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A LEI Nº 13.097/2015 E AS TRANSAÇÕES IMOBILIÁRIAS O direito brasileiro conhece dois institutos destinados a tutelar os credores contra atos dos devedores que, impliquem em desfalque do seu patrimônio em prejuízo deles: 1. A FRAUDE A CREDORES, prevista no art. 158 do Código Civil, segundo o qual os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos. 2. A FRAUDE À EXECUÇÃO, que consiste segundo o comando do art. 593 do CPC na prática de atos de alienação ou oneração de bens: I- quando sobre eles pender ação fundada em direito real; II- quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; III- nos demais casos expressos em lei. A fraude contra credores é reconhecida, em linha de princípio, em ação ordinária própria, conhecida como ação pauliana. Já a fraude à execução pode ser reconhecida nos próprios autos da execução, em que o Juiz declara ineficácia da alienação ou oneração em relação ao processo que está a presidir. A aplicação de qualquer desses institutos, entre as partes, não traz complicadores, mas se torna complexa, especialmente na fraude à execução, em relação ao terceiro que transacionou com o devedor e desconhecia a existência da execução. Sendo impraticável consultarem-se processos de execução em todo país a maior segurança para o terceiro se acha na ausência de registro da penhora ou anotação de qualquer ação na matrícula do imóvel. Por isso, se a penhora não está inscrita, forte corrente jurisprudencial entende que o terceiro adquirente de boa-fé não pode ser atingido por eventuais efeitos do ato que reconhece a fraude à execução. Nesse sentido, AgRG no REsp nº 1441860/SP, cuja ementa é lançada nos seguintes termos: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE PRÉVIO REGISTRO DA PENHORA DO BEM ALIENADO. SÚMULA 375/STJ. NECESSIDADE DE CARACTERIZAÇÃO DA MÁ-FÉ DA ADQUIRENTE. CAUTELA EXTRAORDINÁRIA QUE NÃO É EXIGÍVEL.MÁ-FÉ NÃO CARACTERIZADA NO CASO EM COMENTO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. Mas, para sua segurança, qualquer pessoa que adquire propriedade imóvel busca certidões em nome dos vendedores, do foro da situação do imóvel e do domicílio dos alienantes, a fim de apurar eventuais ações contra os mesmos. No caso de pessoa jurídica é comum exigirem-se as certidões também dos sócios da empresa e dos proprietários anteriores, posto que a fraude pode ter ocorrido em transação precedente. O terceiro para invocar a licitude de sua aquisição tem que estar de boa-fé. A simples existência de execução não impede o devedor executado de alienar bens, posto que, para que se caracterize a fraude à execução, é mister que inexistam bens suficientes para garantia das dívidas; noutras palavras, que o devedor estivesse realmente insolvente quando promoveu à alienação. Além do ônus da penhora outras medidas de constrição judicial podem existir sobre os imóveis e delas não ter conhecimento o terceiro adquirente de boa-fé, por não estarem inscritas no Registro Imobiliário; daí a importância dessa publicidade para garantir a eficácia perante o terceiro de boa-fé. Reconhecendo a necessidade de se dar publicidade às medidas de constrição judicial, o Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento nº 39, criando a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens e que busca levar ao conhecimento dos notários e registradores as decisões judiciais e administrativas que versem sobre indisponibilidade de bens de forma não individualizada. Recebe e divulga entre os usuários as determinações de indisponibilidade, de bens não individualizados. Quando se trata de imóvel individualizado a divulgação não se faz através da Central criada, mas, diretamente, através de ofício ao Cartório de Registro de Imóveis. Os tabeliães e os registradores deverão, antes de prática de qualquer ato, a seu cargo, consultarem o Cadastro Nacional de Indisponibilidade. Como vimos esse cadastro não trata, no entanto, de hipóteses de penhora, como não cuida de constrição de bens individualizados. Sobre essa matéria adveio a recente Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2.015, que vai dar muito a discutir no Judiciário brasileiro. Com efeito, dispõe referida lei: Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações: I - registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias; II- averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos do art. 615-A da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil; III - averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e IV - averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso II do art. 593 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. Parágrafo único. Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa- fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel. Art. 55. A alienação ou oneração de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio edilício, devidamente registrada, não poderá ser objeto de evicção ou de decretação de ineficácia, mas eventuais credores do alienante ficam sub- rogados no preço ou no eventual crédito imobiliário, sem prejuízo das perdas e danos imputáveis ao incorporador ou empreendedor, decorrentes de seu dolo ou culpa, bem como da aplicação das disposições constantes da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990. Art. 56. A averbação na matrícula do imóvel prevista no inciso IV do art. 54 será realizada por determinação judicial e conterá a identificação das partes, o valor da causa e o juízo para o qual a petição inicial foi distribuída. § 1o Para efeito de inscrição, a averbação de que trata o caput é considerada sem valor declarado. § 2o A averbação de que trata o caput será gratuita àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei. § 3o O Oficial do Registro Imobiliário deverá comunicar ao juízo a averbação efetivada na forma do caput, no prazo de até dez dias contado da sua concretização. § 4o A averbação recairá preferencialmente sobre imóveis indicados pelo proprietário e se restringirá a quantos sejam suficientes para garantir a satisfação do direito objeto da ação. Art. 57. Recebida a comunicação da determinação de que trata o caput do art. 56, será feita a averbação ou serão indicadas as pendências a serem satisfeitas para sua efetivação no prazo de 5 (cinco) dias. Art. 58. O disposto nesta Lei não se aplicaa imóveis que façam parte do patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas fundações e autarquias. Art. 59. A Lei nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 1o ................ § 2o O Tabelião consignará no ato notarial a apresentação do documento comprobatório do pagamento do Imposto de Transmissão inter vivos, as certidões fiscais e as certidões de propriedade e de ônus reais, ficando dispensada sua transcrição. ............................................ “(NR) Art. 60. A Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 41. A partir da implementação do sistema de registro eletrônico de que trata o art. 37, os serviços de registros públicos disponibilizarão ao Poder Judiciário e ao Poder Executivo federal, por meio eletrônico e sem ônus, o acesso às informações constantes de seus bancos de dados, conforme regulamento. Parágrafo único. O descumprimento do disposto no caput ensejará a aplicação das penas previstas nos incisos II a IV do caput do art. 32 da Lei no 8.935, de 18 de novembro de 1994.” (NR) Art. 61. Os registros e averbações relativos a atos jurídicos anteriores a esta Lei, devem ser ajustados aos seus termos em até 2 (dois) anos, contados do início de sua vigência. Art. 62. O art. 1o do Decreto-Lei no 745, de 7 de agosto de 1969, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 1o Nos contratos a que se refere o art. 22 do Decreto-Lei no 58, de 10 de dezembro de 1937, ainda que não tenham sido registrados junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente, o inadimplemento absoluto do promissário comprador só se caracterizará se, interpelado por via judicial ou por intermédio de cartório de Registro de Títulos e Documentos, deixar de purgar a mora, no prazo de 15 (quinze) dias contados do recebimento da interpelação. Parágrafo único. Nos contratos nos quais conste cláusula resolutiva expressa, a resolução por inadimplemento do promissário comprador se operará de pleno direito (art. 474 do Código Civil), desde que decorrido o prazo previsto na interpelação referida no caput, sem purga da mora.” (NR) A nova lei, portanto, traz uma grande desburocratização e segurança aos negócios jurídicos. Com efeito, estando o imóvel inscrito, não se justifica tutelar o credor omisso em promover ao registro da penhora ou outra medida de constrição sobre o imóvel, inclusive a averbação da existência da ação. Especial segurança haverá nos casos de incorporação imobiliária. Realmente é temerário alguém comprar um imóvel, promover nele ao registro de um processo de incorporação e ser surpreendido, tempos depois, com uma penhora pré-existente e que não foi levada ao Registro de Imóveis. Pelo texto legal a boa-fé se presume na ausência de registro. Restará espaço, naturalmente, para a discussão da boa- fé, como a situação daquele credor que corre para registrar sua penhora, mas, antes disso, o devedor, em conluio com terceiro, lhe transfere o imóvel. Situações que continuarão à luz do direito anterior dizem respeito aos imóveis não registrados. Com relação a esses, não havendo matrícula, não há falar-se em registro da penhora. Os que já possuem penhora regular em processo judicial e, não promoveram ao seu registro terão, na forma da nova regra, o prazo de 02 (dois) anos para regularização. Mas só quando se tratar de ato jurídico anterior à vigência da nova lei. Os atos praticados, a partir de sua vigência, passam a submeter-se à nova regra. Faltou, na lei, a fixação do prazo que terão os credores, feita a constrição judicial, para promover ao devido registro da medida no Cartório de Registro de Imóveis. Enfim, a nova lei trará, naturalmente, muitos questionamentos, mas inquestionável o seu mérito, evitando que uma simples compra e venda se transforme numa medida de alto risco, o que não se compadece com a segurança jurídica. Note-se, no entanto, que a nova lei não cuida apenas de penhora, mas também da averbação do ajuizamento de execução e cumprimento de sentença, assim como de citação em ações reais. Mas persiste uma séria dúvida. Se o devedor possui bens o credor, ao ajuizar a execução, já averba a mesma na matrícula do imóvel. E depois registra a penhora. Mas pode ocorrer que o devedor, no momento da execução, não tenha bens, inviabilizando as anotações e registros e, no curso da execução, venha a ter bens, por ato inter vivus ou causa mortis, quando, então quando então, inexistente o ônus na matrícula, o imóvel acabará sendo livremente alienado. Outra importante inovação da nova lei advém ao parágrafo único, do art. 1º, do Decreto-lei nº 745. É usual hoje que, após a notificação, se busque a resolução do contrato através de ação própria, caso em que a coisa somente pode ser vendida após a decisão definitiva na ação proposta. A interpretação que nos parece mais adequada ao parágrafo único do art. 1º é a de que, se houver no contrato cláusula resolutória expressa, bastará a notificação e a ausência de purga de mora para a resolução contratual, sendo dispensada a propositura de ação rescisória. A questão de saber, no direito brasileiro, se a cláusula resolutória expressa depende de pronunciamento judicial é complexa, mas, em se tratando de compromisso de compra e venda o legislador, de modo expresso, a nosso ver, afirmou que a resolução não dependerá de pronunciamento judicial. É evidente que o compromissário comprador poderá questionar em Juízo vícios da notificação ou outros que entenda de seu direito. Mas, a prevalecer essa interpretação, a disciplina da matéria ficou bem incompleta. Com efeito, pode ocorrer que o contrato de compromisso de compra e venda esteja registrado na matrícula. E aí? Como ficarão os efeitos da notificação promovida? Como baixar aquele registro com simples notificação, sem o comando de uma sentença proferida em ação própria? São essas algumas considerações preliminares sobre a nova lei para abertura de debates.
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