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Elizabeth Roudinesco Entrevista

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Elizabeth Roudinesco 
31/5/1999 
Historiadora da psicanálise, a professora francesa aponta para o perigo 
iminente da destruição do saber psiquiátrico tradicional pelo cientificismo 
exacerbado que tende a tratar os pacientes de forma generalizada 
 
Paulo Markun: Boa noite. Ela é a historiadora da psicanálise e a biógrafa de um dos 
expoentes dessa polêmica ciência do século 20, Jacques Lacan. No centro do Roda 
Viva esta noite, a historiadora e psicanalista francesa Elisabeth Roudinesco. Para 
entrevistar a professora Elisabeth, nós convidamos: a jornalista Mônica Teixeira, da TV 
Cultura de São Paulo; o professor Arthur Nestrovski, da Universidade Católica e 
articulista do jornal Folha de S. Paulo; o historiador Carlos Guilherme Mota, da 
Universidade de São Paulo e da Universidade Presbiteriana Mackenzie; a socióloga e 
psicanalista Caterina Koltai, da Universidade Católica de São Paulo; o psicanalista 
Renato Mezan, do Instituto Sedes Sapientiae e da Universidade Católica de São 
Paulo; o psiquiatra e psicanalista Mário Eduardo da Costa Pereira, da Universidade de 
Campinas, e o psicanalista Luiz Tenório de Oliveira Lima, membro efetivo da 
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Bem, você não poderá fazer 
perguntas, porque como a professora Roudinesco só fala francês este programa foi 
gravado e assim você tem a oportunidade de conhecer melhor o pensamento dela 
com a ajuda de legendas, o que é sempre muito bom. Boa noite. 
Elisabeth Roudinesco: Boa noite. 
Paulo Markun: E minha primeira pergunta é a seguinte: há uma frase que, se eu não 
estou enganado, é de Lacan que diz que a história humana é a história dos desejos 
desejados. É mesmo de Lacan esta frase? 
Elisabeth Roudinesco: Uma frase de Lacan? Sim. 
Paulo Markun: Muito bem. Então, a pergunta é a seguinte: na opinião da senhora, 
qual é o desejo desejado da humanidade neste final de século? 
Elisabeth Roudinesco: É uma pergunta difícil. 
Paulo Markun: É para começar, um bom começo. 
Elisabeth Roudinesco: Sinto um pouco que, neste fim de século, na sociedade 
ocidental, há um grande desejo de normalização que é um pouco preocupante. 
Vivemos uma época em que o ideal revolucionário desapareceu com a derrota do 
comunismo, que era um grande ideal. Fica a impressão de que se está procurando 
outra coisa e, claro, há certa depressão. Sinto isso na França. Aqui, não sei, mas acho 
que vivemos numa sociedade depressiva. A prova é a quantidade de medicamentos 
usados nos tratamentos psíquicos. 
Paulo Markun: Agora, esse desejo de normalização, para quem aposta na psicanálise 
como um caminho de melhoria das pessoas, não é uma contradição? Quer dizer, 
justamente a psicanálise não discute quais são os limites da normalidade? 
Elisabeth Roudinesco: Não. A psicanálise é uma teoria do desejo. Ela tenta 
compreender o desejo das pessoas. Mas, é certo que quando há perturbações 
patológicas mais graves, visa-se automaticamente a normalização. Depende do que 
chamamos normalização. Em todo caso, a idéia não é essa. Mas, sim, de realização 
do desejo profundo do indivíduo. Quando disse que havia um desejo de normalização, 
pensava antes que este fim de século possui um único modelo econômico, social, que 
é o sucesso individual com a perda do ideal, da revolta, seguida, por sua vez, de 
grande violência. Isso não impede a violência. Mas a psicanálise está ligada ao 
indivíduo, não à normalização. Ao seu desejo profundo. 
Carlos Guilherme Mota: O nome de Elisabeth Roudinesco ficou muito associado, no 
Brasil, à Lacan. Eu queria ampliar um pouco isso porque para nós, historiadores, a 
senhora é uma historiadora de importância por ter trabalhado e trabalhar temas como 
a Revolução Francesa, aliás, com a interlocução do nosso saudoso amigo Albert 
Soboul [historiador francês, publicou, na década de 70, uma obra que se tornou 
referência na área, intitulada A Revolução Francesa]. Então eu gostaria de saber de 
alguma maneira como foi, qual é a importância da Revolução Francesa para a 
psicanálise, para seus estudos? E também gostaria de saber uma segunda questão: 
se há uma diferença entre a escuta do historiador e a escuta do psicanalista? Na 
escuta do psicanalista, sabemos que é possível haver alta, durante o trabalho 
psicanalítico. No caso do historiador, como fica? 
Elisabeth Roudinesco: Antes, um esclarecimento: não trabalhei com Albert Soboul, 
não fui sua aluna. Apenas li sua obra. Tenho formação literária. Só depois é que cursei 
história. Estudei a Revolução Francesa, como todo estudante. Foi um paradigma 
fundamental em todo meu trabalho. Primeiro, porque na França, houve o Maio de 68, 
um momento revolucionário; e eu estive muito mais próxima de Althusser que de 
Soboul. Fui membro do Partido Comunista depois de 68. Logo, a revolução estava 
presente. Mas, foi como se a tivéssemos perdido. Muito cedo tivemos consciência da 
derrota do comunismo. Em política, logo me tornei social-democrata. Mas, em 
seguida, senti um grande desejo de estudar a Revolução Francesa que continuava 
sendo fundamental. Escrevi um livro sobre uma pioneira da Revolução, Théroigne de 
Méricourt [uma mulher melancólica durante a Revolução, relato histórico sobre 
Théroigne de Méricourt, que militou no lado marginal da Revolução Francesa, junto a 
mulheres mal casadas, cortesãs e outras renegadas pela sociedade da época], mas 
só depois de escrever a história da psicanálise. E, se voltei para a Revolução, foi 
porque, escrevendo a história da psicanálise, descobri que havia algo de muito 
particular, na França, para a implantação da psicanálise. Era a idéia de que os 
intelectuais se muniam de idéias novas para transformá-las em algo subversivo. 
Apliquei isso à Revolução Francesa e ao Caso Dreyfus, eventos com um século de 
intervalo. Há algo de específico aos intelectuais franceses, sempre com um ideal 
revolucionário, enquanto que Freud, mesmo tendo consciência de que trazia ao 
mundo uma idéia nova com a psicanálise, não pensava que ela fosse algo 
revolucionário. Ele não queria mudar o homem, mas compreender. Mudar, claro, mas 
por seu conhecimento. Os surrealistas que se interessaram logo pela psicanálise 
acrescentaram essa dimensão, tomada, aliás, de [Jean-Nicolas-Arthur] Rimbaud 
[(1854-1891), francês, é um dos nomes mais influentes na história da poesia ocidental, 
considerado um mestre do simbolismo e precursor do surrealismo]: “Eu é um outro”, 
isto é, o ego é outra pessoa. Isso é revolucionário e está presente em meu trabalho. 
Renato Mezan: Eu gostaria de tomar carona nessas questões que foram levantadas. 
Em relação primeiro à depressão do final do século, que a senhora diz ser a doença 
predominante, talvez um pouco como a histeria era no final do século passado. Eu me 
pergunto e gostaria de saber sua opinião se essa situação não conduz a uma espécie 
de ilusão de ótica em relação às figuras proeminentes do passado. Especificamente, 
em relação à questão da revolução e do alcance subversivo do pensamento 
psicanalítico. Um dos críticos mais agudos, mais ácidos talvez, do seu livro sobre a 
história da psicanálise, foi Michael Chandler [professor e pesquisador do 
Departamento de Psicologia da University of British Columbia, no Canadá], que 
escreveu no [...] uma crítica bastante crítica, se é que posso dizer assim. E ele 
observa que talvez o pensamento de Lacan não tenha sido assim tão subversivo 
quanto - agora sou eu dizendo - poderia parecer a nós nessa luz mais cinzenta, se eu 
posso dizer assim, do final do século. A pergunta que eu gostaria de fazer é a 
seguinte: quão subversivo finalmente é esse pensamento, levando em conta, por um 
lado o que a senhora escreve em sua história da psicanálise? Lacan se identificavacom a psicanálise, não é? E talvez seja um viés não tanto da biografia de Lacan que a 
senhora escreveu, mas do segundo volume da sua História da psicanálise, passa algo 
um pouco assim, essa é a minha impressão. Em suma, então, a pergunta é: quão 
subversivo é esse pensamento, na sua opinião, em relação a ele mesmo, e quão 
subversivo ele pode nos parecer diante da monotonia, da grisaille [referência a um tipo 
de pintura que utiliza sombras de cinza], a gente diria, desse final de século? Não 
existe aí uma ilusão de ótica? E o pensamento e a obra de Lacan não seria talvez 
menos subversiva do que a propaganda que ele fazia - e outros fazem também - 
deixaria supor? 
Elisabeth Roudinesco: Primeiro, vou falar sobre a questão da depressão. Eu disse 
várias vezes que a doença psíquica dominante no fim do século passado era a 
histeria. E a histeria exprimia um conflito que passava pelo corpo da mulher. Era uma 
contestação à sociedade, ao menos simbolicamente, enquanto que a depressão é o 
contrário. Mas, embora a histeria não tenha desaparecido, todos os distúrbios 
histéricos são tratados como depressão. Isso vem do fato de vivermos a era da 
psicofarmacologia; e como esses medicamentos são ineficazes para a histeria, trata-
se tudo como se fosse depressão. Isso pode ser meio banal, mas é sintomático de 
nossas sociedades. E, respondendo sobre o Lacan, Lacan é um paradoxo. Seu 
pensamento ainda é subversivo porque ele é o último dos grandes intérpretes do 
freudismo. Talvez haja outros. Ele deu ao pensamento freudiano algo totalmente novo, 
a meu ver, que é sua ligação com a filosofia, a filosofia do indivíduo. E isso foi muito 
importante. Ele reintelectualizou, ele reuniu todo o pensamento freudiano num debate 
filosófico sobre o ser, sobre a morte, sobre o indivíduo, tal como havia pensado a 
filosofia alemã. E, nesse sentido, ele é o continuador da filosofia. Não há isso em 
Melanie Klein, não se vê isso em outros grandes pensadores do freudismo. Mas, como 
homem, ele era conservador. Esse é o paradoxo. Foi isso que me interessou tanto na 
biografia de Lacan: o paradoxo. Ele, no fundo, estava mais perto de Tocqueville [Alexis 
Henri Charles Clérel, visconde de Tocqueville (1805-1859), pensador político, 
historiador e escritor francês, célebre por suas análises da Revolução Francesa, da 
democracia americana e da evolução das democracias ocidentais em geral. É 
atribuída a ele a criação do termo social-democracia] do que da Revolução Francesa. 
Tinha uma desilusão permanente. Não acreditava naqueles ideais. Neste sentido, ele 
foi subversivo: o pensador do pós-revolução, aquele a quem se perguntava porque as 
coisas não davam certo. Mas, ao mesmo tempo, como fora surrealista, ele 
acompanhou todo o movimento revolucionário. Esse é outro paradoxo francês: 
comparei muito Sartre e Lacan. Porque os dois, como observou Foucault, foram dois 
filósofos bem presentes no movimento revolucionário de 68. Sartre podia ser como um 
irmão dos contestadores, e Lacan queria ser como um pai que não acreditava e nem 
está lá quando aquilo acaba. E, ao mesmo tempo, acho que há em seu personagem, 
algo muito transgressivo, mais que subversivo. Lacan é um libertino do século 18. 
Quando, depois, pesquisei o século 18, isso ficou claro. Suas referências pessoais não 
são as do século 19. Sua família era uma família burguesa do século 19, e ele reagiu 
contra ela, tornando-se esse personagem libertino que parece, ao mesmo tempo, 
Salvador Dali [(1904-1989), importante pintor catalão, conhecido mundialmente por 
seu trabalho surrealista, que chama a atenção pela incrível combinação de imagens 
bizarras, oníricas, com excelente qualidade plástica], Tocqueville, ou um grande 
filósofo. Então, respondendo, eu diria: sim. Mas tudo depende de como se lê Lacan. 
Se for para fazer apenas a repetição mimética do dogma ou catecismo, não há 
interesse algum. Mas os grandes movimentos sempre produzem dogmas, é inevitável. 
À medida que avançarmos, a leitura de Lacan será mais serena. 
Arthur Nestrovski: Nós começamos este programa com a pergunta sobre depressão, 
pensando um pouco sobre a situação da psicanálise hoje. As perguntas seguintes nos 
levaram a pensar na tradição psicanalítica. Eu queria jogar essas indagações agora 
um pouco para frente, pensar um pouco sobre o futuro da psicanálise. No final da sua 
biografia de Lacan, há uma passagem muito bonita, onde a senhora comenta [Arthur 
começa a ler o trecho] “praticantes do inconsciente que jamais escrevem livros e que 
recusam tanto o jargão quanto o alinhamento ou a burocracia. E a emergência, na 
França, de uma espécie de culturalismo que consiste em interrogar-se tanto sobre a 
história da psicanálise quanto interrogar outras técnicas de escuta”. E a senhora 
comenta ainda que “estes novos praticantes trabalham em instituições hoje de 
atendimento com imigrados, loucos, marginais, crianças, doentes de aids, assim como 
em seus consultórios, com o comum da neurose e da depressão”. Eu queria também 
citar uma entrevista sua à revista Lire, por ocasião do lançamento do Dicionário de 
Psicanálise, onde a senhora comentava a criação de outro asilo destinado a pensar 
outras técnicas não puramente farmacológicas de tratamento das doenças mentais. 
Nesta passagem do final da biografia, a senhora comenta que essas outras formas de 
tratamento, esses novos praticantes da psicanálise seriam o futuro da psicanálise, a 
sua honra e a sua paixão. Então, minha pergunta seria justamente para senhora 
comentar sobre o futuro dessa honra, dessa paixão e se isso hoje já são tendências 
teoricamente reconhecíveis? 
Elisabeth Roudinesco: Sim, e não só no fim do livro. No filme que fiz sobre Freud, eu 
também homenageei todos esses profissionais anônimos, pois vivemos um período 
em que não há mais mestres, e não apenas na psicanálise. Toda essa nova geração 
teve que esquecer a figura do mestre para não se arriscar a ter mestres menores ou 
até mesmo charlatães. É preciso ver a psicanálise de hoje como algo coletivo. Os 
psicanalistas de hoje são, de fato, mais anônimos; são, com certeza, bons clínicos que 
se defrontam com todo tipo de dificuldade. Ao mesmo tempo, não há mais mestres, 
mas a psicanálise está em toda parte. Observei que, na França, e em outros países, 
como os EUA, há criticas constantes à psicanálise, como no início do século. Nos 
EUA, onde se adorava a psicanálise, hoje ela parece rejeitada, não há um dia sem que 
se façam criticas. Antes, era por causa da sexualidade; hoje dizem que ela é ineficaz, 
que os medicamentos são melhores e que se pode encontrar diretamente as causas 
cerebrais dos psiquismos. É com isso que se defrontam todos esses novos 
profissionais. E, quanto a isso, não tenho posição dogmática ou opinião radical. Se há 
algo que será abandonado na psicanálise é provavelmente certa atitude rígida. 
Constato, sem ter prós ou contras, que hoje não se pratica mais a psicanálise como há 
vinte anos, ou como eu praticava em meu início, nem como quando fui analisada. Os 
tratamentos usam menos o divã e mais o face-a-face; há mais maleabilidade com a 
colaboração de outras psicoterapias. Alguns acham isso perigoso, mas eu acho que 
não temos escolha. É uma abertura. O risco é os psicanalistas serem menos cultos 
que outrora, é não haver mais aquela figura do intelectual e, cada vez, as questões 
são mais clínicas e pragmáticas. Por isso, penso que no futuro deverá haver 
psicanalistas na universidade que representa o ensino do saber psicanalítico, e que 
ela não fique apenas puramente clínica. Sempre há dois perigos para a psicanálise. 
Se ela se torna apenas intelectual, transmitida como conhecimento acadêmico, há 
uma perda. Se torna-se apenasclínica, há uma perda também. Vê-se isso com mais 
freqüência nos EUA pois, como se sabe, lá há departamentos inteiros na universidade, 
onde a psicanálise é ensinada por pessoas que não são psicanalistas e nunca serão, 
mas que fazem trabalhos interessantes. De outro lado, há muitos psicanalistas que 
nunca lêem trabalhos intelectuais sobre o tema. É uma tendência, e é uma pena. Mas 
para o futuro..., sim a análise tem um futuro porque sempre haverá pacientes que não 
se satisfarão com outros métodos que não levem mais longe a exploração de si 
mesmo. Em sociedades muito normalizadas, com perda de ideais, se terá, cada vez 
mais, necessidade de um conhecimento de si mesmo realmente verdadeiro. 
Luiz Tenório de Oliveira Lima: Eu vou retomar uma questão que foi colocada pelo 
Mezan. Na sua resposta, a senhora se refere à questão da desilusão, quer dizer, o 
pensamento psicanalítico como levando à desilusão. Portanto há um tipo de realismo 
melancólico, segundo o meu ponto de vista. Há uma entrevista sua em que a da 
senhora menciona explicitamente essa questão em relação ao pensamento de Lacan, 
como um pensamento sistemático em que o sujeito é sobredeterminado e 
descentrado. E [quanto] à questão da liberdade, a senhora menciona Sartre, nessa 
entrevista. Eu estava me lembrando, há muitos anos atrás, no final dos anos 60, eu li 
uma entrevista do Michel Foucault em que, ao ser perguntado sobre Sartre, como ele 
via uma questão em que Sartre, aparentemente, parecia em declínio, no ocaso, ele 
respondeu que Sartre e a geração dele tinham a paixão da liberdade, e que Foucault e 
a geração dele, os estruturalistas, tinham paixão pelo sistema. Penso que essa 
questão do sistema e da liberdade é um paradoxo. E me chamou muito a atenção 
duas passagens, em duas entrevistas suas, diferentes, [o fato de] a senhora, de certo 
modo, detectar esse ponto e não encontrar uma solução. Isso me pareceu muito 
simpático, muito importante como analista, a questão de manter o conflito, essa 
questão da liberdade e do sistema. Eu estou um pouco talvez expandindo a questão 
que, de certo modo, o Renato Mezan colocou, e a senhora já expandiu um pouco. E 
eu gostaria de ouvi-la mais sobre essa questão, porque eu a acho central, para nós, 
psicanalistas, não é? A questão dessa tensão entre o que é sobre-determinado e o 
que é escolha livre. Portanto o que é desilusão e engajamento, de um outro ponto de 
vista? Era essa a questão. 
Elisabeth Roudinesco: Sim, classifico o freudismo entre as filosofias da liberdade. 
Sem problema algum. É uma filosofia da liberdade. Há uma frase de Lacan que me 
marcou, há muito tempo, quando ele falava dos países totalitários. Ele dizia: “Não se 
pode associar livremente quando não se tem liberdade de expressão”. E eu trabalhei, 
tentando mostrar que a psicanálise não foi implantada e foi perseguida em países 
onde não existia estado de direito ou democracia, o que indica que é preciso liberdade 
para que a psicanálise possa existir. Este é o primeiro ponto. E por que ela seria uma 
filosofia da liberdade? Bem, é pelo paradoxo em relação a todas as outras teorias do 
psiquismo. Afinal, a contribuição de Freud é dizer que o paciente sabe que possui um 
inconsciente. E para saber que se tem inconsciente é preciso ter consciência. É nisso 
que ela é uma filosofia da consciência. E é uma filosofia da liberdade, já que, 
explorando o inconsciente, tenta liberar-se de suas determinações ou ao menos 
compreendê-las. É nesse sentido que eu ligo o sistema com o estruturalismo. Aliás, 
Foucault já o havia associado, sem dúvida. E também à filosofia da liberdade. Em 
outros termos, se se tomar todas as outras técnicas e teorias, notadamente a hipnose, 
elas consideram que o paciente está preso na subconsciência, sendo, na verdade, um 
escravo de suas determinações. Mas na psicanálise não é assim. Ele não é escravo e, 
sim, tem consciência da existência do inconsciente. É por esse lado que a coloco entre 
as filosofias da liberdade das quais ela seria a conclusão, pois ela é a consciência de 
que não se é livre, de algum modo. E que há algo que age, não por você, mas apesar 
de você, a contragosto. Isso é fascinante na análise. 
Mário Eduardo Costa: Doutora Roudinesco, gostaria de retomar o problema que a 
senhora descreve como inquietante no início deste programa, que é desse esforço 
contemporâneo de normalização de nossas sociedades. Eu gostaria, então, de discutir 
algo dessas relações atuais entre psicanálise e psiquiatria. Eu tenho em mãos aqui um 
artigo recentemente publicado na revista Science, assinado por Nancy Andreasen, que 
é uma das psiquiatras norte-americanas mais respeitadas tanto nos Estados Unidos 
como internacionalmente, ocupa papéis importantes nas instituições psiquiátricas. E 
esse artigo se chama “Um projeto para uma psicopatologia científica”. Em um 
momento, ela diz a seguinte frase [fazendo a leitura do trecho]: “que dados 
convergentes, utilizando-se técnicas múltiplas de neurociências, indicam que os 
mecanismos neuronais das doenças mentais podem ser compreendidos como 
disfunções em circuitos neuronais específicos e que as suas funções e disfunções 
podem ser influenciadas ou alteradas por uma variedade de fatores cognitivos ou 
psicofarmacológicos”. O que é interessante, neste texto, também na estrutura retórica 
do texto, é que ela diz assim: na verdade, com o avanço das técnicas contemporâneas 
nas neurociências, nós estamos realizando o projeto de Freud de poder traduzir em 
uma linguagem neurocientífica os fatos mentais. Eu lhe perguntaria duas coisas: em 
primeiro lugar, neste contexto atual, o que nós podemos fazer? Primeiro, para a 
psicanálise poder ser uma interlocutora importante novamente no campo da 
psicopatologia, uma vez que é a disciplina que vai tratar das paixões. Em segundo 
lugar, como é possível e que visões a senhora tem, contemporâneas, que nos ajudem 
a sair desse embate termo a termo, que me parece que acaba impedindo qualquer 
progresso verdadeiro de interlocução da psicanálise com as neurociências? 
Elisabeth Roudinesco: Escrevi um livro sobre isso para responder aos argumentos 
dos cientistas. Primeiro, queria observar que muitos neurobiologistas, como Gerald 
[Maurice] Edelman [(1929-), recebeu o Nobel em 1972, por suas pesquisas sobre a 
estrutura e natureza química dos anticorpos], Alain Prochiantz [diretor do Laboratório 
de Desenvolvimento e Evolução do Sistema Nervoso (CNRS) da École Normale 
Supérieure (França). É autor de Stratégies de l’embryon e de Claude Bernard, la 
révolution phsysiologique], Jean-Marie Vincent [sociólogo francês marxista e estudioso 
de Max Weber] e outros, ergueram-se contra as reduções que outros biólogos fizeram 
do cérebro ao pensamento, do neurônio ao inconsciente, etc. Vivemos numa época 
que parece um pouco o final do século passado, e tenta-se, de novo, incluir todos os 
psiquismos dentro dos mecanismos cerebrais, físico-químicos, etc. Isso vem de um 
progresso real da biologia e da genética. Sempre que há um progresso nas ciências, 
ele é acompanhado pelo cientificismo. Vivemos uma época científica, na qual a 
verdadeira ciência progride, mas também produz mitos. E esses mitos conduziram, 
infelizmente, à destruição da nosografia psiquiátrica tradicional, isto é, a destruição do 
saber psiquiátrico, com o que é chamado de últimos avanços do manual de 
diagnóstico estatístico de classificação de todas as doenças, no qual os pacientes no 
mundo todo são classificados de acordo com o comportamento e não mais segundo 
um sentido. Isso me parece muito grave. Isso se chama redução; deve-se dar nome 
aos bois. Isso significa reduzir o pensamento a neurônios, ou seja, reduzir o paciente a 
um mecanismofísico-químico. Sou profundamente ligada à racionalidade, à ciência e, 
de forma alguma, à magia. Logo, não se deve ver em minha crítica nada que seja 
contrário à ciência. Mas critico todas essas abordagens ditas científicas, por serem, de 
fato, mitologias cerebrais. Não se deve esquecer que essas teses foram criticadas 
também por outros cientistas que defenderam as posições de Freud. Lembro ainda 
que Freud procurou, a vida toda, dar um status de ciência natural à psicanálise, pois 
também achava que se encontraria na biologia uma explicação para os psiquismos. 
Ele pensou assim a vida inteira, já que, num dos últimos escritos póstumos de 1940, 
ele repete isso. Mas, ao mesmo tempo, paradoxalmente, ele fez ao contrário. Já em 
seu primeiro manuscrito, Esboço de psicologia científica, ele deixou esse terreno, 
dizendo que, mesmo seguindo aquele caminho, não teria encontrado nada. Em outras 
palavras, há uma autonomia do psíquico. E, se vivemos um período em que se quer 
reduzir tudo a neurônios, acho que é porque a psicofarmacologia produziu efeitos 
extremamente positivos. As teorias são falsas, a meu ver, mas a verdade é que a 
eficácia de todos os medicamentos psicotrópicos deu a ilusão de que se ia encontrar 
uma explicação neuronal para todos os mecanismos do psiquismo. Esta é a ilusão: 
não é porque há efeitos reais que se deve incluir tudo nessa questão. As funções 
simbólicas são necessárias. Um paciente não é explicável unicamente de um jeito, a 
função simbólica é capital. Temos um sentido, de onde viemos, somos filhos de quem, 
qual é o sentido de nossa vida, todas essas questões são abolidas pelo cientificismo. 
E quero concluir dizendo que esse cientificismo sempre tem o risco de produzir 
terapias mágicas. É nos EUA onde mais se desenvolveram as neurociências, que há 
também um recrudescimento das terapias mágicas: bruxaria, radiestesia, 
magnetizadores, astrólogos. Porque os pacientes vão buscar na magia o que não 
encontram mais numa ciência que é científica demais e muito totalitária, além disso. 
Paulo Markun: Eu vou começar com uma piada que é uma brincadeira do Luis 
Fernando Veríssimo, escritor brasileiro que todo mundo conhece, uma pessoa que faz 
uma caricatura muito grande do analista de Bagé [personagem do livro de mesmo 
nome, representação caricatural de um psicanalista de formação freudiana ortodoxa, 
com sotaque, trejeitos e os costumes típicos do gaúcho da fronteira do Rio Grande do 
Sul com o Uruguai e a Argentina], um psicanalista machista, que diz que diante dos 
seus clientes, só tem duas soluções. A primeira, ele manda o cliente pagar seus 
carnês. E se ele voltar com os carnês pagos - isso já resolve 90% dos problemas - e 
continuar com alguma coisa, o analista conclui que aquilo é pura frescura, dá um 
joelhaço no sujeito e manda ele para casa tratar. E essa piada, professora, é mais 
para perguntar para a senhora qual é o papel, o que a psicanálise pode fazer nos dias 
de hoje? Houve um certo período em que a psicanálise foi vista por uma elite como a 
grande solução dos problemas individuais das pessoas e, hoje em dia, há muita gente 
que, se não concorda com essa piada, pelo menos acha que ela tem um fundo de 
verdade. 
Elisabeth Roudinesco: Sempre houve piadas sobre a psicanálise, e isso é normal, é 
o humor, está ligado ao humor judeu, originário de Freud, que até escreveu um livro 
sobre o humor. Então, é normal. Quando há humor, é prova de que há algo vivo. Mas, 
respondendo, existe uma imagem deturpada da psicanálise. É o famoso psicanalista 
nova-iorquino que só trata pessoas que têm problemas sofisticados, sempre se 
inquirindo, etc. Mas há uma dimensão social da psicanálise. O psicanalista ou o 
psicólogo clínico, que tem uma formação psicanalítica, nos países onde se trabalha a 
psicanálise, nos serviços de tratamento paliativo, eles tratam, por exemplo, dos 
aidéticos e de todos que têm problemas psicológicos ligados a doenças e aos quais 
um médico não pode escutar. E é normal, pois se a medicina científica quiser 
continuar sendo científica, ela não pode escutar muito os pacientes, pois se arriscará a 
não praticar um tratamento correto. 
Paulo Markun: Cada caso é um caso! 
Elisabeth Roudinesco: Como? 
Paulo Markun: E nessa situação, para a medicina, cada caso é um caso e ela não 
consegue avançar. 
Elisabeth Roudinesco: É isso. E ao mesmo tempo, sobretudo na medicina 
especializada, moderna, científica, ele é obrigado a se fixar em um só órgão. Então, 
em todos os hospitais, e locais ligados a doenças onde haja sofrimento, existem 
psicólogos que só se ocupam em escutar os doentes. E o modelo dominante para isso 
é a psicanálise, mesmo que para isso não usem um divã. Depois, há todo o setor 
escolar e infantil. Em todos os países onde haja problema escolar, haverá 
psicanalistas. Na França, há muitos psicólogos clínicos, psicanalistas trabalhando na 
periferia com os imigrantes, com os delinqüentes. Essa é a prática quotidiana da 
psicanálise. E esses psicanalistas não usam terno e gravata. Usam jeans, tênis, vivem 
o dia-a-dia, não ganham muito, não são ricos e não têm pacientes em divãs o tempo 
todo. É essa a imagem moderna da psicanálise. E foi a eles que quis prestar 
homenagem em meu livro. Mas é verdade que o sofrimento psíquico existe também 
em todas as outras classes sociais: os ricos e também os muito pobres que nem têm 
tempo de pensar nisso. Mas a psicanálise pode estar em toda a parte: nos hospitais, 
escolas e em todos os problemas da sociedade, como violência social, etc. Vemos 
hoje que sempre que há um acidente, há sempre psicólogos presentes. De certa 
forma, a psicanálise participa de todos os problemas da sociedade. Assim eu vejo. É 
esse o seu futuro. 
Mônica Teixeira: Mas, professora, é verdade que, enfim, não vou discutir tudo isso 
que a senhora está dizendo, mas eu quero voltar a uma questão que a gente falou no 
outro bloco. A senhora disse que a ciência é uma grande mitologia, que a ciência 
constrói mitologias. E eu acho até que ela constrói. E toda a idéia do psicofármaco, 
toda a idéia do remédio, da solução com o Prozac e da idéia de que o sofrimento 
psíquico não é psíquico, é uma idéia trazida e alardeada pelos cientistas, talvez menos 
que pela ciência. E isso isola não só a psicanálise, mas isola a idéia de que as 
pessoas tenham uma subjetividade e que essa subjetividade não está contida, nem 
em seu gens, nem em seu cérebro especialmente. De qualquer forma, essas idéias 
estão tendo um grande avanço no final do século e são dominantes, são idéias às 
quais a maior parte das pessoas se apega, concorda e apóia. Por que a senhora acha 
que está acontecendo isso? O que há no mundo que torna essas idéias, que vêm do 
progresso da ciência aparentemente, tão preponderantes, tão dominantes na 
sociedade? 
Elisabeth Roudinesco: Isso vem daquilo que disse no início. Há um duplo fator. Há 
progressos reais da ciência todos os dias. E a ciência se tornou a ideologia de todos. 
A ciência, ou a religião, ou a magia. São as três vertentes. As grandes igrejas estão 
em declínio, em benefício dos movimentos carismáticos, mais mágicos, onde se 
procura um ideal. Depois há a ciência. Nunca associo a ciência à mitologia, mas ela 
sempre corre o risco de acabar produzindo-a. E o fato, hoje, é que, com o poder da 
mídia, com o progresso real no setor da saúde, da ciência, todos esperam soluções 
vindas daí. E são soluções verdadeiras. Por isso, é complicado. É graças à medicina 
que se envelhece menos. Vê-se muito bem a diferença entre os que têm acesso à 
medicina atual e os que não têm. E é justamente por isso que todos acham que, pela 
farmacologia, se vai achar soluções para todos os problemas. Mas isso é verdadeiroe 
falso. É real. Hoje não se pode viver sem os medicamentos, sejam psíquicos ou 
orgânicos. Pode-se imaginar que, dentro de 20 anos, vá se viver com muito mais 
medicamentos. Mas o que quero dizer é que nada nunca é total. Sempre haverá uma 
parte de subjetividade. E essa subjetividade deve ser canalizada. Nesse sentido, é 
verdade que a psicanálise continua sendo um meio de escuta da subjetividade. Mas 
ela não deve se aproximar da magia, pois seria um desastre. Acho que ela deve 
dialogar com a ciência e a racionalidade. É a única solução para esse problema e para 
seu futuro. Por isso, não concordei com os psicanalistas que rejeitavam 
sistematicamente todos os medicamentos. Eles são cada vez em menor número, mas 
é esse o debate do futuro. Essa é a crença. Todos esperam milagres da ciência. Isso 
acaba produzindo efeitos negativos, mas é normal. Foi assim no final do século 19, 
com a grande expansão da ciência. Mas cuidado com a revanche! Houve também a 
produção mágica que acompanha automaticamente os grandes progressos da 
ciência. 
Caterina Koltai: Você falou agora alguma coisa a respeito, rapidamente, eu queria 
que você falasse um pouquinho sobre as relações da psicanálise com a religião. 
Porque nós estamos vivendo, de um lado, um ataque à psicanálise pela indústria 
medicamentosa, e de outro, um recrudescimento da religiosidade. Especificamente no 
Brasil, que é um país muito religioso, considerado o maior país católico do mundo, é 
um país de um sincretismo religioso muito grande, queria que você falasse um pouco 
do lugar da religião e suas relações com a psicanálise. E por que será que nós 
estamos vivendo o recrudescimento da religião? E eu diria em suas formas mais 
fundamentalistas no mundo inteiro. 
Elisabeth Roudinesco: Creio que hoje não há mais conflito entre a psicanálise e as 
grandes religiões instituídas. No início, e entre as duas guerras, a Igreja Católica foi 
inimiga da psicanálise. Basta ver as críticas à teoria da sexualidade. Mas acabou, e 
hoje, as religiões instituídas também são ameaçadas justamente pelos movimentos 
carismáticos de religiosidade. Hoje existe um tipo de aliança, não há quase mais 
conflito entre os analisados e as religiões. Muitos padres foram analisados. E hoje, 
ainda que Freud se horrorizasse, há em comum com as grandes religiões a idéia de 
humanismo. Em revanche, todo o fenômeno de irrupção de religiosidade, sobretudo no 
Brasil, é uma psicoterapia. E as igrejas instituídas estão muito embaraçadas com isso, 
pois elas não mais propõem soluções aos problemas de neurose dos fiéis. Quando 
alguém apresenta um problema assim, elas o enviam ao psicanalista ou ao médico. 
Ela não tem mais o status da psicoterapia. E essa irrupção é problemática para todos. 
Posso contar uma história. Participei de um programa na TV francesa com um padre e 
um pastor protestante que era analista. O padre também fora analisado. E outra 
participante contestava radicalmente a psicanálise em nome da religião. E foram o 
padre e o pastor que tomaram o partido da psicanálise. Isso era impossível nos anos 
30. Mas, foi assim, porque a mulher tinha problemas ligados, não à religião, mas ao 
psiquismo. Organizei também um colóquio com exorcistas. Na França, também há um 
recrudescimento da demanda desses rituais por possessos e maníacos. E constatei 
que muitos desses exorcistas passaram pela psiquiatria e pela análise. E, é claro, eles 
também se colocam esse tipo de questão. Logo, quando um fiel vai para a análise, 
não se questiona mais se a psicanálise destrói a fé como nos anos 50. Isso me parece 
ultrapassado. Em troca, o problema é realmente a religiosidade e seus efeitos que 
ultrapassam as igrejas e não mais a religião ou a fé. Na França, por exemplo, é o 
budismo que está em pauta. Há um número crescente de budistas, não em busca de 
uma religião, mas, em geral, em busca de tratamento pela religião. 
Arthur Nestrovski: Eu queria voltar à questão da depressão, já que estamos 
pensando sobre as relações da psicanálise com o mundo social no momento atual. No 
verbete sobre melancolia do seu Dicionário da Psicanálise, a senhora menciona a 
depressão como “uma espécie de equivalente da histeria do século 19. Uma 
verdadeira doença de época”, eu estou citando. E a senhora disse que “isso se deve 
ao fracasso do paradigma da revolta, ao mundo desprovido de ideais e dominado, 
hoje, pela tecnologia farmacológica”. Eu não sei se é um pouco hiperbólico demais, ou 
militante demais, a gente pensar num mundo desprovido de ideais hoje. Mas 
acreditando que isso seja a descrição realista dos fatos, a minha pergunta seria a 
seguinte: da escuta da histeria, foi escutando as histéricas, que Freud, de fato, criou a 
psicanálise. Foi tentar escutar o que estava sendo dito no discurso de mulheres que 
tinham um deslocamento tão grande em relação ao seu sofrimento, que Freud acaba 
inventando a psicanálise. Será que nós teríamos, de fato, alguma coisa da mesma 
monta a aprender com a depressão? E a psicanálise está, de fato, hoje, 
acompanhando ou sendo capaz de escutar essa demanda dos deprimidos e 
aprendendo alguma coisa com ela? 
Elisabeth Roudinesco: Sim, mas o problema hoje - por isso usei a palavra 
depressão e não melancolia - é que todos são tratados como depressivos. E repito 
isso porque os antidepressivos são muito eficazes. Então, propõe-se o mesmo 
medicamento para todos, histéricos ou não. E há diferenças. Aqui, não sei, mas na 
França, se alguém tiver qualquer problema, receita-se Prozac, sem diferença entre 
alguém com depressão crônica sem causa e alguém que acabe de sofrer uma perda, 
um acidente, qualquer coisa. Há até uma piada meio macabra que diz: “Puxa, você 
perdeu o marido, o trabalho, o filho, está na rua, então tome Prozac”. São problemas 
que não estão ligados ao medicamento. 
Paulo Markun: Professora, eu só queria fazer uma observação exatamente neste 
ponto, que há um grande negócio por trás disso. Não se trata apenas de uma moda, 
existe uma máquina de fazer dinheiro que faz com que essa solução seja a melhor. 
Elisabeth Roudinesco: Sim, os laboratórios farmacêuticos. E a constatação a isso, 
na França, partiu dos psiquiatras, não dos psicanalistas. E sendo o país onde se 
consome mais psicotrópicos no mundo - pelo governo, claro - os próprios psiquiatras 
explicaram que eram consumidos mesmo sem recomendação especializada. Isso 
porque muitos clínicos gerais respondem com um medicamento a qualquer problema. 
Então, não são prescritos pelo psiquiatra, são prescritos por todos os clínicos gerais, 
indiferentemente dos tipos de problemas. Para qualquer tipo de sintoma se dá a 
mesma droga. Quero insistir nisso. E não é por acaso que seja um antidepressivo. Nos 
EUA, os excitantes são mais consumidos. Mas dá no mesmo; é sempre a idéia de que 
há depressão e, assim, vai se sair da depressão. É um paradigma no sentido 
filosófico, pois estamos em sociedades depressivas, sociedades ocidentais. Por outro 
lado, pensa-se tratar a todos da mesma forma quando a indicação não é forçosamente 
a mesma. Você tem razão, há um problema de dinheiro por trás e também é mais 
rápido, a resposta é mais rápida. Mas se esquece de que, depois, essas pessoas não 
seguem um tratamento. Isso funciona por um tempo, mas quando se tratam perdas e 
outros estados psíquicos apenas com medicamentos, não se obtêm resultados tão 
bons, a longo prazo. 
Mônica Teixeira: Professora, como a senhora acha que pode ser? A senhora disse lá 
na primeira pergunta que vê o sucesso individual como uma marca do final do século, 
o desejo do sucesso individual. Quais são as relações que a senhora acha que 
existem entre esse anseio, que é reconhecido socialmente - é legítimo, éconsiderado 
legítimo do ponto de vista social - e esse quadro de depressão, do qual a senhora 
estava tratando? É isso que a senhora chama de uma sociedade depressiva e que 
busca sair da depressão, de qualquer depressão, por meio de um remédio? 
Elisabeth Roudinesco: Acho que quando se tem como único modelo o sucesso, no 
sentido mais material do termo, isso provoca estados depressivos. Porque caso o 
sucesso seja a única meta, se o indivíduo não conseguir chegar a ele, vai 
automaticamente entrar em depressão. E acho ainda que vivemos em sociedades em 
que não se quer ver a violência, a morte. Vejam, como a guerra: não se quer ver os 
mortos, tudo deve ser limpo. No trabalho, não se suporta mais que alguém chore, 
sofra, tudo deve ser clean. Não se quer ver a realidade. Essa é uma grande tendência 
dessas sociedades normativas. Sabe-se que tudo isso existe. É assim com o uso dos 
medicamentos. Como alguém que dissesse: “Sei que tenho um inconsciente, mas não 
quero saber de nada”. Toma o remédio e pronto. Não quero parecer um velho juiz 
conservador, mas na verdade é essa a tendência hoje: resolver tudo depressa e 
esconder a dor. E ela existe. 
Renato Mezan: Talvez aqui caiba introduzir alguma diferença quando a senhora fala 
“as nossas sociedades”. [Ao dizer] As nossas sociedades, eu imagino que a senhora 
pense nas sociedades daquilo que no Brasil se chama de maneira um pouco... 
Paulo Markun: Invejosa. 
Renato Mezan: Redutiva e invejosa, o Primeiro Mundo. E aqui é o Terceiro Mundo, 
junto com o Primeiro. Alguém disse uma vez que o Brasil era [a junção de] dois 
países, a "Belíndia". Tinha uma Bélgica e uma Índia. E a Índia cada vez mais toma 
proporções importantes. 
Paulo Markun: Cada vez mais incomoda a Bélgica. 
Renato Mezan: Cada vez mais incomoda a Bélgica e pode engolir a Bélgica. Bem, eu 
digo que é importante talvez introduzir essas diferenças pensando no rumo que nossa 
discussão está tomando, que focaliza basicamente a relação da psicanálise com as 
doenças, com as preocupações, com as questões do mundo contemporâneo, e menos 
os trabalhos propriamente eruditos que a senhora fez sobre a história da psicanálise, a 
biografia de um grande psicanalista. Eu acho isso muito importante, já que é um 
programa dirigido ao grande público. E eu gostaria de, então, introduzir uma questão 
sobre o lugar da psicanálise nessas sociedades, tomando um pouco o que já foi 
dito. Existe uma diferença - eu não sou sociólogo profissional e se eu estiver falando 
bobagem, os cientistas sociais presentes, por favor, me corrijam - mas eu tenho a 
impressão de que há uma diferença de vivência entre um país como o Brasil e um país 
como a França, que é o papel da euforia. Quando eu coloquei a primeira pergunta 
sobre o lugar da psicanálise nesse contexto, a senhora tinha acabado de falar de Maio 
de 68, esse momento em que tudo parecia possível e que marcou toda uma geração, 
que é a sua, com determinados ideais e determinadas exigências intelectuais e éticas. 
No Brasil, o ano de 68 foi marcado pelo Ato Institucional número 5 [AI 5] e pelo 
recrudescimento da ditadura militar. Sem entrar em grandes análises, o que eu penso 
é que há uma oscilação muito maior naquilo que se chama, grosseiramente, o caráter 
nacional brasileiro, do que no mundo europeu. Passa-se facilmente de um entusiasmo 
arrebatador pela novidade, por um grande líder, por uma causa, etc, para uma 
vivência depressiva. Um grande "psicanalista" brasileiro chamado Nelson Rodrigues 
[1912-1980), importante e polêmico dramaturgo, jornalista e escritor brasileiro, cuja 
obra provoca reações apaixonadas e divide opiniões pela abordagem de paixões 
exacerbadas, gestos exagerados, obsessões, taras, incestos e conflitos] disse que o 
brasileiro é, antes de mais nada, um ciclotímico [denominação dada ao indivíduo que 
alterna comportamentos de excitação extrema e depressão acentuada]. Então, nesse 
contexto, o que se fala sobre a sociedade depressiva talvez devesse ser nuançado, 
matizado. E minha questão se dirige, então, para o papel da psicanálise dita 
tradicional, ou essa que a senhora caracterizou de forma um pouco irônica, como um 
psicanalista de gravata e paletó, frente ao psicanalista de jeans que trabalha na 
periferia, está envolvido com as questões sociais. Eu gostaria de colocar a pergunta 
nos seguintes termos e ouvir sua opinião a respeito: Nós temos uma comparação feita 
por Freud, que é um pouco elitista, no sentido de que a psicanálise seria o ouro puro e 
as diferentes aplicações dela seriam misturas mais ou menos nobres. É claro que 
Freud estava preocupado também com isso, se interessou pelo ensino da psicanálise, 
se interessou pelo problema do custo da análise. Freud não era nenhum indivíduo fora 
do seu tempo. Mas talvez se possa dizer que a situação analítica, clássica, tradicional, 
aquela onde tem alguém deitado em um divã, que vem várias vezes por semana, e é 
ouvido individualmente por um psicanalista. Psicanálise no sentido mais tradicional da 
sua forma. Ela é como se fosse o laboratório, o foco, onde se originam descobertas, 
idéias, hipóteses, que em seguida, tem um alcance muito maior e que podem ser 
utilizadas perfeitamente em trabalhos de toda natureza, com outros tipos de situação 
que não a situação clássica. Eu digo isso porque faz parte dos ataques à psicanálise, 
neste país, neste momento, a idéia de que tudo isso é muito ultrapassado, que aquilo 
que você chama de terapias mágicas, de uma maneira ou de outra, deveriam 
prevalecer. E que o bom, velho, tradicional método psicanalítico já rendeu o que tinha 
que render e agora, então, vamos aplicar esse conhecimento. Na minha maneira de 
pensar, isso é obscurantismo puro e simples, há espaço para todos embaixo do Sol. E, 
certamente, as aplicações da psicanálise, dos conhecimentos psicanalíticos podem 
ser feitos das mais variadas maneiras. Nisso eu concordo inteiramente com a sua 
posição. Mas eu gostaria de ouvi-la brevemente sobre essa questão da fecundidade 
do método analítico ainda hoje. 
Elisabeth Roudinesco: Vou responder claramente: o ideal é que o psicanalista de 
tênis possa usar gravata e vir escutar pacientes deitados no divã. Sou daqueles que 
pensam que o mais frutuoso é a mistura, nada de guetos. Claro que o ideal é que o 
psicanalista possa estar na periferia, ocupar-se do social e, ao mesmo tempo, manter 
a idéia do tratamento analítico puro, que, de fato, pode favorecer a pesquisa. É 
verdade que é algo formidável escutar pacientes em condições ideais de exploração 
do inconsciente. Mas deve-se ter os dois lados, como já disse: clínica, pesquisa 
fundamental, tudo ao mesmo tempo. Mas é também preciso criticar as instituições 
analíticas. Elas criaram um modelo de análise que ficou insuportável e que foi 
contestado com razão. Acho que estamos saindo dessa fase. Se, de um lado, há 
ataques permanentes à psicanálise, há também ataques justificados. Porque, como 
todo grande movimento de emancipação, a psicanálise produziu toneladas de 
funcionários, instituições esclerosadas e pessoas incapazes de se abrir para a 
modernidade. Mas ela também tem força suficiente para que seja contestada de seu 
interior e não apenas do exterior. Além disso, a explosão dos movimentos de 
psicanálise no mundo mostra que não há mais uma única instância legítima da 
psicanálise. Há uma infinidade de grupos, associações, e isso é muito bom, porque dá 
vida à pesquisa, é benéfico, sem modelos únicos e criticando toda esclerose. Quanto à 
diferença entre a França e o Brasil, creio que ela é menor do que você diz. Diferença 
existe sempre. Há o diferente e há o universal. Mas, muitas vezes, tenho a impressão 
que a França está se assemelhando ao TerceiroMundo. Na França, não há as 
mesmas favelas que vejo em São Paulo, mas há muita gente que dorme nas ruas, 
uma miséria espantosa que, há 20 anos, absolutamente não existia. Então, a antiga 
dicotomia que dava a impressão de se vir de um país dito civilizado para o Terceiro 
Mundo existe cada vez menos. Vejo, ao contrário, muitas analogias entre a América 
Latina e a Europa. Mais que nos EUA, onde, mesmo assim, houve progressão dos 
modelos comunitaristas. Lá sentimo-nos mais estrangeiros, mesmo estando muito 
mais próximos. Portanto essas diferenças têm diminuído. E vejo que, com a 
globalização, vai haver problemas equivalentes em todos os países do mundo. Eles 
ficam cada vez mais parecidos e, por isso mesmo, as diferenças vão se acentuar 
também. 
Renato Mezan: Professora, só um instantinho. A senhora falou agora há pouco “vou 
dar um exemplo simples disso”. A senhora falou a respeito dos medicamentos 
psicotrópicos receitados por médicos generalistas à população, e cada vez mais, 
porque eles são reembolsados. Eu tenho certeza de que muito poucas pessoas vendo 
este programa entenderam do que se trata isso, porque a figura tão simples do 
reembolso de um medicamento pelo Estado é inteiramente desconhecida neste país. 
Ou se pega no posto de saúde ou então é o plano de saúde. Ou seja, a vivência 
concreta dessas questões de saúde é muito diferente, mas este não é nosso assunto 
e fica para uma outra discussão. 
Elisabeth Roudinesco: Sim, mas como a França tem um sistema de saúde que 
reembolsa por medicamentos, somos os maiores consumidores. É importante dizer 
isso. É grátis, então, consome-se mais. 
Paulo Markun: Nem sempre é o melhor negócio se oferecer tanta facilidade assim 
para se comprar um medicamento. Em uma entrevista, quando a senhora lançou o 
livro da biografia de Lacan, a senhora mencionou o fato de que continua defendendo a 
idéia de que o intelectual, de que o pensamento tem um caráter subversivo. A senhora 
disse isso, mencionando até a história de que nessa sociedade moderna, com o fim do 
comunismo e com essa história toda, o intelectual saiu de moda. Hoje em dia, o que 
está na moda é economista, o que está na moda são os grandes investidores, etc. E 
ao mesmo tempo, no próprio trecho do Dicionário, no verbete do Dicionário que fala 
sobre o Brasil, a senhora menciona um caso envolvendo um psicanalista no Brasil que 
prestou serviços à repressão e que foi, depois de muito tempo, condenado por isso 
pela sociedade. Então, eu queria juntar as duas coisas nisso. Onde o intelectual hoje 
pode ser subversivo? Porque a sensação que dá para quem olha este mundo, hoje em 
dia, é que a melhor subversão que a gente pode fazer é pegar nossas coisas e ir 
embora para o meio do mato e desistir de tudo, porque não há espaço para que essa 
subversão realize alguma coisa. 
Elisabeth Roudinesco: Como você é pessimista! [risos] 
Paulo Markun: Um pouquinho. Eu diria que, como brasileiro, “Freud explica”. Porque 
aqui há este ditado, que tudo Freud explica. Então talvez o meu pessimismo também... 
Elisabeth Roudinesco: Tudo Freud explica, tudo! Que paixão! [risos] Mas a questão 
central, além da história do psicanalista brasileiro, já bem conhecida, é uma verdadeira 
questão de substituição da figura do intelectual, de mestres, no início, que é válida 
para todos os setores pela figura, não só do economista, mas do expert. É a idéia de 
que não há nada universal em sempre fazer uma perícia, como se o corpo fosse uma 
máquina ou que cada parte está ligada a apenas uma especialidade. Substituiu-se a 
figura universal do intelectual, do qual a França deu os primeiros modelos, por causa 
da Revolução Francesa, por essa posição do expert. Mas, provavelmente, isso não é 
tão real como você diz, pois observo que, quanto mais experts existem, mais jargão se 
ouve e menos se entende. Não se entende o que eles dizem. Lacan e outros foram 
acusados de ter uma linguagem hermética, mais incompreensível. É o que dizem os 
experts de hoje, o tempo todo. Acho, ao contrário, que a figura do intelectual universal 
está voltando. Na França, muitos deles se manifestam na imprensa. Vocês estão me 
entrevistando. Eu sou uma intelectual também. É importante, porque o sentido da vida, 
da morte, do engajamento, o que significa um homem ou uma mulher, hoje, ou o que é 
homossexualidade, não são temas a serem tratados pelos experts, nem pelos comitês 
de ética, que são úteis para certas coisas, mas são limitados. Logo, a figura do 
filósofo, do sábio, a meu ver, vai continuar, talvez na forma de um escritor, ou outra. 
Ele existe porque há interrogações no mundo sobre a liberdade, o sentido da vida, etc. 
Mas os experts podem ser muito úteis, porém não tratam a questão do sentido da 
vida. 
Luiz Tenório de Oliveira Lima: Professora Elisabeth, como seu trabalho é um 
trabalho que se relaciona com um nível bastante erudito, ficam realmente vários 
planos, não é? E isso estimula muito a cabeça da gente porque é um problema para 
escolher qual plano, e como a gente pode ser útil também para o espectador, que está 
nos vendo, nessas questões. Vou me deter em dois planos e vou procurar ser breve. 
O primeiro deles diz respeito à questão da psiquiatria e da psicanálise, da medicação 
e da cura pela palavra, das formas de psicoterapia e de psicanálise. Essa questão me 
parece, eu procuro pessoalmente refleti-la evitando a polarização: a questão de que a 
indústria farmacológica ataca a psicanálise. Eu sou analista e não me sinto atacado 
por isso; e que também a psicanálise ataca os professores dos departamentos de 
psicofarmacologia. Eu procuraria evitar essa polarização, porque o telespectador, por 
exemplo, que está sofrendo, que tem uma crise depressiva, o que ele faz? Ele procura 
o quê? Uma pessoa que está nos ouvindo, que está na sua casa, etc, que tenha uma 
depressão profunda, que está em um estado profundo de depressão ou que está 
ouvindo vozes, ele está delirando. O que ele faz? Ele vai procurar o quê? Psicanálise, 
psiquiatra, etc? Eu penso que essa questão é central, vista desse nível. E eu penso 
que a polarização e o preconceito dificultam muito. Aliás, a minha experiência 
atualmente, na minha experiência como analista, eu tenho encontrado mais 
preconceito nos meios cultivados - porque eu tenho mais acesso - com a medicação, 
com o uso de psicofármacos do que, por exemplo, com psicanálise. Não há o menor 
preconceito com psicanálise ou com psicoterapia. Mas há grandes preconceitos com o 
uso de antidepressivos. E eu tenho, às vezes, tentado persuadir clientes meus, em 
análise, para que sejam avaliados por um psiquiatra em circunstâncias de limite 
mesmo, para poder, então, ser avaliado a tomar o antidepressivo. Eu acho que há os 
abusos mesmo, acho que esses abusos existem e eles devem ser condenados, mas 
nós devemos também valorizar esses progressos psicofarmacológicos que são 
realmente contribuições importantes, inclusive para o trabalho. Eu sei que isso é 
controverso e polêmico. Eu gostaria de ouvi-la sobre isso. Este é o primeiro ponto que 
é de ordem prática. Mas eu gostaria de fazer uma pergunta mais amena, mais suave, 
relativa ao seu trabalho propriamente, que é a questão da posição da mulher na 
psicanálise. Essa questão tão central. E a senhora menciona em diferentes 
passagens, em inúmeras entrevistas, e também nos verbetes, quando se refere a 
Melanie Klein, por exemplo, como sendo aquela que deu um lugar para a mãe, 
considerando a questão do pai em Lacan. Essa é uma questão mais teórica, mas eu 
gostaria de ouvi-la sobre a posição, não só a situação da mulher do ponto de vista 
teórico, mas da mulher psicanalista. E eu gostaria de acrescentar uma omissão, que 
eu achei, em relaçãoà Karen Horney [(1885-1952), médica psicanalista que enfatizou 
a preeminência de influências sociais e culturais sobre o desenvolvimento 
psicossexual, focalizou sua atenção sobre as psicologias divergentes de homens e 
mulheres e explorou a variabilidade dos relacionamentos conjugais], que, a meu ver, 
foi a primeira mulher, quando ainda era analista, não culturalista. A Karen Horney, em 
Viena, quando ela fez o primeiro artigo questionando a teoria falocêntrica de Freud 
[teoria que diz, entre outras coisas, que a mulher seria um homem incompleto, já que 
nasceu sem o órgão reprodutor masculino, e isso seria causa de frustrações]. É um 
artigo clássico, todos conhecem, relativo à questão das sensações vaginais. Depois 
Freud é obrigado, é provocado por isso, e a questão segue aí, eu acho isso de grande 
importância. Então, são essas duas questões que eu gostaria de ouvi-la a respeito. 
Elisabeth Roudinesco: Sobre a farmacologia, fui muito clara no início. Acho que 
devem existir as duas coisas. A prática analítica evolui nesse sentido. Hoje a maioria 
dos analistas receita medicamentos a alguns pacientes. O problema é a indicação do 
medicamento. Os analistas franceses, geralmente, enviam os pacientes ao psiquiatra 
para serem medicados. O que eu critico na farmacologia é a prescrição aleatória. Mas 
é claro que os medicamentos têm grande utilidade, sobretudo nos casos de loucura e 
psicose. A revolução farmacológica, aliás, esvaziou os hospícios; há medicamentos 
que permitem que os psicóticos vivam normalmente, mas percebemos que isso não 
basta. Todos sabem que nunca basta apenas tomar remédios. Quase sempre a 
pessoa começa a tomar o remédio, há um grande alívio, e depois aquilo não basta, ele 
muda de medicação e, em um dado momento, ele precisa da palavra. É o momento da 
palavra intervir, com qualquer remédio. Pode haver, durante a análise, um momento 
em que se prescreve algum medicamento. Hoje todos têm pacientes que tomam algo. 
Não pensem, então, que eu seja contra os medicamentos. Penso mesmo que deveria 
haver maior ligação entre a psiquiatria e a psicanálise. Em todos os países, a 
psicanálise foi implantada quando havia psiquiatria. E é esse laço que se está 
perdendo com as teorias comportamentais. Há até reações de alguns psiquiatras, 
alguns deles também são psicanalistas. Aqui também, a velha rusga de médicos e 
analistas já terminou. Sobre o papel da mulher na psicanálise, não vamos repetir todas 
as teorias da sexualidade. Pode-se dizer, simplesmente, que assim como a 
psicanálise só se implantou em países democráticos, tendo sido um movimento de 
emancipação das mulheres, ela só pode se implantar quando acompanha esse 
movimento de emancipação. Em outros termos, a psicanálise passa também pela 
emancipação das mulheres devido à explosão da família tradicional, patriarcal, que 
dava à mulher o papel único de mãe, de reprodutora. Quanto mais as mulheres 
procuraram a liberdade, a psicanálise acompanhou também esse movimento de forma 
contrária. Houve muita discussão sobre as teorias da sexualidade feminina no interior 
do movimento psicanalítico e entre as mulheres. Mas há ainda esse símbolo de que é 
pela liberação feminina que a psicanálise progride. E eu queria acrescentar que isso 
parece ser assim no mundo todo, o que é um problema. Há cada vez mais mulheres 
nessa profissão, que está quase toda feminilizada, isso é bem evidente no Brasil, mais 
que na França. Há uma tendência à feminização da profissão de psicanalista, e isso 
não é bom. Digo isso porque sou contra os guetos, não há nada melhor que as 
misturas. Se toda uma profissão se feminizar ou masculinizar, será igualmente 
problemático. Mas isso prova que as mulheres acharam seu lugar na psicanálise. E 
não só na psicanálise infantil, talvez por terem uma escuta espontânea da palavra, 
ocupam um espaço considerável. 
Caterina Koltai: Eu queria temperar o pessimismo do Markun com o seu otimismo 
bem temperado. Ou seja, você está lançando junto com o Major, agora, "Os Estados 
Gerais da Psicanálise", que vão acontecer em julho do ano 2000. O nome de “estados 
gerais”, uma homenagem à Revolução Francesa, que o Carlos Guilherme levantou 
antes. E nesses Estados Gerais vão se reunir psicanalistas do mundo inteiro onde 
talvez eles possam discutir a questão levantada pelo Mezan. Se existe uma 
psicanálise brasileira, se existe uma psicanálise de Primeiro Mundo e uma outra para 
o Terceiro Mundo? Então o que vocês, que estão lançando esse movimento, esperam 
dessas discussões onde os psicanalistas do mundo inteiro podem dizer como 
trabalham, onde talvez apareça quem é esse paciente do final do século, início do 
século 21? E que talvez possa responder se a psicanálise tem futuro ainda no século 
21. A psicanálise ainda pode responder ao mal-estar da civilização? 
Elisabeth Roudinesco: Muito bem. "Os Estados Gerais da Psicanálise", que 
acontecerá em julho de 2000, em Paris, na Sorbonne, é uma idéia de René Major, 
psicanalista francês que já veio muito ao Brasil. Ele foi dos primeiros na França a 
organizar encontros franco-brasileiros, nos anos 70. E a idéia é fazer um tipo de 
balanço com a participação, não de associações, mas de psicanalistas do mundo todo 
que, em seus países, levantem as questões que estão sendo postas para o futuro. Os 
"Estados Gerais" será isto: ver pela base quais são as questões que os próprios 
psicanalistas se colocam em seu trabalho no mundo todo. Não é um colóquio 
internacional, nem um movimento, mas a idéia de fazer um balanço e comparar um 
pouco todas as posições. Não sei em que isso vai dar, mas acho que se deveria 
fechar o século com uma idéia assim, tomada de 1789, início da Revolução Francesa, 
com o que ela tinha de universal, já que as luzes daquela época se difundiram no 
mundo inteiro. A imagem é bonita para a grande reunião que faremos em Paris com a 
participação dos países da América Latina, onde a psicanálise se desenvolveu 
consideravelmente. Hoje a maioria dos psicanalistas, de todas as tendências, está nos 
países latino-americanos, onde seu progresso é constante. E estarão muito presentes 
na reunião. E eu digo: felizmente, a América Latina existe. Nós, europeus, muitas 
vezes nos sentimos bem pequenos. 
Mário Eduardo Costa: Olha, eu gostaria de escutar um pouquinho mais a respeito da 
sua visão sobre certas particularidades do contexto brasileiro, da prática e da inscrição 
social da psicanálise. A senhora falou agora há pouco de ter observado a feminização 
dos práticos, dos clínicos brasileiros. Mas eu lhe pergunto sobre essa especificidade 
brasileira também em função do seu verbete no Dicionário da Psicanálise a respeito 
do Brasil, que é extremamente interessante. Acho que a senhora retoma coisas que 
para nós, brasileiros, são muito pouco discutidas, mas é importante lembrar, como a 
senhora faz, dessa entrada psiquiátrica da psicanálise no Brasil através de Juliano 
Moreira [(1873-1932), um dos pioneiros da psiquiatria brasileira], um psiquiatra negro, 
de formação alemã, que consegue aceitar a visão sexual da teoria freudiana [é 
interrompido por um entrevistador que diz: “Baiano”?] e inscreve a psicanálise dessa 
maneira. Mas me parece que tem dois aspectos que não estão suficientemente 
desenvolvidos, eu gostaria de escutar, do seu verbete e outras passagens do 
Dicionário, mas que me parecem muito marcantes no contexto brasileiro da 
psicanálise. Um deles é justamente esse enorme esforço que foi feito em diversos 
estados no Brasil por uma modificação desse contexto de classe média alta, burguês, 
da clínica psicanalítica, para as experiências propriamente sociais, ou de um grande 
público da psicanálise. A senhora lembra lá no verbete dedicado aoHélio Pelegrino 
[(1924-1988), psicanalista, escritor e poeta brasileiro], “da clínica social da 
psicanálise”. Talvez valesse um pouco mais a pena discutir que importância isso teve 
no contexto brasileiro e talvez fora do Brasil. Acho que essa é uma particularidade da 
psicanálise no Brasil. E a outra é a particular inscrição universitária da psicanálise aqui 
no Brasil, uma vez que não existe muitos países no mundo, em que a psicanálise 
tenha ocupado um espaço tão importante, tão fecundo, dentro da universidade, como 
no Brasil. Criamos um espaço de interlocução não só com a psiquiatria, mas com as 
artes, com a própria história, com a literatura. Enfim, eu gostaria de escutar um pouco 
a respeito desses dois aspectos. 
Elisabeth Roudinesco: Bom, para redigir a parte brasileira do Dicionário da 
Psicanálise, eu me inspirei em trabalhos de brasileiros. E também ainda falta 
informação. Mas não é especificidade do Brasil a experiência social da psicanálise. Ela 
existiu em toda a parte, em toda época: em Berlim em 1920, na Áustria, na França, 
nos EUA, com a grande clínica psiquiátrica no Kansas, a Menninger, em Topeka, que 
foi uma experiência extraordinária. Então, a dimensão social não é específica do 
Brasil. Pode haver alguma especificidade, mas essa é uma tendência que existe 
desde o início. A psicanálise não é só o divã e a poltrona. Em outro ponto você tem 
razão. Parece-me que uma das grandes particularidades - e talvez por isso ela seja 
tão viva - está na universidade. No Brasil, houve muito menos resistência da 
universidade à psicanálise. Já na França, é terrível, ela está sempre sob a capa da 
psicologia, ela é ensinada nos departamentos de psicologia; não há uma cadeira de 
psicanálise na École de Hautes Études, nem no Collège de France. Em muitos países, 
há sempre uma suspeição sobre a validade científica dessa disciplina, considerada 
estranha pelos acadêmicos. E, no Brasil, você tem razão, ela é mais importante. 
Talvez porque os psicólogos brasileiros tenham sido muito menos resistentes a ela 
que os franceses. A especificidade da psicanálise brasileira, e é sua qualidade 
também, é o ecletismo. Aqui há todas as escolas, todas as tendências. É como um 
espelho da Europa, como eu quis mostrar. E ainda há particularidade de sua 
implantação na Bahia por esse psiquiatra negro. 
Arthur Nestrovski: Eu queria voltar a uma pergunta - Tenório já me roubou um pouco 
essa pergunta - que é a questão das mulheres na psicanálise. Mas eu quero abordar 
essa questão de uma outra perspectiva. A pergunta dele dizia respeito à participação 
das mulheres psicanalistas na prática psicanalítica. Eu quero pensar sobre o conceito 
que a psicanálise faz das mulheres hoje. Freud fez uma pergunta clássica que ficou 
parcialmente sem resposta, “o que era uma mulher”? As respostas dele não são 
convincentes pelo menos para os nossos padrões de hoje. Ao mesmo tempo, como já 
comentamos aqui, foi exatamente escutando as histéricas do século 19, mulheres que 
desejam coisas que elas mesmas não conseguem reconhecer como desejo, e sofrem 
por isso, foi o escutar as mulheres que desenvolvem, então, os sintomas histéricos por 
conta disso, que ele inventa, cria a psicanálise. A pergunta de Freud, “o que era uma 
mulher”?, se hoje, as nossas mulheres já têm suas demandas reconhecidas de forma 
mais produtiva e mais consistente pela psicanálise? Até que ponto a psicanálise 
mudou para dar conta dessas demandas? 
Elisabeth Roudinesco: Sim, Freud sabia disso, porque ele dizia, com razão, que 
quando mais mulheres fossem psicanalistas, as questões mudariam, sobretudo as da 
sexualidade feminina. Ele até mudaria sua teoria em função do que as psicanalistas 
trouxeram. Não sei se é bem essa a sua questão sobre o lugar da mulher. Tendo a 
achar que as mulheres, não só na psicanálise, vão ocupar um lugar muito potente no 
próximo século. Apesar do que se diz e do que acontece em mais da metade do 
mundo, onde a mulher ainda é muito explorada, digamos que em lugares como a 
Europa, os EUA e o Brasil, em algumas camadas sociais, é verdade que o poder da 
mulher será muito grande. O domínio sobre a procriação, tudo vai tender para o lado 
do poder feminino, e acho que os homens é que estarão em dificuldade. Porque não 
se pode, depois de 2000 anos... 
Paulo Markun: Já estamos, já estamos... [risos] 
Elisabeth Roudinesco: Já estão em uma dificuldade terrível. Por isso eu critiquei as 
feministas. Elas não se preocupam muito com essas questões. Elas mesmas se 
perdem e há muitas mulheres sós, por causa disso. E também por não se dar conta da 
repercussão da emancipação feminina. É preciso se projetar no futuro, pois ainda há 
que lutar para que os direitos sejam iguais. Mas, segundo a psicanálise, não se pode 
deixar de pensar na questão da falta paterna masculina. Os homens estão sendo 
privados de tudo que tiveram por 2000 anos, de forma rápida e progressiva. Claro que 
tiveram muito tempo para se preparar, [risos] mas mesmo assim, não é fácil. Do ponto 
de vista concreto, hoje vêem-se muitos homens procurando a análise, mais do que há 
20 anos. E, provavelmente, também pelo fato de a psicanálise ter-se dirigido para as 
crianças, em muitos países, isso proliferou muito. Toda a psicanálise foi para o lado do 
laço materno, e o lugar do pai nunca está suprido. Nisso, Lacan foi genial. Ele logo 
entendeu o que era esse lugar. Há uma tendência para pedir que os homens 
desempenhem tarefas de mães, partilhe delas, mas as coisas não vão acontecer 
assim. Será diferente. Mas chamo atenção para isto: qual será a potência feminina no 
futuro? Será que os homens vão se feminizar mais? O que a identidade dos homens 
fará com todas as transformações? 
Carlos Guilherme Mota: Nós começamos com a Revolução Francesa, ela voltou aqui 
várias vezes. Eu queria me dirigir então à historiadora Elisabeth para o tema da mulher 
novamente, mas um tema também que está na obra de Lacan, nas suas reflexões, 
que é a crítica à família burguesa ou isso que se poderia chamar “declínio da família 
ocidental”. Acho que para além de prozacs, para além de outras coisas, há uma 
questão mais estrutural. E aí voltamos ao exemplo - e não por acaso - de uma mulher, 
Théroigne de Méricourt, que no processo revolucionário, vive a libertação, participa da 
libertação e depois é colocada num hospício no transcorrer do processo. O que se 
passou talvez tenha alguma lição para o nosso presente. Eu gostaria de ouvir, porque 
é um belíssimo livro seu, uma biografia. 
Elisabeth Roudinesco: O que me interessou no trabalho de Méricourt - uma pioneira 
da Revolução Francesa que mergulhou na melancolia depois, na época do terror - 
que me interessava era mostrar que a melancolia chegava quando o ideal 
revolucionário desmoronava.. Através dela, eu pensava no filósofo Althusser, outro 
grande melancólico, e até o paradigma da melancolia pós-revolucionária. Ou seja, 
quando já não há ideal, pode haver esse mergulho na loucura, como os grandes 
místicos. Foi isso que me interessou, assim como a ela, em relação ao feminismo. 
Sobre o declínio da família, há um duplo movimento. O que declina é a família 
patriarcal, mas essa é a família que se tornará um modelo cada vez mais normativo. 
Todo mundo quer se casar, notadamente até os homossexuais. Isso mostra que ela é 
um modelo absolutamente universal, como bem dizia [Claude] Levy Strauss [(1908-), 
antropólogo, professor e filósofo belga, é considerado o fundador da antropologia 
estruturalista, em meados da década de 1950, e um dos grandes intelectuais do 
século XX], não sob a forma do casamento clássico, mas sob formas diversas. Em 
todo caso, acho que a família continuará sendo o núcleo da sociedade. Issoé certo. É 
mais o lugar do pai, é a família patriarcal que vai mudar. E como vai ser? Essa é a 
interrogação, mas inevitável. 
Paulo Markun: Professora, nosso tempo está acabando efetivamente, mas eu queria 
uma última observação da senhora, se possível sintética, sobre a questão que durante 
muito tempo foi a maior preocupação das pessoas que, de alguma forma, não sabiam 
bem o que tinham dentro da cabeça, a não ser aquela coisa que faz a gente pensar, 
que é a loucura. Nós vivemos em uma época em que a loucura hoje já não está mais - 
se é que algum dia esteve - circunscrita aos hospícios. No dia em que estamos 
gravando este programa, o mundo inteiro ainda está impactado por um episódio que 
aconteceu nos Estados Unidos, onde 25 jovens foram mortos em um episódio que 
nossos avós diriam que era um sintoma de loucura. E a gente hoje tenta explicar isso 
como um resultado da violência da sociedade, como jovens que são marginalizados, 
porque não eram bons alunos ou não eram bons esportistas, etc. Então a pergunta 
que eu faço para a senhora, que é uma otimista, é se a senhora imagina que um dia 
essa loucura tende a acabar? 
Elisabeth Roudinesco: Não. A condição humana não termina nunca. Isso é um 
sonho. A loucura existe desde a noite dos tempos, como a sexualidade, o suicídio ou a 
morte. Ela faz parte da condição humana. O que muda é a representação que 
fazemos dela. Na Idade Média, o louco não tinha o mesmo lugar que tem hoje. O 
grande movimento se deu quando se considerou, a partir do século 18, que a loucura 
era uma doença mental. Essa é a mudança. Antes, falava-se em possessão do 
demônio, que era a expressão entre os antigos, de uma fúria interna ligada ao 
organismo, etc. Hoje, tudo é considerado do ponto de vista da doença. É a nossa 
época. Pensava-se que seria vencida, pois poderíamos curá-la, como se cura uma 
doença. Mas não. E a prova é que se pensava isso também do suicídio, que os 
remédios venceriam o suicídio. Mas não se pode vencer os grandes dados da 
condição humana. Ela tomará formas diferentes. A humanidade não pode curar-se do 
que ela é. Já imaginaram uma sociedade que eliminasse a morte, o suicídio, a loucura, 
o que mais? Curaríamos a neurose. Mas seríamos o quê, então? O que seria o 
homem livre de suas paixões? Seria um cemitério! 
Paulo Markun: Muito obrigado por sua entrevista. Obrigado aos nossos 
entrevistadores, a você que está em casa.

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