Buscar

RAÍZES AGRÁRIAS DA FORMAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 3, do total de 9 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 6, do total de 9 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 9, do total de 9 páginas

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO 
DEPARTAMENTO DE DESENVOLVIMENTO, 
AGRICULTURA E SOCIEDADE 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM 
DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE 
 
RAÍZES AGRÁRIAS DA FORMAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA 
 
Thaís Valvano 
Raízes da interpretação historiográfica 
 Durante muito tempo a historiografia brasileira estava empenhada em entender a 
história do Brasil através do tripé escravidão, latifúndio e monocultura. Porém, o 
sociólogo José de Souza Martins demonstra que a partir dos anos de 1950 aparece um 
novo conceito teórico que denomina as pessoas que vivem no meio rural como 
camponeses. Esse termo surge para designar homens pobres livres que organizam ligas 
e sindicatos para resolver questões políticas. São pessoas que classificadas por vários 
termos como caipira; caiçara e caboclo vivem à margem das relações de produção 
agroexportadora, muitas vezes plantando gêneros alimentícios para o próprio sustento. 
 Autores como Laura de Melo e Souza e Ciro Cardoso complementam a visão de 
Martins à medida que especificam a mudança historiográfica, que ocorreu nos anos de 
1960 e 1970, a qual aumentou o interesse por estudar os grupos marginalizados social e 
historicamente. Cardoso defende que essa tendência historiográfica valoriza as variáveis 
internas e amplia o campo de visão, que muitas vezes analisava o Brasil sob uma visão 
economicista europeia (Cardoso, 1986, p. 17). Tal ampliação do campo de visão foi 
determinada por uma ênfase maior na história regional. Segundo o autor, a partir desse 
modo de fazer pesquisa, novos documentos passaram a ser utilizados na produção 
historiográfica, possibilitando uma maior atenção aos marginalizados de várias regiões 
do Brasil. 
 Cardoso faz um breve balanço historiográfico para teorizar seu argumento de que 
existia camponeses no período colonial brasileiro. A coexistência da produção 
escravista e camponesa permitiu uma maior atenção às formas produtivas da colônia tal 
como a importância de grupos até então não teorizados. Sua teoria precisava de uma 
metodologia efetiva, visto que era pioneira e baseada em autores estrangeiros. Isto, pela 
existência de uma historiografia brasileira recente, que se consolidara academicamente a 
partir dos anos de 1960. 
 Os primeiros dados que se tem de uma produção historiográfica brasileira é com a 
criação do instituto histórico e geográfico brasileiro no século XIX. O IHGB era um 
instituto com finalidade de incentivar a produção da história brasileira, que precisava 
formar uma identidade nacional do país recém independente. Seguia a lógica positivista 
que imperava em outros países onde a identidade era determinada pelo meio e raça. Nos 
anos posteriores a historiografia ficou responsável por romper esse paradigma criando 
debates que ofereciam novas perspectivas. 
 Um dos primeiros autores que discordava do determinismo geográfico na 
produção historiográfica era Manuel do Bonfim. Pois, apesar apresentar influências 
baseadas nos autores positivistas estrangeiros, criticava o caráter extremista de alguns 
autores como Nina Rodrigues, Silvio Romero e Oliveira Viana. No entanto, foi somente 
com Gilberto Freyre e com a consolidação das primeiras universidades brasileiras na 
década de 1930 é que essas perspectivas deterministas serão ultrapassadas. Pois surge 
nesse momento a necessidade de entender a formação da identidade nacional através da 
lógica econômica e social do período colonial determinada pela escravidão. 
 Portanto, para entender teórica e metodologicamente o surgimento dos 
camponeses na historiografia brasileira é necessário fazer um estudo prévio da formação 
política, social e cultural da identidade nacional, fundamentada nas obras de Gilberto 
Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Junior. Estes autores em seus clássicos 
mostram o desenvolvimento social, político e econômico através da herança portuguesa 
e da escravidão. Sérgio Buarque de Holanda (1936), por exemplo, aproxima-se da 
lógica agrícola na formação da identidade nacional, à medida que traz à tona a herança 
rural que o Brasil traz em sua formação, desenvolvida principalmente com os 
bandeirantes. 
 Segundo o historiador, os bandeirantes foram responsáveis por desbravar as terras 
do interior de São Paulo, aprisionando índios ou em busca de pedras preciosas. Holanda 
afirma que muitos desses desbravadores estabeleceram-se nas novas terras descobertas 
criando uma espécie de vila. Esses bandeirantes que permaneceram, aos poucos, foram 
ganhando características locais e se adaptando às condições de sobrevivência da região. 
 Em 1964, esse tipo descrito por Holanda é denominado “caipira” na obra 
“Parceiros do Rio Bonito”. Esta obra, escrita por Antonio Candido, tem o intuito de 
caracterizar a cultura caipira construída ao longo dos anos por descendentes de 
bandeirantes e outros grupos que adaptaram seu modo de vida à região que habitavam. 
Esse caipira descrito pelo sociólogo é um dos demais tipos sociais que passaram a ser 
estudados pela historiografia brasileira. 
 Esse breve estudo historiográfico serve apenas para demonstrar as razões que 
fizeram com que as classes à margem da relação escravista de produção fossem 
marginalizadas também pela historiografia. Portanto, posto os problemas estruturais, 
esse ensaio seguirá descrevendo historicamente o processo que resultou na 
marginalização desses grupos sociais. Contudo, tais estudos servem de fundamento para 
o objetivo central desse ensaio que é entender o papel e as representações do caipira na 
formação da identidade brasileira. 
 
A história dos marginalizados 
 A autora Hebe Mattos faz um estudo sistemático acerca dos marginalizados na 
crise do trabalho escravo. Ela inicia sua pesquisa mostrando a dificuldade de 
apropriação de terras após a revogação das sesmarias
1
. A nova condição delimitava a 
posse como único modo de apropriação No entanto, com a chamada lei de terra, 
deliberada em 1850, os posseiros tinham garantir sua propriedade através da compra. 
 Tais leis, além de dificultar o acesso dos marginalizados às terras, possibilitava 
que os grandes proprietários expandissem ainda mais suas produções de monocultura, 
fomentando a dualidade no cenário de expansão agrícola. Essa dualidade, teorizada por 
Souza Martins em sua análise da sociedade contemporânea, é caracterizada por duas 
frentes. Tais frentes, segundo Mattos, podem ser vistas também na sociedade escravista. 
Uma é a frente pioneira, cujo objetivo é a expansão comercial, com produção para a 
exportação. A outra é a frente de expansão que ocorre devido ao aumento demográfico 
lógico de uma produção para a subsistência. Essa teoria é fundamental para entender 
não somente a importância dos lavradores pobres no contexto social, mas também sua 
importância no abastecimento interno da colônia. 
 Hebe Mattos reafirma a virada teórica dos anos de 1970 quando argumenta seu 
estudo acerca dos homens pobres livres baseado na obra pioneira de Maria Sylvia de 
Carvalho Franco. Segundo Mattos, a autora se torna pioneira ao estudar esse grupo no 
sistema social. Porém, defende que a visão da autora deve ser complementada por um 
estudo mais específico dos tipos sociais que fugiam à lógica agroexportadora. 
 
1 No período colonial era comum a distribuição de terras destinadas à produção. 
 Ao analisar os tipos específicos de lavradores, Mattos analisa também as relações 
de poder que se desenvolviam, percebendo que nem todos os tipos de lavradores pobres 
secaracterizavam como tal pela pobreza. Muitos desses trabalhadores eram pequenos 
proprietários, como os sitiantes, ou trabalhavam no comércio de fazenda e gados como 
os tropeiros. Tinham ainda os vendeiros que trabalhavam nos mercados locais. Tais 
tipos, em sua maioria, eram pequenos proprietários de terras e algumas vezes recebiam 
prestígio social. Portando, para além da pobreza, a autora considera que os chamados 
homens pobres livres eram culturalmente: 
 
 as camadas sociais que formavam a pobreza agrícola, tantas 
vezes mencionadas em fontes da época e análises 
historiográficas, e apenas tangencialmente se utilizavam do 
trabalho escravo e, fundamentalmente não tinham suas lavouras 
e criações voltadas para a produção do excedente comercial e 
realização dos lucros. Dedicavam-se antes ao suprimento de 
suas necessidades de subsistência, que, apesar disso, 
pressupunham a troca, como a multiplicidade de pequenas 
vendas voltadas a reduzidos mercados locais pareciam sugerir 
(MATTOS, 1981, p. 63). 
 
 Além de Mattos, Laura de Mello e Souza é outra autora que vai estudar os grupos 
marginalizados no período colonial. Para isso, a autora recorre a um balanço histórico 
acerca da constituição dos vagabundos, cuja denominação se refere às pessoas que não 
seguiam a lógica burguesa do trabalho para acumulação de capital. Defende que os 
próprios portugueses que colonizaram o Brasil eram, em sua maioria, vagabundos, que 
não se encaixando no sistema trabalhista português, foram mandados ao Brasil. 
 A historiadora aponta os principais trabalhos que esses marginalizados eram 
designados a fazer na colônia. Entre os quais estavam as “Entradas” e os trabalhos em 
“obras públicas e lavouras”. No primeiro caso, eram os bandeirantes que exploravam 
terras virgens em busca de índios ou pedras preciosas como já analisado. No segundo 
caso, tais vadios eram ocupados em terras produtivas, visto que naquele momento o 
trabalho agrícola se tornara um trabalho lucrativo por excelência. Portanto, esses e 
outros desígnios trabalhistas contribuíram para a constituição da camada social que nos 
anos de 1950 recebeu o conceito de camponeses pela academia. 
 Não obstante, a universalização dos homens livres pobres é necessária à medida 
que acompanha a argumentação da Laura de Mello e Souza. Para a autora: “a camada 
dominante opôs um corpo bastante organizado de formulações, cujas raízes lançam seus 
frutos ainda hoje, pois foram incorporadas e reelaboradas pela nossa tradição 
autoritária” (SOUZA, 1982, p. 219). Tais homens são frutos da exclusão colonial 
quando foram substituídos pelos escravos africanos e da exclusão republicana, com a 
vinda dos imigrantes. Políticas essas desenvolvidas, segundo a autora, pela camada 
abastada que repudiava o caráter antitrabalhista dos vadios. 
 Nesse sentido, tanto o trabalho de Mattos como de Souza mostram as relações de 
produção e sobrevivência dos homens que viviam à margem da economia exportadora. 
Mostram, também, a importância dessa camada na formação da identidade nacional 
brasileira, ressaltando a diversidade social dos grupos marginalizados, tal como a 
consolidação desses grupos que atualmente denominamos teoricamente de caboclos; 
caiçaras e caipiras. 
 
O caipira na esfera social 
 O crescente interesse da historiografia em estudar a historia regional fez com que 
muito dessas produções discutissem e conceituassem o caipira. Este grupo social, 
formado nas regiões de grandes produções de café, viu-se marginalizado com o declínio 
produtivo cafeeiro no início do século XX. Não obstante, para entender e conceituar 
esse grupo de homens pobres livres é necessário entender a relação de poder local que 
se estabeleceu e, de certa forma, constituiu esse tipo social. 
 Estudar o caipira requer entender um período em que o fenômeno do 
“coronelismo” foi dominante em alguns municípios do interior do Brasil. Victor Nunes 
Leal em sua obra “Coronelismo, enxada e voto” faz um balanço do poder dos coronéis e 
a relação de compromisso que estes estabeleciam com o poder público. Esse 
compromisso entre poder público e privado é fundamental para entender o contexto 
político dos primeiros anos da república brasileira. 
 Por um lado, durante todo o império, os grandes fazendeiros obtiveram o poder 
absoluto sobre as suas terras e seus trabalhadores. No entanto, com a proclamação da 
república e o declínio de grandes produções, os donos de terras foram perdendo 
prestígio e poder. Por outro lado, os candidatos da recente república sabiam da 
importância dos fazendeiros na garantia dos votos dos municípios do interior. Dessa 
relação nasce o termo coronelismo que, segundo Nunes Leal, é “é sobretudo um 
compromisso, uma troca de proveito entre o poder público, progressivamente 
fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores 
de terras” (LEAL, 1949, p. 20). 
 O autor argumenta também o fenômeno do voto de cabresto. Tal fenômeno 
representava a total dependência dos trabalhadores rurais em relação aos coronéis no 
momento de votar. Os empregados, muitas vezes analfabetos, depositavam na urna o 
nome do candidato apoiado pelo coronel. Esses e outros fatores são elementos que 
mostram o coronelismo como um dos fenômenos responsáveis pela organização 
econômica rural da república velha. 
 Segundo Leal, “a vitalidade do fenômeno é inversamente proporcional ao 
desenvolvimento das atividades urbanas, como sejam o comércio e a indústria”. Nesse 
sentido, é imprescindível entender que o coronelismo é um fenômeno datado, visto que 
com a centralização política do governo Vargas ele declina até sua extinção. Sua 
existência pressupõe uma política de compromisso do governo com líderes rurais locais, 
o que, de certa forma, envolve uma rede de relações que formam o sistema político da 
época. 
 Outro autor importante na conceituação do coronelismo é José Murilo de 
Carvalho. Em sua obra “Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: uma discussão 
conceitual” o autor propõe entender esse fenômeno conceitualmente, desde a origem do 
termo e seu significado até os erros de conceituação. Para Carvalho, o coronelismo é um 
sistema político nacional baseado na relação de compromisso entre o governo e os 
coronéis. Afirma ainda que: 
“O coronel hipoteca seu apoio ao governo, sobretudo na 
forma de votos. Para cima, os governadores dão seu 
apoio ao presidente da república em troca do 
reconhecimento deste de seu domínio no estado. O 
coronelismo é fase de processo mais longo de 
relacionamento entre os fazendeiros e o governo. O 
coronelismo não existiu antes dessa e não existe depois 
dela. Ele morreu simbolicamente quando se deu a 
prisão dos grandes coronéis baianos, em 1930. Foi 
definitivamente enterrado em 1937, em seguida à 
implantação do Estado Novo”. (CARVALHO, 1997, 
P. 231). 
 
 Em diálogo com Nunes Leal, Carvalho argumenta que a conjuntura política 
representada pela decadência econômica dos fazendeiros desemboca na formação do 
fenômeno do coronelismo, impossibilitando tal fenômeno em outras conjunturas ou 
momentos da história brasileira. 
 Entretanto, o objetivo deste trabalho é estudar o caipira que teve suas raízes no 
período em que o coronelismo figurou como sistema político rural e que manteve essas 
raízes em outros momentos históricos. Carvalho chamará a permanecia da relação de 
dependência entre fazendeiros e trabalhadores de mandonismo. Esse fenômeno se difere 
do coronelismo no momento em que não existe relação de compromisso entre 
fazendeiros e o governo, mas nem por isso a relação depoder modifica no contexto 
local. 
 Segundo o autor: “Refere-se à existência local de estruturas oligárquicas e 
personalizadas de poder (...) na visão de Leal, o coronelismo seria um momento 
particular do mandonismo” (Idem, p. 231). Toda essa conceituação sobre coronelismo e 
mandonismo é importante para entender a dependência dos trabalhadores rurais em 
relação aos proprietários de terras. A intenção é entender as relações de poder que eram 
estabelecidas entre os caipiras e os coronéis. Além do voto, havia outras formas de 
dependências estabelecidas no meio rural. Uma delas é o crédito. Essa questão é vista 
no filme Jeca Tatu (1959), onde os grandes fazendeiros obtinham créditos e terras à 
custa de empréstimos que forneciam a seus trabalhadores. 
 
A cultura caipira e o atraso do Jeca Tatu 
 A segunda metade do século XX foi um marco não só na historiografia brasileira 
que passou a focar mais na história regional, mas também no cinema. Vários filmes de 
caráter regional foram produzidos, obras que levavam ao cinema realidades de pessoas 
que enfrentavam problemas de terras e migrações. O filme Jeca Tatu, por exemplo, 
lançado pelo produtor Amácio Mazzaropi em 1959 retrata bem o ambiente do interior, 
as pequenas casas, as grandes quantidades de terras e a população fechada em seu grupo 
social. Traz ainda uma discussão importante acerca da relação de dependências dos 
caipiras em relação aos coronéis. 
 Em diálogo com a obra “Jeca tatuzinho” de Monteiro Lobato, Mazzaropi retrata o 
Jeca em seu filme como um sujeito doente, preguiçoso e atrasado. Além disso, mostra a 
relação entre o caipira e o fazendeiro em que o Jeca mesmo sendo proprietário de terra, 
é considerado pobre perto do italiano “Giovanni”, um latifundiário da região. O 
fazendeiro passa a explorar as famílias mais pobres, fazendo com que elas vendam suas 
terras em troca do perdão das dívidas. É esta problemática que envolve a trama do 
filme: o Jeca, com preguiça de trabalhar, passa a produzir menos alimentos para se 
sustentar e acaba tendo que fazer compras na venda local. 
 Em uma das cenas, Jeca vai fazer compra e não tem dinheiro para pagar. O 
português, dono do comércio, sugere que o caipira forneça parte de sua propriedade 
para pagar a dívida. Inocentemente o Jeca, até por falta de ambição, assina a venda de 
parte das terras em troca de alguns mantimentos. A problemática que se estabelece antes 
de ser econômica é cultural. Pois, segundo Antonio Candido: “o caipira se fez isolado 
em sua propriedade e a quebra desse paradigma pode acarretar na total perda de sua 
identidade” (Candido, 1964, p. 107). 
 Não obstante, Mazzaropi trabalha também com as relações para além dos poderes 
dos fazendeiros, mostra o interesse de políticos da região em obter votos dos 
trabalhadores rurais. A questão política, para o interior do Brasil, gira em torno da terra. 
O único modo de manter o Jeca na região era fornecendo terra para ele viver e trabalhar. 
Porém o modo mais fácil de consegui-la seria obtê-la em troca da promessa de votos 
para eleger um deputado. O interessante nessa cena é o jogo de poder entre os 
personagens. O Jeca e seus amigos trabalhadores vão procurar um coronel influente da 
região para que ele faça a ligação com o deputado. 
 Toda essa conjuntura mostra que Mazzaropi criou uma obra consistente, pois 
engloba – além de uma visão, feita por Monteiro Lobato, do caipira preguiçoso, sem 
vontade e inerte – as mudanças sociais pelas quais o país atravessava. Conseguiu 
mostrar a desigualdade social e a precariedade da qualidade de vida no campo ao 
mesmo tempo em que descrevia o amor dos caipiras pela terra. 
 Nesse sentido, o filme “Jeca Tatu” tornou-se uma referência, não só pelo sucesso 
de público, mas também pela abrangência de temas e situações pertinentes para 
entender melhor o contexto social e político brasileiro e a própria cultura caipira dos 
anos de 1950. A disputa pela terra; a terra como único bem de subsistência; a 
modernização e a construção de Brasília; o contraste entre meio urbano e rural e, por 
fim, a questão política, são eles elementos que Mazzaropi consegue reproduzir a partir 
das peripécias de um simples caipira do interior, que se dependesse dele passaria a vida 
inteira apenas descansando. 
 Portanto, o filme “Jeca Tatu” e tantas outras obras para além das produções 
acadêmicas representavam nos anos de 1950 a necessidade de uma revisão bibliográfica 
acerca da importância dos atores regionais na formação da identidade nacional. Tal 
revisão resultou no foco aos grupos marginalizados socialmente, agora protagonistas em 
muitas produções acadêmicas brasileiras. 
 
BIBLIOGRAFIA: 
CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito. Estudo sobre o caipira paulista e a 
transformação dos seus meios de vida. 6ªed. São Paulo: Duas Cidades, 1982. 
CARDOSO, Ciro F. Santana. Escravo ou camponês? O protocampesinato negro das 
Américas. São Paulo: Brasiliense, 1968. 
CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: uma discussão 
conceitual. Rio de Janeiro: Dados vol. 40 no. 2,1997. 
CASTRO, Hebe. Ao sul da História. Lavradores pobres na crise do trabalho escravo. 
São Paulo: Brasiliense, 1987. 
FORMAN, Shepard. Camponeses, sua participação no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e 
Terra,1979. 
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978. 
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 15ª ed. Rio de Janeiro: José 
Olympio, 1982. 
LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Omega, 1986. 
LINHARES, Maria Yedda L. ; DA SILVA, Francisco Carlos Teixeira. Terra Prometida. 
Uma história da questão agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1999. 
MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis: Vozes, 
1983. 
MELLO E SOUZA, Laura de. Desclassificados do ouro. A pobreza mineira no século 
XVIII. Rio de Janeiro: Graal, 1982. 
PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1986. 
QUEIRÓZ, Maria Isaura Pereira de. O campesinato brasileiro. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 
1976. 
REVISTA Estudos Sociedade e Agricultura (diversos números). Rio de Janeiro: 
UFRRJ/ICHS/DDAS/CPDA. 
SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas. São Paulo: Duas Cidades, 1977. 
SCWARCZ, Lilian. O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial no 
Brasil, 1870/1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Outros materiais