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AT 1 2 3 S U M Á R IO 2 3 UNIDADE 1 - Introdução 6 UNIDADE 2 - Geoprocessamento 6 2.1 Conceitos e definições 7 2.2 Técnicas e usos relacionados ao geoprocessamento 12 2.3 Um pouco de história 15 2.4 Orientação a objetos 17 UNIDADE 3 - Noções básicas de antropologia 21 UNIDADE 4 - Interdisciplinaridade: cartografia x geoinformação 23 UNIDADE 5 - A urbanização brasileira, os problemas sociais e aplicações do geoprocessamento das informações 23 5.1 Desenvolvimento sustentável e qualidade de vida 25 5.2 Urbanização brasileira e os problemas sociais 35 5.3 Geoprocessamento e combate à criminalidade 39 UNIDADE 6 - Georreferenciamento 45 REFERÊNCIAS 49 ANEXO 2 3 UNIDADE 1 - Introdução 3 Ao longo das últimas décadas o homem veio interferindo de maneira muito inten- sa no meio natural que o cerca e, claro, modificou a paisagem contribuindo para o surgimento de diversos problemas am- bientais e, por conseguinte, problemas socioeconômicos, em níveis que podemos dizer são hoje alarmantes. A urbanização modifica todos os ele- mentos da paisagem: o solo, a geomorfo- logia, a vegetação, a fauna, a hidrografia, o ar e o clima. Esta ocupação indiscrimina- da que veio ocorrendo nos centros urba- nos, principalmente a partir da segunda metade do século XX, é uma das princi- pais fontes de problemas ambientais das cidades, sendo que esses locais podem ser caracterizados pela elevada desigual- dade em termos de distribuição da renda, precárias condições de moradias e acesso reduzido aos serviços públicos, particu- larmente na parcela da população mais pobre e vulnerável em termos socioam- bientais. Pode-se afirmar, portanto, que os elevados níveis de pobreza urbana, ex- clusão social e degradação ambiental têm caracterizado a urbanização brasileira (CARVALHO; BRAGA, 2001; MONTE-MÓR; FREITAS; BRAGA, 2003). Sendo fato a modificação da paisagem natural, como podemos saber o local exa- to e as dimensões dessas modificações? Eis que aqui lançamos mão do geoproces- samento que é uma disciplina do conheci- mento que utiliza técnicas matemáticas e computacionais para o tratamento da informação geográfica e que vem influen- ciando de maneira crescente as áreas de Cartografia, Análise de Recursos Natu- rais, Transportes, Comunicações, Energia e Planejamento Urbano e Regional, den- tre outras. Geoprocessamento nada mais é que o uso automatizado de informação que de alguma forma está vinculada a um deter- minado lugar no espaço, seja por meio de um simples endereço ou por coordenadas (LAZZAROTTO, 2002). Vários sistemas fa- zem parte do Geoprocessamento, dentre os quais o Sistema de Informações Geo- gráficas (SIG) que reúne maior capacida- de de processamento e análise de dados espaciais. A utilização destes sistemas produz informações que permitem tomar decisões para colocar em prática várias ações. Estes sistemas se aplicam a qualquer tema que manipule dados ou informações vinculadas a um determinado lugar no es- paço, e que seus elementos possam ser representados em um mapa, como casas, escolas, hospitais, etc. Como ressaltam Câmara et al. (2005), o entendimento da tecnologia de Geo- processamento requer, preliminarmente, uma descrição de alguns conceitos bási- cos, os quais veremos ao longo deste mó- dulo. Segundo Rodrigues (1993), Geoproces- samento é um conjunto de tecnologias de coleta, tratamento, manipulação e apre- sentação de informações espaciais, volta- do para um objetivo específico. Este conjunto possui como principal ferramenta o Geographical Information 4 5 System – GIS, considerado também como já citado, Sistema de Informação Geográ- fica (SIG). Embora na área seja muito usa- do o jargão GIS, usaremos sua correspon- dente em português – SIG. Para que o SIG cumpra suas finalidades, há a necessidade de dados. A aquisição de dados em Geoprocessamento deve partir de uma definição clara dos parâmetros, indicadores e variáveis, que serão neces- sários ao projeto a ser implementado. De- ve-se verificar a existência destes dados nos órgãos apropriados (IBGE , DSG , Pre- feituras, concessionárias e outros). A sua ausência implicará num esforço de gera- ção que dependerá de custos, prazos e processos disponíveis para aquisição. A digitalização é um dos processos mais utilizados para aquisição de dados já existentes. Como os custos para gera- ção costumam ser significativos, deve-se aproveitar ao máximo possível os dados analógicos, convertendo-os para a forma digital através de digitalização manual ou automática. Outro conceito básico e muito impor- tante é a Fotogrametria, muito utilizada na geração de dados cartográficos. Du- rante muitos anos, era a única forma de mapeamento para grandes áreas. Com a evolução da informática e das técnicas de processamento digital de imagens, surgiu a Fotogrametria Digital. Inicialmente considerado como um ramo da fotogrametria, o Sensoriamen- to Remoto (SR) emergiu com a capacida- de impressionante de geração de dados. Sistemas orbitais com sensores de alta resolução, imageando periodicamente a Terra, combinados com o processamento de imagens, oferecem diversas possibili- dades de extração de informações e aná- lises temporais. O GPS (Global Position Sistem ou Sis- tema de Posicionamento Global), apesar de ter sido criado para finalidades nada nobres, revelou-se um sistema extrema- mente preciso e rápido para posiciona- mento e mapeamento, apoiando também a Fotogrametria e o Sensoriamento Re- moto. Quanto ao georreferenciamento, este é por sua vez e de maneira bem concisa, uma técnica moderna de agrimensura e tem duas funções básicas: 1º. Servir de instrumento de Registro Público, possibilitando a segurança no tráfico jurídico de imóveis. 2º. Servir de instrumento de cadastro, com a finalidade preponderantemente fiscalizatória, como, aliás, dispõe o art. 1º e seus parágrafos, da Lei nº 5.868/72 que trata do cadastramento rural (alterado pela Lei nº 10.267/01). Para se ter uma ideia de sua utilização e importância, até 2023, todas as 5,850 milhões de propriedades rurais brasileiras deverão ter as medidas atualizadas por meio de sistema digital (vale a pena ler o Decreto nº 4.449/2002, disponível em ht- tps://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de- creto/2002/d4449.htm). Pois bem, estes são alguns dos temas a serem estudados de maneira ampla neste módulo. Ressaltamos em primeiro lugar que em- 1- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2-Departamento de Sistema Geográfico do Exército Brasileiro – mais informações serão oferecidas ao longo do curso. 1 2 4 5 bora a escrita acadêmica tenha como pre- missa ser científica, baseada em normas e padrões da academia, fugiremos um pouco às regras para nos aproximarmos de vocês e para que os temas abordados cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científicos. Em segundo lugar, deixamos claro que este módulo é uma compilação das ideias de vários autores, incluindo aqueles que consideramos clás- sicos, não se tratando, portanto, de uma redação original e tendo em vista o cará- ter didático da obra, não serão expressas opiniões pessoais. Ao final do módulo, além da lista de referências básicas, encontram-se ou- tras que foram ora utilizadas, ora somen- te consultadas, mas que, de todo modo, podem servir para sanar lacunas que por ventura venham a surgir ao longo dos es- tudos. 6 76 A obtenção de informações sobre a dis- tribuição geográfica de fenômenos e ob- jetos é parte importante das atividades de organização da sociedade. Antes con- tidas em mapas e documentos em papel impresso, o desenvolvimento da Informá- tica na segunda metade do século XX pos- sibilitou armazenar e representar tais in- formações em ambientecomputacional, culminando no advento da prática do Ge- oprocessamento que pode ser tido como “um ramo do processamento de dados que opera transformações nos dados contidos em uma base de dados referenciada ter- ritorialmente (geocodificada), usando re- cursos analíticos, gráficos e lógicos, para a obtenção e apresentação das transfor- mações desejadas” (XAVIER-DA-SILVA, 1992, p. 48 apud MOURA, 2003, p. 9). Vamos analisar esse conceito? 2.1 Conceitos e definições É fato e historicamente registrado que a coleta de informações sobre a distri- buição geográfica de recursos minerais, propriedades, animais e plantas sempre foi uma parte importante das atividades das sociedades organizadas. Até recen- temente, no entanto, isto era feito ape- nas em documentos e mapas em papel, o que impedia uma análise que combinasse diversos mapas e dados. Com o desenvol- vimento simultâneo (na segunda metade do século XX) da tecnologia de informá- tica, tornou-se possível armazenar e re- presentar tais informações em ambiente computacional, abrindo espaço para o aparecimento do Geoprocessamento. Nesse contexto, o termo Geoproces- samento denota a disciplina do conheci- mento que utiliza técnicas matemáticas e computacionais para o tratamento da informação geográfica e que vem influen- ciando de maneira crescente as áreas de Cartografia, Análise de Recursos Natu- rais, Transportes, Comunicações, Energia e Planejamento Urbano e Regional. As ferramentas computacionais para Geo- processamento, chamadas de Sistemas de Informação Geográfica (SIG), permitem realizar análises complexas, ao integrar dados de diversas fontes e ao criar ban- cos de dados georreferenciados. Tornam ainda possível automatizar a produção de documentos cartográficos (CÂMARA; DA- VIS, 2005). Segundo Moura (2003), a palavra Ge- oprocessamento é o hibridismo do termo grego gew (Terra) com o termo latino pro- cessus (progresso, “andar avante”), signi- ficando implantar um processo que traga um progresso, um andar avante, na repre- sentação da superfície da Terra. Reúnem-se hardware, software, base de dados, metodologias e operador, que analogicamente correspondem às ferra- mentas materiais e virtuais de trabalho, à matéria-prima, às técnicas do ofício e ao trabalhador. Com os componentes técni- cos de suporte material (hardware) e os programas de manipulação de dados no suporte lógico (software), trabalhar com Geoprocessamento significa utilizar com- putadores como instrumentos de manu- seio de dados para representação digital UNIDADE 2 - Geoprocessamento 6 77 do espaço geográfico. De forma genérica, podemos explicar assim: “Se onde é importante para seu negócio, então Geoprocessamento é sua ferramenta de trabalho”. Sempre que o onde aparece, dentre as questões e pro- blemas que precisam ser resolvidos por um sistema informatizado, haverá uma oportunidade para considerar a adoção de um SIG. Num país de dimensões continentais como o Brasil, com uma grande carência de informações adequadas para a tomada de decisões sobre os problemas urbanos, rurais e ambientais, o Geoprocessamento apresenta um enorme potencial, princi- palmente se baseado em tecnologias de custo relativamente baixo, em que o co- nhecimento seja adquirido localmente. 2.2 Técnicas e usos relacio- nados ao geoprocessamento Trabalhar com geoinformação significa, antes de qualquer coisa, utilizar computa- dores como instrumentos de representa- ção de dados espacialmente referencia- dos. Deste modo, o problema fundamental da Ciência da Geoinformação é o estudo e a implementação de diferentes formas de representação computacional do espaço geográfico. É costume dizer-se que Geoprocessa- mento é uma tecnologia interdisciplinar, que permite a convergência de diferentes disciplinas científicas para o estudo de fe- nômenos ambientais e urbanos. Ou ainda, que “o espaço é uma linguagem comum” para as diferentes disciplinas do conheci- mento. Apesar de aplicáveis, estas noções escondem um problema conceitual: a pretensa interdisciplinaridade dos SIG’s é obtida pela redução dos con- ceitos de cada disciplina a algoritmos e estruturas de dados utilizados para armazenamento e tratamento dos dados geográficos. Considere-se, a tí- tulo de ilustração, alguns problemas típicos: um sociólogo deseja utilizar um SIG para entender e quantificar o fenômeno da exclusão social numa grande cidade brasileira; um ecólogo usa o SIG com o obje- tivo de compreender os remanescentes florestais da Mata Atlântica, através do conceito de fragmento típico de Ecologia da Paisagem; um geólogo pretende usar um SIG para determinar a distribuição de um mi- neral numa área de prospecção, a partir de um conjunto de amostras de campo (CÂMARA; MONTEIRO, 2005). O que há de comum em todos os casos acima? Para começar, cada especialista lida com conceitos de sua disciplina (exclusão social, fragmentos, distribuição mineral). Para utilizar um SIG, é preciso que cada especialista transforme conceitos de sua disciplina em representações computa- cionais. Após esta tradução, torna-se viá- vel compartilhar os dados de estudo com outros especialistas (eventualmente de disciplinas diferentes). Em outras pala- vras, e que fique bem claro: quando se fala que o espaço é uma linguagem comum no uso de SIG, a referência é ao espaço com- 8 9 putacionalmente representado e não aos conceitos abstratos de espaço geográfi- co. Do ponto de vista da aplicação, utilizar um SIG implica em escolher as represen- tações computacionais mais adequadas para capturar a semântica de seu domínio de aplicação. Do ponto de vista da tecno- logia, desenvolver um SIG significa ofe- recer o conjunto mais amplo possível de estruturas de dados e algoritmos capazes de representar a grande diversidade de concepções do espaço. O conjunto de dados cujo significado contém associações ou relações de na- tureza espacial formam uma informação geográfica (TEXEIRA et al., 1992 apud ROCHA, 2000), dispostas em planilhas al- fanuméricas, matrizes e representações gráficas vetoriais. Para que essas informações sejam sub- metidas ao processamento computacio- nal, a cada tipo de informação é associado um valor numa escala de medida ou refe- rência, o que insere a representação dos fenômenos geográficos na lógica dos sis- temas de informação. Outros exemplos de usos do Geo- processamento: a determinação de aptidão agríco- la – com os mapas de solo, de declividade e de precipitação de determinada região submetidos a uma escala de medida de qualidade, o cálculo da média ponderada entre o tipo de solo, o valor da declivida- de e a quantidade de precipitação média mensal indica como boa, média ou ruim a aptidão agrícola das porções dessa região; a indicação de susceptibilidade à urbanização – a inclinação do relevo con- jugada ao uso e à ocupação do solo permi- te a definição de áreas vulneráveis à ex- pansão urbana, caracterizadas por relevo de baixa inclinação e próximas a áreas já ocupadas (FLORENZANO, 2002); a definição da taxa de expansão ur- bana – delimitação e cálculo do tamanho da mancha urbana identificada em ima- gens de uma mesma área datadas suces- sivamente (FLORENZANO, 2002). Novamente podemos afirmar que vá- rias são as Ciências que se beneficiam de seus resultados, como a Agronomia e o Urbanismo. Transpondo limites científi- cos disciplinares através dos trabalhos de localização dos fenômenos e equacio- namento e esclarecimento das condições espaciais, o Geoprocessamento é uma tecnologia transdisciplinar, que, através da axiomática da localização e do processamento de dados geo- gráficos, integra várias disciplinas, equipamentos, programas, proces- sos, entidades, dados, metodologiase pessoas para coleta, tratamento, análise e apresentação de informa- ções associadas a mapas digitais georreferenciados (ROCHA, 2000, p. 210). Guarde... - Coleta, armazenamento, tratamento e análise e uso integrado são, portanto, elementos participantes do conjunto de técnicas relacionadas ao tratamento da informação espacial. - Geoprocessamento é uma tecnologia formada pela confluência de outras tec- nologias, a saber: 8 9 Sistema de Posicionamento Global (GPS); Sensoriamento Remoto; Processamento Digital de Imagens (PDI); Cartografia Digital; Sistemas Gerenciadores de Banco de Dados (SGBD); Sistemas de Informações Geográfi- cas (SIG). Cada uma possui características que as singularizam, sendo, ainda, agrupadas entre as que permitem: a aquisição de dados (Sensoria- mento Remoto, Cartografia Digital e GPS); as que permitem a organização, o gerenciamento e a apresentação dos da- dos (SGBD, Cartografia Digital e SIG); e, as que permitem o processamento dos dados (PDI, SGBD e SIG). Algumas se enquadram em mais de um grupo devido às várias possibilidades de trabalho que permitem. Porém, todas convergem no SIG (COUTO, 2009). Voltando às técnicas, Vieira (2002) cita pelo menos quatro categorias de técnicas relacionadas ao tratamento da informação espacial: 1. Técnicas para coleta de informação espacial. 2. Técnicas de armazenamento de in- formação espacial. 3. Técnicas para tratamento e análise de informação espacial. 4. Técnicas para o uso integrado de in- formação espacial. Informações georreferenciadas têm como característica principal a localiza- ção, ou seja, estão ligadas a uma posição específica do globo terrestre por meio de suas coordenadas. Vários sistemas fazem parte do Geoprocessamento, dentre os quais o SIG, como já dito, é o sistema que reúne maior capacidade de processamen- to e análise de dados espaciais, mas é im- portante frisar sempre, principalmente para aqueles que estão chegando à área. A utilização destes sistemas produz in- formações que permitem tomar decisões para colocar ações em prática. Estes siste- mas se aplicam a qualquer tema que ma- nipule dados ou informações vinculadas a um determinado lugar no espaço, e que seus elementos possam ser representa- dos em um mapa, como casas, escolas ou hospitais. Segue abaixo uma breve explicação das principais técnicas relacionadas ao trata- mento da informação espacial, com des- taque para as técnicas de uso integrado de informação espacial (SIG). a) Técnicas para coleta de informa- ção espacial: Aqui temos como principal represen- tante a Cartografia! Segundo Timbó (2000, p. 1), Cartografia é a Ciência e Arte que se propõe a representar através de mapas, cartas e outras formas gráfi- cas (computação gráfica) os diversos ramos do conhecimento do homem sobre a superfície e o ambiente ter- restre. Ciência quando se utiliza do 10 11 apoio científico da Astronomia, da Matemática, da Física, da Geodésica, da Estatística e de outras ciências para alcançar exatidão satisfatória. Arte quando recorre às leis estéticas da simplicidade e da clareza, buscan- do atingir o ideal artístico da beleza. A Cartografia, cuja função essencial é representar a realidade através de infor- mações espaciais de uma forma organiza- da e padronizada incluindo acuracidade, precisão, recursos matemáticos de pro- jeções cartográficas, datum para a deter- minação de coordenadas e ainda recursos gráficos de símbolos e textos, têm tido suas aplicações estendidas a todas as ati- vidades que de alguma forma necessitem conhecer parte da superfície terrestre. São ferramentas fundamentais para a cartografia: a aquisição de dados a partir de pla- taformas espaciais, através de sensores montados em satélites artificiais; a restituição de imagens através de ortofotos digitais; a representação, por uma projeção ortogonal cotada, de todos os detalhes da configuração do solo (topografia); a precisão dos dados de localização espacial fornecidos por sistemas de posi- cionamento global por satélites (GPS); e, a obtenção de medidas terrestres precisas através de fotografias especiais, obtidas com câmaras métricas e com reco- brimento estereoscópico (fotogrametria). b) Técnicas de armazenamento de informação espacial: As informações espaciais são, via de re- gra, armazenadas em algum tipo de banco de dados. Banco de dados é uma coleção de registros ou conjunto de dados que contêm informações sobre um determi- nado assunto ou determinada organiza- ção. Sistema de Banco de Dados (SBD) são softwares projetados para gerir grandes volumes de informações. Esse gerencia- mento implica na definição das estruturas de armazenamento das informações e na definição dos mecanismos para o trata- mento dessas informações. Um sistema de banco de dados tem como principal objetivo permitir ao usu- ário a utilização, de forma produtiva, das informações contidas em cada banco e aquela resultante da interação entre eles. Destacam-se, entre as principais funções de um banco de dados: a seleção de da- dos; a manipulação de dados e o controle de acesso aos dados. A estrutura do banco de dados é defini- da através do processo de modelagem de dados. A integridade, eficiência e eficácia das informações processadas pelo sistema de banco de dados dependem exclusivamen- te da correta e adequada modelagem, onde serão definidos itens importantes para sua coleta e armazenamento. A mo- delagem ocorre através de ferramentas importantes, principalmente o modelo Entidade-Relacionamento, que se baseia na percepção do mundo real e a transfe- rência dessa percepção para o sistema de banco de dados. Uma modelagem de dados bem feita evita repetições de dados, isto é, diminui o retrabalho. Antes da modelagem, há 10 11 necessidade de uma correta definição de quais dados serão tratados pelo sistema. Os dados devem ser corretamente identi- ficados e classificados. Uma das técnicas utilizadas para a aná- lise dos dados é a normalização, uma téc- nica que visa diminuir dificuldades nas operações sobre os dados, reduzir sua in- consistência e facilitar sua manutenção, determinando a melhor estrutura do ban- co que os contêm. Utilizando a normalização, portanto, o responsável pela construção e manuten- ção de bancos de dados escolhe qual dado há em comum no conjunto deles, para fi- xá-lo como imutável. Esse procedimento é o que garante, em geoprocessamento, adaptações fáceis à troca de nomes de ruas, expansão de bairros, surgimento de novas codificações de crimes, etc. Neste caso, a denominação de ruas será feita por meio de códigos. Os números de RG e CPF; o CNPJ das empresas, e os números de pla- cas e chassis de veículos são os exemplos mais conhecidos. Os bancos de dados relacionais são utilizados, com várias aplicações, em di- versas empresas. Esses bancos contêm informações relacionadas a um determi- nado assunto, o que se considera tradi- cional. Além das aplicações tradicionais, como o controle de transações bancárias e controle de estoques, o banco de dados relacional pode ser utilizado em sistemas de suporte à decisão, banco de dados es- paciais (trata de dados geográficos, re- lacionando-os aos demais dados de um determinado assunto), banco de dados multimídia, banco de dados móvel. c) Técnicas para tratamento e aná- lise de informação espacial: As principais técnicas para tratamen- to e análise de informação espacial são a modelagem de dados, a geoestatística e a análise de redes. A modelagem de dados é um conjunto de conceitos que podem ser usados para descrever a estrutura e as operações em um banco de dados. O modelo busca siste- matizar o entendimento que é desenvol-vido a respeito de objetos e fenômenos que serão representados em um sistema informatizado. Desta forma, é necessário construir uma abstração dos objetos e fenômenos do mundo real, de modo a obter uma for- ma de representação conveniente, embo- ra simplificada, que seja adequada às fina- lidades das aplicações do banco de dados. A abstração de conceitos e entidades existentes no mundo real é uma parte importante da criação de sistemas de in- formação. Além disso, o sucesso de qual- quer implementação em computador de um sistema de informação é dependente da qualidade da transposição de entida- des do mundo real e suas interações para um banco de dados informatizado. A abs- tração funciona como uma ferramenta que nos ajuda a compreender o sistema, dividindo-o em componentes separados. Cada um destes componentes pode ser vi- sualizado em diferentes níveis de comple- xidade e detalhe, de acordo com a neces- sidade de compreensão e representação das diversas entidades de interesse do sistema de informação e suas interações. A Geoestatística está baseada na te- oria de variáveis regionalizadas, enten- 12 13 dendo como tal, variáveis cujos valores são relacionados de algum modo com a posição espacial que ocupam (variável aleatória georreferenciada) tendo uma função de covariância espacial associa- da. As variáveis regionalizadas são contí- nuas no espaço, pelo que não podem ser completamente aleatórias, não podendo, no entanto, ser modeladas por nenhuma função determinística (ou processo es- pacial). Têm, portanto, características in- termediárias entre processos puramente determinísticos e aleatórios puros, sendo uma variável distribuída no espaço e não envolve qualquer interpretação proba- bilística. A análise espacial de dados via Geoestatística resume-se basicamente em duas fases na estimação do variogra- ma (ou semivariograma) e krigagem que é predição (previsão) espacial. Redes são o conjunto formado pelo re- lacionamento entre entidades gráficas que permite a navegação entre estas en- tidades, permitindo realizar análises de conectividade, caminho mais curto, cami- nho ótimo e outras. d) Técnicas para o uso integrado de informação espacial: Dentre as principais técnicas para o uso integrado de informação espacial, destacam-se: o Sistema de Informações Geográficas (SIG), também chamado de GIS (Geographic Information Systems); o AM/FM (Automated Mapping/Facilities Management) e o CADD (Computer Aided Design and Drafting), ou Projeto Assistido por Computador. Definindo mais uma vez o Sistema de Informações Geográficas (SIG)... pode ser entendido como um sistema composto por ferramentas de hardware, software, rotinas e métodos com o propósito de apoiar a aquisição, manipulação, análise, modelagem e exibição de dados do mundo real, visando a solução de problemas complexos de planeja- mento e gestão de recursos e/ou fenômenos geograficamente/espa- cialmente distribuídos (TIMBÓ, 2001, p. 2). SIG são sistemas automatizados usa- dos para armazenar, analisar e manipular dados geográficos, ou seja, dados que re- presentam objetos e fenômenos em que a localização geográfica é uma característi- ca inerente à informação e indispensável para analisá-la. É um sistema computacio- nal composto de softwares e hardwares, que permite a integração entre bancos de dados alfanuméricos (tabelas) e gráfi- cos (mapas), para o processamento, aná- lise e saída de dados georreferenciados. Os produtos criados são arquivos digitais contendo Mapas, Gráficos, Tabelas e Rela- tórios convencionais (COUTO, 2009). O SIG engloba em sua definição vários aspectos abordados na definição de Geo- processamento, porém ao SIG, agregam- -se ainda os aspectos institucionais, de recursos humanos (peopleware) e princi- palmente a aplicação específica a que se destina. 2.3 Um pouco de história As primeiras tentativas de automatizar parte do processamento de dados com características espaciais aconteceram na Inglaterra e nos Estados Unidos, nos anos 12 13 1950, com o objetivo principal de reduzir os custos de produção e manutenção de mapas. Dada a precariedade da informáti- ca na época, e a especificidade das aplica- ções desenvolvidas (pesquisa em botâni- ca, na Inglaterra, e estudos de volume de tráfego, nos Estados Unidos), estes sis- temas ainda não podem ser classificados como “sistemas de informação” (CÂMARA; DAVIS, 2005). Os primeiros Sistemas de Informação Geográfica surgiram na década de 1960, no Canadá, como parte de um programa governamental para criar um inventário de recursos naturais. Estes sistemas, no entanto, eram muito difíceis de usar: não existiam monitores gráficos de alta reso- lução, os computadores necessários eram excessivamente caros, e a mão de obra tinha que ser altamente especializada e caríssima. Não existiam soluções comer- ciais prontas para uso, e cada interessado precisava desenvolver seus próprios pro- gramas, o que demandava muito tempo e, naturalmente, muito dinheiro. Além disto, a capacidade de armazena- mento e a velocidade de processamen- to eram muito baixas. Ao longo dos anos 1970 foram desenvolvidos novos e mais acessíveis recursos de hardware, tornan- do viável o desenvolvimento de sistemas comerciais. Foi então que a expressão Ge- ographic Information System foi criada. Foi também nesta época que começaram a surgir os primeiros sistemas comer- ciais de CAD (Computer Aided Design, ou projeto assistido por computador), que melhoraram em muito as condições para a produção de desenhos e plantas para engenharia, e serviram de base para os primeiros sistemas de cartografia auto- matizada. Também nos anos 1970 foram desenvolvidos alguns fundamentos ma- temáticos voltados para a cartografia, incluindo questões de geometria compu- tacional. No entanto, devido aos custos e ao fato destes protossistemas ainda uti- lizarem exclusivamente computadores de grande porte, apenas grandes organiza- ções tinham acesso à tecnologia. A década de 1980 representa o mo- mento quando a tecnologia de sistemas de informação geográfica inicia um perí- odo de acelerado crescimento que dura até os dias de hoje. Até então limitados pelo alto custo do hardware e pela pouca quantidade de pesquisa específica sobre o tema, os SIGs se beneficiaram grande- mente da massificação causada pelos avanços da microinformática e do estabe- lecimento de centros de estudos sobre o assunto. Nos EUA, a criação dos centros de pesquisa que formam o NCGIA - Natio- nal Centre for Geographical Information and Analysis (NCGIA, 1989) marca o esta- belecimento do Geoprocessamento como disciplina científica independente. No decorrer dos anos 1990, com a gran- de popularização e barateamento das es- tações de trabalho gráficos, além do sur- gimento e evolução dos computadores pessoais e dos sistemas gerenciadores de bancos de dados relacionais, ocorreu uma grande difusão do uso de SIG. A incorpora- ção de muitas funções de análise espacial proporcionou também um alargamento do leque de aplicações de SIG. Neste século, observa-se um grande crescimento do ritmo de penetração do SIG nas organizações, sempre alavancado pelos custos decrescentes do hardware e do software, e também pelo surgimen- 14 15 to de alternativas menos custosas para a construção de bases de dados geográfi- cas. Em se tratando do Brasil, a introdução do Geoprocessamento inicia-se a partir do esforço de divulgação e formação de pes- soal feito pelo prof. Jorge Xavier da Silva (UFRJ), no início dos anos 1980. A vinda ao Brasil, em 1982, do Dr. Roger Tomlin- son, responsável pela criação do primeiro SIG (o Canadian Geographical Information System), incentivou o aparecimento de vários grupos interessados em desenvol-ver tecnologia, entre os quais podemos citar: UFRJ: o grupo do Laboratório de Geoprocessamento do Departamento de Geografia da UFRJ, sob a orientação do professor Jorge Xavier, desenvolveu o SAGA (Sistema de Análise GeoAmbiental). O SAGA tem seu forte na capacidade de análise geográfica e vem sendo utilizado com sucesso como veículo de estudos e pesquisas. MaxiDATA: os então responsáveis pelo setor de informática da empresa de aerolevantamento AeroSul criaram, em meados dos anos 1980, um sistema para automatização de processos carto- gráficos. Posteriormente, constituíram empresa MaxiDATA e lançaram o Maxi- CAD, software largamente utilizado no Brasil, principalmente em aplicações de Mapeamento por Computador. Mais re- centemente, o produto dbMapa permitiu a junção de bancos de dados relacionais a arquivos gráficos MaxiCAD, produzindo uma solução para “desktop mapping” para aplicações cadastrais. CPqD/TELEBRÁS: o Centro de Pes- quisa e Desenvolvimento da TELEBRÁS iniciou, em 1990, o desenvolvimento do SAGRE (Sistema Automatizado de Gerên- cia da Rede Externa), uma extensiva apli- cação de Geoprocessamento no setor de telefonia. Construído com base num am- biente de um SIG (VISION) com um banco de dados cliente-servidor (ORACLE), o SA- GRE envolve um significativo desenvolvi- mento e personalização de software. INPE: em 1984, o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) esta- beleceu um grupo específico para o de- senvolvimento de tecnologia de geopro- cessamento e sensoriamento remoto (a Divisão de Processamento de Imagens - DPI). De 1984 a 1990, a DPI desenvol- veu o SITIM (Sistema de Tratamento de Imagens) e o SGI (Sistema de Informações Geográficas) para ambiente PC/DOS, e, a partir de 1991, o SPRING (Sistema para Processamento de Informações Geográfi- cas), para ambientes UNIX e MS/Windows. Sobre o SITIM/SGI, foi suporte de um conjunto significativo de projetos ambientais, podendo-se citar: a) O levantamento dos remanescentes da Mata Atlântica Brasileira (cerca de 100 cartas), desenvolvido pela IMAGEM Sen- soriamento Remoto, sob contrato do SOS Mata Atlântica. b) A cartografia fito-ecológica de Fer- nando de Noronha, realizada pelo NMA/ EMBRAPA. c) O mapeamento das áreas de risco para plantio para toda a Região Sul do Bra- sil, para as culturas de milho, trigo e soja, realizado pelo CPAC/EMBRAPA. d) O estudo das características geoló- 14 15 gicas da bacia do Recôncavo, através da integração de dados geofísicos, altimétri- cos e de sensoriamento remoto, conduzi- do pelo CENPES/Petrobrás (ASSAD; SANO, 1998). Enfim, na área agrícola temos um con- junto significativo de resultados do SITIM/ SGI. Já o SPRING unifica o tratamento de imagens de Sensoriamento Remoto (óp- ticas e micro-ondas), mapas temáticos, mapas cadastrais, redes e modelos nu- méricos de terreno tanto que a partir de 1997, passou a ser distribuído via Inter- net e pode ser obtido através do website http://www.dpi.inpe.br/spring. 2.4 Orientação a objetos Segundo Medeiros (1999), o termo “orientação-a-objetos” denota um para- digma de trabalho que vem sendo utiliza- do de forma ampla para o projeto e imple- mentação de sistemas computacionais. A ideia geral da abordagem de orienta- ção-a-objetos para um problema é aplicar as técnicas de classificação por divisão ou agrupamento. Dentre os conceitos fun- damentais em orientação-a-objetos des- tacam-se aqui, os conceitos de classe e objeto. Uma classe pode ser definida como um molde básico, uma espécie de “fôrma” na qual se reúnem os objetos com certas pro- priedades comuns, ou identificáveis no molde básico. Um objeto denota uma entidade capaz de ser individualizada, única, com atribu- tos próprios, porém com pelo menos as mesmas propriedades da classe que lhe deu origem, ou melhor, um objeto é uma “materialização” ou instanciação da clas- se. Por exemplo, em biologia, a classe dos Mamíferos “agrega” todos os animais com a propriedade de ter sangue quente e de ser amamentado. Neste caso, pode-se di- zer do objeto “golfinho Flipper” que “golfi- nho Flipper” é um mamífero. Para uma análise mais completa, é mui- to útil reconhecer subclasses, derivadas de uma classe básica, que permitem uma análise mais detalhada. A este mecanis- mo dá-se o nome de especialização ou divisão. Assim, pode-se dizer que a classe “Primatas” é uma especialização da classe “Mamíferos”. Este processo pode continu- ar, e ainda poder-se-ia definir uma classe “Homens” como especialização da classe “Primatas”. No processo de especialização, as clas- ses derivadas herdam as propriedades das classes básicas, acrescentando novos atributos que serão específicos destas novas classes. Em consequência, vale a afirmativa “todo homem é um mamífero, mas nem todo mamífero é um homem”. O outro mecanismo fundamental da te- oria de orientação-a-objetos é a agrega- ção ou composição. Um objeto composto ou objeto complexo é formado por agru- pamento de objetos de tipos diferentes. Tome-se o caso de um computador, for- mado de CPU, memória, disco rígido, tecla- do, monitor e mouse. A modelagem orientada-a-objetos apli- ca-se de forma natural ao geoprocessa- mento, onde cada um dos tipos de objetos espaciais presentes será descrito através de classes, que podem obedecer a uma re- 16 1716 lação de hierarquia, onde subclasses deri- vadas herdam comportamento de classes mais gerais. Em Geoprocessamento, a ideia de es- pecialização (também chamada de é-um ou is-a) é utilizada normalmente para de- finir subclasses de entidades geográficas. Por exemplo, no esquema abaixo ou mapa cadastral, a classe de objetos indicada por hospital pode ser especializada em hospi- tal público e hospital privado. Os atribu- tos da classe hospital são herdados pelas subclasses: hospital público e hospital pri- vado, que podem ter atributos próprios. Especialização O relacionamento de agregação, tam- bém chamado de relacionamento “parte- -de” ou part of, permite combinar vários objetos para formar um objeto de nível semântico maior, no qual cada parte tem funcionalidade própria. Como exemplo, uma rede elétrica pode ser definida a par- tir dos componentes postes, transforma- dores, chaves, subestações e linhas de transmissão, conforme pode ser visto no próximo esquema. Agregação Fonte: Medeiros (1999, p. 43). Guarde... O Geoprocessamento é uma poderosa ferramenta computacional, que processa dados geograficamente referenciados e pode ser bastante útil na abordagem in- tegrada, essencial ao gerenciamento dos recursos naturais. 16 17 UNIDADE 3 - Noções básicas de antropologia 17 Alguns devem estar se perguntando por que abordar a epistemologia... Se pensarmos no seu conceito, na teo- ria do conhecimento, realmente faz sen- tido. Mesmo que sejamos breves, é per- tinente conhecer a origem para validar o conhecimento, ou seja, fundamentar te- oricamente para que essas bases sejam sólidas no momento de praticar. Câmara, Monteiro e Medeiros (2005) se preocuparam em discorrer sobre a episte- mologia da geoinformação como veremos adiante. A tecnologia de sistemas de informa- ção geográfica evoluiu de maneira muito rápida a partir da década de 1970. Como este desenvolvimento foi motivado desde o início por forte interesse comercial, não foi acompanhado por um correspondente avanço nas bases conceituais da geoinfor- mação; como resultado, o aprendizado do Geoprocessamento tornou-se singular- mente dificultado. Ao contrário de outras disciplinas (como Banco de Dados), não há um corpo básico de conceitos teóricos, que sirva de suporte para o aprendizado da tecnologia, mas uma diversidade por vezes contraditória de noções empíricas. Muitos livros texto e cursossão organi- zados e apresentados em função de um sistema específico, sem fornecer ao aluno uma visão sólida de fundamentos de apli- cação geral. Os autores explicam que as raízes des- te problema estão na própria natureza interdisciplinar (alguns diriam transdisci- plinar) da Ciência da Geoinformação. Pon- to de convergência de áreas como Infor- mática, Geografia, Planejamento Urbano, Engenharia, Estatística e Ciências do Am- biente, a Ciência da Geoinformação ainda não se consolidou como disciplina científi- ca independente; para que isto aconteça, será preciso estabelecer um conjunto de conceitos teóricos, de aplicação genérica e independentes de aspectos de imple- mentação. Para estabelecer as bases epistemo- lógicas da Ciência da Geoinformação, é preciso – em primeiro lugar – identificar as fontes de contribuição teórica nas quais poderemos buscar bases para a reflexão que vamos pontuar como sendo o espaço geográfico. Ele é a noção-chave, a partir da qual podemos construir os fundamen- tos teóricos desta disciplina científica. Apesar de seu caráter interdisciplinar, o fundamento básico da Ciência da Geoin- formação é a construção de representa- ções computacionais do espaço, portanto é preciso revisar as principais concepções da Geografia, na perspectiva da constru- ção de sistemas de informação (CÂMARA; MONTEIRO; MEDEIROS, 2005). Embora a ideia não seja aprofundar nessas concepções, vale a pena estabe- lecer as relações possíveis e necessárias que nos conduzem à tecnologia dos SIGs. Podemos, por exemplo, pensar em geo- grafia regional ou idiográfica, quantitati- va ou geografia do tempo, ou até mesmo a geografia crítica tão arraigada nos tra- balhos de Milton Santos. Para a Geografia Idiográfica (SIG dos anos 80), o conceito-chave é a unicidade 18 19 da região, expresso através de abstra- ções como a “unidade-área”, “unidade de paisagem” e “land-unit”. A representação computacional associada é o polígono com seus atributos (usualmente expres- sos numa tabela de um banco de dados re- lacional) e as técnicas de análise comuns, e o uso da interseção de conjuntos (lógica booleana). Para a Geografia Quantitativa (SIG de 1990), o conceito-chave é a distribuição espacial do fenômeno de estudo, expres- sa através de um conjunto de eventos, amostras pontuais, ou dados agregados por área. A representação computacional associada é a superfície (expressa como uma grade regular) e há uma grande ên- fase no uso de técnicas de Estatística Es- pacial e Lógica Nebulosa (“fuzzy”) para caracterizar com o uso (respectivamente) da teoria da probabilidade e da teoria da possibilidade as distribuições espaciais. Para a Geografia Quantitativa (SIG dos anos 2000), o conceito-chave são os modelos preditivos com representação espaço-temporal, no qual a evolução do fenômeno é expressa através de repre- sentação funcional. Para capturar as dife- rentes relações dinâmicas, as técnicas de análise deverão incluir modelos multies- cala, que estabeleçam conexões entre fenômenos de macroescala (tipicamente relacionados com fatores econômicos) e fenômenos de microescala (tipicamente associados a transições no uso da terra). Enfim, para a Geografia Crítica (SIG do século XXI), os conceitos-chave incluem o espaço como “sistema de objetos e siste- mas de ações” e a oposição entre “espaço de fluxos” e “espaço de lugares”. O quadro abaixo nos mostra a evolução das teorias geográficas em comparação com o Geoprocessamento que resume a questão do conhecimento da noção-cha- ve do espaço geográfico. Para cada escola temos o conceito chave em sua definição de espaço, a representação computacio- nal que melhor aproxima este conceito, e algumas técnicas de Análise Geográfica típicas que estão associadas a esta escola geográfica. Se observarem, há uma dis- tinção entre os conceitos da escola de Ge- ografia Quantitativa que tem expressão na geração de SIG dos anos 2000 e aque- les que apontam para sua evolução neste novo século. 18 19 Teoria geográfica e Geoprocessamento Teoria Tecnologia SIG associada Conceito-chave Repres. Comput. Técnicas de análise Geografia Idio- gráfica Geografia quan- titativa 1 Geografia quan- titativa 2 Geografia crí- tica Anos 80 – mea- dos anos 90 Final da década de 90 Meados da dé- cada de 2000 Século XXI Unicidade da região (unida- de-área) Distribuição espacial Modelos espa- ço-tempo Objetos e ações Espaços de flu- xo e espaço de lugares Polígono e atri- butos Superfícies (grades) Funções Ontologias e espaços não cartográficos Interseção e conjuntos Geoestatística + lógica fuzzy Modelos mul- tiescala Representação do conhecimen- to 20 2120 Evidentemente que o Geoprocessa- mento possui certo alcance e igual limi- tação e, embora tenhamos apresentado uma visão reducionista e limitada, a ideia é exatamente esta: deixá-los pensar na importância do conceito-chave e na evo- lução das representações computacionais e no ambiente tecnológico atual. Lembramos que a tecnologia de siste- mas de informação geográfica ainda não chegou ao seu ponto de “ótimo” para dar suporte adequado às diferentes concep- ções de espaço geográfico. Atualmente, os SIGs oferecem ferramentas que per- mitem a expressão de procedimentos ló- gicos e matemáticos sobre as variáveis georreferenciadas com uma economia de expressão e uma repetibilidade impossí- veis de alcançar em análises tradicionais. A tecnologia de SIG resolveu vários pro- blemas de representação computacional do espaço. Os atuais sistemas são forte- mente baseados numa lógica “cartográ- fica” do espaço, exigindo sempre a cons- trução de “mapas computacionais”, tarefa sempre custosa e nem sempre adequada ao entendimento do problema em estudo. O conceito de Milton Santos (1985) de “espaço como sistemas de objetos e siste- mas de ações” caracteriza um mundo em permanente transformação, com intera- ções complexas entre seus componentes. Esse conceituado autor apresenta uma vi- são geral, que admite diferentes leituras e distintos processos de redução, neces- sários à captura desta definição abstrata num ambiente computacional. Não obs- tante, a riqueza inerente a este conceito está em deslocar a ênfase da análise do espaço, da representação cartográfica para a dimensão da representação do co- nhecimento geográfico. Afinal, como diz o próprio Milton Santos, geometrias não são geografias (CÂMARA; MONTEIRO; ME- DEIROS, 2005). Ela, a Geografia crítica, contribui sobre- maneira para a Ciência da Geoinformação, sendo um de seus principais méritos o de apontar para uma visão muito rica do es- paço geográfico, enfatizando a noção do processo em contraposição à natureza estática dos SIGs. 20 21 UNIDADE 4 - Interdisciplinaridade: carto- grafia x geoinformação 21 Não há como não falar da Cartogra- fia quando se trata das inter-relações da geoinformação! Cartografia é a ciência e a arte de ex- pressar graficamente o conhecimento hu- mano da superfície terrestre por meio de representações gráficas Dentre as principais representações cartográficas destacam-se o globo, os mapas, as cartas topográficas, as cartas temáticas, e as plantas. O Problema Fundamental da Cartogra- fia é justamente a representação gráfica da superfície terrestre, tanto que para resolver este seu problema, é necessário o conhecimento de sua forma. Inicialmen- te, adotou-se a Terra com a Forma Plana, como o homem via o seu entorno; pos- teriormente, o interesse do homem pela terra crescia com a distância dos lugares de comércio e com o desenvolvimento das ciências chegou-se à Forma Esférica. Portanto, a razão principal da relação interdisciplinar forte entre Cartografiae Geoprocessamento é o espaço geográfi- co. A Cartografia preocupa-se em apre- sentar um modelo de representação de dados para os processos que ocorrem no espaço geográfico. O Geoprocessamento representa a área do conhecimento que utiliza técnicas matemáticas e compu- tacionais, fornecidas pelos Sistemas de Informação Geográfica (SIG), para tratar os processos que ocorrem no espaço ge- ográfico. Isso estabelece de forma clara a relação interdisciplinar entre Cartografia e Geoprocessamento. Os resultados dos diversos levanta- mentos possibilitam a elaboração de do- cumentos cartográficos, a partir do esta- belecimento das correlações espaciais e da observação dos fenômenos naturais e sociais que ocorrem na superfície terres- tre. Vejamos alguns conceitos importantes: mapeamento – processo de cons- trução de um documento cartográfico, que tem seu início na organização sistêmi- ca dos dados e informações provenientes de diversos levantamentos; Levantamento – caracteriza-se pela realização de medidas e observa- ções, coleta de dados, e a seleção de do- cumentos existentes, com o objetivo de elaborar uma informação cartográfica. Exemplos: Levantamentos topográfi- co, hidrográfico, climatológico. 22 2322 Para estas atividades, utilizam-se equi- pamentos e técnicas da Topografia como teodolito, estação total, nível e trena. Sendo que esses equipamentos estão sendo gradativamente substituídos e/ou complementados (dependendo do caso) pelo GPS. O GPS é um importante aliado nos ser- viços que exigem informações de posicio- namento confiáveis, dada a rapidez e se- gurança nos dados que fornece. Exemplos de aplicações: locação de obras na cons- trução civil, como estradas, barragens, pontes, túneis, etc. Alguns casos atendidos pelo GPS são impossíveis através da Topografia, como o monitoramento contínuo de veículos (automóveis, aviões ou navios). Dentre muitas, outra grande vantagem do GPS é a não necessidade de intervisibilidade en- tre as estações em determinadas áreas. Sensoriamento Remoto: processo de medição e obtenção de dados sobre um objeto ou fenômeno, ou mesmo algu- ma propriedade deste, através de senso- res que não se encontram em contato físi- co com o objeto ou fenômeno estudado. O princípio básico é a transferência de dados do objeto para o sensor, feita atra- vés de energia – energia eletromagnética ou radiação eletromagnética (REM). A energia solar é a base dos princípios que fundamentam essa tecnologia. Aerolevantamento: realização de observações, ou coleta de dados com o emprego de equipamentos aerotranspor- tados. Acontece geralmente pelo Sistema suborbital (Avião – imagem aérea) ou sis- temas Orbitais (satélites como Landsat, Spot, CBERS, IKONOS, etc., imagem orbi- tal). A obtenção de informações a partir de dados de SR baseia-se no estudo das in- terações entre a energia eletromagnética e os alvos da superfície terrestre (MAIO, 2008). 22 23 UNIDADE 5 - A urbanização brasileira, os problemas sociais e aplicações do geoprocessamento das informações 23 O geoprocessamento tem sido muito empregado pelos órgãos governamen- tais, entidades privadas e não-gover- namentais, com o objetivo, principal, de integrar dados espaciais e não espaciais, em seus projetos e estudos relacionados ao meio ambiente. Diversos são os exemplos de aplicação do geoprocessamento, tais como: manejo e conservação de recursos naturais (estudos de impacto ambiental, modelagem das águas subterrâneas e do caminhamento dos contaminantes, estu- dos das migrações e dos habitats das fau- nas, pesquisa do potencial mineral, etc.); gestão das explorações agrícolas (cultivo de campo, manejo de irrigação, avaliação do potencial agrícola da terra, etc.); planejamento de área urbana (pla- nejamento dos transportes, desenvolvi- mento de plano de evacuação, localização dos acidentes, seleção dos itinerários, etc.); gestão das instalações (localização dos cabos e tubulações, planejamento e manutenção das instalações, etc.); administração pública (gestão de cadastro, avaliação predial/territorial, gestão da qualidade das águas, conserva- ção/manutenção das infraestruturas, pla- nos de organização, etc.); comércio (análise da estrutura de mercado, planejamento de desenvolvi- mento, análise da concorrência e das ten- dências de mercado, etc.); e, saúde pública (epidemiologia, dis- tribuição e evolução das doenças, distri- buição dos serviços sociais sanitários, pla- nos de emergência, etc.). Embora os exemplos citados acima te- nham sido classificados nessas diferentes áreas, isso se deve ao enfoque principal dos mesmos, uma vez que a maioria das aplicações de geoprocessamento possui inerente caráter multidisciplinar (HAMA- DA; GONÇALVES, 2007). Dentre as várias aplicações do geopro- cessamento de informações, lançaremos neste módulo alguns excertos de traba- lhos científicos que objetivaram mostrar a aplicação do geoprocessamento em áreas específicas, como por exemplo, seguran- ça pública, combate as atividades ilícitas e controle da aplicação do policiamento ordinário, que proporcionam maior sensa- ção de segurança para a população. Salientamos que outras aplicações como, preservação dos recursos hídricos, áreas da geologia, criação de zoneamento de potencial turístico em unidade de con- servação e outras serão vistas ao longo do curso. 5.1 Desenvolvimento sus- tentável e qualidade de vida Por um tempo, o homem que utilizava a natureza apenas para saciar a fome e a sede não tinha motivos para se preocu- par com questões ambientais, embora ele respeitasse a mesmo e as forças naturais que traziam tempestades e outras intem- 24 25 péries eram consideradas manifestações divinas, não cabendo a ele nenhuma ma- neira de controlar essas situações, apenas venerar e temer a natureza. Entretanto, a sua evolução, o aumento populacional e o desenvolvimento das sociedades acaba- ram por levá-lo a pensar com seriedade no modo como usava a natureza. Com o passar do tempo e a evolução da humanidade, foram surgindo diversas correntes de pensamento, discutindo a relação homem-natureza, principalmen- te, com respeito à utilização dos recursos naturais (conservação/ preservação e es- cassez), frente ao crescimento populacio- nal (HAMADA; GONÇALVES, 2007). Segundo Maurice Strong, Secretário- -Geral da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), no encontro global realizado no Rio de Janeiro, em 1992 concordou-se que “o desenvolvimento e o meio ambien- te estão indissoluvelmente vinculados e devem ser tratados mediante a mudança de conteúdo, das modalidades e das utili- zações do crescimento”. A Agenda 21, aprovada durante a CNU- MAD, conclamou a todos para uma asso- ciação mundial em prol do desenvolvimen- to sustentável e apresentou um programa de ação para a sua implementação. Desenvolvimento sustentável é o pro- cesso de transformação no qual a explo- ração de recursos, direção dos investi- mentos, orientação do desenvolvimento tecnológico e mudanças institucionais se harmonizam e reforçam o potencial pre- sente e futuro, a fim de atender às neces- sidades e aspirações humanas (COMISSÃO MUNDIAL..., 1991). De uma forma mais ampla, define-se também como aquele que atende às necessidades do presen- te sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem às suas pró- prias necessidades. Segundo Sachs (1993), o desenvolvi- mento sustentável deve contemplar as seguintes dimensões: social, econômica, ecológica, espacial e cultural. Desta for- ma, o desenvolvimento sustentável é ob- tido pela obediência simultânea ou con- ciliação aos três critérios fundamentais: eficiência econômica, equidade social ou justiçasocial e prudência ecológica. No entendimento da FAO (2000), uma característica inerente à maioria das deci- sões sobre desenvolvimento sustentável é que elas são multidisciplinares ou inter- ssetoriais, pois necessitam negociações entre objetivos conflitantes de diferentes setores; e que, no entanto, a maioria das agências de desenvolvimento de recursos naturais são orientadas por um único se- tor. A importância de uma abordagem in- tegrada do desenvolvimento e gerencia- mento dos recursos naturais é enfocada em muitos fóruns internacionais de de- senvolvimento sustentável. A Agenda 21 (ABORDAGEM..., 1992), em seu Capítulo 10, também observa que: As crescentes necessidades huma- nas e a expansão das atividades eco- nômicas estão exercendo uma pres- são cada vez maior sobre os recursos terrestres, criando competição e conflitos e tendo como resultado um uso impróprio tanto da terra como dos recursos terrestres. Caso queira- mos, no futuro, atender às necessi- 24 25 dades humanas de maneira susten- tável, é essencial resolver hoje esses conflitos e avançar para um uso mais eficaz e eficiente da terra e de seus recursos naturais. A abordagem in- tegrada do planejamento e do ge- renciamento físico e do uso da terra é uma maneira eminentemente prá- tica de fazê-lo. Examinando todos os usos da terra de forma integrada é possível reduzir os conflitos ao mí- nimo, fazer as alternâncias mais efi- cientes e vincular o desenvolvimento social e econômico à proteção e me- lhoria do meio ambiente, contribuin- do assim para atingir os objetivos do desenvolvimento sustentável. A essência dessa abordagem integra- da se expressa na coordenação de planejamento setorial e atividades de gerenciamento relacionadas aos diversos aspectos do uso da terra e dos recursos terrestres. Neste sentido, o geoprocessamento pode ser bastante útil na abordagem in- tegrada, por ser uma ferramenta com- putacional muito poderosa, integrando grandes bancos de dados, de diferentes setores, permitindo, entre outras, a análi- se matemática e estatística desses dados. No entanto, os usos potenciais do geo- processamento devem ser entendidos em todos os aspectos na adoção dessa tecno- logia. Desta forma, é importante possuir o entendimento geral da tecnologia do ge- oprocessamento, de forma que os geren- tes, especialistas técnicos e potenciais usuários possam adequar essa ferramen- ta à sua aplicação específica. Este início de 2014 tem sido um grande alerta para dirigentes governamentais, pesquisadores, empresários e população de maneira geral, principalmente em vir- tude das mudanças do clima do planeta e todos os problemas que vem formando uma cadeia de tempestades, secas, gea- das, frio e calor excessivo colocando-nos a todos em situações de perigo. Pensando somente em termos de Brasil e mesmo de região sudeste, estamos ven- do os reservatórios de água com níveis ja- mais esperados, problemas se agravando no setor elétrico, enfim, uma verdadeira cascata de problemas que afetam a vida do ser humano e sem solução imediata pela ação do homem. Não estamos falan- do apenas e amenizadamente em qualida- de de vida, estamos falando em sobrevi- vência mesmo. Pensem nisso! 5.2 Urbanização brasileira e os problemas sociais O processo de urbanização brasileira que em um primeiro momento remonta do século XVI até o início do século XX está vinculado às transformações sociais que começaram efetivamente e num segundo momento a partir da década de 1930 com a expansão das atividades industriais nos grandes centros atraindo os trabalhado- res das áreas rurais, tendo em vista uma possibilidade de maiores rendimentos, porém o país deixou de ser essencialmen- te agrícola somente a partir da década de 1960. A mecanização do campo foi um fator importante, pois “expulsou” enor- mes contingentes de trabalhadores rurais (DANNA, 2011). Até então, conforme Santos (2005), o Brasil foi durante muitos séculos um gran- 26 27 de arquipélago, formado por subespaços que evoluíam segundo lógicas próprias, ditadas em grande parte por suas rela- ções com o mundo exterior. Estes “arqui- pélagos regionais” estavam polarizados nas capitais regionais e metrópoles. Não havia ainda uma integração entre as diferentes atividades econômicas que eram responsáveis por impulsionar o pro- cesso da urbanização brasileira. A partir da década de 1940, a infraes- trutura de transportes e comunicações expandiu-se pelo país unificando o mer- cado e acelerando a concentração urba- no-industrial saindo da escala regional e atingindo o Brasil como um todo. Cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, come- çaram a atrair um contingente de mão de obra de outras regiões que não acompa- nharam o ritmo de crescimento econômi- co da região sudeste e, tornaram-se assim metrópoles nacionais. A falta de infraes- trutura urbana necessária para atender à nova e crescente demanda decorrente desse aumento populacional contribuiu para torná-las regiões caóticas. Após o processo de aceleração na in- dustrialização brasileira que teve seu pico durante o governo de Getúlio Vargas e foi até meados da década de 1970, o governo federal concentrou seus investimentos em infraestrutura na região Sudeste, que, consequentemente se tornou o centro de maior atração populacional no país. A migração populacional foi composta de uma maioria esmagadora de trabalha- dores desqualificados, sem escolaridade e que em decorrência disso eram obrigados e aceitar empregos que ofereciam uma remuneração baixa, o que impulsionou a concentração dessa classe trabalhadora nas regiões periféricas como loteamentos irregulares e em favelas que eram luga- res mais baratos, porém desprovidos de vários serviços básicos e de infraestru- tura urbana. George (1983; p.127) analisa e descreve esses loteamentos caracte- rizando-os como “um amontoado de mo- radias rudimentares” quando diz que “não possuem vias de acesso, adutoras de água, nenhum dis- positivo de evacuação ou coleta de lixo e detritos, a miséria nas construções feitas com materiais obtidos ao acaso”. A má distribuição de renda ampliou ain- da mais o número de favelas e de lotea- mentos clandestinos ainda dos cortiços nos centros destas grandes metrópoles. Hoje podemos expandir essa miséria para o entorno de todas as capitais brasileiras e outras cidades sem esquecer sequer uma delas. Milton Santos (2005) define essa urbanização como “territorialmente seletiva”. A rápida urbanização (se comparada ao modelo europeu) fez com que as cida- des vizinhas aumentassem seu tamanho e consequentemente formassem um só conjunto, processo esse que é denomina- do conurbação. Esse fenômeno eclodiu no Brasil na década de 1980 prolongando-se até meados da década de 1990 em várias regiões. Na década de 1970, foram instituídas as primeiras regiões metropolitanas com a intenção de desenvolver economicamen- te e socialmente determinadas regiões, além de integrar e desafogar as grandes cidades brasileiras, porém tiveram muitos problemas devido à falta de serviços bási- 26 27 cos, como saúde, transporte público e ha- bitação para atender o crescimento popu- lacional deste novo conjunto de cidades. De acordo com estudos de Danna (2011), estas regiões metropolitanas re- ceberam os nomes das principais cidades de cada localidade sendo elas: Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR), Forta- leza (CE), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e São Paulo (SP), este processo se estendeu de- pois a outras localidades e atualmente o Brasil possui 31 regiões metropolitanas. O processo de urbanização em geral não é uniforme, visto que sempre houve contrastes marcantes na distribuição es- pacial da população brasileiraentre o meio rural e urbano e entre as suas regiões po- líticas além de ter sido um processo extre- mamente concentrador, e com isso acaba por apresentar também um abismo na dis- tribuição de renda, o que vai contribuir de forma acelerada na criminalidade em si. É importante ressaltar que a pobreza não é sinônimo de marginalidade, mas a distri- buição de renda desigual é um fator que acaba por aflorar ainda mais as práticas delituosas, algumas vezes por necessida- de e outras por ganância (DANNA, 2011). Eis que chegamos a um dos pontos que queríamos atenção: a questão da crimina- lidade x geografia x geoprocessamento. Os fenômenos de criminalidade tem sido objeto de apreciação de diversos es- tudiosos, seja na área da antropologia, so- ciologia entre outras ciências. A geografia busca compreender a relação entre os homens e suas interferências na forma- ção e transformação do espaço, e neste contexto, a violência urbana e a crimina- lidade são objetos de discussão por estar relacionado ao homem e ao espaço criado ou transformado por ele. O estudo da criminalidade pela Geogra- fia se dá principalmente a partir da década de 1970 com diversas teorias e análises associadas a outros campos científicos na tentativa de elucidar os processos que culminaram no problema. [...] A análise geográfica pode levar a in- teressantes e relevantes hipóteses da es- pacialização da criminalidade, já que além da lei, do ofensor e do alvo, a localização das ofensas é uma importante dimensão que caracteriza o evento criminal [...] (FE- LIX, 2002). Quando o geógrafo discute o espaço, é preciso tentar encontrar uma interpre- tação ou compreensão deste e o que o cerca. Sendo assim, pode-se analisar a cri- minalidade como um fenômeno que está distribuído no espaço, onde há agentes ativos e passivos. “O espaço é a condição de possibilidade dos fenômenos” (SAN- TOS, 2002), e sendo esse espaço uma “condição” ele será dotado de paradigmas que uma vez quebrados, implicam em mu- danças complexas, que neste caso, vem a ser a legislação vigente, tornando o agen- te ativo um alvo das sanções penais, onde este é o que pratica a ação criminosa, não permitido em lei e reprovado pela socie- dade, e os paradigmas são o conjunto de leis estabelecidas. Ao estabelecer a análise do espaço, o geógrafo a faz também por meio de ma- pas que representam modelos simplifi- cados da realidade espacial e por meio desta estabelece deduções. Nos modelos dinâmicos é possível realizar compara- 28 29 ções com os padrões observados em dife- rentes períodos. Haesbeart (2002, p. 99 apud DANNA, 2011) afirma que a Geografia procura es- tabelecer “padrões formais e tipologias” para os objetos de seu estudo, na busca destes padrões espaciais tem-se explica- ção e a localização dos fenômenos. O estudo da violência pela Geografia não tende a resolução do problema, mas sim contribuir com o estudo das causas analisando as relações sociais que inter- ferem na vida do homem, e, para desen- volver estratégias eficientes no combate à criminalidade, é necessário um trabalho integrado entre profissionais de diversas áreas. Onde entra então o geoprocessamen- to? O avanço da tecnologia ocorrido nos úl- timos anos, em especial a geotecnologia, é traduzida nesse contexto em ferramen- tas como o GPS (Global Positioning Sys- tem), o Sensoriamento Remoto, o SIG (Sis- temas de Informação Geográfica) entre outras que realizam o tratamento de da- dos espaciais e outras informações para serem aplicadas em diferentes organiza- ções públicas e privadas com a finalidade de otimizar gastos, tempo e direcionar com mais precisão os recursos laborais. A partir da utilização de tecnologia de análise espacial, entra em cena uma pode- rosa alternativa integradora para as auto- ridades policiais e nas políticas de comba- te à criminalidade, o geoprocessamento é então uma ferramenta de grande valor na aplicação de questões de segurança pública. Esta ferramenta pode ser enten- dida segundo Burrough (1986 apud DAN- NA, 2011), como um poderoso conjunto de ferramentas para a coleta, armazena- mento, recuperação e exibição de dados do mundo real para determinados propó- sitos. Os Sistemas de Informação Geográ- fica correspondem às ferramentas computacionais de Geoprocessa- mento, que permitem a realização de análises complexas, ao integrar dados de diversas fontes e ao criar bancos de dados georreferenciados (CÂMARA et al., 2005). Apesar do sistema manual e tradicional de mapeamento da criminalidade ser um material utilizado pelas autoridades poli- ciais já há algumas décadas, este se mos- tra deficiente quando se trabalha com grandes áreas, devido ao grande número de delitos que ocorrem e por diversos fa- tores. A dinâmica destes eventos requer que os dados sejam sempre atuais e as in- formações sejam eficientes e rápidas para atender as necessidades nas áreas de sua implementação que neste caso vem a ser a segurança pública. Estas exigências fa- zem com que a utilização do geoproces- samento aumente cada vez mais, já que a sua eficiência possibilita direcionar corre- tamente os recursos disponíveis. Reuland (s.d.) citado por Beato Filho (2001, p. 7) aponta que “a utilização in- tensiva de tecnologias de informação espacial tem promovido uma verdadeira revolução silenciosa nas polícias de todo o mundo”. O surgimento de sistemas de análises da criminalidade além de auxiliar as operações policiais na segurança públi- ca, se apresenta como um facilitador na prestação de contas à sociedade na medi- da em que estas são solicitadas. 28 29 O mesmo autor ressalta que nas ativi- dades de investigação, a montagem de bases de dados sobre suspeitos e seu modus operandi tem contribuído para in- crementar a qualidade das investigações com informações oriundas de organiza- ções não-policiais. A ideia de mapear o crime não é nova. Na França, no início do século XVIII, Adria- no Balbi e André-Michael Guerry foram os criadores dos primeiros mapas de crime, onde combinavam as técnicas cartográfi- cas, estatísticas criminais e dados demo- gráficos do censo francês (WEISBURG e MCEWEN, 1998 apud DANNA, 2011). O sistema de mapeamento digital exer- ce um papel importante no processo de investigação, pois possui múltiplas capaci- dades na geração de informação e muitas informações podem ser acompanhadas praticamente em tempo real, porém para isto é necessário a eficiência na elabora- ção do mapa por parte dos responsáveis como inclusão e georreferenciamento de toda a área presente de jurisdição por uma unidade policial, e a referência espa- cial das localidades mais problemáticas. A análise técnico-científica destes ma- pas e do andamento da criminalidade é feita por profissionais como o sociólogo, geógrafo, antropólogo e estudiosos da segurança pública para que além do tra- balho policial, seja feito também uma aná- lise das raízes sociais que influenciaram a criminalidade em cada região. A violência no Brasil não é um fenômeno exclusivo de metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro, nem mesmo um proble- ma nacional, mas sim mundial, e afeta em maior escala os países de terceiro mundo, o que faz alguns estudos proporem a uti- lização de ferramentas computacionais inteligentes para trabalhar em prol da se- gurança pública, substituindo uma meto- dologia obsoleta e atuando com precisão, quantificando e relacionando os delitos com algumas variáveis que formam a com- plexa dinâmica urbana. Diante dessa situação, Beato Filho (2001, p. 6) considera que [...] formas or- todoxas de atuação policial tem sido ine- ficaz no controle da criminalidade. Mais relevante ainda [...] é a centralidade que sistemas de informação passam a ter nes- te caso, pois a identificação de problemascriminais específicos depende das análi- ses efetuadas. A complexidade deste fenômeno exi- ge um mecanismo complementar para a construção de indicadores de segurança e georreferenciamento de informações, como ferramenta que auxilia no aumento da eficácia da ação policial e consequen- temente na redução da criminalidade. A análise criminal passa então a ser um processo sistemático direcionado a infor- mações sobre características e padrão de crimes a fim de apoiar o setor operacional preventivo das polícias militares, que vai desde a distribuição de patrulhamento, operações especiais com unidades táticas até a prevenção criminal. Sobre a aplicação do SIG na análise ge- ocriminal, há muitos anos o mapeamento e monitoramento da violência já faz par- te do trabalho de análise das instituições policiais. Esse trabalho consistia em uma representação das localidades de ocor- rência dos delitos marcados nos mapas por alfinetes em que ocorriam os delitos. 30 31 As limitações neste trabalho de análise são significativas, pois os mapas produzi- dos são estáticos, sua leitura é difícil. Alia- -se isto a dificuldade de armazenamento de dados, demora na confecção dos ma- pas e a falta de atualização sistemática. Considerando o processo veloz de cresci- mento de muitas cidades os dados rapida- mente ficam obsoletos. Nos estudos realizados por Danna (2011), no Estado do Paraná, onde essa tecnologia foi implantada de forma ini- cial no ano de 2004, tem-se acrescido um avanço na segurança pública em algumas regiões em que é utilizada como na cidade de Londrina, pois auxilia no direcionamen- to do policiamento dos locais onde ele é mais necessitado. Com a introdução do SIG na área de se- gurança pública, os procedimentos ope- racionais das instituições policiais (militar, civil e científica) para prevenção e investi- gação, que anteriormente eram limitados ou impossíveis, podem passar a ser mais rápidos e com oportunidades de explora- ção muito maiores, sendo praticamente ilimitadas, podendo, por exemplo, realizar estudos delimitando áreas por: intensidade; espécie de delito; abrangência de delitos; planejamento de barreiras policiais; localização instantânea de viatu- ras; mapeamento do tempo (local, hora, dia, mês, ano do delito); mapeamento do espaço (visualiza- ção de todos os delitos por região); mapeamento por características registradas (vítima, suspeito e modus operandi). Considerando que as instituições poli- ciais dependem também de informações para realizar seu trabalho tendo a popula- ção através de denúncias e relatos, além de investigações como uma das principais fontes de informações para a produção do serviço de inteligência como destaca Manning (2003, p. 378) sobre o uso do SIG: As formas como a polícia obtêm, pro- cessa, codifica, decodifica e usa a infor- mação são críticas para a compreensão de seu mandato e função. A polícia junta diversos tipos de informações e as usa para diferentes fins, orientando-se por suposições, baseadas no senso comum, a respeito de seu trabalho, de sua atuação principal, e nas expectativas de seu públi- co. A polícia junta informações primárias, [...] para resolver crimes ou encerrar even- tos, se transformando em informações secundárias. Quando processadas duas vezes, juntadas e formatadas, elas po- dem avançar na organização e tornar-se informações terciárias [...] essas formas de informação e inteligência [...] são per- cebidas e interagem com as estratégias operacionais da polícia. Sendo assim, as informações são pro- cessadas em um contexto organizacional e de cultura profissional para definir uma melhor maneira de se fazer o uso desta ferramenta, visando uma melhora signifi- cativa na prestação de serviços de segu- rança por parte da administração pública. Uma vez mapeada a ação criminal, o SIG pode se tornar uma ferramenta também para o poder público, que pode ainda uti- 30 31 lizá-lo para orientar um melhor planeja- mento para a segurança pública da cida- de quando utilizado também pela guarda municipal. Como justifica Danna (2011), aliar a experiência empírica das ruas, processar com muito mais agilidade os dados crimi- nais e propor as suas possíveis relações e ainda utilizar as imagens levam a maior mobilidade e agilidade no planejamento operacional. Nesse sentido, o geoprocessamento da criminalidade permite ainda identificar tendências e padrões da ação, e permitem ainda a construção de mapas que auxiliam na visualização dos dados o que facilita a interpretação dos mesmos, além de, atra- vés das imagens geradas e guardadas, permitirem a visualização e estudo das transformações espaciais decorrentes da aplicação do policiamento, apontando de forma clara e rápida se o planejamento operacional apresenta resultados, dife- rentemente da forma tradicional, onde os relatórios se tornam objetos obsoletos e não se mostra com tanta eficiência quan- to o SIG. Sendo assim, a eficácia do SIG se torna uma arma tão eficiente quanto as que os policiais portam, por se tratar de uma fer- ramenta preventiva com abrangência em diversos tipos de ações criminosas e prin- cipalmente por não possuir um alto valor financeiro de investimento. Outro benefício que esta ferramenta pode fornecer é a identificação mais pre- cisa de determinadas ocorrências e as- sim o operador pode facilmente deslocar a viatura ou guarnição mais próxima do local, uma vez que há os dados das coor- denadas do local do crime, facilitando as decisões operacionais e estabelecendo assim as prioridades de deslocamento de acordo com a espécie de ação criminosa (DANNA, 2011). Outro exemplo da aplicação do geopro- cessamento de informações é encontrado no trabalho de Vieira (2002) que também considerou a área de segurança pública. Podemos dizer que o marco da utiliza- ção do geoprocessamento está, mesmo que indiretamente na Lei Complementar nº 101, de 05/05/2000, também conhe- cida por Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Esta lei aumentou a necessidade mu- nicipal de investir em tecnologias da informação como forma de otimizar a administração de recursos e ampliar a ar- recadação. A nova lei obriga os municípios a administrar melhor sua receita, conten- do gastos e evitando endividamento. A legislação define ainda que o município que não cumprir às determinações dentro do prazo estará sujeito às sanções penais, como prevê a Lei Federal nº 10.028 de 19/10/2000. Lembremos que o geoprocessamento pode ser definido, sucintamente, como o tratamento da informação relacionada ao espaço geográfico, seja através de coor- denadas, seja através de endereço, com o uso de recursos computacionais. Envolve, portanto, qualquer forma de manipulação da informação de caráter geográfico. Segundo Assumpção (2001, p. 41), [...] cerca de 85% de todas as infor- mações da administração de uma prefeitura estão de alguma forma 32 33 relacionadas à localização geográfi- ca, e que uma parcela expressiva de seus recursos financeiros são pro- venientes de elementos sobre a sua geografia [...], não fica difícil perce- ber o papel do geoprocessamento na municipalidade. Nesta nova mentalidade de Gestão Mu- nicipal que veio sendo proposta, a variável locacional aparece para aumentar a efici- ência dos tradicionais sistemas de auto- mação. O uso das geotecnologias não se aplica apenas à melhora na arrecadação tributária, através do cadastro imobiliário atualizado, como pode-se pensar em pri- meira instância. Se considerarmos que as ações da administração municipal aconte- cem em algum lugar e que os problemas a serem resolvidos possuem uma localiza- ção, percebemos que o conhecimento do espaço territorial pode levar a decisões mais acertadas em
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