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centralidades periféricas l periferias centrais PATRIMÔNIO HISTÓRICO EDIFICADO E MEMÓRIA URBANA: O CASO DE PAU DOS FERROS Lucas Lenin Sabino Angelo Universidade Federal Rural do Semi-Árido, UFERSA lucasleninsa@gmail.com Ítalo Epifânio de Lima e Silva Instituto Federal de Ciência e Tecnologia, IFRN italoepifaniols@gmail.com Antônio Carlos Leite Barbosa Universidade Federal Rural do Semi-Árido, UFERSA antonio.leite@ufersa.com RESUMO: A preservação da memória urbana é algo de singular importância para um povo, visto que isso exprime uma valorização cultural no que se refere a identidade e a história. Essa relevância se manifesta, muitas vezes, na preservação através de tombamentos. O Rio Grande do Norte tem poucos bens tombados e isso é algo preocupante, pois não há no estado uma conscientização política na preservação do patrimônio edificado e isso se revela através das descaracterizações constantes de prédios, que mesmo não tombados, são históricos. O caso é ainda pior no interior, em que o investimento é menor, assim como a conscientização, dessa forma marcos importantes são destruídos, juntamente com a identidade de um povo. Este estudo mostra o processo de desvalorização da memória e do patrimônio histórico edificado, especificamente da cidade de Pau dos Ferros. Palavras-chave: Edificações Históricas. Cidade. Preservação cultural. urbicentros V 08 a 11 de novembro de 2016 - joão pessoa - paraíba ABSTRACT/RESUMÉ: The conservation of urban memory is of singular importance to the people, after all that expresses a cultural appreciation, resgarding the identity and history. This relevancy manifests, oftentimes, on the preservation listed by governamental entities. The Rio Grande do Norte has few listed buildings and this is something worrying, because in this state hasn’t an political awareness in preservation of heritage buildings and that is revealed by discharacterization of this buildings, that even not fallen, are historical. The case is even worse countryside of Rio Grande do Norte, since the investment is lower, as well as awareness, therefore important landmarks are destroy along with the identity of a people. This study show the process of devaluation of the memory and built heritage, specifically in Pau dos Ferros city. Keywords: Built Heritage. City. Cultural preservation centralidades periféricas l periferias centrais 1. INTRODUÇÃO Para se compreender a ideia de patrimônio histórico, é necessário ter em mente sua amplitude no que se refere a sua conceptualização, levando em consideração suas dimensões históricas, culturais e arquitetônicas. É um tema de complexa definição, visto que existe uma dependência diante do papel da memória social, que exerce grande influência em sua elucidação. Apesar do sentido amplo, podemos considerar como patrimônio histórico todos os bens materiais e imateriais, construídos por civilizações passadas, que carregam características e valores culturais. Os elementos que constituem um patrimônio são dados de memória, que permitem que o passado interaja com o futuro, para assim transmitir conhecimento e identidade cultural. Sendo o patrimônio, algo de tamanho significado no meio social, é importante que aconteça uma manutenção no seu estado físico e uma desaceleração de sua degradação, com o intuito de valorizar e prolongar o estado de conservação (GHIRARDELLO, 2008). A memória se põe como razão principal na ideia de patrimônio histórico, pois ela é um fator de identidade humana, e que por isso resguarda heranças culturais. Sendo assim, o patrimônio histórico e a memória urbana vão além da ideia de preservação da história, lançando-se no entendimento da identidade das gerações passadas e das atuais, o que gera reflexões profundas sobre transformações urbanas, sociais, geográficas e econômicas. A identidade de uma cidade muitas vezes se perde pela falta de zelo com seus monumentos históricos, e essa destruição da memória vem acontecendo na cidade de Pau dos Ferros nos últimos anos, que passa por um processo de desenvolvimento urbano, estimulado principalmente pela especulação imobiliária na região. Essa ideia de modernização, atrelada a um viés progressista e sem preocupação com a memória edificada, descaracteriza prédios históricos, destruindo a identidade e memória da cidade. O município de Pau dos Ferros surgiu, emancipado politicamente, em 1857, mas mesmo assim tem uma história anterior a isso, ligada intimamente com sua formação católica e sua principal igreja, visto que essa já tinha 100 anos quando o povoado teve sua categoria elevada. A religiosidade sempre esteve ligada a cidade e isso se mantém até hoje, no entanto o prédio histórico da “Igreja da Matriz” é um dos maiores exemplos de intransigência com a memória da cidade, primeiro porque ela não consta nos bens tombados pelo município, além disso recentemente houve uma reforma que descaracterizou tanto seu interior quanto sua fachada, em que houve modificação para adição de uma segunda torre. A descaracterização dessa igreja não é um fenômeno isolado, são vários os casos, como o da Praça Monsenhor Caminha, a Praça José Lopes Chaves, o Mercado Público Municipal - este quase foi demolido - e vários outros. Abreu (2012) afirma que o cotidiano urbano brasileiro vê-se invadido por projetos, urbicentros V 08 a 11 de novembro de 2016 - joão pessoa - paraíba que discutem sobre restauração e preservação dos mais diversos vestígios do passado, no entanto vê-se que em Pau dos Ferros a ideia de preservação ainda é uma falácia, bens tem de ser tombados para que sejam identificados sua importância como patrimônio, quando isso não é feito e fatores econômicos exercem pressões sobre a memória edificada, os prédios são reestruturados, reformados, demolidos, perdendo sua função na memória e identidade cultural daquele povo. Levando em consideração a importância da preservação da memória urbana e o processo de descaracterização da memória edificada que Pau dos Ferros passa, o presente estudo trabalha sobre essa ideia, realizando reflexões históricas tanto sobre o Rio Grande do Norte quanto sobre o município. Dessa forma o artigo se estrutura sobre a ideia de patrimônio cultural edificado no estado do Rio Grande do Norte, abrindo parênteses sobre as legislações no estado, os prédios históricos e posteriormente focando sobre o caso da cidade de Pau dos Ferros. O estudo tem uma abordagem qualitativa, que utiliza o estudo de caso de Pau dos Ferros e pesquisa de campo na cidade. 2 PATRIMÔNIO CULTURAL EDIFICADO NO RIO GRANDE DO NORTE Desde o início do século XX, a busca de soluções para impasses da preservação urbana vem sendo debatida por arquitetos e antropólogos em congressos internacionais onde propuseram diretrizes e recomendações presentes nas Cartas Patrimoniais. (PELEGRINI, 2006). Em 1933, o Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, conceituou a Carta de Atenas, se referindo a valorização da arquitetônica de imóveis e a discussão a respeito de património histórico. Segundo Nigro (2001), a Carta de Atenas, foi o primeiro documento de grande relevância que leva em consideração a necessidade de salvaguardar patrimônio edificados de sua destruição, ou seja, essa carta foi um grande marco, no que se refere a noção da conservação e a restauração dos monumentos históricos. O pensamento de preservação do patrimônio está geralmente associado aos tombamentos, visto que essas ações visam preservar os bens de valor histórico, cultural e arquitetônico. O primeiro tombamento ocorrido no território do Rio Grande do Norte aconteceu com o Forte dos Reis Magos, na capital do estado, Natal, em 1949. O Forte dos Reis Magos é um exemplo que caracteriza bem a preservação do patrimônio no Rio Grande doNorte, tanto por ter sido o primeiro a ser tombado, quanto por ter ocorrido apenas após um grave processo de degradação de sua estrutura, como afirma Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN, 2016). Desde o tombamento do forte, sob a jurisdição do IPHAN, foram tombados 47 bens, em nove municípios do estado, números baixos se comparados à Minas Gerais, em que o instituto protege mais de 5 mil edificações, sendo este o estado com mais bens tombados. centralidades periféricas l periferias centrais A pouca proteção sob os bens do estado é evidenciada em crônicas como a do estádio João Cláudio de Vasconcelos Machado, popularmente chamado de Machadão. Inaugurado em 1972, o edifício era o maior estádio do Rio Grande do Norte e terceiro do Brasil, foi descartado para dar lugar a projetos de cidade-sede da copa do mundo de 2014, “sem que se promovesse qualquer discussão sobre sua importância simbólica e patrimonial para a cidade” (VELOSO, VIEIRA, 2010). Crônicas como essa mostram como a preservação da memória urbana é pouco valorizada no estado, faltando assim a consciência de que o novo não implica a destruição do passado e a memória inscrita no espaço. Apesar de casos como o do estádio “Machadão”, a cidade revela uma figura bivalente quando tenta recuperar, através de planos e programas públicos, o bairro da Ribeira. Fazendo parte da consolidação da capital do estado, a Ribeira serviu de abrigo para edifícios comerciais e culturais, tendo seu apogeu durante a Segunda Guerra Mundial, em que foi instalada uma base aérea norte-americana na região, como afirma Veloso (2011), esse fato incentivou o fluxo de dinheiro, assim como construção de portos e outras obras de infraestrutura e cultura, tais quais teatros, hotéis e etc. A mesma guerra que depositou capital no bairro, quando acabou, retirou-lhe montantes de investimentos que enfraqueceram seu comércio e a preservação de sua estrutura. Só no fim do século XX e início do XXI foi que surgiu tentativas de revitalizar a região, através de campanhas públicas que estimulavam o uso habitacional do lugar, até que em 2010 o IPHAN realiza o tombamento desse sítio histórico de Natal e instituí uma série de projetos de recuperação estrutural do bairro. O tombamento certamente ajudou a Ribeira a se reestruturar, no entanto Veloso (2011) observa que na prática as ações realizadas pelo instituto foram pontuais e realizadas em tempos distintos, mas que, mesmo assim, surtiram efeito, logrando êxito quanto ao estímulo ao uso residencial. Deve-se observar que a recuperação da Ribeira é um projeto progressista, que tenta respeitar a memória, mas ao mesmo tempo tenta criar novas oportunidades econômicas, corroborando um desenvolvimento sustentável entre passado e presente, mas que essa visão não se aplica a todos os projetos, sendo a memória apagada quando o fator econômico aparece, evidenciando a falta de tato do estado na hora de tratar sobre preços e valores. Se na capital, que existem requisições e um trabalho em cima do patrimônio histórico, além de um maior investimento financeiro, há a destruição da memória sob o olhar do IPHAN, no interior a situação é caótica. De todos os bens tombados pelo IPHAN no estado nenhum ultrapassa a faixa litoral, sendo Acari a exceção, que distam 201km da capital (IPHAN, 2016). Cidades importantes historicamente para o Rio Grande do Norte, como Portalegre e Mossoró, por exemplo, não tem nenhum bem protegido, o que evidencia o descaso com a história das cidades interioranas. A lei que regula o tombamento de bens no estado do Rio Grande do Norte é a Lei Nº 4475, de 03 de outubro de 1978. Por definição do documento, os patrimônios histórico e artístico do estado são constituídos de bens que se situem em seu território, que mereçam proteção especial de poder público por seu “valor histórico, arqueológico, científico, cultural ou artístico [...]”. urbicentros V 08 a 11 de novembro de 2016 - joão pessoa - paraíba A importância de uma lei que regulamente o tombamento de um bem é a de resguardar o patrimônio, alienando o bem ao estado e sancionando penalidades a transgressão do patrimônio. O artigo 4 da Lei estabelece o funcionamento do tombamento, atribuindo a responsabilidade ao Secretário de Educação e Cultura, que segue a legislação federal do assunto. O parecer sobre o cancelamento de um tombamento também é através da legislação federal. Ao mesmo tempo a lei realiza a diferenciação entre os tombamentos de ordem estadual e federal. Quanto as jurisdições do tombamento, a Secretaria de Educação e Cultura administra e controla a conservação, desapropriação e tombamento de bens. O Conselho Estadual de Cultura atua como órgão de consulta e a Fundação José Augusto intervém como entidade executora, que, de acordo com o artigo 10, é a responsável pelo aval de auxílios a construções de qualquer monumento no território estadual. 3 PRÉDIOS HISTÓRICOS NO INTERIOR DO RIO GRANDE DO NORTE As cidades interioranas do Rio Grande do Norte passaram por um processo de ocupação durante o período colonial que as ligaram intrinsecamente a cultura portuguesa. A própria fundação da dessas cidades está relacionada diretamente a esse período, sendo assim, carregam características culturais de seus colonizadores, os Portugueses. Sendo Portugal uma nação ligada à religião católica, durante a ocupação das Américas, a construção de igrejas era uma das primeiras preocupações ao se fundar uma vila, se tornando um dos mais importantes edifícios da região, como coloca De Medeiros (2010): Nos séculos XVI e XVII, com os jesuítas, beneditinos, franciscanos e carmelitas, foi na arquitetura conventual e monástica que se erigiram as obras mais significativas da nossa arquitetura, e aquelas que melhor expressam os aspectos históricos, econômicos e sociais de nossas cidades. Durante a formação do núcleo urbano, havia o edifício da igreja como eixo do povoado, o que muitas vezes serviam para delimita-los geograficamente. Assim, o templo religioso, se tornava um símbolo a memória popular e, portanto, patrimônio histórico. Mossoró, segunda maior cidade do estado do Rio Grande do Norte, teve sua origem a partir de um povoado, surgido em 1772, que se concentrava em torno de uma capela, a de Santa Luzia, que inclusive dava nome ao povoado, como afirma Silva (2011). O munícipio de Pau dos Ferros também tem associação com igreja, visto que advindo de fazenda, o conglomerado populacional constrói uma capela em 1738. Como pode-se notar, as igrejas são um dos maiores patrimônios centralidades periféricas l periferias centrais históricos das cidades interioranas do Rio Grande do Norte. Porém também são os edifícios que mais perdem suas características por conta de reformas, levando consigo a identidade cultural de um povo e empobrecendo o ambiente urbano. Outro legado urbanístico-arquitetônico que vem desaparecendo são as estações ferroviárias do Rio Grande do Norte. Elemento dinamizador na modernização do estado durante a transição do século XIX para o XX, as linhas férreas seriam de conexão entre as cidades, revolucionando o espaço geográfico. De acordo com Medeiros e Ferreira (2008), existiam três linhas ferroviárias, construídas respectivamente em 1881, 1906 e 1912, passando por 28 cidades do estado. As desativações da maior parte das linhas férreas do Rio Grande do Norte deram novas utilidades das estações ferroviárias, Medeiros (2016) afirma que algumas cidades, como Frutuoso Gomes, transformaram a estação em museu e biblioteca municipal, outros exemplos são São José do Mipibu, que se transformou em restaurante, e ainda outras como Nova Cruz, que transformaram suas estações em Casas de Cultura. As estações ferroviárias dessas cidades causaram um impacto social, econômico e urbano, tanto que,povoados como o de Epitácio Pessoa conseguiram poder para se desmembrar de outros municípios, e nesse caso específico, da cidade de Angicos em 1938. Contudo, o povoado de Epitácio Pessoa (hoje Pedro Avelino), que deve sua emancipação, em parte, ao crescimento da economia que a ferrovia trouxe, tem a sua velha estação abandonada, se deteriorando, juntamente com a identidade da cidade, sendo que este não é um caso isolado. 4 PAU DOS FERROS E RESGATE HISTÓRICO A cidade de Pau dos Ferros, cidade interiorana do Rio Grande do Norte, por exemplo, passa por um processo de descaracterização cultural por perca de sua memória urbana. Como colocado por Dantas (2014), “A aglomeração humana que deu origem a Pau dos Ferros está diretamente associada ao comércio, sobretudo à feira livre que, juntamente com o mercado público municipal, constituem-se as primeiras referências dessa atividade nesse espaço”. Sendo o mercado público municipal uma das principais referências à história da cidade, assim como a identidade gentílica pauferrense, uma reforma na sua estrutura é algo que deve ser discutido, tamanha sua importância, porém a reforma do mercado público municipal de Pau dos Ferros inicialmente tinha como pretensão a total demolição da estrutura, como atesta Pau dos Ferros (2016): A obra precisou passar por uma reformulação de projeto logo no início da sua administração, pois o anterior (da gestão passada) não obteve aprovação da Caixa Econômica Federal, porque previa a demolição total da estrutura. urbicentros V 08 a 11 de novembro de 2016 - joão pessoa - paraíba A intenção de destruir um patrimônio histórico da cidade só foi freada graças a não liberação do dinheiro federal, o que evidencia a falta de consciência do valor edifício tem por parte da gestão, assim como uma visão progressista dos governantes da cidade que excluiriam a história de um povo levando em consideração apenas o progresso pelo progresso. A crônica do “Machadão” é ainda mais triste que a do mercado público municipal de Pau dos Ferros, visto que este foi descartado, mas há muitos “Machadões” no interior do estado, afinal, são várias as reformas que destroem a memória. Em Pau dos Ferros várias praças foram completamente remodeladas, tais quais a Praça José Lopes Chaves, popularmente chamada de “Praça do N”, e a Praça Monsenhor Caminha, esta importantíssima, localizada no centro da cidade, teve toda a sua estrutura modificada, perdendo identidade, como o palanque em que discursaram gestores e opositores ao regime militar, assim como vários sindicalistas. Essas praças históricas foram remodeladas conforme o padrão de todas as outras praças construídas, algo que exemplifica bem a ideia do progresso pelo progresso. Essa remodelagem não é algo atual para a Praça Monsenhor Caminha, visto que já teve várias outras remodelagens com visões progressistas, como é colocado por Holanda (2011). Construída ao lado da Igreja da Matriz e em frente do Mercado Público de Pau dos Ferros, a obra de 1942, popularmente chamada de “Praça da Matriz”, que faz referência a sua localização (ao lado da Igreja da Matriz), serviu de ponto de encontro popular, além de palco para manifestações culturais, como apresentações musicais da banda de música municipal. Já em 1972, ocorreu sua primeira remodelagem devido a um viés progressista, pois o trânsito de veículos crescia e no projeto original não havia escoamento para o tanto de veículos. “Remodelagem” é uma palavra modesta, já que a praça original fora quase que completamente demolida. Na nova praça residia o palanque, uma concha acústica, com os dizeres “A praça é do povo como o céu é do condor”. Uma nova reforma foi feita entre 2008 e 2009, sendo modificada tanto para unificar a praça (que era repartida em duas partes), quanto para tentar melhorar o estacionamento de veículos e o trânsito. Assim como a passada, essa reforma modificou completamente sua estrutura, inclusive retirando a praça do povo, pelo menos a concha acústica e os seus dizeres, colocando em seu lugar um semicírculo inexpressivo, que serve de palco improvisado para os raros eventos culturais da cidade. Apesar das constantes mudanças estruturais, a popular “Praça da Matriz” sempre serviu de ponto de encontro depois das missas, sendo então um centro de convivência que não teve sua utilização usurpada com as constantes mudanças. Essa identidade católica da sociedade pauferrense é característica cultural desde sua fundação, visto que nome oficial homenageia um vigário da paróquia de Pau dos Ferros, o que só reforça a identidade e formação católica da cidade. centralidades periféricas l periferias centrais Essa identidade católica da cidade é ligada à sua formação, afinal, quando a cidade se emancipou politicamente em 1856 da cidade de Portalegre, a Igreja da Matriz de Nossa Senhora da Conceição já existia a 100 anos. A construção dessa igreja está diretamente associada a formação da cidade, sendo historicamente ligada a identidade e cultura da população, portanto é um bem material histórico da cidade, contudo esse edifício não consta na relação de bens tombados do município, como pode-se notar pelo Quadro 1. Quadro 1: Monumentos Tombados em Pau dos Ferros Patrimônio Histórico Tombado em Pau dos Ferros Obelisco (marco/coluna) construído, no ano de 1956 (17 de dezembro), em comemoração ao centenário do município de Pau dos Ferros e ao bicentenário da freguesia de Nossa Senhora da Imaculada Conceição. Situado na Rua Praça da Matriz, Centro, na Praça Cônego Manoel Caminha Freire; Prédio sede da Prefeitura de Pau dos Ferros, construído no ano de 1929, na gestão do Ex-Prefeito Francisco Dantas de Araújo. Situado na Avenida Getúlio Vargas, 1323, Centro; Grupo Escolar Joaquim Correia, atual Casa de Cultura Popular Joaquim Correia, construído por Joaquim José Correia, no ano de 1911, em virtude do decreto nº 234 de 10 de novembro de 1910. Situado na Rua Praça da Matriz, 157, Centro. Mercado Público Municipal Antônio Soares de Holanda. Prédio construído no início do século XX. A denominação do mercado público de Pau dos Ferros se deu através da Lei Municipal Nº 898/02 de 19 de junho de 2002. Situado na Rua Praça da Matriz; Quartel da Polícia Militar de Pau dos Ferros, criado em 1938 e inaugurado em 1941. Situado na Rua Joaquim Torquato, 1092, Centro. Fonte: Lei Municipal Nº 901, de 02 de julho de 2002 O não tombamento da Igreja da Matriz fez com que, uma reforma em 2011, por problemas no forro, assim como no madeiramento, destruísse todo o interior do prédio, de forma que não houve preocupação em preservação, descaracterizando seu interior, tanto no teto, quanto no piso. O lado de fora do monumento foi reformado também, inserindo azulejos em seu entorno, o que não condiz com a sua estrutura original. Apesar da reforma descaracterizar parte da edificação, seu estilo arquitetônico foi mantido. Independente de alguns traços que ainda lembram o passado serem mantidos, outra enorme descaracterização foi a construção de uma segunda torre na igreja, que sempre contou com uma. Na historiografia local não há nenhum indício de que a igreja foi construída com as duas torres, apesar de existir um mito popular de que existia no projeto inicial. Diferentemente da Praça e da Igreja da Matriz, os bens tombados pelo munícipio conseguem manter sua estrutura inicial, com algum esforço, a exemplo do Mercado Público Municipal supracitado. No urbicentros V 08 a 11 de novembro de 2016 - joão pessoa - paraíba entanto, alguns são mais bem protegidos, mantendo sua estrutura inicial, a exemplo do “Centro Cultural Joaquim Correia”, rebatizado em 2015 de “Casa de Cultura Popular Joaquim Correia” após uma reforma. Hoje o prédio histórico abriga a biblioteca municipal “Manoel Jácome deLima”, assim como a SECULT (Secretária Municipal de Cultura e Turismo), seguindo a tendência de reutilização de espaços históricos para outros fins. A casa da cultura de Pau dos Ferros é o único bem tombado no município pelo Governo do Estado, no dia 06 de agosto de 2006 (FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO, 2013). O prédio, mesmo tombado, só teve um resguardo maior 7 anos depois, quando foi realizado uma reforma que recuperou parte de sua estrutura que estava em ruinas. A história do “Grupo Escolar Joaquim Correia” começa nas primeiras décadas do século XX, quando, por decreto do estado, passa a ser a primeira escola da cidade. Segundo atesta Neta (2011), a escola ofertava o ensino elementar masculino e feminino, tendo sido inaugurado em janeiro de 1911, em setembro do mesmo ano o ensino infantil misto começou a ser ofertado. O Grupo Escolar formou gerações, ensinando a ler, escrever, contar, contribuindo para a formação cultural, social e intelectual da sociedade pauferrense. Hoje o prédio abriga a biblioteca municipal, fato costumeiro, visto que em 1938 o prédio abrigava uma das primeiras bibliotecas da cidade, com 800 volumes doados pelo Instituto Nacional do Livro. Patrimônio histórico da cidade de Pau dos Ferros, Casa de Cultura Popular Joaquim Correia tem uma importância na identidade do povo de forma sublime. Carregando hoje um palco no formato de miniteatro, em que ocorrem apresentações culturais, o prédio mantém a ideia original, a de servir de palco para as ideias, debates, discussões, formando culturalmente a população. Nesse contexto, a importância de salvaguardar patrimônios edificados, por meio do tombamento, se põe como fator principal para preservação da memória urbana. São muitos o caso de devastação cultural no estado, pois, não existe uma conscientização de a respeito da preservação. A Casa de Cultura Popular Joaquim Correia, de Pau dos Ferros, é um bem tombado, e ela permanece com sua estrutura original, enquanto edifícios como a Igreja da Matriz, são reformados de maneira inadequada no que se refere a preservação do seu estado inicial. Outro exemplo seria o Mercado Público de Pau dos Ferros, que quase foi completamente a baixo para construção de um modelo completamente diferente do original com influencias modernas dos grandes centros. É importante, portanto, ressaltar que prédios antigos - mesmo não sendo tombado - tem importância histórica, e sem uma consciência do poder público e da sociedade, esses são descaracterizados através de reformas. centralidades periféricas l periferias centrais 5. CONCLUSÃO Manter a memória urbana é algo de extrema importância para valorização cultural, sendo os patrimônios históricos edificados partes da história e da identidade cultural de um povo. Porém, ao mesmo tempo que essa importância vem aumentando com o contexto histórico atual, vários gestores, em uma política que só tem em mente o progresso pelo progresso, destroem, por vezes, a memória de um povo. O caso de Pau dos Ferros, em que a cidade tem relação histórica e econômica direta com o mercado público e mesmo assim quase teve sua memória destruída por uma gestão, evidencia o descaso público com a identidade da população. Claro, o caso de Pau dos Ferros não é isolado, ou coisa de interior, situações progressistas como a descaracterização do estádio João Cláudio de Vasconcelos Machado (o popular “Machadão”) de Natal, para servir de projeto para a Copa do Mundo de 2014, certamente demonstra isso. Outro ponto a ser tocado é a importância de tombamento de bens, o que realmente salvaguarda a memória urbana. Os exemplos da destruição de patrimônio histórico que não são tombados no estado são muitos, afinal não há uma conscientização de preservar a memória. Enquanto a Casa de Cultura Popular Joaquim Correia, de Pau dos Ferros, é exemplo em manter a memória, esse paradigma, infelizmente, só ocorre por seu tombamento, enquanto prédios não tombados, mas que certamente tem sua importância histórica, são reformados e destruídos, sendo totalmente descaracterizados, como foi o caso da Praça Monsenhor Caminha, que teve sua estrutura destruída e reformada mais de uma vez. REFERÊNCIAS GHIRARDELLO, Nilson et al. PATRIMÔNIO HISTÓRICO: COMO E POR QUE PRESERVAR. 3. ed. Bauru: Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado de São Paulo V. Título, 2008. 34 p. DE MEDEIROS, Ana Paula Garcia. Igreja e religiosidade na urbanização de cidades coloniais nas Américas, nos séculos XVI a XVIII. Revista Urutágua, n. 21, p. 57-71, 2010.Disponível em : <http://eduem.uem.br/ojs/index.php/Urutagua/article/view/8704/5628>. Acesso em 15 de Agosto de 2016. SILVA, Cleciano RebouÇas da. 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