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MODELO DE CONCESSÃO PARA OS PORTOS BRASILEIROS Mauricio Araquam de Sousa Aldery Silveira Júnior Cristiane Ferreira da Silva Barros José Matsuo Shimishi Marco Antonio Monteiro Universidade de Brasília Programa de Pós-Graduação em Transprotes Grupo de Pesquisas sobre Planejamento e Inovação em Transportes RESUMO O presente trabalho tem por objetivo demonstrar que, buscando os mesmos efeitos da Lei 12.815/2013 – Nova Lei dos Portos – um outro modelo de reforma poderia ter sido adotado, mas tendo como base o instituto da concessão (e não o da autorização) como instrumento adequado para a atração de novos investimentos, superando-se também a insegurança jurídica existente no atual modelo de arrendamento. No modelo proposto, os cálculos de capacidade e curvas de desempenho, mínimas previstas pelo planejamento público, para a adequada, harmônica e coerente expansão do setor passaria a se refletir nos contratos de concessão, tornando-se vinculantes e pautando os cronogramas de investimento dos novos concessionários privados, gerando a segurança jurídica e institucional para a expansão adequada do setor nos próximos anos. ABSTRACT The aim of this paper is to demonstrate that seeking the same effects of Law 12.815/2013 – Brazilian New Law of Ports – another model could have been adopted for the reform, based on the concession (not on authorization) as an appropriate tool for attracting new investments, and also overcoming legal uncertainty existing in the current model for port areas leasing. In the proposed model, the capacity calculations and minimum performance curves provided by public planning for adequate and coherent harmonic expansion of the sector would be reflected in the concession contracts, making it binding and guiding investment schedules of new private actors, creating the legal and institutional framework for the proper expansion of the sector in the coming years. 1. INTRODUÇÃO O Brasil um país de dimensões continentais e dispondo de abundância de recursos hídricos, ótimos níveis de insolação, pluviosidade adequada e vasta extensão de terras férteis, é um país vocacionado ao agronegócio, havendo, segundo os prognósticos constantes do Plano Nacional de Logística Portuária – PNLP (SEP, 2013), a previsão de um sensível aumento no fluxo de exportações de commodities agrícolas nos próximos anos. Com o objetivo de suprir essa demanda, o país necessita de maior disponibilidade de ativos instalados nos setores logísticos (portos, ferrovias, silos, armazéns e portos secos), a fim de gerar a fluidez necessária ao escoamento de suas cargas. O PNLP aponta ainda que os portos marítimos nacionais, em sua maioria, estão operando sem a necessária capacidade e com baixa produtividade, devido principalmente ao mau aproveitamento dos ativos portuários. No mesmo sentido, o Plano Nacional de Logística de Transporte – PNLT (MT, 2011) aponta que, no tocante ao mercado interno brasileiro, a competitividade inter regional é prejudicada pelos elevados custos logísticos, o que afeta o crescimento econômico das regiões menos desenvolvidas ou situadas nas novas fronteiras agrícolas (Norte e Nordeste), em decorrência de opções de transporte inadequadas. As perdas associadas aos custos logísticos evitáveis no país giram em torno da elevada cifra de US$ 2,5 bilhões ao ano. A racionalização dos custos de transportes poderá produzir efeitos significativamente benéficos sobre o componente mais expressivo dos custos logísticos. Junte-se a este raciocínio o fato de que, sob certas condições e para determinados fluxos de carga, os fretes hidroviários e ferroviários podem ser 62% e 37% mais baratos do que os fretes rodoviários (Guasch, 2002), Em resposta ao atual quadro de falta de capacidade do setor portuário, o governo federal veiculou uma proposta de reestruturação do setor, por meio da implantação de novos instrumentos de governança metas de desempenho obrigatório e agentes harmonizadores junto às autoridades portuárias públicas, ao mesmo tempo em que tenta fomentar um incremento nos investimentos privados no setor, por meio da liberação dos Terminais de Uso Privado – TUP para a movimentação de qualquer tipo de carga, sem restrição, tornando-os doravante verdadeiros “portos privados”, atuando em regime de competição com os portos públicos (Brasil, 2013). Em que pese o sentido correto das reformas – voltado a atrair investimentos e baixar custos – entende-se que pequenas alterações devem ser feitas no novo diploma legal, uma vez que a liberação dos terminais privados para a movimentação de qualquer tipo de carga trará, questionamentos tanto sobre a constitucionalidade (ante a tese da prestação de serviço público – movimentação de carga de terceiros – sem a licitação prévia exigida pelo art. 175 da Constituição Federal) quanto sobre a legalidade do novo modelo, ante a eventual alegação de “assimetria regulatória”, o que provavelmente levará muitos operadores a recorrerem à justiça em busca do reequilíbrio econômico-financeiro de seus arrendamentos, licitados pelo critério anterior de “maior valor de outorga” (Brasil, 1988). Por outro lado, em função das características de monopólio natural existentes no setor, teria sido mais adequado otimizar-se os ativos já instalados dentro dos portos públicos – a fim de baixarem custos em decorrência dos ganhos de escala promovidos – antes de estimular-se a construção de novas estruturas fora desses portos, o que poderá gerar uma proliferação (ou mesmo sobreposição) desnecessária de terminais privados junto à costa brasileira. O objetivo do presente estudo é demonstrar que, buscando os mesmos efeitos, um outro modelo de reforma poderia ter sido adotado, mas tendo como base o instituto da concessão – tal qual como previsto e não o da autorização, como instrumento adequado para a atração de novos investimentos, superando-se também a insegurança jurídica existente no atual modelo de arrendamento (Brasil, 1995). No modelo proposto, os cálculos de capacidade e curvas de desempenho mínimas previstas pelo planejamento público para a adequada, harmônica e coerente expansão do setor passaria a se refletir nos contratos de concessão, tornando-se vinculantes e pautando os cronogramas de investimento dos novos concessionários privados. 2. NECESSIDADE DA RETOMADA DA VISÃO SISTÊMICA NO PLANEJAMENTO SETORIAL Conforme exposto por Souza Junior e Balbinotto (2013), a existência de economias de escala em níveis de produção equivalentes à dimensão de todo o mercado sugere o atendimento do mesmo por uma única firma, caracterizando a ocorrência de um monopólio natural e justificando-se teoricamente a regulação. Para Berg e Tschiart (1988), uma política governamental pode criar ou destruir barreiras à entrada e por conseguinte reduzir ou aumentar a competição em uma indústria. A existência de indústrias (em rede ou monopólios) reguladas e setores mais (ou menos) fechados ao exterior seria o exemplo mais tradicional dessa intervenção. Desregulamentação e abertura comercial são vistas geralmente como indutoras de um funcionamento mais eficiente, pois ocorreria maior pressão para reduzir custos nesses dois casos. Ainda segundo os autores, a visão liberal tradicional na teoria econômica informa que a existência de um quadro regulatório forte e a proteção comercial à concorrência externa criam barreiras à entrada e, portanto, um ambiente protegido de pressões competitivas sobre as firmas reguladas. Impedida a livre entrada em um mercado, seria reduzida a rivalidade potencial e, assim, o estímulo à inovação tecnológica. Devido à necessidade de maciço aporte de recursos para o incremento e a dinamização dos portos, em montantes superiores à capacidade do Estado, propomos que o marco regulatório do setor seja revigorado mediante uma evolução de sua baselegal, sem ruptura de acordos em vigor, mas com uma progressiva e contínua migração para um modelo baseado no planejamento público e gestão privada na prestação de serviços portuários, a partir da concessão destes serviços, segregados em duas categorias: “Autoridade Portuária” (controle de acessos, tráfego, “truck centers”, segurança e gestão da retroárea) e “Operação Portuária” (movimentação de cargas, transbordo e armazenagem), em uma modelagem de concessão diferente da implantada pela nova Lei de Portos, que trata do instituto apenas de forma subsidiária ao regime de arrendamento (Brasil, 2013). Essa nova proposta parte de premissas constitucionais e legais em vigor, sem quebra dos paradigmas institucionais hoje existentes, sempre respeitando os direitos conquistados ao longo do tempo, mas buscando uma modelagem moderna que compatibilize os fins buscados pela regulação setorial, obediente a critérios de prestação de serviços de qualidade, em regime competitivo e a preços razoáveis, com o legítimo interesse tanto dos agentes já presentes quanto daqueles interessados em ingressar no setor, gerando mais competição e maior disponibilidade de serviços, com os conseqüentes benefícios para toda a cadeia produtiva. Ao lado dos serviços de “operação portuária”, que já são privados, e a fim de fomentar a progressiva introdução de eficiências também nos serviços de “autoridade portuária”, o presente trabalho propõe que o poder público se retire da gestão desse setor e se concentre na elaboração dos planos estratégicos e no planejamento de longo prazo, vindo a fiscalizar e a cobrar dos concessionários públicos ou privados investimentos e metas de desempenho em ambas as funções. Essas afirmações já são pacíficas na doutrina especializada, pois, ante a temática do monopólio natural envolvida na questão, entende-se que o setor portuário nacional deve ser planejado como um sistema, para a geração de economias de escala e escopo principalmente quanto ao planejamento integrado de acessos e infraestrutura necessária ao acondicionamento e transbordo de cargas, assim como realizado em outros setores, regulados como o elétrico, o de transporte ferroviário, etc), que buscam sempre a melhor otimização no uso dos ativos existentes e a serem implantados. Segundo Pondé et al (2013), com a interpretação dada pela Teoria dos Custos de Transação, a presença da especificidade de ativos e do oportunismo faz com que a coordenação da interação entre os agentes por relações mercantis puramente competitivas apresente ineficiências e uma ampla variedade de formas organizacionais e contratuais seja criada para substituí-las. Decorre dessa abordagem que o estabelecimento de vínculos de reciprocidade, restrições contratuais a condutas das partes e iniciativas de integração ou quase-integração ao longo das cadeias produtivas constituam, muitas vezes, inovações organizacionais que buscam gerar ganhos de eficiência, e não práticas restritivas visando criar barreiras à entrada e poder de mercado. No entanto, para Demsetz (1968), eventual aumento de eficiência de um agente econômico decorrente de ganho de escala advindo da aquisição ou fusão com outros competidores não são um mal em si, pois podem ser geradas economias de escala e escopo no processo que poderão resultar em inovação de métodos, aumento de competitividade ou ainda em melhoria na prestação de serviços aos usuários caso o ganho de eficiência implique melhoria de desempenho no serviço ou o repasse dos ganhos econômicos com os usuários. Sendo assim, de forma sempre atenta à detecção e combate a eventuais condutas anticompetitivas dos agentes atuantes no setor portuário e ainda, visando a atrair investimentos privados na modernização e expansão do setor, necessária também se torna a retomada da funcionalidade sistêmica do setor portuário, a partir do fortalecimento institucional de um órgão central, a agência reguladora, que possa de fato implementar as disposições constantes no planejamento setorial, visando à expansão do setor portuário brasileiro como um todo, coeso e integrado, a partir de metas operacionais e de expansão de cada um dos portos, conforme previamente estabelecido e disposto em cada um dos futuros contratos de concessão a serem firmados. 3. EFETIVA IMPLANTAÇÃO DO MODELO “LANDLORD” NO BRASIL Quanto aos aspectos jurídicos, para Schirato (2011), uma reorientação teórica deve ser dada para a análise dos institutos da concessão e permissão sob os parâmetros da Constituição brasileira (artigos 173 e 175), permitindo o enquadramento dos serviços públicos como instrumentos para a realização dos direitos fundamentais, abrindo-se caminho também para a prestação dos serviços públicos em um ambiente concorrencial, eventualmente com assimetria de regimes jurídicos (como no caso do setor portuário). Sobre a passagem do regime de regulação de monopólio (concessão de serviço público) para o de prestação de atividade econômica em regime competitivo (autorização), Justen Filho (2003) dispõe que se verifica atualmente uma tendência à redução das tarefas atribuídas ao Estado, ou seja, à redução da intervenção direta do Estado no domínio econômico. Mas isso não significa recusar ao Estado competência para intervenções indiretas, desenvolvidas no plano da disciplina jurídica e da promoção político-social. Ao retirar o Estado da operação, dividindo o setor portuário em dois segmentos, quais sejam, o do “serviço de administração portuária” (público) e o do “serviço de operação portuária” (privado), a antiga Lei de Portos procurou implantar o modelo “landlord port” no Brasil, modelo esse com eficiência reconhecida em portos europeus (como os de Rotterdam e Valência, por exemplo), tendo em vista a agilidade de gestão que propiciam no desenvolvimento do negócio portuário, sempre obediente às prévias disposições contidas no planejamento estatal (Brasil, 1993). Mas esse modelo acabou não funcionando a contento, pois no Brasil essa modelagem foi implantada a partir da figura dos arrendamentos, ou seja, “cessões de áreas públicas”, instituto que, por si só, já significa o engessamento do porto, uma vez que o administrador do porto, em nosso sistema, acaba não tendo a agilidade operacional que precisa para a rápida disposição ou reordenação dos ativos e espaços físicos, a fim de atrair novas cargas ou novos projetos logísticos (privados ou público/privados). Pelo contrário, em nosso sistema, a gestão das áreas públicas portuárias, na realidade, está a cargo da Secretaria do Patrimônio da União – SPU, órgão do Ministério do Planejamento completamente alheio à gestão do porto. Assim, nos processos de licitação de áreas ou ativos (como os armazéns e silos) a serem arrendados, a administração portuária deve previamente apresentar um detalhado estudo de viabilidade técnico-econômica e ambiental (EVTEA) à agência reguladora, para, só após a aprovação desses estudos e dos respectivos editais (pela Antaq, SEP, SPU, TCU, etc), o processo ser encaminhado a licitação. Dessa forma, ante a complexidade do procedimento, aliada à falta atual de estrutura das Companhias Docas para operacionalizá-lo, acabou-se praticamente inviabilizando a licitação de novos arrendamentos, tendo havido menos de 10 desses certames em todos os portos brasileiros nos últimos dez anos. Sendo assim, a fim de compatibilizar o porto público brasileiro à lógica do modelo “landlord” europeu, não entendemos eficaz a tentativa de “melhorar” um regime jurídico voltado ao controle de ativos (como é o modelo de arrendamentos), mas sim implantar um modelo ágil e eficiente, modelo onde o administrador portuário seja realmente o landlord (da “área” portuária), podendo, segundo suas conveniências e nos prazos por ele traçados, segundo seu projeto e seus recursos, alocar espaços ou realocar ativosdentro do porto, com celeridade e sem burocracia (sem qualquer tipo de controle de meios – como o controle da execução orçamentária – havendo apenas a posterior apuração dos resultados operacionais da gestão). E essa celeridade, absolutamente necessária à lógica da gestão portuária (a fim de atrair novas cargas e demandas que cheguem ao porto, aumentando a sua receita e otimizando seus ativos), não será conseguida pelo modelo atual baseado em arrendamentos, mas por meio do modelo de concessão, onde, uma vez licitados os serviços, tanto os administradores quanto os operadores ficarão livres dentro do porto, pelo prazo estipulado no contrato, para gerirem seus negócios pelo regime de Direito Privado, por exemplo cedendo áreas por meio de simples contratos de locação, que poderão ser renegociados (quanto a prazos ou áreas, por exemplo) a qualquer momento, segundo as conveniênicias das partes. Dessa forma, terá o administrador efetivamente a gestão operacional do porto, podendo negociar acessos e decidir em conjunto com os operadores, por exemplo, a disposição desses ou daqueles ativos, sem a necessidade de ingerência dos órgãos de controle nesses atos, sem a necessidade de licitações posteriores, observando-se apenas as leis, regulamentos e disposições (tarifárias, de segurança e desempenho, por exemplo) já dispostos nos respectivos contratos de concessão. De forma que descartamos a simples opção de “reformar” a modelagem pública (via Companhias Docas) das autoridades portuárias (que não nos dará a agilidade operacional típica do modelo landlord), e propomos um modelo privado na gestão tanto das autoridades quanto dos operadores (atualmente titulares de arrendamentos), mas sempre mantido o controle finalístico estatal, conforme regulação setorial e conforme as disposições advindas do planejamento público e já contidas nos futuros contratos de concessão. Em outras palavras, partindo da realidade hoje existente acredita-se na simplificação de regimes jurídicos e sua síntese em apenas duas figuras: a licitação para o serviço de “autoridade portuária” (na realidade licitação para o serviço de administração do condomínio portuário) e licitação, também pela Antaq, para o serviço de operação, mas sem a complexidade institucional e burocrática e a baixa eficácia do atual sistema de licitação de arrendamentos junto aos portos organizados (Brasil, 2013). 4. PARADIGMA LEGAL: A NECESSIDADE DE LICITAÇÃO PARA ACESSO AO MERCADO No Brasil, o porto público com autoridade portuária pública e operação privada dos terminais convive ao lado dos Terminais de Uso Privado – TUP, outorgados aos particulares por meio de autorizações (não precedidas de licitação). O TUP é uma figura originalmente criada para atender aos legítimos interesses de empresas interessadas em movimentação de carga própria, mas que, com o tempo, passaram a transportar também um grande volume de cargas de terceiros, desnaturando o instituto, uma vez que o acesso ao mercado para o serviço público de operação portuária não foi precedido de licitação neste caso. Se considerarmos o serviço portuário como um monopólio natural em determinada região, um bem público escasso apto à prestação do serviço de acostagem de navios para transbordo de cargas e passageiros, e uma vez sendo necessário o investimento do poder público na construção de acessos a esse porto, facilmente concluímos com base na Constituição Federal que o acesso a esse mercado por entes privados deveria ser sempre precedido de licitação e não outorgado por meio de uma autorização concedida a quem peça primeiro. Assim, todos os terminais não exclusivos deveriam servir também ao interesse público, atendendo, portanto de forma não discriminatória às cargas próprias e de terceiros que chegam a esse terminal, servindo o porto como mais um elemento indutor de desenvolvimento para determinada região. Nesse sentido, o procedimento de chamada e processo seletivo público previsto na nova Lei de Portos é diferente da licitação prévia à prestação de serviço público exigida pelo art.175 da Constituição. Por isso, de forma contrária a simplesmente liberarmos os TUP para a movimentação de qualquer tipo de carga, entendemos que não devemos tentar corrigir distorções com novas distorções, razão pela qual propõe-se a tentativa de implementação do conceito de concessão dos serviços de autoridade portuária e de operador portuário em todos os segmentos do setor, mas com uma diferenciação nas funções atuais do operador (que passará a também deter uma área e um serviço concedido dentro do porto), da forma que passamos a expor. Em face do exposto, propõe-se a licitação do serviço de administração portuária (sucessor das atuais funções de “autoridade portuária”), e dos serviços de operação portuária (de início, pelo menos um em cada porto organizado), neste último caso da mesma forma como já feita hoje nas “licitações de arrendamentos”, mas em um novo formato menos burocrático a que chamaremos “licitação do serviço de operação portuária”. Já em uma segunda modelagem teríamos a “concessão cheia” (ou “master concession”), passando ao administrador tanto a função do tráfego quanto o de gerenciamento dos operadores em seus trabalhos. Na realidade os formatos não são excludentes, mas complementares entre si, pois, de regra, o porto nascerá (a concessão será licitada) como master concession, migrando progressivamente para o formato de “concessão fracionada”, a partir da necessidade de construção ou especialização dos terminais já existentes, ao longo do tempo. Por meio de um procedimento licitatório inicial, asseguramos tanto o princípio da isonomia e a “competição pelo mercado” (a partir da possibilidade de acesso a esse mercado por qualquer empresa, pública ou privada, ou ainda consórcio de empresas interessadas), quanto a possibilidade de atração de investimento privado e de introdução de externalidades positivas na gestão dos serviços de “administrador” e “operador” portuários, a partir das exigências de eficiência mínima e modelagem tarifária (com tarifas módicas asseguradas por “price caps”) já previamente estabelecidas de modo objetivo nos contratos de concessão, restabelecendo-se, dessa forma, o planejamento do setor. Sendo assim, com esta modificação da administração portuária para um “negócio portuário”, apesar de não prestar diretamente os serviços de “administração” e de “operação” portuária, por meio dos contratos de concessão o Estado (por meio da SEP/PR e Antaq) poderá introduzir eficiências, fomentar investimentos e efetivamente controlar (por meio de controle finalístico ou de resultados, e não mais de meios, como ainda feito hoje) os serviços públicos prestados no porto, podendo, de outro lado, a iniciativa privada investir e lucrar legitimamente com o negócio portuário, da maneira que melhor lhe aprouver, respeitados, evidentemente, a modicidade tarifária, o acesso público e não discriminatório ao porto e as demais disposições de desempenho mínimo e de gestão previstas em cada um dos contratos de concessão a serem firmados. Ressalta-se que o planejamento setorial centralizado e a prestação privada (via concessão) de serviços públicos já é a tônica em diversos setores regulados (como energia, transportes, óleo e gás, etc), nos termos dispostos no art. 175 da Constituição Federal: Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários; III - política tarifária;IV - a obrigação de manter serviço adequado. Como já exposto, por ser um formato já implantado com sucesso em outros setores regulados, e pela temática portuária não diferir muito da regulação de monopólios naturais já realizada em outros mercados, é este o modelo que propomos seja implantado em todos os segmentos do setor portuário. 5. MIGRAÇÃO DAS COMPANHIAS DOCAS, TUP E DEMAIS PORTOS PARA O NOVO REGIME JURÍDICO A modelagem de concessões para “administrador” e “operador” portuário poderá ser implantada da seguinte forma: 5.1 Concessão para os ativos das Companhias Docas já existentes As Companhias Docas são, de regra, sociedades de economia mista com maioria de participação acionária (acima de 99%) concentrada nas mãos do governo federal, sendo empresas voltadas à função de autoridade portuária, ou seja, do fornecimento de infraestrutura de acesso e da prestação dos serviços comuns utilizados pelos operadores portuários privados. De regra essas empresas têm apresentado problemas de gestão tendo em vista a politização de suas diretorias e a falta de agilidade em seus procedimentos, que devem sempre observar os ditames da Lei de Licitações brasileira (Brasil, 1993). De fato, na forma como se encontram hoje, as Companhias Docas, de regra, não têm incentivos ou recursos para a profissionalização de seus gestores ou para a cobrança de eficiência dos operadores privados (por meio da exigência de investimento em capacitação de pessoal ou de atualização dos equipamentos, por exemplo), chegando ao ponto de vermos arrendamentos celebrados a preços irrisórios, por exemplo, ante a inexistência de auditoria nos balanços ou de regras de governança corporativa nas Companhias Docas. No modelo de concessão, por outro lado, propomos simplesmente a licitação pela SEP/PR da concessão do serviço de “administração portuária” prestado em cada porto, pelo prazo de 25 anos e pelo critério do maior lance (ou maior “ágio”), devendo todos os ativos retornar à União Federal ao final do prazos das concessões. Os concessionários entrantes – de forma isolada ou associada com as atuais Companhias Docas – deverão, evidentemente, estudar o retorno esperado de seus investimentos, pois os ativos já existentes ou por eles construídos e mantidos já deverão estar totalmente amortizados pelos valores das tarifas ao final das concessões. Essa modelagem é, portanto, diferente de privatização, pois concedemos o serviço de administração portuária (em outras palavras, o direito de gerir o porto), permanecendo no entanto os ativos na titularidade do Estado brasileiro, a ele retornando ao final de cada período de concessão, permanecendo as Docas ainda sócios do negócio portuário (e com assento no Conselho de Administração das SPE), com uma participação de até 49% no capital social. Já os serviços de “operador portuário” continuarão sendo prestados por empresas privadas, respeitando-se os direitos adquiridos dos atuais operadores, mas com novos contratos de concessão a serem feitos a partir de novas licitações a serem realizadas pela SEP/PR, que poderá também rever cláusulas ilegais dos contratos de arrendamento já firmados (como, p.ex., tarifas irrisórias cobradas dos arrendatários, caso existentes), ou caso os contratos de arrendamento atuais não contenham regras mínimas de desempenho para os operadores. No processo de preparação dos editais, por sua vez, a Antaq já aprovará previamente os Planos de Desenvolvimento e Zoneamento – PDZ das áreas de expansão dos portos organizados, assim como os projetos básicos e executivos dos novos terminais (em caso de construção de porto novo, como falaremos adiante), após o competente crivo “ex ante” do Tribunal de Contas da União, assim como as respectivas licenças prévias dos projetos, já emitidas pelo órgão ambiental, reduzindo assim a sobreposição de competências (com a SPU do Min. do Planejamento) e a demora hoje existente no processo de expansão dos portos organizados. Em todo caso, os valores doravante obtidos com a licitação dos novos “administradores” e “operadores” portuários poderão ser revertidos para um “fundo portuário”, administrado pela SEP/PR, voltado para a melhoria da infraestrutura (de acessos e dragagem e balizamento de canal, por exemplo), bem como para o saneamento dos OGMO e demais passivos hoje apresentados pelas Docas, preparando-as para o futuro processo de concessão de seus ativos. 5.2 Concessão para os novos portos a serem construídos A necessidade de atração de investimentos privados e de introdução de comando e controle nos novos portos, dada a partir de um planejamento centralizado e sistêmico, bem como a necessidade de previsão de metas e resultados na gestão do serviço público portuário nos leva à adoção do regime de concessão também para os novos portos a serem construídos. A concessão de novos portos a serem construídos e concedidos (como o Porto do Distrito Industrial de Manaus) poderá ser feita na modalidade de Public Private Partnership denominada internacionalmente como BOT (build, operate and transfer), sendo aberta uma licitação para a construção e concessão do serviço de “administração portuária” por prazos estabelecidos caso a caso, conforme previsão de amortização do investimento feito pelo concessionário, conjugada a um prazo razoável de auferimento de lucro. Após a finalização da obra de construção do novo porto pela mesma empresa que prestará o serviço de “administração portuária” a SEP/PR poderá abrir então licitação para a concessão do serviço de operação, conforme a demanda prevista no planejamento setorial. Deve ficar bem claro que a necessidade atual de apenas um operador não gerará direito adquirido ao concessionário, podendo a SEP/PR abrir a qualquer momento nova licitação do serviço de operação, conforme demanda detectada no planejamento setorial. 5.3 Concessão para os Terminais de Uso Privado – TUP Os TUP, inicialmente voltados para o transporte de “carga própria”, tendo em vista a enorme demanda reprimida hoje existente, acabaram, em grande parte, por terem suas funções desvirtuadas, transportando um enorme volume de “carga de terceiros”, o que só poderia ser feito mediante licitação prévia, ante a configuração da prestação de serviço público. Com base no entendimento já exposto pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de não haver direito adquirido quanto a regimes jurídicos, e em nossa filosofia de simplificação de regimes jurídicos, no modelo proposto pensamos na migração dos antigos TUP que transportem carga de terceiros para o regime de concessão de porto organizado, mais especificamente da concessão para o serviço de administração portuária e serviço de operação, só permanecendo na condição de TUP aqueles terminais que transportem exclusivamente carga própria (antigos TUP exclusivos previstos na revogada Lei de Portos), ou seja, desempenham atividade econômica e não serviço público, nesse caso, após a verificação, pela SEP/PR, da existência de porto organizado público em região próxima ao porto, apto ao atendimento de cargas gerais na região. Assim, transcorrido um prazo razoável para a amortização do investimento feito pelas empresas atualmente autorizatárias dos atuais TUP, prazo esse a ser definido pela SEP/PR, caso a caso, após procedimento específico de apuração dos ativos, a agência reguladora abriria então licitações em bloco, padronizadas e específicas para os serviços de “administração” e de um mais “operadores” portuários, nos prazos e segundo as conveniências do poder público, ficando o novo concessionário privado obrigado a indenizar o antigo autorizatário pelo valor das terras desapropriadas. Ao invés de desestímulo aos atuais operadores privados, como vemos, pela nova modelagem o poder público sinalizará positivamente à iniciativa privada, fomentandonovos projetos e novos investimentos nas estruturas dos antigos terminais privativos, agora também transformados em portos públicos, podendo dessa forma, a partir das licitações, passarem os atuais autorizatários a transportar qualquer carga, própria ou de terceiro, sem limite, concentrando-se apenas na prestação adequada dos serviços públicos, conforme critérios padronizados previstos nos novos contratos de concessão. . Evidentemente, após a migração para o novo modelo, a figura dos TUP praticamente deixará de existir como tal, permanecendo em vigor apenas o formato de portos públicos, inicialmente com um ou mais terminais concedidos à operação, e dos TUP que atendam apenas a cargas próprias, caso haja porto público nas proximidades, e enquanto o poder público não entenda conveniente a abertura de licitação dos serviços de administração e operação portuária para esses ativos, após a amortização dos investimentos das atuais companhias autorizatárias. 6. CONCLUSÕES A fim de permitir um efetivo planejamento estatal – realizado sistemicamente pela agência reguladora e não localmente a partir de cada uma das atuais “autoridades portuárias” locais e também a imputação de responsabilidades aos gestores privados, responsáveis pelos serviços remodelados de “administração” e “operação” portuária nos termos previstos nos contratos de concessão, entendemos ser a modelagem de concessões privadas a que melhor atende à realidade atual do setor portuário, permitindo-se, a partir da reorganização institucional do setor, a atração de investimentos privados em infraestrutura portuária, investimentos esses extremamente necessários para o desenvolvimento do comércio exterior e, consequentemente, para a expansão da economia nacional. Para a implementação das reformas, se faz necessário seria a alteração da nova Lei de Portos em alguns pontos, principalmente no que se refere à inviabilidade de movimentação de qualquer tipo de carga pelos autorizatários privados, fato que tornará inviável a previsibilidade de expansão do sistema a partir de um planejador central. A partir dessas pequenas mudanças legais e sempre após os procedimentos licitatórios respectivos, entendemos que seria possível a implantação de um regime de concessões em todos os segmentos do setor portuário, migrando tanto as atuais Cias Docas quanto os antigos autorizatários de TUP mistos e arrendatários de áreas públicas nos portos para um novo regime jurídico, pautado por metas de desempenho públicas mas gerido pela lógica privada, livre de travas operacionais e voltado ao ganho de eficiência, à competição saudável e ao lucro. REFERÊNCIAS Berg, S. e J. Tschiart (1988) Natural monopoly regulation: principles and practice. Cambridge: Cambridge University Press. Brasil (1988) Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal. Brasil (1995) Lei nº 8.987: dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Brasília: Senado Federal. Brasil (1993) Lei nº 8.630: dispões sobre o regime jurídico de exploração dos portos organizados e das instalações portuárias e dá outras providências. Brasília: Senado Federal. Brasil (2013) Lei no. 12.815: Lei dos Portos. Brasília: Senado Federal. Brasil (2013) Lei nº 8.666: institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Brasil (2013) Decreto nº 8.033: regulamenta o disposto na Lei no 12.815, de 5 de junho de 2013, e as demais disposições legais que regulam a exploração de portos organizados e de instalações portuárias. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20112014/2013/Decreto/D8033.htm. Demsetz, H. (1968) Why regulate utilities? Journal of Law and Economics, vol. 11, p. 55-66, Chicago. Guasch J. L. (2002) Logistics Costs and their Impact and Determinants in Latin America and Caribbean. . Washington: The World Bank. Justen Filho, M. (2003) Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética. Pondé, J. L.; J. Fagundes e M. Possas, (2013). Custos de Transação e Políticas de Defesa da Concorrência. Rio de Janeiro: UFRJ. Disponível em <http://www.ie.ufrj.br/grc/pdfs/custos_de_transacao_e_politicas_de_ defesa_da_concorrencia.pdf>, acessado em 20/05/2013. Schirato, V. H. (2011) A noção de serviço público em regime de competição. Tese de Doutorado em Direito. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo: USP. SEP (2013) Plano Nacional de Logística Portuária – PNLP. Brasília: SEP. Souza Junior, R. T. e G. Balbinotto (2013) O leilão de Demsetz como mecanismo regulador: a experiência gaúcha na concessão de rodovias. Porto Alegre: UFRGS. Disponível em <http://www.fee.tche.br/3eeg/ Artigos/m04t05.pdf>, acessado em 15/05/2013. MT (2011) Plano Nacional de Logística de Transportes – PNLT. Brasília: MT.
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