica caipira tinha raízes, teremos, então, 
algumas chaves de análise: “As regiões do 
Brasil que mais consumiam seus filmes eram o 
sudeste e parte do sul, principalmente onde a 
cultura caipira mais se desenvolvera, em função 
das ocupações bandeirantes ocorridas ao longo 
da história”. 48 
 
Além disso, defende que a capital de São Paulo era onde ele alcançava o maior número 
de público. O que, segundo Bragança, evidenciava a presença de um enorme 
contingente de migrantes nesta cidade, o que apontando um grande êxodo rural iniciado 
com a confirmação do processo de urbanização e industrialização brasileiro. 
 
48
 ____________. p. 110. 
 
 
 Por fim, Bragança termina sua análise sobre o filme “Jeca Tatu” dialogando com a 
proposta de modernização brasileira. Utilizando como fonte de análise a letra da música 
que finaliza o filme, o autor sugere uma denúncia por parte de Mazzaropi acerca dos 
elementos formadores dessa modernização nacional. Nesse sentido, transcrevo essa letra 
de modo a discutí-la de acordo com a visão de Bragança. 
 
Deixei de ser um qualquer 
Já não como mais angu 
Hoje sou um coroné 
Não sou mais Jeca Tatu. 
Meu cachorro estimado 
Já deixou de ser sarnento 
Tem um terno alinhado 
Em seu próprio apartamento 
Eu lavo tudo os leitão 
Com perfume importado 
Quando entram no facão 
Sai toucinho perfumado. 
 
 A argumentação de Bragança advém da transformação do personagem Jeca em 
Coronel. A figura do coronel remetia ao passado oligárquico brasileiro, o qual 
estruturava a sociedade arcaica rural e, no momento em que o filme foi produzido, 
contradizia diretamente com o processo de modernização. De certo modo o Jeca não 
evoluiu. Ele simplesmente alterou seu modo de vestir por ter ficado rico, mas não houve 
mudança efetiva. 
 Brangança segue defendendo que dessa maneira o discurso fílmico associa-se à 
ideia de uma modernização na qual sobrevivem de forma estrutural as marcas de um 
Brasil oligárquico. E Mazzaropi não cansa de satirizar essa condição, como defende 
Bragança. 
 
A tal modernidade é colocada caricaturalmente 
nos símbolos de prosperidade da nova casa da 
personagem: não só na roupa, ridícula e 
debochadamente utilizada pelo caipira, mas 
também nos animais de fita no pescoço, na 
casinha do cachorro com a placa em inglês, na 
ideia de toucinho perfumado com perfume 
importado, na imagem dos galos andando de 
calças e botinas. Esses sinais de um consumo 
alcançado pela industrialização brasileira são 
 
 
parodiados pelo riso que desloca o sentido de 
tal projeto político. 
 
Todos esses elementos presentes na cena final do filme “Jeca Tatu” ganham significado 
principalmente se analisarmos a ultima estrofe da canção. 
 
Se arguma coisa não presta 
Isso eu não vou discuti 
Pra mim o azá é festa 
O que eu quero é divertir 
 
Mazzaropi deixa seu recado nesse trecho. Uma possível explicação, defendida por 
Bragança, mostra que “o caipira aponta que há algo de errado naquela situação (os 
paradoxos de uma modernização que convive com práticas arcaicas da velha tradição 
política brasileira), mas ele não está aí para discutir isso, afinal de contas, participa de 
um projeto de cinema ligado à indústria do entretenimento”. 
 Essa visão de Bragança garante um Mazzaropi engajado e compromissado com sua 
proposta que é criar uma indústria cinematográfica brasileira, sem se importar com as 
questões políticas. Porém, não é a partir dessa visão que Mazzaropi garantiu a 
identificação do público. Por mais financeira que fosse a intenção do produtor, a sua 
proposta pode ser analisada a partir da reconstrução do caipira no imaginário social 
brasileiro, uma alternativa à grande produção urbana que acontecia. Mazzaropi tinha um 
sonho, nós temos uma parte do mundo rural reconstruído em seus filmes. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Capítulo 3 
 
De Jeca a empresário 
 
“Sim, continuar fazendo filmes até morrer - é a 
única coisa que sei fazer na vida. Quero morrer 
vendo uma porção de gente rindo em volta de 
mim” 49. 
 
 Nesse capítulo, proponho analisar as passagens marcantes na vida de Mazzaropi 
que, em certa medida, ajudaram a realizar o projeto de vida do produtor que era criar 
uma indústria cinematográfica no Brasil. Mazzaropi criticava muito o valor que o 
investidores do cinema nacional dava para os filmes estrangeiros em detrimento dos 
brasileiros
50
. Suas críticas muitas vezes eram marcadas por sátiras que ele fazia dos 
próprios títulos dos filmes hollywoodianos, como “Jeca contra o Capeta” (1975), 
produzido depois do sucesso de “O exorcista” (1973), além de “Pistola para Djeca” 
(1969) e “O grande Xerife” (1972) que satirizavam os filmes de faroeste. Tais críticas 
são facilmente encontradas em suas entrevistas, na maioria das vezes, nos lançamentos 
de seus filmes. Reservado, falava com a imprensa o estritamente necessário. 
 No entanto, até conseguir ter voz crítica sobre o cinema brasileiro, Mazzaropi 
passou por muitas dificuldades na vida, dificuldades estas que aumentavam 
proporcionalmente o sonho de se tornar um grande artista. Até mesmo depois de 
começar a produzir filmes de sucesso, recebia críticas. Para analisar essas questões, as 
fontes utilizadas foram à

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