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TRANSTORNOS ALIMENTARES Coppus e Monteiro

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TTRRAANNSSTTOORRNNOOSS AALLIIMMEENNTTAARREESS 
VViissõõeess ppssiiccaannaallííttiiccaa ee eexxiisstteenncciiaall 
WWaallmmiirr MMoonntteeiirroo.. AAlliinnnnee CCooppppuuss 
 
 
 
 
 
 
 
 
Alinne Nogueira Silva Coppus - Psicanalista, doutora em Teoria Psicanalítica 
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, professora da Pós-graduação em 
Psicanálise: subjetividade e cultura e da Pós em Psicologia Médica da 
Universidade Federal de Juiz de Fora – MG. 
 
Walmir dos Santos Monteiro - Psicólogo Existencial, Mestre, Especialista em 
dependência química e transtornos compulsivos, formação em fenomenologia-
existencial, professor da Unileste – Universidade do Leste de Minas Gerais. 
 
ISBN: 978-85 -9103-640-0 
2014 
 2 
APRESENTAÇÃO 
 Aceitar o convite para fazer a apresentação deste livro resultou 
numa agradável surpresa: constatar que a diferença de 
perspectivas entre os modelos psicanalítico e fenomenologico-
existencial pode se transformar num olhar muito acurado e 
rigoroso sobre um dos mais surpreendentes fenômenos da clínica 
psi contemporânea. 
 De fato, os assim chamados “transtornos alimentares” – 
anorexia/bulimia – fazem parte do conjunto de formas de 
sofrimento psíquico que, pelo aumento expressivo do número de 
suas incidências, estão atualmente desafiando as orientações 
clínicas tradicionais. Temos enfrentado dificuldades na direção do 
tratamento da anorexia e da bulimia, assim como no tratamento 
das toxicomanias, das depressões e melancolias, dos estados de 
angústia como a chamada “síndrome do pânico”, das compulsões 
de todos os tipos, do esvaziamento da interioridade, da 
devastação do pensamento reflexivo, etc., o que tem ensejado 
esforços e interrogações particulares: estaríamos nos defrontando 
com uma nova economia psíquica, novas doenças da alma? 
Novos sintomas? Casos raros e difíceis de classificar, estados 
limítrofes entre a neurose e a psicose? Ou tratam-se das mesmas 
 3 
vicissitudes da alma, já apontadas por um Freud ou um 
Binswanger durante a modernidade, que apenas estariam se 
exprimindo de uma forma que ainda não entendemos? 
 Acredito que as injunções da vida coletiva têm efeitos nas 
configurações da subjetividade, de que há uma profunda 
articulação entre o individual e o social. Assim sendo, talvez as 
perturbações psíquicas acima listadas contenham reverberações de 
nosso ideário contemporâneo, talvez digam alguma coisa sobre a 
“sociedade do espetáculo” (Débord) em que atuamos, ou sobre a 
“pós-modernidade líquida” (Bauman), a “cultura do narcisismo” 
(Lasch) ou a “cultura da decepção” (Lipovestky) em que estamos 
imersos. Esses autores são unânimes em denunciar que vivemos 
num tempo de expectativas desmesuradas, constantemente numa 
exterioridade máxima em relação à nossa vida interior, 
acreditamos em completude, satisfação de todos os anseios, 
cremos que a vida é uma festa maravilhosa – se ainda não 
chegamos lá é porque somos indivíduos incompetentes -, 
pensamos que tudo é possível (sem relativizar quase nada), que 
podemos atingir todos os ideais e banir todas as ressalvas em 
relação à beleza, à juventude e até à própria morte! E que ainda 
estamos tentando exilar as categorias da renúncia e da frustração 
de nossas vidas... 
 4 
 Há até quem diga que no mundo de hoje, no discurso 
capitalista, vivemos um momento de demanda compulsiva, 
convulsiva, demanda num estado de contínua solicitação, 
exasperação, enfatização, desenganchada da dialética do desejo 
(J-A. Miller) – pois nessa dialética a possibilidade da falta é 
fundamental e constitutiva. O demandar contínuo que nos habita 
hoje não se relacionaria mais com o desejo mas seria sobretudo 
eletrizado pelos objeto de gozo. 
 Se este é o quadro e estas as tintas da ilusão... como não 
pensar na anorexia e na bulimia como tentativas de dar conta 
disto que vai tão mal? Pois estas são formas de sofrimento em que 
vemos intrincadas as questões do desejo/necessidade/demanda, 
falta/satisfação, tudo/nada, saciação/purgação, 
incorporação/separação, vida/morte ? 
 Este livro é uma bem situada e vigorosa tentativa de 
compreender algumas questões relacionadas aos impasses da 
clínica psíquica frente aos transtornos alimentares da atualidade. 
Quer encontremos em suas páginas as questões do Dasein ou do 
“objeto a“, estão bem trabalhadas e compõem um rico conjunto 
de informações, interpretações e possibilidades para o manejo 
clínico. 
 Bianca Faveret 
 5 
PREFÁCIO DOS AUTORES 
A presente obra trata dos transtornos alimentares, dando 
relevo à anorexia e à bulimia e abordando a matéria a partir de 
duas distintas visões: a psicanalítica e a fenomenologico-
existencial. 
Independente dessas visões o livro é iniciado com uma 
perspectiva geral do problema onde apresentamos os conceitos e 
as implicações físicas e mentais da patologia. 
Na segunda parte a psicanalista Alinne Coppus aborda o 
tema a partir da escuta psicanalítica e na terceira parte o 
existencialista Walmir Monteiro trata a questão conforme a visão 
fenomenologico-existencial. 
A anorexia pode ser definida como um transtorno 
alimentar no qual o sujeito diminui gradativamente seu peso em 
decorrência da redução, cada vez maior, da ingestão de alimentos. 
É comum aparecer em mulheres, no período da adolescência ou 
em adultos jovens, e apresenta de forma frequente e pontual, 
episódios bulímicos. Sintomas como queda de cabelo, unha fraca, 
amenorréia, perda óssea e muscular podem ser resultado da 
ausência de alimentação adequada. 
 6 
Esta é uma das possíveis descrições da anorexia. Descrição 
comum, presente tanto no discurso médico quanto em revistas e 
jornais. No trabalho apresentado a seguir, não nos restringimos ao 
sintoma da anorexia em uma perspectiva médica ou social. Nosso 
objetivo é estudar a anorexia como um sintoma que traz consigo 
uma mensagem; uma formação do inconsciente que possui uma 
função para o sujeito. Qual seria ela? 
Desde o primeiro momento, o que mais nos intrigava era o 
estatuto da anorexia como um sintoma que diz algo do sujeito. 
Que sintoma é esse? O que a anorexia pode dizer do sujeito? De 
sua articulação com o desejo e com o gozo? Esses são alguns dos 
questionamentos que estarão presentes. Além disso, o nada, que, 
como veremos, se mostra tão presente no discurso da paciente 
anoréxica, nos intriga. Como pode ele figurar como um objeto, 
investido libidinalmente pelo sujeito? 
Aos poucos, as pistas vão surgindo. Com Freud, podemos 
dizer que a anorexia está relacionada com a presença de uma 
satisfação sexual no ato de se alimentar, satisfação pulsional. 
Articulamos o sintoma da anorexia sobretudo com a pulsão em 
sua vertente oral, representada no binômio devorar – ser 
devorado. Vale relembrar a ligação que Freud estabelece entre o 
seio, a amamentação e o objeto perdido do desejo, ao afirmar que 
 7 
“para a criança, a amamentação no seio materno torna-se modelar 
para todos os relacionamentos amorosos. O encontro do objeto é, 
na verdade, um reencontro” (Freud, 1905, p.210). 
Seguindo as contribuições de Freud, não podemos deixar 
de relacionar a anorexia-bulimia com a incidência da pulsão de 
morte. A partir de 1920, Freud postula que, além da pulsão 
sexual, há também uma outra força, atuando no psiquismo, uma 
força de natureza conservadora, um “impulso inerente à vida 
orgânica a restaurar um estado anterior de coisas (...)” (Freud, 
1920, p.47). A tendência ao nada ou ao tudo é uma das possíveis 
manifestações da pulsão de morte na anorexia-bulimia. 
Com seu ensino, Lacan permite aarticulação de pontos 
interessantes, sobretudo quando define a anorexia como o ato de 
comer nada, e não como o ato de não comer. É Lacan quem 
ressalta a articulação entre a anorexia e o nada, uma das possíveis 
vestimentas imaginárias do objeto a, estabelecendo uma relação 
entre a recusa e o desejo. 
Já sob a perspectiva da fenomenologia existencial 
examinamos a manifestação de fenômenos em dois casos clínicos 
de portadoras de transtornos alimentares: Ellen West e Daiane, 
buscando descobrir a visão e o sentido de cada uma delas, o 
mundo vivido de cada uma. 
 8 
Ellen, não conseguia ser ela mesma, e mais do que se 
rejeitar, se destruía por meio de antagonias como a ideia fixa de se 
manter magra e obsessão pelo empaturramento. 
Daiane intencionava afetos, vivenciava afetividades e 
vínculos importantes, mas em seguida os eliminava, fazendo com 
suas relações o mesmo que fazia com a comida: sempre expelia, 
de forma súbita, definitiva e inexplicável. 
Em ambas verificamos a dificuldade de vivenciar seu ser-
no-mundo, de lidar com as implicações da construção do seu 
projeto existencial e de viver as contingências do para-si. Daiane 
recusava-se assimilar o mundo e as pessoas. Por isso, de forma 
impulsiva, purgava os afetos. Ellen estabelecia um nível tão 
inalcançável de exigências para ela mesma que fechava totalmente 
o seu presente em relação ao porvir. 
Esperamos que tanto o leitor com interesse acadêmico e 
científico quanto o interessado em obter conhecimento para 
melhor lidar com o tema, possam aqui achar alguma direção. 
 
Alinne Coppus e Walmir Monteiro 
 
 
 
 9 
ÍNDICE 
 
Apresentação, 2 
Prefácio dos autores, 5 
O problema - Perspectiva geral, 10 
“T. A.” - A escuta psicanalítica, 32 
A função da recusa na anorexia, em Freud, 39 
Anorexia-bulimia, em Lacan, 66 
T. A. - a ótica existencial - intenção, refúgio, renúncia, 80 
Sem saída – O caso Ellen West, 90 
Açúcar e afeto – O caso Daiane, 104 
Posfácio, 123 
Bibliografia, 130 
 
 
 
 
 
 
 
 10 
PRIMEIRA PARTE 
O PROBLEMA 
 
I – PERSPECTIVA GERAL 
 
Da mesma forma como a paralisia histérica 
contextualizava o momento histórico do final do século passado e 
início deste, a anorexia e a bulimia relatam a história de nosso 
tempo presente. E tanto uma quanto outra configuram-se como 
afecções emocionais que atingem mais especificamente às 
mulheres, em uma época em que se busca com avidez o corpo 
esbelto, magérrimo, de modelo. 
São conhecidos os malefícios do excesso de peso e o 
comprometimento da saúde na condição de obesidade, mas temos 
caído numa condição inversa, no exagero de corpos semi-
esquálidos e adoecidos de moças portadoras de anorexia nervosa e 
bulimia. 
A anorexia e a bulimia estão entre as principais causas de 
morte de mulheres jovens em todo o mundo, de acordo com a 
Organização Mundial de Saúde. Dois de cada dez casos de 
anorexia levam à morte. As vítimas são jovens que ainda estão no 
 11 
colégio ou na universidade e colocam em risco suas vidas pelo 
temor obsessivo de engordar. Suas personalidades estão apenas se 
formando quando a anorexia e a bulimia aparecem. 
A questão cultural é muito séria, e a cultura hodierna aponta para 
a estética do corpo como a coisa mais importante do mundo. As 
meninas já nascem envolvidas na obsessão por ter aquele corpo 
modelar que a televisão propaga. Tudo o mais se torna 
secundário: o saber, a cultura, o caráter, o amor, as relações 
humanas, a família, tudo fica para segundo plano. 
Geralmente as pacientes bulímicas-anoréxicas desconsideram 
tudo na vida e qualquer um que se interponha entre elas e a sua 
compulsão, torna-se um inimigo a ser evitado. Não tem pai nem 
mãe, nem mesmo namorado ou amiga que possam ser mais 
importantes que a sua obsessão pela magreza mórbida. 
Profissionais de saúde também ficam por um fio. É 
necessário que seja muito hábil e competente para tentar manter o 
vínculo terapêutico e não ser eliminado também. Trata-se de uma 
compulsão e conhecemos como isso funciona, mas aí entra um 
componente do caráter problemático, quando elas também 
eliminam (vomitam) as pessoas que tentam ajudar, e manipulam 
de forma muito hábil a tudo e a todos. 
 12 
Aqui chamamos os pais à responsabilidade, porque muitos 
deles, inebriados pela publicidade, encaminham, desde cedo, a 
filha para o mundo da ilusão da fama e do “glamour”. 
A maioria das meninas possui aquele álbum fotográfico 
amador, com fotos que as deixam com uma certa beleza artificial, 
de gosto duvidoso, bem diferente do que ela realmente é. Basta a 
criança fazer cinco ou seis anos que as mães já compram esse tipo 
de produção, e assim vão encaminhando a filha para um mundo 
de ilusão, passando a mensagem de que ela vai precisar daquele 
rostinho e daquele corpinho, para vencer. 
A sociedade moderna faz tudo virar produto. Precisamos 
questionar se é ético colocar uma criança dessa forma na vitrine. 
Eis aí uma das hipóteses etiológicas prováveis do comportamento 
bulímico: a menina sendo ensinada, desde cedo, a dar primazia ao 
corpo, em detrimento aos demais valores que compõem a pessoa 
humana. Não se quer condenar a beleza - mas o exagero da 
vaidade adoece o corpo e a alma. 
Não se quer destruir o marketing, a mídia, a propaganda - 
o que se espera é que as pessoas contemplem tudo isso com mais 
espírito crítico e mais independência, pois cabe aos pais cuidarem 
para que suas filhas não se tornem obcecadas pela beleza artificial, 
ensinando-as a desenvolverem uma postura mais crítica e 
 13 
independente em relação à massiva propaganda que prega o 
contrário. Sabemos que ninguém sozinho mudará as tendências 
da sociedade e da nossa cultura hodierna, mas se pudermos 
orientar nossas famílias a uma atitude mais crítica e avaliativa, já 
será o bastante. 
Em várias famílias de pessoas que sofrem de transtornos 
alimentares observamos uma característica conhecida como 
“família emaranhada”, onde não há diferenciação nítida entre 
pensamentos, vontades e objetivos. A individualidade não é 
admitida e os membros funcionam em bloco. Todo mundo 
controla todo mundo sem dar espaço à afirmação das 
singularidades. Constata-se superproteção, rigidez e extrema 
dificuldade de encontrar solução adequada para os conflitos. 
Possivelmente o que se objetiva, neste caso, é a perpetuação dos 
impasses, pois parece que esse tipo de família precisa sempre estar 
às voltas com conflitos insolúveis; senão, enlouquece. 
O filme “A melhor garota do mundo” (The best girl in the 
world) relata a história de Casey Powel, uma adolescente de 16 
anos com graves problemas de relacionamento e comunicação na 
família. Casey tinha uma irmã, Gail; e a sua irmã era considerada 
a filha rebelde e problemática. Já Casey era tida como um 
exemplo de candura e obediência. Essa divisão, muito comum nos 
 14 
lares, entre filho-problema e filho-exemplo pode gerar 
insatisfação em ambos. O considerado problemático acaba por 
achar que é exatamente esse o seu papel na família, e começa a 
tirar proveitos secundários disso; já o considerado exemplar 
começa a perceber que perdeu o espaço da sua expressão pessoal, 
que tem deixado de ser ele mesmo para representar um papel no 
qual apenas cumpre as expectativas dos pais e não vive a sua 
própria vida, pois, na ansiedade de executar o que os pais 
obsessivamente esperam dele, acaba por não comunicar seus 
verdadeiros sentimentos e necessidades. 
 Mais ou menos isso acontecia na família Powel. Casey, 
sob o pretexto de cobiçar um corpo de bailarina, simplesmente 
deixou de comer. A atençãoe a preocupação que eram 
exclusivamente dirigidas à sua irmã Gail começaram a se voltar 
para Casey e o processo de não se alimentar ou de provocar o 
vômito daquilo que ingeria fez com que os pais de Casey se 
dedicassem a ela, providenciando um psicólogo e um médico - 
conforme havia sido indicado pelo médico da família - que 
examinaram a adolescente e perceberam que o seu súbito 
emagrecimento não era causado por nenhuma doença física, mas 
estava sendo provocado voluntariamente. Casey chegou a um 
 15 
estágio tal de inanição que teve de ser internada para tratamento 
em uma clínica especializada. 
 A adolescente Casey não era ouvida em suas 
necessidades pelos pais. Todas as decisões, desde a escolha de um 
vestido até um curso que fosse fazer, era uma incumbência dos 
pais, que se recusavam a discutir as questões que diziam respeito à 
vida da filha. Casey exerceu sobre o corpo, um controle que não 
estava conseguindo com a sua vida e planos. Por meio do 
emagrecimento, ela mostrava aos pais que ela também tinha vez e 
espaço na condução do seu destino, mesmo que esse destino fosse 
a morte. Casey quase morreu por anorexia, mas, a partir do 
vínculo feito com o psicólogo ela conseguiu resgatar o amor 
próprio, valorizando-se e animando-se a comunicar os seus 
sentimentos de maneira franca, corajosa e direta. Em uma sessão 
familiar, ela pôde ser assertiva com os pais, falando das suas 
insatisfações e do seu sentimento de inutilidade, falta de 
identidade e de espaço na família. Casey exigia respeito, e os pais 
puderam perceber, naquela sessão, em que aspectos da educação 
da filha eles tinham falhado. 
 
 
 
 16 
Diagnóstico e Tratamento 
 Bulimia e anorexia são transtornos que se referem ao 
encrudescimento de uma idéia levada à sua mais profunda 
proporção: a de que as mulheres, com muito mais freqüência que 
os homens, costumam perceberem-se como obesas sem sê-lo. Elas 
mostram, em geral, uma grande confusão a respeito do que 
significa uma aparência normal, mas não é somente isso. Além 
desta concepção distorcida, acompanham-se muitos outros 
comportamentos. 
Infere-se, inicialmente, que os casos de bulimia purgativa 
apresentam maior grau de psicopatologia do que aqueles sem 
purgação. Lembramos que os transtornos psiquiátricos mais 
freqüentemente associados com os distúrbios alimentares são: 
transtornos do humor; transtornos de ansiedade; transtornos por 
uso de substâncias e transtornos da personalidade. Dentre os 
transtornos do humor, destacam-se a depressão maior e o 
transtorno bipolar, especialmente tipo II, em pacientes com 
quadros de bulimia graves e crônicos. Existe, no sistema familiar 
bulímico, uma forte necessidade de cada um ver a si mesmo como 
“totalmente bom”. As qualidades inaceitáveis dos pais são 
projetadas na paciente, que passa a ser o depósito de todas as 
“coisas ruins”. Identificando-se com essas projeções, ela passa a 
 17 
ser a portadora de toda a avidez e impulsividade da família. O 
equilíbrio homeostático resultante mantém o foco sobre a paciente 
“doente”, em vez de focalizar conflitos entre os pais. É 
fundamental, portanto, um enfoque multidisciplinar no 
tratamento das compulsões alimentares com cuidadosos exames 
clínico, psicológico e psiquiátrico para que se chegue a uma 
avaliação diagnóstica específica àquele paciente. 
A causa desta afecção continua sendo um enigma. Não são 
conhecidos pela ciência que fator, ou fatores, causariam a bulimia 
ou a anorexia. Isto fortalece uma visão de singularidade, uma 
abordagem fenomenológica. A bulimia de determinado paciente 
tem uma causa, ou várias. Não as conhecemos, mas existem, e 
isto nos faz olhar com mais rigor e interesse a origem dos fatos e 
nos faz ler com melhor acuidade a história pregressa do paciente. 
Tornando de fato importante que saibamos sustentar um olhar 
menos científico, investigador de causalidade, mas principalmente 
humano, a medida que nos interessamos em compreender como 
se dá cada fenômeno, cada caso, cada história. 
Herscovici (1992) diz que a própria natureza desse 
transtorno, no sentido de carecer de uma etiologia conhecida com 
precisão, possui o benefício ulterior de desterrar o dogmatismo, e 
este também é um princípio muito caro. Porque aí reside, em boa 
 18 
medida, a sabedoria para enfrentar um mundo cada vez mais 
complexo. 
Depois que a paciente recorre tanto ao método de 
supressão da alimentação, quanto ao de purgar o que comeu, 
estabiliza-se o hábito que se transforma em compulsão, ficando 
muito difícil abandoná-lo. Identificamos períodos de remissão em 
que a bulímica suspende a purga de alimentos, muitas vezes 
motivada por eventos de intervenção social, como uma viagem, 
um namorado novo, ou outro fato qualquer que desperta, de 
modo muito especial, a sua atenção. Mas na verdade depois desse 
período de latência, na maioria das vezes ela volta a apresentar os 
mesmos comportamentos. Concluímos que com relação a tais 
hábitos o melhor fim é nunca começar. 
O desenvolvimento de um transtorno da alimentação é 
semelhante - como comparou Rezende - a subir em um bote nas 
cataratas do Niágara. “O ato de subir no bote é voluntário, mas, 
após um tempo, as correntezas e as cataratas se apoderam dos 
fatos e a situação escapa do controle pessoal.” 
Além da atenção médica, as mulheres que aderem ao 
comportamento anorexico-bulimico necessitam tratamento 
psicológico, não apenas para a eliminação do hábito, mas 
principalmente para ajustamento da sua forma de interpretar a 
 19 
realidade, de pensar a sua vida e de conduzir as suas 
relações com as pessoas e com o mundo. 
Anorexia e bulimia podem levar ao óbito se não forem 
devidamente tratadas. No passado via-se como histrionismo de 
mulher rica, mas hoje já se constata que trata-se de um gravíssimo 
problema de saúde pública. 
O tratamento deve começar com duas avaliações uma feita 
por um médico e outra por psicólogo, verificando-se a dimensão 
do transtorno, as atuais condições físicas e mentais do paciente e 
se existem distúrbios psiquiátricos associados. Dependendo do 
resultado desta avaliação, a continuidade do tratamento poderá 
ser ambulatorial ou então ser necessária a internação. 
 No tratamento ambulatorial a paciente será submetida à 
psicoterapia ou psicanálise com simultâneo acompanhamento de 
um médico-clínico. Nos casos de comorbidade (detectada 
associação a outros transtornos psiquiátricos) será necessário um 
atendimento psiquiátrico, com administração de medicação 
apropriada. É necessário ter muito cuidado para não se 
administrar antidepressivos a qualquer pessoa que apresente 
bulimia ou anorexia. Antes é necessária uma cuidadosa e extensa 
avaliação, pois temos constatado casos em que ocorreram sérios 
danos ao paciente em virtude de uma administração 
 20 
indiscriminada e automática de medicamentos como levanfaxina, 
fluoxetina e outros, os quais têm sido fundamentais em diversos 
casos, mas não em todos indiscriminadamente. Devemos, pois, 
realizar encaminhamentos corretos, para especialistas com 
experiência no tratamento desses transtornos, já que não é 
qualquer profissional que está devidamente preparado para tratar 
os transtornos alimentares. O e-mail abaixo que recebemos ilustra 
bem a necessidade de melhor aprimoramento e responsabilidade 
profissional daqueles que pretendem atender pacientes com 
bulimia: 
Dr. minha Filha está sendo tratada com um psiquiatra e uma 
psicóloga, com diagnóstico depressivo. Está tomando tryptanol e continua 
com os mesmos sintomas: uma compulsão por doces e carboidratos e 
depois coloca o dedona garganta para vomitar. Já faz isso há três anos e 
ninguém diagnostica para resolver este problema. Estou perdida e, 
juntamente com ela, cansada...Pelo amor de Deus, dê-nos uma luz.A 
psicóloga disse-nos que minha filha teria que desenvolver-se 
espiritualmente porque está com um espírito obsessor que morreu 
hipoglicêmico ou diabético. Meu Deus, isso seria possível ? Por favor, 
responda-me urgentemente ! 
Não há muito a comentar. A carta mostra claramente que 
não foi realizada uma avaliação correta e cuidadosa. Um erro 
 21 
ainda cometido por alguns profissionais é misturar religião com 
diagnóstico e tratamento. Tanto a psicologia quanto a psiquiatria 
pelo fato de lidarem com aspectos pouco explícitos da vida 
humana, podem dar margem a interpretações fantásticas como a 
que está acima exemplificada. 
Geralmente o tratamento em internação justifica-se nas 
seguintes hipóteses: 
Anorexia - Perda de peso acima de 40% do normal para a pessoa; 
IMC abaixo de 18, perda de peso em ritmo muito acelerado; 
existência de complicações físicas graves; risco de suicídio; 
paciente não responde ao tratamento ambulatorial. 
Bulimia - Depressão/ desmotivação crônica; risco de suicídio; 
existência de complicações físicas graves; paciente não responde 
ao tratamento ambulatorial. 
O tratamento da bulímica ou da anoréxica não é apenas 
fazer comer ou impedir de vomitar. Muito menos forçar 
quimicamente sentimentos de alegria e disposição. Além dos 
procedimentos rotineiros de reflexão para a mudança de 
comportamento, o que se busca é ajudar a paciente a reformular 
sua forma de compreender a vida e a si mesma. Ajudá-la a 
comunicar seus sentimentos, dores, expectativas e frustrações 
 22 
usando a linguagem falada e atitudes diretas, e não só por meio de 
comportamentos e simbolizações. 
Também surge de forma muito comum a necessidade de 
tratar na bulímica tendências como manipulação, impulsividade e 
auto-mutilação. Na anoréxica o pessimismo, o conformismo e o 
desânimo, a indiferença. 
Principalmente em relação à bulímica é preciso ajudá-la a 
reconhecer e assumir os seus erros, pois ela tem muita dificuldade 
de fazê-lo sozinha. É comum agir impulsivamente, obedecendo 
tão-somente aos seus instintos e depois tentar manipular as 
pessoas, fazendo-se de vítima, para não se ver sendo confrontada 
com o seu erro. O ideal é que a família da bulímica não se deixe 
manipular, pois assim haverá maiores possibilidades de mudanças 
em seus comportamentos. 
Vemos a bulímica como uma pessoa que geralmente 
precisa reaprender a se relacionar. Isto dificilmente se fará sem 
algumas privações, restrições e controle. Também precisamos 
contar com uma família interessada em repensar profundamente a 
sua maneira de se relacionar, disposta a aceitar que muito 
possivelmente há uma real necessidade de mudanças mais 
abrangentes no grupo familiar por inteiro. 
 23 
A bulimia e a anorexia são transtornos com um curso 
geralmente crônico, comprometendo o funcionamento global das 
pacientes acometidas. É comum ouvir bulímicas afirmando não 
terem medo da morte. Há um forte componente suicida nesse 
conjunto de comportamentos obsessivos. Aliás, as principais 
causas de morte entre bulímicas são a hipocalemia e o suicídio, e 
este se dá - em alguns casos - quando a paciente encontra-se em 
estágio de plena recuperação física, quando começa a ganhar 
peso. Nesse ponto, em alguns casos, ela olha-se no espelho, rejeita 
a sua imagem (acha-se terrivelmente gorda) e pode pensar em 
suicídio. Por esta e outras razões, todo 
tratamento com bulímica precisa de acompanhamento 
psicológico. 
 
Anorexia nervosa 
 
 A palavra anorexia vem do grego an-orexis, sem 
apetite. A anorexia nervosa é um transtorno que se caracteriza 
pela deliberada perda de peso, induzida ou mantida pela paciente, 
que em total distorção de proporção, percebe-se gorda. 
 A princípio come de forma apenas insuficiente, mas aos 
poucos vai diminuindo as quantidades. O organismo que, 
 24 
naturalmente, busca compensar a ausência de elementos 
nutrientes, começa a habituar-se à falta dos alimentos e vai 
diminuindo a emissão de sinais da carência alimentar. 
Dessa forma, a paciente cada vez mais sente diminuir a 
intensidade da fome, redundando em uma sensação falsa de que 
não precisa comer, embora o seu organismo esteja se debilitando a 
olhos vistos. Um dos ganhos secundários no comportamento 
anoréxico e o despertamento da atenção dos outros. 
 Françoise Dolto em “A imagem inconsciente do 
corpo” chama a atenção para o fato de que a menina pode aderir 
ao comportamento anoréxico em um processo de resistência ao 
crescimento físico e, mais especificamente, ao amadurecimento 
sexual. O desejo de não se tornar mulher, mantendo uma 
condição sexual regredida e imatura, leva a menina a buscar o 
corpo desnutrido e desprovido de sensualidade, um corpo ausente 
de características próprias ao amadurecimento sexual. 
 A gravidade da doença pode ser exemplificada no caso 
da cantora Karen Carpenter, que morreu vítima de anorexia 
nervosa em 1983, no auge da sua carreira. Muitos anoréxicos 
podem chegar à morte, se não conseguirem ajuda a tempo. 
Anteriormente, era uma doença associada à elite. Como 
exemplo, lembramos que uma desilusão amorosa levou a Princesa 
 25 
Vitória, herdeira da coroa sueca, a um quadro de anorexia em 
1998. 
A Princesa Diana, falecida em acidente automobilístico na 
década de 90, sofreu em meados da década de 80, de anorexia e 
bulimia. Atualmente, porém, esta doença começa a fazer vítimas 
na periferia e até no sertão do Brasil, numa clara demonstração de 
que há muito deixou de ser um problema exclusivamente das 
camadas de maior poder aquisitivo, é já começa a despontar como 
um sério problema de saúde. 
Desde os primeiro meses de vida, a alimentação ocupa 
uma parte bastante importante na dinâmica psicológica da 
criança. Uma das formas de se avaliar a troca afetiva entre a mãe 
e o bebê e entre os membros de um grupo familiar é a observação 
da forma pela qual eles se relacionam com a comida. 
Provavelmente uma das formas de se prevenir os transtornos 
alimentares é procurar não estabelecer, durante os primeiros anos 
de educação da criança, uma relação direta entre alimento e 
virtudes, obrigações ou compromissos. Ou seja, há o perigo de a 
criança assimilar um ensinamento mais ou menos permanente de 
que por meio do ato de comer ela pode agradar ou desagradar a 
mãe, alegrar ou entristecer as pessoas. Definindo assim, ela passa 
 26 
a usar a comida como instrumento de comunicação e 
intermediação afetiva. 
A anorexia nervosa, que costuma surgir por volta dos nove 
anos, aparece justamente em uma idade em que a criança (ou pré-
adolescente) começa a afirmar a sua personalidade, a tentar 
mostrar que tem controle sobre as suas opções, e que sabe e pode 
decidir. 
O que decorrem daí são comportamentos típicos de uma 
rebeldia que nada mais pretende que ensaiar uma certa 
“independência” e mostrar força. 
Durante a infância (zero a oito anos) a criança foi 
alimentada e regulada, sendo instruído todo o seu comportamento 
alimentar. Aos nove anos, já pré-adolescente, ela tenderá a 
mostrar de alguma forma que está começando a criar códigos de 
conduta, próprios e independentes. A anorexia poderá, portanto, 
ser oriunda de um comportamento escolhido, simbolicamente, 
pela criança para se independer. 
Depende de algumas tendências predisponentes e da 
ausência de uma detecção precoce, a evolução de um simples 
comportamento escolhido até anorexia nervosa. 
Se o alimento assumiu o lugar de instrumentode 
comunicação, coerção e troca afetiva ao longo desses oito 
 27 
primeiros anos, possivelmente essa pré-adolescente o elegerá 
como meio de comunicar suas insatisfações, carência e dúvidas. 
Pode surgir dessa maneira o comportamento anoréxico que mais 
tarde se manifestaria na forma de bulimia. 
Na verdade há um entrecruzamento de anorexia com 
bulimia, sendo comum que se misturem comportamentos típicos 
de ambos os transtornos: para não engordar, a jovem vomita o 
que come. E depois, para não vomitar, deixa de comer. 
A anorexia nervosa não é um caminho em direção à morte, 
mas sim, paradoxalmente, rumo à vida. No fundo não há nada a 
fazer senão criar condições para que as pessoas anoréxicas possam 
chegar muito perto da morte, para assim poderem retornar à vida 
(ROBELL, 1997). 
 Diagnóstico, etiologia, complicações clínicas 
Critérios Diagnósticos DSM III R para anorexia nervosa e 
bulimia nervosa (Associação Psiquiátrica Americana, 1987). 
Anorexia Nervosa 
1. Recusa em manter o peso do corpo de acordo com o mínimo 
normal, conforme a idade e a altura; por exemplo, perda de 
peso levando à manutenção de um peso corporal 15% abaixo 
do esperado; ou incapacidade de alcançar um ganho de peso 
 28 
esperado durante o período de crescimento, levando o peso 
corporal a 15% abaixo do esperado. 
2. Medo intenso de ganhar peso ou de engordar, apesar de estar 
abaixo do peso. 
3. Perturbação do modo como o peso, o tamanho ou a forma do 
corpo são percebidos; por exemplo, a pessoa queixa-se de 
“estar gorda” mesmo quando macilenta, e acredita que uma 
parte do corpo está “muito gorda” mesmo quando 
obviamente abaixo do peso. 
4. Em mulheres, a ausência de pelo menos três ciclos menstruais 
consecutivos quando se espera que ocorram de outra maneira 
(amenorréia primária ou secundária) - considera-se que uma 
mulher tem amenorréia se os seus ciclos só ocorrerem após a 
administração de hormônios (por exemplo, o estrogênio). 
Bulimia Nervosa 
Bulimia é uma palavra de origem grega, junção de bous 
(boi) com limo (fome), resultando na expressão “fome como de 
um boi”, tecnicamente conhecida, porém, como hiperorexia, 
cinorexia ou polifagia. A bulimia ocorre com episódios periódicos 
de compulsão a comer, acompanhados da sensação de perda da 
capacidade de evitar este ato ou de interrompê-lo uma vez 
iniciado. 
 29 
O paciente come excessivamente, buscando o 
empaturramento, vindo depois a purga (provocação de vômito) 
para tentar eliminar os efeitos de ganho de peso e para buscar 
alívio diante da sensação angustiante que a ingesta excessiva lhe 
conferiu. 
 Como método de purga alguns pacientes utilizam-se de 
laxantes, e com eles tentam acelerar o processo digestivo, 
impedindo que o mesmo se complete em seu processo natural. 
Quando usam diuréticos eliminam grande quantidade de água do 
organismo, forçando a perda de algum peso. O medo doentio de 
engordar, adicionado à fome e à necessidade de alívio emocional 
(por aborrecimento, depressão, ansiedade ou irritação) é que leva 
o paciente a empaturrar-se de alimentos, sem saboreá-los. A 
suspensão dessa ingestão se dá devido à distensão abdominal, 
interrupção externa, recuperação do controle emocional ou 
sonolência pós-prandial. 
A bulimia é um transtorno alimentar que atinge mulheres 
em 90% dos casos, sendo a principal manifestação entre as demais 
compulsões alimentares. 
Em nossa prática clínica notamos que três vezes mais 
mulheres tem bulimia nervosa em comparação com as que 
apresentam anorexia nervosa . 
 30 
O cotidiano do bulímico é organizado, obsessivamente, em 
torno do comer e do vomitar. Geralmente, o bulímico confere o 
seu peso diversas vezes ao dia, principalmente depois que come 
muito e depois que consegue vomitar o que comeu em excesso. 
 As pacientes bulímicas são mais egodistônicas do que 
as anoréxicas, sendo mais ávidas para livrarem-se de seus 
sintomas. Assim, essas pacientes estão mais inclinadas a buscar 
ajuda. Entretanto, podem demorar em média cinco anos para 
buscar tratamento, fazendo-o por volta dos vinte e cinco anos, 
quando já se encontram bastante perturbadas pelo 
comportamento ou apresentam complicações físicas das práticas 
bulímicas. Essa latência na busca do tratamento decorre 
freqüentemente de sentimentos de culpa e vergonha, associados à 
imposição sociocultural dos padrões de beleza. Na maioria das 
vezes, as famílias moderadamente disfuncionais das pacientes não 
estão cientes do problema, pois os comportamentos ocorrem em 
segredo e não há perda de peso importante. 
Bulimia Nervosa 
1. Episódios recorrentes de excessos alimentares (rápido 
consumo de uma grande quantidade de comida em um período 
descontínuo de tempo). 
 31 
 
2. Sensação de falta de controle sobre o comportamento 
alimentar, durante os episódios de excessos alimentares. 
 
3. Para não engordar, a pessoa regularmente recorre ao vômito 
induzido, ao uso de laxantes ou diuréticos, ao regime rigoroso, ao 
jejum ou a exercícios extenuantes. 
 
4. Uma média mínima de dois episódios de excessos alimentares 
por semana por pelo menos três meses. 
 
5. Preocupação excessiva e persistente com relação ao peso e à 
forma corporal. 
Critérios diagnósticos para anorexia nervosa - DSM IV 
1. Recusa em manter o peso corporal em, ou acima de, um 
peso minimamente normal para a idade e altura; 
2. Medo intenso de ganhar peso ou engordar, mesmo 
estando abaixo do peso normal; 
3. Distúrbio no modo como a forma ou o peso corporal são 
experienciados, influência indevida da forma ou do peso corporal 
na auto-avaliação, ou negação da seriedade do atual peso corporal 
baixo; 
 32 
4. Em mulheres na pós-menarca, amenorréia, isto é, 
ausência de pelo menos três ciclos menstruais consecutivos.(A 
mulher é considerada amenorréica se suas menstruações ocorrem 
somente em conseqüência da administração de hormônios, por 
exemplo, o estrógeno). 
Obs. - Ainda segundo o DSM-IV, à anorexia nervosa 
poderiam ser associados quadros de depressão. Esta, no entanto, 
pode ser secundária às seqüelas fisiológicas da semi-subnutrição. 
Características obsessivo-compulsivas, relacionadas ou não à 
comida, costumam estar presentes. E apesar de o DSM-IV 
preocupar-se em estabelecer uma distinção entre anorexia nervosa 
e bulimia nervosa, episódios bulímicos, como vimos, podem 
ocorrer dentro de um quadro de anorexia nervosa. 
 Normalmente, é na adolescência que os transtornos 
alimentares têm início, e atribui-se à bulimia dois momentos de 
maior risco de surgimento - aos quatorze e aos dezoito anos - 
podendo alcançar a variação dos doze aos vinte e cinco anos. Já a 
anorexia nervosa costuma aparecer em meninas a partir dos nove 
anos de idade. Alguns autores consideram a bulimia como uma 
forma de cronificação da anorexia nervosa. A bulimia nervosa, 
como transtorno alimentar, confere às pacientes perfis 
socioculturais, psicológicos e biológicos bem característicos, 
 33 
compondo um modelo desses indivíduos. Assim, é importante 
que os profissionais de saúde, em qualquer área que atuem, 
possam atentar para sinais característicos em suas pacientes que os 
levarão ao reconhecimento dessa doença. 
 Ressalta-se que as pacientes bulímicas geralmente 
originam-se de famílias que apresentam altos níveis de 
obsessividade, preocupação excessiva com comidas, peso 
corporal, dietas restritivas, distúrbios de ansiedade e depressão. 
Há evidências de fatores genéticos e familiares influenciando a 
etiologia comum de depressão maior e bulimia nervosa. 
Igualmente importante é salientar que raramente um transtornoalimentar desenvolve-se em pacientes sem outras condições 
psiquiátricas prévias. 
 Algumas doenças orgânicas se apresentam com uma 
hiperfagia que chama a atenção, por exemplo, o hipertireoidismo, 
o diabetes, alguns tumores hipotalâmicos, a síndrome de Prader 
Willi (forma de obesidade congênita) e algumas afecções não-
tumorais do sistema nervoso, com comprometimento da região 
hipotalâmica. 
 Algumas outras situações fisiológicas como o 
desenvolvimento puberal, especialmente nos homens, podem 
provocar ingestões copiosas. Estes casos são diferentes da bulimia. 
 34 
 Mas a bulimia pode resultar em diversos problemas físicos e 
é importante que haja um acompanhamento clínico. Entre as mais 
importantes complicações físicas geradas pelo comportamento 
bulímico, citamos a hipocalemia que refere-se à baixa de potássio 
no sangue e a hipocalcemia que é a deficiência de cálcio no 
sangue. 
Muitas outras complicações físicas podem ser causadas, 
desde as relacionadas com a baixa de magnésio e sódio no sangue, 
até os problemas odontológicos como a perda de esmalte e 
dentina pela descalcificação e dissolução do esmalte por efeito 
químico do ácido gástrico. 
Também se verificam aumento das glândulas parótidas, 
feridas nos cantos da boca, bradicardia, mudanças ortostáticas da 
pressão arterial, erosões e calosidades nas mãos (sinal de Rusell) e 
complicações cardiovasculares em função de hipotensão arterial 
causada pela perda excessiva de líquidos e eletrólitos. 
Os transtornos psiquiátricos mais freqüentemente associados com 
os transtornos alimentares são: transtornos do humor; transtornos 
de ansiedade; transtornos por uso de substâncias e transtornos da 
personalidade. Dentre os transtornos do humor, destacam-se 
depressão maior e transtorno bipolar, especialmente tipo II, em 
pacientes com quadros de bulimia graves e crônicos. 
 35 
Dentre os transtornos por abuso de substâncias, estão o 
abuso de álcool e abuso de estimulantes, perfazendo um terço das 
pacientes com bulimia nervosa. 
Há alta frequência de transtornos de personalidade em 
pacientes com bulimia nervosa. A metade das pacientes bulímicas 
por nós atendidas apresentavam algum transtorno de 
personalidade. As pacientes com essa comorbidade podem ter 
desinibição, instabilidade afetiva, impulsividade e dificuldades 
temperamentais desde a infância. 
Além das características apresentadas, salienta-se a forte 
associação entre comportamentos severos do controle de peso e 
ideação e tentativas de suicídio. Nesse espectro, refere-se a 
correlação entre bulimia nervosa e comportamento autodestrutivo 
impulsivo e compulsivo. Sugere-se que o comportamento 
purgativo das bulímicas possa ser considerado autodestrutivo. Os 
vômitos estão associados a atos compulsivos, pela ritualização e 
repetitividade, pela necessidade egodistônica das pacientes 
bulímicas e pela liberação da ansiedade provocada pelo ataque 
bulímico. 
Ao contrário, o uso de laxativos e diuréticos encontra-se 
em uma dimensão de comportamento impulsivo, associado ao 
abuso de substâncias, cortes auto-inflingidos e tentativas de 
 36 
suicídio. 
 Há associação relatada entre várias comorbidades 
psiquiátricas e bulimia nervosa, em pacientes que sofreram abuso 
sexual na infância, tanto pelos aspectos emocionais traumáticos, 
quanto pelo envolvimento de neurotransmissores 
permanentemente alterados a partir de tal ocasião. 
A desregulação neuroquímica associa-se à alteração na 
conduta alimentar e ao desenvolvimento de comorbidades 
psiquiátricas nessas pacientes. 
 
Diferenças entre a bulímica e a anoréxica 
 
Percebemos algumas distinções importantes na forma 
como, em geral, se apresentam os estados internos da bulímica e 
da anoréxica. 
A anoréxica tem alextimia, dificuldade em perceber seus 
estados e sentimentos; por outro lado é mais capaz de exercitar a 
vontade para controlar as ânsias de comer. Ela sofre de uma 
espécie de anedonia que é a falta de prazer com as coisas. 
 Contrariamente, as bulímicas tem maior consciência dos 
seus estados internos e também menor capacidade de controlar 
seus impulsos. 
 37 
As pacientes bulímicas têm, algumas vezes, transtornos de 
conduta associados, como: furtos, tendência à manipulação das 
pessoas, abuso de álcool ou drogas, e gestos automutiladores. 
 Notamos que as anoréxicas costumam possuir 
antecedentes de terem sido meninas exemplares, até a instalação 
da doença. Com freqüência a bulímica é uma pessoa sexualmente 
ativa e, às vezes, até promíscua. A anoréxica tende a ser 
sexualmente inativa e sem desejo sexual. 
A bulímica tem iniciativa na busca de ajuda profissional, a 
anoréxica não. 
A bulimia pode evoluir anos sem tratamento, porque é 
ocultada a sua sintomatologia, já a anorexia apresenta sintomas 
de maior visibilidade. 
Diferentemente da anoréxica, a bulímica costuma ter um 
aspecto mais saudável e, entretanto, pode ter uma parada cardíaca 
por desequilíbrio eletrolítico. A causa de morte mais comum entre 
pacientes anoréxicas, no entanto, é arritmia cardíaca, originada 
pela desnutrição. 
Sabemos que as pacientes bulímicas tenderão a utilizar os 
empaturramentos como um meio de aliviar o mal-estar 
emocional, enquanto as anoréxicas se entregam à manutenção do 
esvaziamento não só do corpo, mas da alma, da vontade, da ação. 
 38 
 Tanto a bulimia quanto a anorexia são transtornos que 
agregam considerável quantidade de problemas psicológicos, 
identificados no conjunto de comportamentos presentes nesses 
distúrbios. 
Quanto aos relacionamentos, a palavra que impera na anorexia é 
omissão, na bulimia manipulação. 
Quanto ao corpo, impera na anorexia a negação, na 
bulimia a distorção. 
Ao mesmo tempo em que a bulímica venera o seu corpo, 
também o despreza. A adoração se identifica na obsessão pelo 
corpo de beleza perfeita, de estética admirável e irrepreensível em 
uma silhueta irretocável em seus milímetros. Já o desprezo não é 
somente ao corpo, mas à própria vida, quando se auto-impede de 
ter uma nutrição mínima para manter-se viva e saudável. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 39 
SEGUNDA PARTE 
OS “TRANSTORNOS ALIMENTARES” SOB A 
ESCUTA PSICANALITICA 
 
 II – A FUNÇÃO DA RECUSA NA ANOREXIA 
As contribuições de Freud 
 
 Com as descobertas da psicanálise, surge uma nova 
concepção de homem a partir dos ensinamentos de Freud. 
Habitado por um novo saber do qual ele tem notícias a partir dos 
sonhos, atos falhos e sintoma, o homem não possui mais a 
primazia da consciência, surgindo uma nova instância psíquica 
que determina de forma peculiar seus atos e pensamentos: o 
inconsciente. 
 Dando voz às histéricas, Freud vai tomando contato com 
as leis que regem o inconsciente, com as características deste, e 
com a presença de um sofrimento naquele que fala. O sintoma 
passa a ter um estatuto diferente do vigente no saber médico, onde 
aparece como um sinal de que algo no corpo não está 
funcionando conforme o esperado organicamente, requerendo, 
assim, medicação e eliminação imediata. O sintoma freudiano 
tem valor de enigma, sendo uma formação do inconsciente que 
 40 
expressa uma relação de compromisso entre as exigências 
pulsionais e o julgamento crítico. É, sobretudo, uma satisfação 
pulsional, uma mensagem onde atuam o deslocamento e a 
condensação das representações inconscientes. 
Os sintomas sobre os quais nos debruçamos são os ditos 
transtornos alimentares, sobretudo a anorexia e a bulimia. Na 
verdade, veremos que dificilmente esses sintomas se apresentam 
separadamente, sendo já bastante usada a terminologia anorexia-bulimia para abordá-los. 
A anorexia foi primeiramente definida por Naudeau, em 
1789, como “uma doença nervosa acompanhada de uma repulsa 
extraordinária pelos alimentos” (apud Bidaud 1998, p.11). Já 
entre 1868 e 1873, o termo anorexia nervosa aparece nas obras do 
inglês William Gull “definida como privação – em caráter privado 
– do apetite” (id). É interessante observarmos que o método 
utilizado como tratamento nesses casos era o isolamento 
terapêutico. A paciente era retirada de casa e internada em um 
quarto onde permanecia sozinha, só tendo contato com o médico. 
Por que era justamente a separação da paciente de seu meio o 
tratamento mais indicado? Eis uma questão que nos intrigou 
desde o início de nossa pesquisa: aquela da relação entre a 
anorexia e a separação. 
 41 
A anorexia mata 15% dos jovens acometidos por essa 
sintomatologia, sendo a doença compulsiva que mais mata no 
mundo (Fux, 2002). A compulsão aí presente é emagrecer a 
qualquer custo, e, muitas vezes, ela parece não se constituir como 
uma mensagem endereçada ao Outro, possuindo a mudez própria 
da pulsão de morte. Apostamos, porém, que desse sofrimento 
pode surgir uma demanda endereçada ao analista, movimento que 
se faz necessário para a realização do tratamento analítico. E a 
questão que colocamos é, então: como dar voz a ela. 
Sabemos que através do discurso social, as palavras 
anorexia e bulimia fornecem ao sujeito a possibilidade de que ele 
se identifique com o significante “sou anoréxica” ou “sou 
bulímica”, mascarando a relação particular que ele possui com 
seu sintoma. 
 A partir de um olhar analítico destacamos que a anorexia-
bulimia, ao menos a que se apresenta como um sintoma dentro da 
estrutura neurótica, coloca em cena o corpo tanto em sua relação 
com o desejo como com o gozo. O estudo do nada, um dos 
representantes possíveis do objeto a, permite essa articulação, 
visto que o mesmo possui tanto uma face desejante, - é o objeto 
causa de desejo -, como uma relação com o gozo, - através de sua 
função demais-de-gozar. 
 42 
A relação entre a anorexia e o nada foi retirada de algumas 
passagens do ensino de Jacques Lacan. Dentre estas, citamos a 
seguinte definição, presente ainda no início do seu ensino: “a 
anorexia mental não é um não comer, mas um comer nada” 
(Lacan, 1956/57, p.188, grifo do autor). O nada ganha forma de 
objeto e, investido como tal, passa a ter um lugar prioritário na 
economia libidinal do sujeito. Especificamente em relação à 
anorexia-bulimia, o que se destaca é o comer e o saber nada. 
Comendo nada ou devorando tudo – outro lado da moeda de um 
movimento onde o sujeito também se depara com o nada – o 
sujeito mantém uma posição de nada saber sobre a 
impossibilidade da relação sexual, deixando à mostra a paixão 
pela ignorância como destaca Lacan (1972-73, p.164). 
Em resposta a um vínculo parasitário com o Outro, que 
muitas vezes oferece a possibilidade de um gozo sempre à 
disposição, o sujeito elege o nada como um atalho, uma vía que, 
mesmo trágica, tenta salvar o sujeito da catástrofe de sua total 
alienação. “Graças a este nada, ela (a criança) faz a mãe depender 
dela” (Lacan, 1956-57, p.189), em uma manobra que inverte a 
relação inicial de dependência do sujeito em relação ao Outro 
materno. O nada que a anoréxica-bulímica come é peculiar, tem 
uma espessura particular, derivada da consistência do desejo. 
 43 
Nosso intuito não é fazer generalizações nem criar 
fórmulas que definem o sujeito, seu sintoma e seu tratamento; já 
há um discurso que caminha nesse sentido. Os artigos médicos 
abordam a anorexia e a bulimia como um distúrbio alimentar, 
uma disfunção orgânica na qual o sujeito não estaria implicado, e 
cujo tratamento na maioria dos casos é a obrigatoriedade de 
comer (através de internação) juntamente com uma ação 
medicamentosa (antidepressivos e ansiolíticos) e a indicação de 
um trabalho terapêutico. 
O DSM-IV - Manual diagnóstico e estatístico dos 
transtornos mentais organizado pela Associação Americana de 
Psiquiatria (2004) – guia da clínica médica –, traz classificações 
diferentes para anorexia nervosa e bulimia. Em relação à anorexia 
nervosa, o manual afirma que suas características essenciais 
consistem no rechaço de manter um peso corporal mínimo 
normal (IMC entre 18 e 25), em um medo intenso de ganhar peso 
e em uma alteração significativa da percepção da forma ou 
tamanho do corpo. Afirma ainda que há uma mortalidade de 10% 
em pacientes hospitalizados cujas causas maiores são: suicídio, 
inanição e desequilíbrio eletrolítico. 
Já a bulimia se apresenta em 3% das mulheres e tem como 
características as crises de “comilança” com a utilização de 
 44 
métodos compensatórios inapropriados para evitar o ganho de 
peso como o uso de laxantes, vômitos, excesso de exercícios e 
restrição alimentar severa. Para poder realizar o diagnóstico, tais 
crises devem produzir-se ao menos duas vezes na semana durante 
um período de três meses. 
Apesar da classificação médica clássica abordar a anorexia 
de forma separada da bulimia, Recalcati (2004) aponta que a 
lógica que inspira a anorexia e a bulimia é uma só, chegando a 
usar a fórmula “anorexia-bulimia” para designar esse sintoma, 
afirmando que elas dificilmente se apresentam em ‘estados puros’. 
Adotaremos também essa terminologia sem excluirmos a 
possibilidade da anorexia e da bulimia se apresentarem 
isoladamente na clínica, nem nos furtarmos a explorar as mesmas 
separadamente na teoria. 
Buscaremos na elaboração freudiana elementos que nos 
esclareçam essa intrigante relação entre o sujeito e seu sintoma, 
entre o sujeito e a anorexia. O que Freud nos traz sobre a pulsão 
oral e a sexualidade? O que pode esclarecer sobre a relação mãe-
filha, que vemos aparecer com tanta freqüência no discurso desses 
pacientes? Seria o “retorno ao inanimado”, presente no psiquismo 
através da ação da pulsão de morte, que o definhamento do corpo 
coloca em ato? 
 45 
É nos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905) 
que a pulsão sexual faz sua entrada formal na obra de Freud. Em 
um primeiro momento, não fica claro se a pulsão é psíquica ou 
somática, pois Freud afirma que ela resulta de estímulos 
constantes oriundos do corpo, e que, ao mesmo tempo, só temos 
acesso a ela através de um representante psíquico. É em 1915, em 
um acréscimo ao texto de 1905, que Freud situa a pulsão, 
indicando que se trata de um conceito que articula o psíquico e o 
somático. Localiza a fonte da pulsão em processos excitatórios 
nos órgãos corporais, concebe sua força como constante, e seu 
objeto como o mais variável possível na finalidade de obter 
satisfação. A vida sexual do sujeito aparece, sobretudo, a partir de 
organizações que privilegiam zonas corporais como a boca, o 
ânus e o genital. São meios de obter satisfação que atuam 
independentemente um do outro e buscam um alvo sexual 
exclusivo. Uma questão, contudo, permanece: a excitação sexual 
se origina de onde? Além de estar metapsicologicamente 
localizada no corpo, Freud nos diz que a excitação sexual também 
se localiza na tentativa de reviver uma satisfação com a 
estimulação da zona erógena (Freud, 1905). Ou seja, a excitação 
está remetida a uma primeira satisfação que se perdeu, havendo, 
portanto, uma defasagem nesse jogo. 
 46 
A primeira expressão da sexualidade ocorre através da 
oralidade, que é experimentada no ato da alimentação e traz 
consigo a marca de uma experiência prazerosa na qual os lábios se 
comportam como uma zona erógena, área do corpo capaz de ser 
investida libidinalmente. Em um primeiro momento,a satisfação 
da zona erógena fica associada ao alimento. “A atividade sexual 
apóia-se primeiramente numa das funções que servem à 
preservação da vida, e só depois se torna independente delas” 
(Freud, 1905, p.171). Freud afirma ainda que os órgãos 
responsáveis pela alimentação e excreção “têm particular 
facilidade de se tornarem veículos de excitação sexual” (Freud, 
1917 [1916-17]b, p.361). 
A partir dessa experiência prazerosa com o objeto da 
alimentação, há um deslocamento do sugar um objeto externo 
para o sugar uma parte do próprio corpo, instalando-se o que 
Freud denomina de chuchar sensual. Faz, porém, a ressalva de 
que esse comportamento não é observado em todas as crianças, 
mas naquelas em que “a significação erógena da zona labial for 
constitucionalmente reforçada” (Freud, 1905, p.171). 
Acrescenta ainda que, se o investimento mantiver a mesma 
intensidade, há uma maior tendência para a bebida e o fumo: mas 
se o recalque incidir aí, ocorrerão vômitos histéricos e o nojo do 
 47 
alimento. Seria isso o que acontece na anorexia? Um reforço 
erógeno na zona oral de origem constitucional, com posterior 
ação do recalque? Talvez seja cedo para afirmarmos que a 
causalidade desse sintoma esteja situada apenas na constituição 
do sujeito, apesar de compreendermos que a constituição em 
Freud não está ligada somente ao determinismo orgânico, e, sim, 
aos “efeitos secundários de experiências vividas pelos ancestrais 
no passado; e que também elas foram adquiridas” (Freud, 
1917[1916-17c], p.422). Embora a origem e o caráter de tais 
experiências não sejam precisados, é certo que não se trata aí de 
hereditariedade. 
As diversas organizações sexuais geram um prazer parcial 
e local, assim denominado por não haver ainda a unificação das 
pulsões para a obtenção do prazer genital. Isso não quer dizer que 
haja a possibilidade de um prazer pleno, quando o sujeito é 
despertado para a pulsão genital. A era do “genitalismo” 
normativo demonstrou o equívoco de alguns leitores de Freud, 
que enxergaram em sua obra a possibilidade de se ascender a uma 
sonhada satisfação, com a conseqüente eliminação dos problemas 
que o sujeito vive em relação ao sexo. Quando esse prazer inicial, 
oriundo das zonas erógenas, é intenso, há o risco de que algo que 
seria um meio de obter prazer na excitação se transforme no alvo 
 48 
em si. Para que isso aconteça, é necessário que, já durante a 
infância, tenha ocorrido uma obtenção de prazer incomum. 
Nesses anos anteriores à organização genital, a escolha de objeto 
toma a direção do primeiro objeto do prazer oral, ou seja, o seio, 
e, conseqüentemente, a mãe. “A mãe é o primeiro objeto de 
amor” (Freud, 1917 [1916-17]b, p.385). 
A satisfação mais primitiva, apesar de ser auto-erótica, tem 
como objeto o seio. Isso ocorre porque a criança não consegue 
diferenciar o seio como sendo dela ou do outro. Lacan afirma no 
Seminário 10 (1962/63) que o corte, a separação, não ocorre entre 
a criança e o seio, e sim entre a mãe e o seio. Indica, então, que 
“função original da mama. Esta se apresenta como algo entre o 
rebento e a sua mãe. Portanto, convém concebermos que é entre a 
mama e o próprio organismo materno que reside o corte” (Lacan, 
62/63, p. 256). A perda do seio é efetivada com a representação 
da imagem daquele que vem satisfazer a criança, o seio é perdido, 
portanto, a partir da separação que ocorre com a diferenciação 
entre o sujeito e o outro. A perda desse objeto de satisfação é 
fundamental para que outras zonas e outros objetos sejam 
investidos, deixando marcas na relação do sujeito com o outro 
através dos processos de identificação, ambivalência e 
diferenciação. A partir daí, poderíamos afirmar que, desde o 
 49 
início, é o seio, associado com a alimentação, que traz uma das 
primeiras marcas de separação entre o sujeito e o Outro, e que, em 
um momento posterior, a cada ativação dessa marca, a partir das 
perdas que o sujeito sofre em relação a seus objetos, entra em jogo 
um movimento de separação em torno do alimento. 
Vale a pena retomar a citação segundo a qual “sugar ao 
seio materno é o ponto de partida de toda vida sexual, o protótipo 
inigualável de toda satisfação sexual ulterior, ao qual a fantasia 
retorna muitíssimas vezes, em épocas de necessidade” (Freud, 
1917 [1916-17], p.367). Ainda em relação ao seio, Freud afirma 
que “para a criança, a amamentação no seio materno torna-se 
modelar para todos os relacionamentos amorosos. O encontro do 
objeto é, na verdade, um reencontro” (Freud, 1905, p.210). As 
futuras escolhas amorosas estão apoiadas nos modelos infantis 
primitivos como tentativa de recuperar a suposta felicidade 
perdida, movimento de reinvestimento no traço deixado pela 
primeira experiência de satisfação. 
Além da amamentação, a relação da criança com a mãe é 
fonte de excitação e satisfação sexual. A mãe toma a criança 
como objeto sexual, acariciando-a e beijando-a, despertando no 
filho a pulsão sexual. Afirmamos assim que o ato de alimentar é 
um ato marcado pela sexualidade, pelo desejo da mãe em relação 
 50 
à criança, o alimento sendo aí o objeto que encarna o 
investimento materno no sujeito. 
Freud ressalta que o excesso, tanto do lado da criança, que 
se mostra insaciável em relação à ternura parental, como também 
do lado dos pais, que exibem um cuidado desmedido em relação 
ao filho, serve de prenúncio à instalação de uma neurose na vida 
adulta. Isso porque há uma elevada adesividade das impressões 
deixadas pela vida sexual infantil. Tais impressões podem agravar-
se “a ponto de produzirem uma repetição compulsiva e poderem 
prescrever por toda a vida os caminhos da pulsão oral” (Freud, 
1905, p. 228). Podemos afirmar que, nos sujeitos que desenvolvem 
a anorexia e a bulimia, houve uma fixação na satisfação oral cujo 
resultado é o estabelecimento de uma relação especial entre a 
comida e a satisfação sexual. 
Freud, inventando a psicanálise, falou sobre a anorexia, 
sem que tenha escrito nenhum texto dedicado exclusivamente ao 
tema. Sempre que o aborda, coloca-o na vertente do sintoma. Ou 
seja, fala sobre o sintoma anoréxico, e não sobre as anoréxicas. 
Desde suas correspondências com Fliess, Freud se 
interroga a respeito desse sintoma, afirmando que “a neurose 
nutricional paralela à melancolia é a anorexia. A famosa anorexia 
nervosa (...) é uma melancolia em que a sexualidade não se 
 51 
desenvolveu. (...) Perda do apetite – em termos sexuais, perda de 
libido” (Freud, 1895/1996, p. 247). Relacionando a perda de 
apetite e a perda de libido com uma perda objetal, encontramos o 
caminho pelo qual Freud articulou a anorexia com a melancolia. 
Ambas seriam resultado de uma dificuldade do sujeito em lidar 
com a perda do objeto. O processo anoréxico revela uma 
dificuldade em relação à perda, à realização de um luto. Nesse 
momento de sua obra, essa perda de libido pode ser entendida 
como uma deserotização da atividade oral, já que, aqui, a 
anorexia é articulada com a melancolia. Em nenhum outro 
momento, porém, Freud fará esse paralelo, passando a relacionar 
a anorexia com a histeria, e, conseqüentemente, com um aumento 
da erotização na zona oral que perturba as atividades aí situadas. 
Apesar de não nos determos na questão da melancolia, o que 
acarretaria um dispendioso desvio do tema, não deixa de ser 
interessante destacarmos a relação da melancolia com a anorexia, 
a qual também pode ser analisada através dessa configuração: 
ambas entretêm uma relação, cada uma a sua maneira, com o 
nada. 
Entre os casos que Freud cita a respeito da anorexia, há o 
de uma mãe que não conseguiaalimentar seu filho no peito, 
apresentando dores, vômitos e perda de apetite. Através da 
 52 
hipnose, Freud elimina esse sintoma ao falar para a mãe que ela 
pode cuidar de seu filho muito bem. Associa esse comportamento 
à presença de idéias antitéticas, muito freqüentes na histeria. São 
idéias de contra-vontade que invadem o corpo e se tornam mais 
fortes que a intenção (Freud, 1892-93/1996).Prosseguindo em sua 
obra, destacamos o caso de Emmy Von N., a qual apresentava 
uma recusa de comer. Ao procurar o motivo dessa recusa, Emmy 
se lembra das vezes em que, quando pequena, era obrigada a 
comer carne fria e dura, o que gerava grande revolta na paciente. 
Nesse caso, “... o ato de comer, desde os primeiros tempos, se 
vinculara a lembranças de repulsa cuja soma de afeto jamais 
diminuíra em qualquer grau; e é impossível comer com prazer e 
repulsa ao mesmo tempo” (Freud, 1893-95/1996, p.118). 
Outro caso citado foi o de um menino de 12 anos que 
apresentou uma anorexia como efeito de uma investida sexual de 
outro homem. Este último pediu que o menino colocasse a boca 
em seu pênis. Essa idéia foi superinvestida de afeto e afastada da 
consciência, mas retornou através do sintoma de não conseguir 
colocar nada na boca (Freud, 1893-95/1996, p.232). Ressaltamos 
a importância do relato de Freud sobre esse caso, já que 
observamos, nos artigos trabalhados, uma unanimidade acerca da 
ocorrência da anorexia em mulheres, quando sabemos que, 
 53 
mesmo sendo em um número muito pequeno, o sintoma 
anoréxico também se apresenta em homens, estando mais 
relacionado com a estrutura histérica (quando se apresenta na 
estrutura neurótica) e não com o sexo do sujeito. 
Com os casos citados, observamos que Freud localiza os 
vômitos crônicos e a anorexia (que pode chegar ao extremo da 
rejeição de todos os alimentos) entre os sintomas histéricos. Eles 
resultam de uma “emoção penosa” surgida durante a alimentação 
a qual foi suprimida pela ação do recalque, e retornou através de 
náuseas (Freud, id). 
Mesmo tendo estudado a anorexia até esse momento de 
sua obra (1904), é importante destacarmos que, nos artigos “O 
método psicanalítico de Freud” (1904-1903) e “Sobre 
psicoterapia” (1905-1904), Freud nos mostra quais os sintomas 
indicados para serem tratados pela psicanálise e deles exclui a 
anorexia. Segundo Freud, “não se deve requerer à psicanálise 
quando se trata de eliminar com rapidez fenômenos perigosos, 
como, por exemplo, na anorexia histérica” (1905-1904, p. 250); 
nesta clínica, a ênfase se coloca no ato de escutar o sintoma, e não 
de suprimi-lo. Sendo assim, todas as expressões somáticas da 
histeria, que exijam o pronto atendimento do médico para 
afastamento dos sintomas – dentre elas, a anorexia - precisaria 
 54 
aguardar uma fase menos aguda para a intervenção do 
psicanalista (1904-1903, p. 240). Ao nos perguntarmos sobre a 
justificativa da advertência freudiana, ressaltamos o quanto a 
psicanálise atenta para o sintoma da anorexia em sua gravidade e 
urgência. Freud está indicando que, ao lado do tratamento 
analítico, é necessário fazer um trabalho conjunto com outras 
práticas, como, por exemplo, a medicina e a nutrição. Em 
nenhum outro momento de sua obra essa colocação se repetiu, e 
isso não o impediu de continuar sua pesquisa sobre esse tema. 
No caso do homem dos lobos (Freud, 1918 [1914]), é 
analisada uma fobia – apresentada na infância do paciente – 
relativa àquele animal. O medo de ser comido pelo lobo ficou 
explicitado no sonho de angústia que teve ainda pequeno. Esse 
sonho, no qual sete lobos o fitavam imóveis em uma nogueira, foi 
analisado durante o tratamento, fazendo com que o paciente se 
recordasse da cena primária em que os pais mantinham relação 
sexual. O horror diante da visão do órgão genital da mãe fez com 
que ele se deparasse com a castração. A figura do lobo trazia 
traços que se assemelhavam à posição do pai durante a relação 
sexual. Além desse sintoma, o paciente também apresentou, 
quando pequeno, um distúrbio do apetite em que quase não 
aceitava comida. Freud concebe esse distúrbio como “uma 
 55 
deficiência, por parte do organismo, no domínio da excitação 
sexual” (1918 [1914], p.113). Não sendo dominada, a excitação 
sexual aparece em funções que originalmente não seriam vias de 
sua expressão. 
Destacamos que o objetivo sexual da fase oral é devorar, e 
ele aparece no homem dos lobos a partir de um medo de ser 
comido pelo lobo. “O ser devorado dá expressão, em uma forma 
que sofreu degradação regressiva, a um terno impulso passivo de 
ser amado pelo pai num sentido erótico genital” (Freud, 1926-25, 
p.107). O medo de ser devorado pelo lobo é também uma 
expressão da angústia de castração. “Essa neurose terá que ser 
examinada em conexão com a fase oral da vida sexual” (Freud, 
1918 [1914], p.113). Na menina, voltar o interesse para o pai não 
é apenas fazer uma troca de objeto. A separação da mãe é 
acompanhada por grande hostilidade. Uma parte desse ódio é 
recalcada e persiste no psiquismo, sendo que uma das formas de 
expressão dessa hostilidade é a reclamação de que a mãe lhe deu 
muito pouco leite, “censura que lhe é feita como falta de amor” 
(Freud, 1933-32b, p.122), expressando uma ligação entre comida e 
amor. Freud nos fala que essa reclamação não se justifica, ela está 
diretamente relacionada com a insaciabilidade da criança, e com 
sua dificuldade de lidar com a perda do seio materno. Em 1933, 
 56 
Freud ressalta que o temor da castração não é o único motivo para 
que o recalque ocorra, já que as mulheres não têm medo de serem 
castradas, e sim de perder o amor, medo originado de uma 
ausência da mãe. O temor inicial é o do desamparo, relacionado 
com a imaturidade inicial do ego, e logo depois o temor se vincula 
à perda de um objeto (ou perda do amor), seguindo o medo de ser 
castrado (fase fálica) e o temor do superego (latência) (Freud, 
1933-32, p.90). É nesse momento de sua obra que Freud analisa a 
fase oral como possuindo duas subfases: a primeira, onde há 
apenas a incorporação do objeto, sem a presença de ambivalência, 
e a segunda, caracterizada pelo morder, com o surgimento da 
ambivalência em relação ao objeto. Freud afirma que, tanto para a 
menina como para o menino, o primeiro objeto de amor é a mãe, 
aquela que cuida e nutre, estando os primeiros investimentos 
objetais ligados à satisfação das necessidades. 
Tal estágio preliminar de ligação com a mãe é muito rico, 
podendo “deixar atrás de si muitas oportunidades para fixações e 
disposições” (Freud, 1933-32b, p.120). O medo de ser assassinado 
ou envenenado é freqüente nos relatos analíticos dos pacientes de 
Freud, e ele o define como fantasias que se somam à fantasia de 
sedução, sendo o papel do sedutor dado à mãe. O temor de ser 
envenenado também está relacionado com o desmame, e a 
 57 
mudança no estatuto do alimento que implica: do signo de amor 
para aquele que faz adoecer (Freud, 1933-32 b, p. 123). 
O alvo da pulsão sexual na fase oral consiste na 
incorporação do objeto, e servirá mais tarde de modelo para os 
mecanismos de identificação do sujeito. A identificação é uma 
etapa preliminar da escolha objetal, sendo a primeira forma pela 
qual o ego escolhe o objeto amoroso. Ela é ambivalente e se 
apresenta na fase oral, quando o eu deseja incorporar a si o objeto 
que lhe traz satisfação, devorando-o (Freud, 1917-15/1996). 
Comer é um processo de incorporação, de identificação do sujeito 
com os traços que o alimento traz em si. A recusa de se alimentar 
é, portanto, uma recusa a essa identificação com o traço do Outro 
inscritono alimento. 
Pensamos que na anorexia o alimento vem como símbolo 
da plenitude e da ausência de falta no Outro; o alimento é o objeto 
que o Outro demanda, e que o complementaria. 
Na organização oral, a libido é narcísica, e a fixação nessa 
fase está relacionada com uma dificuldade do sujeito em lidar com 
a perda do seio como ideal de completude, com a representação 
de um seio que não faz parte dele. Tal perda deixa uma marca, a 
qual é reativada sempre que o sujeito se depara com a sexualidade 
ou algo do sexual que traga uma diferenciação (Freud, id). 
 58 
Ressaltamos que a anorexia geralmente aparece no momento em 
que surgem os primeiros caracteres sexuais secundários, ou seja, 
na adolescência, como também no encontro do sujeito com o 
sexo. Os contornos do corpo, principalmente na menina, 
representam o afloramento da sexualidade e, conseqüentemente, 
trazem a reedição da separação materna. Em alguns casos 
emagrecer, é, assim, infantilizar o corpo, anular esses contornos 
que passam a ser vistos como um excesso. 
Ao abordarmos a anorexia através de sua relação com o 
desejo e o gozo, somos levados a retomar o caminho traçado por 
Freud acerca da experiência de satisfação e de das Ding. É no 
“Projeto para uma psicologia científica” (1950 [1895]) que Freud 
faz um primeiro esboço do que ele denomina desejo, ponto que 
será essencial retornar para iniciarmos o estudo lacaniano da 
articulação entre a necessidade, a demanda e o desejo. Ao 
formular uma primeira hipótese de funcionamento do aparelho 
psíquico, Freud postula a existência de estímulos endógenos. 
Estes são definidos como uma excitação interna que necessita de 
uma ação específica que atue sobre ela, já que nenhuma descarga 
– gritos e movimentos - pode produzir resultado aliviante. 
 De acordo com o princípio de constância, qualquer 
aumento na excitação é sentido como desprazer, e este 
 59 
desconforto – a fome no exemplo freudiano – requer para ser 
aplacado, a interferência de um agente externo. É necessário, 
então, uma alteração no mundo externo que, como ação 
específica, só pode ser promovida de determinadas maneiras. 
Freud atribuiu a essa experiência o complexo do ser 
humano próximo – Nebenmensch -, formado pela impressão 
deixada por essa ajuda alheia recebida. Esse complexo se divide 
em dois componentes: um deles produz uma impressão por sua 
“estrutura constante e permanece unido como uma coisa (Ding), 
enquanto o outro pode ser compreendido pela atividade de 
memória” (Freud, ibid, p.384), ou seja, pode ser representado. 
A partir do complexo do próximo – Nebenmensch -, Freud 
articulou em um só tempo o que é o ‘à parte’ e a similitude, como 
signo de separação e identidade. Das Ding é justamente a parte do 
complexo que é isolada pelo sujeito como estranho – Fremde -, 
desconhecido. Das Ding como estranho constitui esse primeiro 
exterior, em torno do qual se orienta todo o encaminhamento do 
sujeito, sua referência em relação ao mundo do desejo (Lacan, 
1959/60, p.69). Com isso, destacamos que o desejo (Wunsch) não 
possui um estatuto de lei universal, mas toma a direção do 
particular, do subjetivo; está ligado à tentativa do sujeito de reaver 
 60 
a sensação deixada pela primeira experiência de satisfação, de 
reviver essa marca. 
Em alemão, os termos usados para ‘coisa’, ou melhor, para 
‘a coisa’ são das Ding e die Sache, apesar de apresentarem uma 
sutil diferença. Sache é um termo utilizado quando uma coisa é 
colocada em questão jurídica; quando, portanto, passou à ordem 
simbólica, como nos indica Lacan no Seminário 7 (1959/60), 
onde desenvolve pontos interessantes e esclarecedores sobre das 
Ding. Em Freud, o termo Sache aparece como representação da 
coisa – Sachvorstellung -, a qual se encontra presente no 
inconsciente e se distingue da representação palavra – 
Wortvorstellung -, pertencente ao pré-consciente. Os conceitos de 
coisa e palavra aparecem, pois, como um par. Ressaltamos, 
porém, que Freud nunca trabalhou Dingvorstellung como um 
conceito, indicando que das Ding está fora do campo da 
representação (Lacan, 1959/60, p.59). 
É em torno de das Ding que as Vorstellung, as 
representações, se articulam, estando o simbólico, aqui, 
representado por essas tramas que são guiadas pelo princípio de 
prazer e fazem funcionar o processo adaptativo do sujeito. Das 
Ding pode aparecer também como uma tendência de reencontro 
entre o sujeito e o objeto - traço oriundo da imagem mnêmica da 
 61 
experiência de satisfação (Freud, 1925). É o princípio de prazer 
que guia a busca desse objeto e, ao mesmo tempo, mantém uma 
certa distância em relação a ele. Sendo assim, o elemento 
imaginário do objeto, ou seja, a crença na possibilidade de 
encontrarmos o objeto de nosso desejo, diz de um engodo que se 
apresenta como vital para impulsionar o movimento de busca 
desse objeto. Não nos esqueçamos, porém, que, por trás desse 
movimento em relação ao objeto do desejo, encontramos um 
traço mnêmico deixado pela primeira experiência de satisfação, 
ou seja, a marca de um objeto que não existe mais, o objeto 
perdido. 
Buscando as possíveis ligações entre das Ding e a 
representação materna, ponto imprescindível para essa pesquisa, 
destacamos que Freud situou a interdição do incesto como a lei 
mais fundamental, sendo este, ao lado do parricídio, o desejo mais 
antigo e poderoso (Freud, 1913 [1912-23], p.49), do qual derivam 
todos os desenvolvimentos culturais. Lacan nos diz que 
encontramos na lei do incesto uma relação com das Ding. “O 
desejo pela mãe não poderia ser satisfeito, pois ele é o fim, o 
término, a abolição do mundo inteiro da demanda, que é o que 
estrutura mais profundamente o inconsciente do homem” (Lacan, 
Op. cit., p.87). É nesse sentido que o princípio de prazer tem 
 62 
como função a busca da aproximação, de um reencontro com esse 
objeto primordial sem, porém, jamais atingi-lo. Esse objeto possui 
o estatuto de ser perdido, e o encontro do sujeito com o objeto é 
sempre um reencontro, como nos diz Freud no texto de 1925. 
Além de fazermos esse retrospecto da pulsão em Freud, 
principalmente a pulsão oral, temos que tocar em outro ponto 
fundamental para entendermos o estatuto da anorexia: o desejo. 
Buscando a origem desse conceito em Freud, a partir da 
experiência de satisfação, Lacan toma um sonho relatado em “A 
Interpretação dos sonhos” (1900, p.180) como modelo para 
analisar a estrutura do desejo. 
Uma analisanda de Freud, que possuía conhecimento de 
seus desenvolvimentos teóricos, diz a seu analista que não 
entende como ele pode afirmar que o sonho é a realização de um 
desejo, se, em seu sonho, justamente o que não se realiza é o seu 
desejo. Relata, então, a paciente: “Queria oferecer uma ceia, mas 
não tinha nada em casa além de um pequeno salmão defumado. 
Pensei em sair e comprar alguma coisa, mas então me lembrei que 
era domingo à tarde e que todas as lojas estariam fechadas. Em 
seguida, tentei telefonar para alguns fornecedores, mas o telefone 
estava com defeito. Assim, tive que abandonar meu desejo de 
oferecer uma ceia (Freud, 1900, p. 181). 
 63 
O desejo que Freud observa nesse sonho é o de ter um 
desejo insatisfeito. A partir das associações da paciente, outros 
elementos aparecem como o pedido que ela faz ao marido para 
não lhe trazer caviar, apesar de sua enorme vontade de comê-lo. 
Ou seja, ela pede que ele não a satisfaça. “O desejo da histérica de 
ter um desejo insatisfeito é significado por seu desejo de caviar: o 
desejo de caviar é seu significante” (Lacan, 1958/1998, p. 627). 
Além disso, não havia salmão defumado, prato predileto

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