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Direito de Família - Multiparentalidade

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1 Conceito de Família e sua Evolução
Desde o início da história da humanidade existe a entidade da família, formadas principalmente por influência do instinto de perpetuação da espécie e da aversão à solidão que todos nós possuímos. A humanidade, em sua natureza, possui como principio basilar o conceito de grupo, pautado pela autopreservação do individuo. A família pode advir do casamento, da união estável, da poliafetividade ou de qualquer outra forma. 
Não existe um conceito único de família nos campo jurídico, sociológico e jurídico, já que é um fenômeno social que vive em constante mutação. Assevera Venosa (2013, p.1) a esse respeito:
A conceituação de família oferece de plano, um paradoxo para sua compreensão. O Código Civil não a define. Por outro lado, não existe identidade de conceitos para o Direito, para a Sociologia e para a Antropologia. Não bastasse ainda a flutuação de seu conceito, como todo fenômeno social, no tempo e no espaço, a extensão dessa compreensão difere nos diversos ramos do direito.
Com o tempo, as pessoas passaram a ser consideradas em sua individualidade e o bem-estar de cada um dos integrantes da família individualmente atraiu interesse e passou a ser o verdadeiro foco das famílias e do direito. O conceito de Família vem passando por significativas mudanças, especialmente a partir da CF/88. Antes marcado por uma bagagem conceitual extremamente conservadora, o tema evoluiu com a evolução no pensamento, todos os filhos passaram a ser constitucionalmente iguais e a terem os mesmos direitos e deveres, independentemente de sua origem. Permitiu-se e facilitou-se o divórcio, os casamentos passaram a ocorrer entre pessoas mais maduras e deixaram de ser pré-requisito para o fim obrigatório da maternidade/paternidade. Desapareceu “a família” para surgirem “as famílias”. As mais diversas possíveis: monoparental, anaparental, homossexual. Nesse sentido, Maria Berenice Dias afirma “As transformações mais recentes por que passou a família, deixando de ser unidade de caráter econômico, social e religioso para se afirmar fundamentalmente como grupo de afetividade e companheirismo, imprimiram considerável reforço ao esvaziamento biológico da paternidade”.
A família contemporânea é formada pelo vínculo afetivo e deve ser analisada não somente sob o prisma do CC, mas também pelas disposições e princípios da CF, especialmente pelo princípio da dignidade da pessoa humana, bem como sob o enfoque das previsões do ECA. A identificação dos vínculos de parentalidade não pode ser buscada somente no campo genético. A paternidade não é só um ato físico, mas uma opção, adentrando a área afetiva. Cabendo, assim, ao direito identificar o vínculo de parentesco entre pai e filho e responsabilizar o genitor aos deveres do poder familiar. Em relação ao principio da afetividade, basilar para a conceituação do Direito de Família atual, dispõe DIAS, Maria Berenice (2007, p. 68):
O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue. Assim, a posse do estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado. O afeto não é somente um laço que envolve os integrantes de uma família. Igualmente tem um viés externo, entre as famílias, pondo humanidade em cada família, compondo, no dizer de Sérgio Resende de Barros, a família humana universal, cujo o lar é a aldeia global, cuja base é o globo terrestre, mas cuja origem sempre será, como sempre foi, a família.
Tamanha mudança psicológica e mental na formação das famílias fez, naturalmente, surgirem alterações estruturais em algumas delas, haja vista a ideia central de liberdade, felicidade, ser. São formas diferentes de se relacionar, de manter a convivência. São, também, famílias formadas por mais de um pai, mais de uma mãe, sem pai, sem mãe.
2 Princípios Aplicáveis ao Direito de Família
Os princípios que norteiam o direito da família são aqueles que servem de base a todo o ordenamento jurídico, porém existem princípios específicos que somente são aplicáveis no direito das famílias, devendo ser sempre observados pelo aplicador do Direito, entre eles incluem-se o princípio da solidariedade e da afetividade. Para Dias (2013, p. 64):
Existem princípios gerais que se aplicam a todos os ramos do direito, assim o princípio da dignidade, da igualdade, da liberdade, bem como os princípios da proibição de retrocesso social e da proteção integral a crianças e adolescentes. Seja em que situações se apresentem, sempre são prevalentes, não só no âmbito do direito das famílias. No entanto, há princípios especiais que são próprios das relações familiares e devem servir de norte na hora de se apreciar qualquer relação que envolva questões de família, despontando entre eles os princípios da solidariedade e da afetividade. 
Para Flávio Tartuce (2015, p. 6), alguns dos princípios do Direito de Família foram aniquilados, surgindo outros, dentro dessa proposta de constitucionalização e personalização, remodelando esse ramo jurídico. Por isso, o Estatuto das Famílias, prescrevendo o seu art. 5º que são seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana, a solidariedade familiar, a igualdade de gêneros, de filhos e das entidades familiares, a convivência familiar, o melhor interesse da criança e do adolescente e a afetividade.
Segundo Mariana Andrade Sobral (2010), são os seguintes os princípios norteadores da família: a) Princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, III, da Constituição Federal; b) Princípio da igualdade absoluta entre os filhos, previsto no artigo 227, §6º da CF; c) Princípio da afetividade, previsto nos artigos 226, § 4º, 227, caput, § 5º c/c § 6º; d) Princípio da solidariedade familiar, conforme artigo 3º, I da CF; e) Princípio da proteção da criança e do adolescente – art. 227, caput da CF e art. 3º da Lei nº 8.069/90 (ECA); f) Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente – art. 227, caput da CF e art. 4º, caput e 5º do ECA; g) Princípio da paternidade responsável – art. 226, §7º da CF.
O princípio da dignidade da pessoa humana é norma fundamental prevista na Carta Magna, sendo ela um dos alicerces do ordenamento jurídico, devendo ser sempre observada, vinculando assim os aplicadores do Direito, Garcia (2003, p. 45) diz que “(...) As normas de direito fundamental previstas no sistema constitucional, cumprem funções estruturais do Estado constitucional democrático e, assim sendo, ocupando grau superior na ordem jurídica, submetendo-se a processos dificultosos de revisão; vinculam de imediato os poderes públicos e, a interpretação dos demais preceitos legais e constitucionais se farão a luz daquelas normas”. Esse princípio constitucional visa garantir o respeito e a proteção da dignidade humana não apenas no sentido de assegurar um tratamento humano e não degradante, e tampouco conduz ao mero oferecimento de garantias à integridade física do ser humano. Neste ambiente, de um renovado humanismo, a vulnerabilidade humana será tutelada, prioritariamente, onde quer que ela se manifeste. De modo que terão precedência os direitos e as prerrogativas de determinados grupos considerados, de uma maneira ou de outra, frágeis e que estão a exigir, por conseguinte, a especial proteção da lei.
O Estatuto da Criança e do Adolescente visa proteger seus tutelados a fim de garantir seu natural e saudável desenvolvimento, a sua fase de formação de personalidade, de concepções. É natural que a proteção que recebem, seus direitos e seus deveres sejam instituídos e evoluam consoante sua natural ausência (ou reduzido) de discernimento.
3 Filiação Socioafetiva
O artigo 1.593 do Código Civil estatui: “Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.” A filiação é o vínculo que liga crianças ou adolescentes a seus pais, trata-se de filiação quando relativa ao filho e à paternidade ou maternidade quando relativa aos genitores.
O Código Civil ampliou o conceito de parentesco civil, passando a ser parente todo aquele que integre à família, independente da relação de consanguinidade. O artigo 1593 abriu uma brecha para o reconhecimento da filiação socioafetiva quando faz referencia ao parentesco de outra origem e o artigo 1596 aboliu as distinções entre os filhos, igualando-os na sua totalidade á letra do artigo 227 da Constituição Federal: “Art. 1596. Os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
O princípio da afetividade está relacionado com a convivência familiar e com o princípio da igualdade entre os filhos, constitucionalmente assegurado. A filiação evolui do determinismo biológico para o afetivo, ao passo que, as inúmeras relações existentes, visam uniformemente o bem-estar pessoal. Embora implícito na Constituição, apresenta-se como dever jurídico, presumido nas relações entre pais e filhos. O afeto, em si, é um sentimento voluntário, desprovido de interesses pessoais e materiais, inerente ao convívio parental, constituindo o vínculo familiar.
A filiação é um dos principais elementos das famílias e da junção das pessoas. A ordem natural da vida é nascer, crescer, se reproduzir e morrer. Essa capacidade de reprodução trata-se de uma característica nata do ser humano, Rizzardo (2011, p. 338), assevera que: 
Desde a antiguidade, a relação de filiação é o vínculo mais importante da união e aproximação das pessoas. Constitui um liame inato, emanado da própria natureza, que nasce instintiva mente e se prolonga ao longo da vida dos seres humanos, embora se atenue o sentimento com o passar do tempo.
Não há como se exercer a paternidade, biológica ou não, sem a presença do afeto, norteando a relação, partindo-se do pressuposto que, a família é um instrumento de realização do ser humano.
Quando as pessoas desfrutam de uma situação jurídica que não corresponde com a realidade, detêm o que se chama de posse de estado. No caso da posse do estado de filho, as aparências fazem com que todos acreditem existir uma situação real, que não corresponde à verdadeira. É o famoso “pai de criação” ou “mãe de criação”, cuja adoção não é formalizada, mas o comportamento familiar o agrega como se filho biológico fosse.
Para José Afonso da Silva (2014, p. 882), “é proibido falar em filho legítimo, ou filho ilegítimo, ou filho natural, ou mesmo em filho adotado. E os mesmos direitos incluem os sucessórios. Lembre-se que essa regra se aplica aos filhos havidos dentro ou fora das uniões estáveis”. Ainda, conforme Cezar Peluso (2015, p. 1.649), “o termo ‘outra origem’, usado pelo legislador, admite como fontes de parentesco os casos de reprodução artificial e as relações socioafetivas, sem vínculo biológico ou de adoção.” Lembrando que socioafetividade é um elemento constituído por dois diferentes aspectos, o social e o afetivo, os quais se ligam no momento em que a afetividade cria um vínculo e o reflete no meio social por meio de três elementos: a reputação, o nome e o tratamento.
A filiação socioafetiva é vista como uma construção da realidade fática; pai não é apenas aquele que transmite a carga genética, é também aquele que exerce tal função no cotidiano. Flávio Tartuce em seu artigo “O princípio da afetividade no Direito de Família”, explana três consequências deste princípio, incluindo a paternidade socioafetiva:
A terceira e última consequência da afetividade a ser pontuada é o reconhecimento da parentalidade socioafetiva como nova forma de parentesco, enquadrada na cláusula geral “outra origem”, do art. 1.593 do CC/2002. Não se olvide que a ideia surgiu a partir de histórico artigo de João Baptista Villela, publicado em 1979, tratando da “desbiologização da paternidade”. Concluiu o jurista, na ocasião, que o vínculo de parentalidade é mais do que um dado biológico, é um dado cultural, consagração técnica da máxima popular pai é quem cria. Paulatinamente, a jurisprudência passou a ponderar que a posse de estado de filho deve ser levada em conta para a determinação do vínculo filial, ao lado das verdades registral e biológica. Nos acórdãos mais notórios, julgou-se como indissolúvel o vínculo filial formado nos casos de reconhecimento espontâneo de filho alheio, cumulado com a convivência posterior entre pais e filhos (por todos: STJ, REsp 234.833/MG, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 25/09/2007, DJ 22/10/2007, p. 276; REsp 709.608/MS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 05/11/2009, DJe 23/11/2009 e REsp 1.259.460/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe 29/06/2012).
Como muito bem nos ensina Belmiro Pedro Welter, apud Maria Berenice Dias (2015, p. 406), a filiação que resulta da posse do estado de filho constitui modalidade de parentesco civil de “outra origem”, isto é, de origem afetiva (CC 1.593). A filiação socioafetiva corresponde à verdade aparente e decorre do direito de filiação. A consagração da afetividade com direito fundamental subtrai a resistência em admitir a igualdade entre a filiação biológica e a socioafetiva.
O tema de Repercussão Geral 622, de Relatoria do Ministro Luiz Fux, envolvia a análise de uma eventual “prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica”. Ao deliberar sobre o mérito da questão, o STF optou por não afirmar nenhuma prevalência entre as referidas modalidades de vínculo parental, apontando para a possibilidade de coexistência de ambas as paternidades. Ao apreciar a temática subjacente à referida repercussão geral o plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, houve por bem em aprovar uma diretriz que servirá de parâmetro para casos semelhantes. A tese aprovada tem o seguinte teor: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios".
Nossos tribunais vêm decidindo no sentido de que, em virtude da origem da paternidade (ou maternidade), mesmo que resulte de outra origem, tal como previsto no art. 1.593 do Código Civil, a parentalidade socioafetiva envolve o aspecto sentimental criado entre parentes não biológicos, pelo ato de convivência, de vontade e de amor prepondera em relação à biológica. Assim, faz-se importante citar a seguinte decisão do TJMT, publicada em 03.05.2014, para quem filiação socioafetiva deve ser fundada na posse do estado de filho, a saber:
Jurisprudência: Embargos infringentes. Preliminar de não conhecimento rejeitada. Ação declaratória para o reconhecimento de vínculo de parentesco post-mortem. Filiação socioafetiva. Possibilidade. Art. 1.593 do CC. Caracterização da posse do estado de filho. Recurso provido. Não há que se falar em não conhecimento dos embargos infringentes, quando constatado que a matéria recursal encontra-se em consonância com o voto vencido, o qual serve de paradigma para a oposição do presente recurso. A filiação socioafetiva não se encontra lastreada no fator biológico/genético, mas em ato de vontade, que se constrói a partir de um respeito recíproco de tratamento afetivo paterno-filial, revelada pela convivência estreita e duradoura, que, no plano jurídico, recupera a noção de posse de estado de filho, há muito esquecida no limbo do Direito. O art. 1.593 do CC, ao prever a formação do estado filiativo adindo de outras espécies de parentesco civil que não necessariamente a consanguínea, permite a interpretação do alcance da expressão “outra origem” como sendo adoção, a filiação proveniente das técnicas de reprodução assistida, bem como a filiação socioafetiva, fundada na posse de estado de filho”. (TJMT, Emb. Infring. n. 118476/2013, rel. Des. Cleuci Terezinha Chagas, DJe 09.05.2014, p. 93).
Saliente-se que a paternidade/maternidade biológica não é suprimida pela paternidade/maternidade socioafetiva, estando ambas em igual patamar e sob os mesmos
efeitos jurídicos, abrindo-se a possibilidade de se reclamar todos os direitos inerentes à paternidade socioafetiva, inclusive herança, tudo visando precipuamente à proteção integral da criança e do adolescente.
4 Multiparentalidade
Ao longo da história verifica-se que o Direito, preocupado em ordenar e regulamentar as relações sociais, está em constante transformação, justamente porque as relações interpessoais são complexas e não estanques. Por tal razão, algumas questões trazidas aos debates jurídicos não encontram respaldo expresso e direto nos textos normativos, razão pela qual dependem de uma análise mais atenta do intérprete do Direito.
Frente à Constituição de 1988 é impossível hierarquizar formas de parentesco, uma vez que uma das grandes mudanças trazidas pela Carta ao Direito de Família foi justamente a observância do princípio da igualdade. Sendo assim, não há limites para a eficácia jurídica do parentesco socioafetivo. O debate que surge é se a paternidade biológica se sobrepõe ou não a socioafetiva, mas algumas decisões admitem soma de filiação, sem qualquer hierarquia entre o afeto e a biologia, ou seja, a possibilidade de uma pessoa ter mais de um pai e/ou mais de uma mãe com reconhecimento jurídico legal, restando assim configurada a multiparentalidade. Nas palavras de Nelson Sussumu Shikicima: "a multiparentalidade é um avanço do Direito de Família, tendo em vista que efetiva o princípio da dignidade da pessoa humana de todas as pessoas envolvidas, demonstrando que a afetividade é a principal razão do desenvolvimento psicológico, físico e emocional”.
A legislação brasileira não traz, expressamente, o critério socioafetivo ou a possibilidade do reconhecimento múltiplo da paternidade. Assim, deve-se analisar o sistema legislativo como um todo, dando atenção especial aos princípios e às disposições da Constituição Federal a fim de se fazer uma releitura da codificação civil vigente, especialmente no que se refere ao direito filiatório.
Em brilhante decisão o STJ, nos autos do REsp 889.852/RS, analisando a possibilidade de adoção de crianças por um casal homoafetivo, reconheceu a existência da dupla maternidade em decorrência dos vínculos afetivos existente entre as partes, senão vejamos:
“8. É incontroverso que existem fortes vínculos afetivos entre a recorrida e os menores – sendo a afetividade o aspecto preponderante a ser sopesado numa situação como a que ora se coloca em julgamento.”
“10. O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica. Vale dizer, no plano da “realidade”, são ambas, a requerente e sua companheira, responsáveis pela criação e educação dos dois infantes, de modo que a elas, solidariamente, compete a responsabilidade.
11. Não se pode olvidar que se trata de situação fática consolidada, pois as crianças já chamam as duas mulheres de mães e são cuidadas por ambas como filhos. Existe dupla maternidade desde o nascimento das crianças, e não houve qualquer prejuízo em suas criações.
“12. Com o deferimento da adoção, fica preservado o direito de convívio dos filhos com a requerente no caso de separação ou falecimento de sua companheira. Asseguram-se os direitos relativos a alimentos e sucessão, viabilizando-se, ainda, a inclusão dos adotados em convênios de saúde da requerente e no ensino básico e superior, por ela ser professora universitária.”
Assim, demonstrada a paternidade/maternidade socioafetiva, mostra-se possível a busca no judiciário do reconhecimento da mesma com a manutenção no registro dos pais biológicos, ou seja reconhecendo-se a multiparentalidade (dupla paternidade/maternidade), tudo para proteção integral da criança e do adolescente.
Não restam dúvidas de que os princípios constitucionais devem ser rigorosamente observados na interpretação e aplicação das normas infraconstitucionais. Talvez mais do que em outros ramos do direito, o Direito das Famílias tem toda a sua base fundada nos princípios da Constituição Federal, pois são nas relações familiares que o indivíduo se estrutura, forma seu caráter e firma sua dignidade. O art. 226 da Constituição da República Federativa do Brasil traz um rol exemplificativo de tipos de família. É impossível pensar que tal rol seja taxativo, uma vez que a liberdade de constituição de família é um direito fundamental e que, por isso, não pode ser limitado pelo Estado. Trata-se de uma ficção jurídica, uma simulação de filiação, que passa a ser reconhecida e que confere ao adotante poderes familiares, e ao adotado, status de filho. Por isso, também são exemplos de entidades familiares as famílias recompostas, reflexo da liberdade de constituição e de dissolução das entidades conjugais. Segundo Ana Carolina Brochado Teixeira, a família reconstituída é a estrutura familiar originada do casamento ou da união estável de um casal, na qual um ou ambos de seus membros tem filho ou filhos de um vínculo anterior. 
Em decisão inédita no ano de 2012, o Tribunal de Justiça de São Paulo deferiu pedido para acrescentar na certidão de nascimento de jovem de 19 anos o nome da mãe socioafetiva, sem ser retirado o nome da mãe biológica que morreu logo três dias após o parto.
EMENTA: MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Preservação da Maternidade Biológica. Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família. Enteado criado como filho desde dois anos de idade. Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes - A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. Recurso provido.
O reconhecimento de um vínculo socioafetivo não afasta a possibilidade de a criança ingressar com uma ação de reconhecimento de paternidade em face de seu pai biológico, resguardado o direito de reconhecimento do estado de filiação, previsto no artigo 27 do ECA, “in verbis”: Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.
O reconhecimento da paternidade socioafetiva será equivalente em direitos e deveres à adoção, prevista nos artigos 39 a 52 do ECA, com os seguintes efeitos: a declaração do estado de filho afetivo; a feitura ou alteração do registro civil do nascimento; a irrevogabilidade da paternidade ou maternidade sociológicos; a herança entre pais, filhos e parentes socioafetivos; o poder familiar; a guarda e o sustento do filho ou o pagamento de pensão alimentícia; o direito de visitas, entre outros.
Uma mudança já ocorrida e que representa uma evolução nessa seara foi a promulgação da Lei n. 11.924/09, a qual permite a adoção do sobrenome da madrasta ou do padrasto pelo enteado. É a formalização dos elementos “nome”, “trato” e “fama”. Como asseveraram Teixeira e Rodrigues:
 A lei autorizou, desta feita, a cumulação de patronímicos de modo que o nome – por definição, projeção social da personalidade – reflita exatamente o estado familiar da criança ou do adolescente, ou seja, se várias pessoas desempenharem funções parentais em sua vida, que o nome possa exteriorizar seus mais diversos estados de filiação. Conforme consta na justificativa do projeto de lei, de autoria do então deputado Clodovil, “pessoas que, estando em seu segundo ou terceiro casamento, criam os filhos de sua companheira ou companheiro como se seus próprios filhos fossem”, ou seja, exercem a autoridade parental. Trata a lei, portanto, de que o nome corresponda à sua realidade familiar.
A aplicação do instituto da multiparentalidade necessita de um processo de reconhecimento de uma paternidade socioafetiva, seguindo todos os tramites legais, analisando a relação e o vinculo existente entre essa criança e o suposto pai socioafetivo,
devendo-se comprovar o vinculo familiar e, ainda, é necessário comprovar a consideração mútua entre eles, assim como o tratamento do pai socioafetivo em relação à criança como se seu filho fosse.
4.1 Sucessão na multiparentalidade
Apesar de não haver previsão legal expressa para o reconhecimento da multiparentalidade, sendo um tema relativamente novo, temos que considerar que, a CF outorga para quem planeja constituir família, ampla liberdade de escolha, consubstanciada pelo livre planejamento familiar (artigo 226, parágrafo 7°), sendo que, em situações semelhantes, o poder judiciário já vem reconhecendo a multiparentalidade e a possibilidade de manutenção no registro da criança de dois pais, dois pais e uma mãe, ou vice versa.
Para Yves Zamataro (2013), a multiparentalidade deve ser entendida como a possibilidade de uma pessoa possuir mais de um pai e/ou mais de uma mãe, simultaneamente, produzindo efeitos jurídicos em relação a todos eles. Inclusive, no que se refere a eventual pedido de alimentos e herança de ambos os pais. Exemplificando, podemos citar a surpreendente decisão proferida pelo Poder Judiciário do Estado de Rondônia ao decidir pelo registro, em certidão de nascimento, de dupla filiação paterna (biológica e socioafetiva) de uma criança que, comprovadamente, reconhecia os dois homens como pais e deles recebia, ao mesmo tempo, assistência emocional e alimentar.
Sobre os efeitos jurídicos na sucessão HIRONAKA (2003, p.81) aduz que:
A herança transmite-se aos herdeiros legítimos e testamentários. Ela se transmite por força da lei formando um condomínio entre todos aqueles que foram contemplados com a atribuição de uma quota parte ideal, observadas as alterações instituída pelo autor da herança por meio de testamento (herdeiro testamentário). No geral, todos os da mesma classe receberão a mesma quota parte ideal determinada por lei (herdeiro legítimo).
Relembramos também que conforme princípio constitucional prevista expressamente no artigo 227, § 6º da CF “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Assim sendo, independentemente da forma de reconhecimento dos filhos, serem esses naturais, afetivos ou multiparentais, possuem os mesmos direitos, inclusive sucessórios. Esse também é o sentido jurídico da regra do art. 1.596 do Código Civil.
Na ideia de Zeno Veloso:
A sucessão independe do vínculo de parentesco e sim do vínculo de amor, pois sua a relevância na atual sociedade deve fazê-la seguir as mesmas normas sucessórias vigentes no Código Civil, onde os descendentes (em eventual concorrência com o cônjuge ou companheiro sobrevivente) figuram na primeira classe de chamamento, sendo que os mais próximos excluem os mais remotos. Existindo, portanto, filhos do de cujo, estes concorrem entre si em igualdade de condições, recebendo cada qual por cabeça a sua quota do quinhão hereditário”. (VELOSO, 2003, p.240).
Portanto, pelo fato de não haver distinção jurídica sobre a forma de relação pai/filho ser biológica ou afetiva, estando reconhecida a multiparentalidade, no momento da transmissão da herança estaria criada a linha de chamamento sucessório de cada pai ou mãe que o filho tiver. Assim o filho multiparental figura como herdeiro necessário de todos os pais que tiver.
Quanto à sucessão pelos ascendentes, na ausência de descendentes, todos aqueles que figurarem como pais do mesmo filho seriam herdeiros em pé de igualdade, concorrendo com eventual cônjuge sobrevivente assumindo, também, a condição de herdeiros necessários.
Conforme Farias e Rosenvald (2015, p. 227), sob o prisma do direito positivo brasileiro, a sucessão dos descendentes está submetida a duas regras fundamentais: i) a regra da igualdade substancial; ii) a regra da proximidade.
Referências bibliográficas 
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm>. Acesso em: 01 Nov. 2016.
Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da criança e do adolescente.
Brasília, DF, jul. 1990. Disponível em: 
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DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: 5. Direito de Família. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, volume 6: Direito de Família – As Famílias em perspectiva constitucional / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. 3. Ed. Ver., atual. E amp. São Paulo: Saraiva, 2013.
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UNIVERSIDADE 
MULTIPARENTALIDADE
CURITIBA
2016
XXXXXXXXXXX
MULTIPARENTALIDADE
Projeto de pesquisa apresentado ao curso de Direito da Universidade XXXX, como o requisito para a obtenção de nota no 2º bimestre em Direito Civil: Família.
Professora: 
CURITIBA
2016

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