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1 Centro Universitário de Patos de Minas Patos de Minas, agosto de 2017 2 Professores de Linguagem e Comunicação Centro Universitário de Patos de Minas 3 Caros alunos, Linguagem e Comunicação está presente nos primeiros semestres de quase todos os cursos de graduação deste país – isso mostra sua importância na formação profissional de qualquer estudante. Infelizmente, os anos anteriores de formação escolar não foram suficientes para o aprimoramento de muitas habilidades linguísticas. O acadêmico tem, na faculdade, uma das últimas oportunidades para desenvolver sua capacidade de expressão por meio da língua, seja na modalidade falada, seja na modalidade escrita. Se perdida essa oportunidade, ou mal aproveitada, poderá sofrer punições principalmente no mercado de trabalho, caso consiga ingressar-se nele. Sabemos que, no nosso dia-a-dia, não comunicamos por meio de palavras – elas existem apenas no dicionário. Comunicamos, sim, por meio de textos. Nossas relações pessoais ou profissionais realizam-se por meio de textos que (co)produzimos com nossos semelhantes. Tecemos ideias, tecemos compromissos. Sem o domínio eficiente da língua, sem o domínio da feitura de textos, não conseguiremos nos mover neste mundo marcadamente tecnológico. Marcadamente sem fronteiras. Marcadamente informativo. Mundo de exigências, então! Nosso papel no curso escolhido por vocês, caros alunos, é contribuir para que a formação de vocês esteja, também, respaldada pelas exigências deste mundo em que informações, que são textos circulantes, são extremamente necessárias para o desempenho profissional. Mesmo que, no futuro profissional, vocês não precisem escrever textos, não precisem ministrar palestras ou seminários, a desenvoltura linguística poderá lhes garantir possibilidades de crescimento ininterrupto, já que irão (co)produzir textos menos formais em suas relações. Não há profissional isolado; há, sim, aquele que tece conhecimentos, que troca ideias, que comunica achados e os compartilha. E isso é o que nós chamamos de produção de textos. Produzir um texto falado ou escrito é uma atividade que se aprende, por ensaio e erro. Não é privilégio de poucos, mas direito de todos. Na nossa disciplina Linguagem e Comunicação, possibilitamos a vocês mecanismos de compreensão de textos, nos aspectos linguístico, argumentativo e expressivo, para que desenvolvam suas habilidades de interação. Neste mundo sem limites para a troca de informações – vocês sabem o que a tecnologia pode fazer –, a partilha de textos, ou com amigos, ou com colegas de profissão, pode ser, também, o percurso para uma vida feliz e realizada. Sem textos, não há amigos, não há profissionais, não há homens. Esperamos – e acreditamos nisto – que a prática de textos seja um instrumento-chave na participação da vida social, profissional e intelectual. Oferecer, portanto, a vocês instrumentos para capacitá-los nessa empreitada é nosso dever! Os professores 4 Sumário CARTA AOS ALUNOS ............................................................................................................ 03 NOSSO MAIOR DIREITO ............................................................................................................ 05 PLANO DE ENSINO ............................................................................................................... 06 01 LEITURA ANALÍTICA ........................................................................................... 08 1.1 Decodificação, cognição e ação social .......................................................................... 08 1.1.1 Ler e escrever; pensar e existir ........................................................................................ 09 1.1.2 Analfabetismo emocional ............................................................................................. 10 1.2 Etapas para leitura analítica ............................................................................... 11 1.2.1 Esquema para leitura analítica ......................................................................... 12 1.2.1.1 Textos e atividades ................................................................................................. 13 02 PRODUÇÃO E RECEPÇÃO DE TEXTOS .................................................................. 15 2.1 Opinição e informação ............................................................................................ 15 2.1.1 Textos e atividades ................................................................................................. 15 2.2 Intertextualidade ................................................................................................... 17 2.2.1 Textos e atividades ................................................................................................. 17 03 TEXTO E SUA TEXTUALIDADE ............................................................................. 21 3.1 Coerência e coesão textual ....................................................................................... 21 3.1.1 Textos e atividades ................................................................................................. 26 3.2 Parágrafo isolado e no texto...................................................................................... 35 3.2.1 Textos e atividades ................................................................................................. 36 3.3 Sugestão de atividades ............................................................................................. 43 04 INFORMAÇÕES IMPLÍCITAS ................................................................................. 48 4.1 Pressupostos e subentendidos .................................................................................... 48 4.1.1 Textos e atividades ................................................................................................. 50 4.1.2 Sugestão de atividade .............................................................................................. 52 05 ARGUMENTAÇÃO .............................................................................................. 55 5.1 Recursos da argumentação ....................................................................................... 58 5.2 Falácias da argumentação ......................................................................................... 59 5.3 Textos e atividades ................................................................................................. 60 5.4 Sugestão de atividades ............................................................................................. 64 06 GÊNEROS TEXTUAIS ACADÊMICOS ...................................................................... 65 6.1 Esquema ............................................................................................................. 65 6.1.1 Textos e atividades ................................................................................................. 67 6.1.2 Sugestão de atividade .............................................................................................. 69 6.2 Resumo .............................................................................................................. 69 6.2.1 Textos e atividades ................................................................................................. 70 6.2.2 Sugestão de atividade ..............................................................................................71 6.3 Resenha .............................................................................................................. 74 6.2.1 Textos e atividades ................................................................................................. 75 6.2.2 Sugestão de atividade .............................................................................................. 77 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 80 5 Nosso maior direito Você já pensou na maravilha que é pensar? Poder pensar? Por que maravilha? Nem sei como explicar, mas ter consciência de que se está pensando é extraordinário; quantas vezes na vida você se deu conta de que estava pensando e na liberdade que se tem quando se pensa? Pensar nos leva de um deserto na Mongólia ao palácio de um rei, do sofrimento mais doloroso à mais escandalosa das felicidades, do ódio à paixão, da descrença à mais profunda fé, até da doença à saúde -e vale o vice-versa. Pensar: o maior privilégio que alguém pode ter. As guerras, as revoluções, as obras de arte, os filmes, os livros, tudo, absolutamente tudo, só existe porque um dia, em algum lugar, um homem pensou, e há quem afirme que a força do pensamento pode até fazer com que as coisas aconteçam. Todas não sei, mas algumas, com certeza. É divertido pensar; quando se pensa não há censura, nada é pecado, proibido ou contra a lei. Talvez seja, verdadeiramente, a única liberdade total que se tem. Muitas pessoas talvez nunca tenham prestado atenção em seus próprios pensamentos: pois deviam. Essa prática pode ser melhor do que muitos filmes e muita conversa fiada, mas difícil, para quem não está acostumado. Você sabia que há muita gente que passa a vida inteira sem se dar conta do privilégio que é poder pensar? Uma maravilha e também um perigo: basta que se fique "pensativa" para que alguém pergunte "o que você tem? Está pensando em quê?" Nada desestabiliza mais um grupo do que perceber que uma das pessoas está longe, pensando. Pensar é perigoso; é pensando que se descobre que a vida não está boa mas que pode mudar, que o país vai bem mas poderia ir muito melhor, é pensando que se pode transformar nossa vida e o mundo. Nelson Mandela disse que tinha saudades do tempo que passou na prisão, porque preso ele tinha tempo para pensar. No nosso dia a dia, quando sobra um momento para se estar só, inventa-se imediatamente alguma coisa para fazer, para evitar o perigo maior que é pensar. Ninguém – ou pouquíssimas pessoas- está completamente feliz com sua vida pessoal, seus amores, seu trabalho. Mas durante a novela ninguém está pondo em questão se poderia fazer alguma coisa para ser mais feliz. Será que os altos homens de negócios já pararam para pensar se vale a pena trabalhar tanto, se não têm nem tempo para gastar o dinheiro que já têm? E para que mais dinheiro? Para ter mais cinco pares de sapato, três bolsas, 12 camisetas? É muito bom ter um carro do ano, mas se ele fosse de 2007 seria tão diferente? E essa mania de acumular, para deixar uma herança para os filhos, isso no fundo é um problema político. Todos sabemos que em alguns países a educação, a saúde e a aposentadoria são garantidas para toda a população, que sem precisar se preocupar tanto com o futuro, vive mais feliz -com menos frescuras, mas com mais alegria. Está vendo no que dá, pensar? Pensar é perigoso e subversivo, e uma coisa é certa: quem não pensa apenas faz o que os outros mandam: usam a bolsa da mesma grife porque inventaram, começaram a fumar e deixaram de fumar porque inventaram, e correm o risco de votar errado porque inventaram que quem tem carisma pode ser um bom presidente. Quem não pensa não escolhe, e são as escolhas que podem mudar. (LEÃO, Danuza. Nosso maior direito. Folha de S. Paulo, São Paulo, 25 julho 2010, p. C2) 6 Centro Universitário de Patos de Minas PLANO DE ENSINO ANO LETIVO PERÍODO CARGA HORÁRIA 2017 2º Semestral: 80h – Semanal: 4h Identificação da disciplina: Linguagem e Comunicação EMENTA A noção de linguagem como interação e o domínio de mecanismos linguísticos (gramaticais) e discursivos que permitam ao usuário da língua não só a leitura eficiente de textos variados, mas também a produção deles, a fim de que possa interagir e atuar sobre o(s) outro(s), social e profissionalmente. OBJETIVO GERAL Ler e produzir textos de maneira eficiente, considerando o interlocutor, o contexto de produção, a circulação e o papel dos textos numa dada comunidade. OBJETIVOS ESPECÍFICOS Aplicar as etapas para uma leitura analítica em atividades de leituras acadêmicas e profissionais. Reconhecer não só a diferença entre opinião e informação, mas também o processo intertextual na produção e na recepção de textos. Dominar mecanismos linguísticos que permitam a leitura e a produção de textos com coesão e coerência e com progressão e articulação. Detectar informações implícitas para desenvolver a leitura eficiente de textos diversos. Compreender textos nos aspectos linguísticos, argumentativos e expressivos para desenvolver habilidade de interação por meio da língua. Produzir textos que possibilitem uma participação social e profissional efetiva. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO 1 ETAPAS PARA LEITURA ANÁLITICA 1.1 Análise textual 1.2 Análise temática 1.3 Análise interpretativa 2 PRODUÇÃO E RECEPÇÃO DE TEXTOS 2.1 Opinião e informação 2.2 Intertextualidade 03 TEXTO E SUA TEXTUALIDADE 3.1 Coerência textual 3.2 Coesão referencial 3.3 Coesão sequencial 4 INFORMAÇÕES IMPLÍCITAS 4.1 Subentendidos 4.2 Pressupostos 5 ARGUMENTAÇÃO 5.1 Recursos argumentativos 5.2 Falácias da argumentação 6 GÊNEROS TEXTUAIS ACADÊMICOS 6.1 Esquema 6.2 Resumo 6.3 Resenha 7 ATIVIDADES PRÁTICAS SUPERVISIONADAS Os discentes farão leituras de textos variados e de fontes diversas, selecionados pelo professor, voltados, direta ou indiretamente, à área de atuação escolhida, com a finalidade de reconhecer, de interpretar e de analisar os apontamentos teóricos feitos nas aulas. Será contemplada também a produção de textos a partir das leituras recomendadas. METODOLOGIA Para que se alcancem os objetivos propostos nas aulas de Linguagem e Comunicação, serão adotados os seguintes procedimentos didático-metodológicos: aulas expositivas, estudos de textos, debates, apresentação de seminários, oficinas de leitura e produção de textos. RECURSOS DIDÁTICOS Coletânea de textos e atividades, quadro, giz, textos selecionados de revistas, jornais e livros, datashow, vídeo, salas de computadores e outros recursos necessários ao desenvolvimento das aulas. AVALIAÇÃO Do discente: a avaliação, que consiste em um processo contínuo e permanente, será concebida e utilizada nesta disciplina como elemento constitutivo do processo ensino-aprendizagem que permite identificar, qualitativa e quantitativamente, os avanços e as dificuldades na concretização dos objetivos propostos. No decorrer do semestre letivo, serão distribuídos 100 (cem) pontos, da seguinte forma: 1. Quarenta (40) pontos distribuídos pelo docente da disciplina, por meio da realização de provas e/ou outras atividades de avaliação. 2. Vinte (20) pontos distribuídos pelo professor orientador do Projeto Integrador; 3. Vinte (20) pontos atribuídos na Avaliação Colegiada (AC), elaborada pelo professor da disciplina, sob supervisão do Núcleo Docente Estruturante (NDE), considerando-se a ementa trabalhada durante o semestre; 4. Vinte (20) pontos atribuídos na Avaliação Integradora(AVIN), considerando-se as ementas de todas as disciplinas trabalhadas durante o semestre. Do docente: os alunos avaliarão o desempenho e a atuação do professor por meio de instrumento elaborado pela CPA. BIBLIOGRAFIA BÁSICA ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. 4. ed. São Paulo: Parábola, 2008. FARACO, Carlos Alberto; TEZZA, Cristovão. Oficina de texto. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Para entender o texto: leitura e redação. 17. ed. São Paulo: Ática, 2007. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR DISCINI, Norma. Comunicação nos textos: leitura, produção, exercícios. São Paulo: Contexto, 2010. GARCIA, Othon Moacir. Comunicação em prosa moderna: aprenda a escrever aprendendo a pensar. 27. ed. atual. Rio de Janeiro: FGV, 2011. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. A coesão textual. 22. ed. São Paulo: Contexto, 2012. KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz C. A coerência textual. 18 ed. São Paulo: Contexto, 2012. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. 2. ed.São Paulo: Parábola, 2008. HABILIDADES E COMPETÊNCIAS Elaborar sínteses; comunicar-se eficientemente nas formas escritas, oral e gráfica; ler e interpretar textos; analisar e criticar informações; extrair conclusões por indução e/ou dedução; estabelecer relações, comparações e contraste em diferentes situações; detectar contradições; argumentar coerentemente. 8 Capítulo 1 1 Leitura analítica Neste capítulo, você vai refletir sobre a importância da leitura na formação de um cidadão. Para isso, num primeiro momento, você vai ler textos que abordam a temática da leitura. Num segundo momento, você irá conhecer as etapas para uma leitura analítica, as quais podem contribuir para o seu aprimoramento como leitor. Antes de prosseguir, reflita sobre as seguintes perguntas: a) qual a importância da leitura, escrita e interpretação de textos?; b) quais tipos de texto você costuma ler?; c) quais tipos de texto você acha necessário ler?; d) você sabe o que é um texto científico e/ou acadêmico?; e) qual(is) estratégia(s) de leitura, escrita e interpretação você acha que deve(m) fazer parte da rotina de estudos acadêmicos? 1.1 Decodificação, cognição e ação social A leitura já foi considerada apenas como uma atividade mecânica de decodificar palavras, ou de extrair sentidos que supostamente estariam prontos no texto. Ao se pensar desse modo, a crença era a de que, para se tornar um leitor competente, bastava aprender a ler nos anos iniciais de escolaridade e depois o aluno já saberia ler qualquer texto. Hoje já se sabe que a leitura é uma atividade complexa, em que o leitor produz sentidos a partir das relações que estabelece entre as informações do texto e seus conhecimentos. Leitura não é apenas decodificação, é também compreensão e crítica. Isso significa que o bom leitor precisa realizar essas ações sobre o texto. A decodificação é uma parte da leitura, na qual o leitor, basicamente, junta letras e forma sílabas; junta sílabas e forma palavras e junta palavras para formar frases. No processo de leitura, à medida que informações de um texto vão sendo decodificadas e o leitor consegue estabelecer relações entre essas informações e os seus conhecimentos prévios, unidades de sentido vão sendo construídas. Ou seja, a compreensão se processa. Ao compreender o texto, o leitor é capaz de apreciar o que ele diz, é capaz de se posicionar, é capaz de realizar a crítica ao que é dito. A leitura é tanto uma atividade cognitiva quanto uma atividade social. Como atividade cognitiva, pressupõe que, quando as pessoas leem, estão executando uma série de operações mentais (como perceber, levantar hipóteses, localizar informações, inferir, relacionar, comparar, sintetizar, entre outras) e utilizam estratégias que as ajudam a ler com mais eficiência. Como atividade social, a leitura pressupõe a interação entre um escritor e um leitor, que estão distantes, mas que querem se comunicar. Fazem isso dentro de condições muito específicas de comunicação, pois cada um desses sujeitos (o escritor e o leitor) tem seus próprios objetivos, suas expectativas e seus conhecimentos de mundo. É importante que estejamos conscientes de que a leitura pode ser ensinada por meio de estratégias que ajudam o leitor a ler melhor. É importante também que o leitor leia com objetivos determinados. Isto é, ler para interagir com um autor à distância por meio do texto escrito, buscando prazer, ou distração, ou informação, ou conhecimento. Há grandes vantagens em se pensar a leitura desse modo. A principal delas é a de mostrar que existem formas para aumentar a competência em leitura ao longo da vida, isto é, que o ensino de leitura não é uma etapa pontual que se esgota apenas na alfabetização. É um aprendizado contínuo. (BICALHO, Delaine Cafiero. Disponível em: <http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/ leitura>.Com adaptações). 9 1.1.1 Ler e escrever; pensar e existir Muita gente escreve perguntando como se faz para escrever bem. Parece que, além do 1% de inspiração que está no DNA de qualquer aspirante a Shakespeare, o que é determinante são os 99% de transpiração. O que, em matéria de escrita, só significa uma coisa: ler. Ler é fundamental. Não só por uma série de razões práticas — aumenta o vocabulário, o conhecimento geral, a capacidade de expressão e a probabilidade de sucesso com as mulheres —, mas especialmente por despertar áreas adormecidas do cérebro. Ler a boa literatura assim como entrar em contato com artes plásticas ou música ativa a imaginação, a capacidade de abstração. Mas, mais importante, ler desenvolve a única capacidade realmente importante nessa vida, que é a de pensar. Passando um certo ponto de leitura, a estupidez fica impossível. Você não pode ler Marx e Smith e concordar com ambos sem se questionar sobre qual dos modelos econômicos faz mais sentido. O mesmo vale para Platão e Maquiavel quando se fala dos governantes; Sun Tzu e Gandhi sobre a guerra; Hobbes e Thoreau sobre obediência civil; Freud, Jung, Santo Agostinho e Paulo Coelho no que diz respeito à espiritualidade etc. A lista é infinita: para cada aspecto mais ínfimo da vida humana, há uma multidão de opiniões diferentes e, quando você entra nelas, é impossível que o seu cérebro, enferrujado por horas e horas de baboseira televisiva, não pegue no tranco e comece a trabalhar. Só há três dificuldades nesse processo. A primeira é gostar de ler. Quem lê por obrigação não passa de algumas dezenas de livros e nunca entende o prazer que é a leitura. Essa ideia de que literatura é algo enfadonho é, claro, herança de todos os professores limitados que lhe mandaram ler porcaria no colégio e depois fizeram provas ou pediram “fichas de leitura” em que você, como papagaio, teve de repetir a história para provar que leu. Duas dicas: primeiro, leia o que lhe interessa, não espere o professor lhe pegar pela mão; segundo, lute contra a mediocridade dos seus professores, exija tratamento de ser pensante. A segunda dificuldade é saber o que ler. Lembro-me de ficar lendo as pessoas que eu admirava ou tinha respeito na minha infância para ver o que elas liam ou recomendavam e aí tentava ler o mesmo. Acabei lendo “O Nascimento da Tragédia”, de Nietszche, com uns 14 anos, achando que a tragédia mencionada era alguma hecatombe; nem ideia da tragédia grega, Sofócles ou Ésquilo. Ou seja, não dá certo. Outro caminho é ler os clássicos, aquilo que todo mundo já disse que é bom, de Homero a Proust. Mas não adianta dar caviar para quem nunca comeu lambari. Vai encher o saco. Comece lendo coisas que lhe interessem e que prendama atenção, aos poucos você acaba migrando para a boa literatura, por causa das citações, referências e tal. Só não vá para aquela areia movediça de esoterismo, autoajuda e romance “melacueca”, que porcaria vicia. Por último, “há uma pedra no meio do caminho”. Acontece para muitos de, depois de ler meia dúzia de livros, achar que o seu lado da moeda é o único e rejeitar todo o resto como mentira. É a arrogância típica do “imbecil”. Cuidado para passar essa fase. Quanto mais se lê, mais se nota que se sabe pouco, quase nada. E que pouco na vida é imutável, definitivo, inquestionável. O que importa é desenvolver a capacidade de pensar e de julgar por si só. Até para entender que tudo o que está escrito acima pode não passar da mais absoluta idiotice. (IOSCHPE. Gustavo Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/folhatee/fm01039921.htm> Data de publicação: 1º março 1999. Com adaptações). 1. A leitura desenvolve o pensamento. Você concorda com esse posicionamento do autor? Por quê? 2. Há um limite de livros a serem lidos por um cidadão? Por quê? 3. De que maneira um cidadão pode se tornar um leitor autônomo? 10 1.1.2 Analfabetismo emocional Há os que não conseguem decifrar a língua escrita, são os analfabetos. Outros entendem apenas textos simples, são os analfabetos funcionais. Falarei do que chamo de analfabeto emocional. É aquele que sabe ler, mas é presa das emoções para entender o texto, em vez de usar a razão. Faz uma leitura "criativa", embalada pelo sentimento e pela paixão. Decifra o texto por via de uma reação pura e espontânea, ignorando os estreitamentos de significado, impostos pelo sentido rigoroso das palavras escritas. A fim de ilustrar, utilizarei as cartas dos leitores acerca do meu ensaio "Os legisladores e o Verbo Divino" (12 de dezembro). Isso, por duas razões. Primeiro, por revelar-se uma boa amostra de leitura emocional. Segundo, porque muitas cartas são de professores e há uma corrente pedagógica pregando o subjetivismo e a liberdade do leitor para entender o texto como quiser. Será que alguns estariam ensinando tal estilo de leitura a seus alunos? Como várias interpretações se deslocaram do que está escrito, vale resumir o ensaio: 1) Pesquisas se somam, mostrando que o número de alunos em sala de aula não tem correlação com o nível de aprendizado; 2) Portanto, não há base científica para uma lei nacional inventando um número-limite de alunos por sala; 3) Vários fatores determinam qualidade, mas, segundo as pesquisas, o tamanho das classes não é decisivo; 4) Há situações em que classes pequenas se justificam – inclusive por exigência do método empregado –, mas isso tem de ser demonstrado, casa a caso. O ensaio causou a "indignação" de vários leitores. Entendamos, as emoções fazem parte da vida. Mas podem estar no lugar certo ou errado. Insisto, antes da fúria, é preciso usar razão para entender o que está sendo dito. Faltou a muitos leitores (mas não a todos), a disciplina de seguir o raciocínio, entendendo a lógica do argumento. Por isso, discordam do que não está escrito. Diante de uma pesquisa (no caso, centenas), devemos sempre aplicar a dúvida sistemática de Descartes. Encontramos erro lógico no argumento? Encontramos falhas metodológicas na comprovação empírica? Modelo errado, dados errados? Se não conseguimos identificar falhas, acabou a munição. Gostando ou não, somos obrigados a engolir as conclusões da pesquisa. O debate científico não é minha opinião contra a sua, minha teoria contra a sua, mas sim minha evidência contra a sua. Vale o que revela o mundo real. "Reputo como inválidos seus argumentos". A frase ilustra a confusão entre pesquisa científica e opinião. Vale "o que eu acho", "o que eu vivi", "o que eu sei". A observação pessoal é vista como sendo mais definitiva do que pesquisas submetidas ao duro crivo da ciência. Se fosse assim, por que fazer pesquisas rigorosas? Afinal, a pesquisa é para eliminar subjetivo, as ambiguidades e o particularismo dos casos. Busca-se nela decifrar as grandes forças em jogo, não os detalhes de cada situação. Várias cartas julgaram irrealistas os exemplos oferecidos. É o mesmo engano. Se o convencimento fosse pelos exemplos, para que pesquisa? O papel dos exemplos é facilitar a compreensão, é dar concretude. Não demonstram rigorosamente nada. Houve atribuições de culpa à falta de disciplina, ao calor, à desmotivação de alunos e professores, à promoção automática e a outras moléstias do cotidiano de uma escola. Mas ao se apontarem esses fatores, implicitamente, fica reforçada, e não negada, a tese do ensaio sobre a falta de centralidade do tamanho das classes. Para terminar, fui bombardeado com o clássico argumentum ad hominem, comum nesses debates. Em vez de se apontarem erros, denuncia-se o autor. Vejamos algumas farpas: economistas sucumbem à "retórica mercantilista ou a exercícios de adivinhação levianos"; "Dos seus escritórios com ar condicionado (...) fica mais fácil ter uma visão turva da realidade"; "Com certeza, o senhor nunca viu de perto escola pública" (não é verdade, mas no caso é irrelevante). Ora, uma característica essencial de um estudo científico é que sua validade não depende de quem o realizou, mas de ser metodologicamente inexpugnável. (CASTRO, Cláudio de Moura. Analfabetismo emocional. Veja, 02 fevereiro 2013, p. 22). 11 1. O que é, na perspectiva de Castro, analfabetismo emocional? 2. Por que as cartas dos professores são uma “boa amostra de leitura emocional”? 3. O leitor dispõe de uma liberdade que permita a ele ler os textos como quiser? Comente. 1.2 Etapas para uma leitura analítica O ato da leitura é, inquestionavelmente, o principal canal de aprendizagem no ambiente acadêmico. Por mais que se discuta, reflita, debata, escreva, sempre as referências partem do universo dos livros. Mesmo que investiguemos fenômenos sociais ou naturais (que podem ser observados no “livro” da vida ou da sociedade), não podemos prescindir dos textos, sob risco de um empirismo vulgar. Embora seja tão crucial, a leitura não é encarada por muitos como algo natural, já assimilado ao longo de suas trajetórias no ensino secundário. A consequência da falta de familiaridade com leituras é a dificuldade que as exigências trazem quando o estudante chega à universidade. Tais dificuldades podem ser vencidas com muita disciplina. Para orientar estudantes a “esmiuçarem” um texto, Antonio Joaquim Severino (2002) sistematizou um método de leitura, chamado de método de leitura analítica. Os passos por ele propostos contribuem em muito para uma proveitosa compreensão e assimilação dos textos. Analisar é, como define René Descartes em o Discurso do Método, “dividir cada uma das dificuldades que devesse examinar em tantas quantas partes quanto possível e necessário para resolvê-las”. Aplicando ao contexto usado por Severino, a leitura analítica avança por etapas sucessivas (processos lógicos) até a compreensão global de uma unidade de leitura. As referidas etapas são a análise textual, a análise temática e a análise interpretativa. A primeira etapa, a análise textual, nada mais é do que a busca de uma visão geral do texto, mediante uma leitura rápida e atenta dos elementos mais importantes. Neste momento, o leitor deve buscar esclarecimentos sobre palavras desconhecidas, fatos, doutrinas e autores citados no texto e sobre os quais ele não possua conhecimento. Isso será fundamental para o entendimento da posição do autor e o contexto por ele tratado. A análise textual culminará em uma esquematização do texto, o que ajudará na formulação de uma visão de conjunto. O procedimento lógico decorrenteda análise textual é a análise temática. Esta consiste em compreender a mensagem do autor, com a identificação do tema abordado na unidade de leitura, do problema colocado pelo autor e sua tese. Trata-se de identificar o caminho seguido pelo raciocínio do autor entre ideias principais e secundárias. A análise interpretativa da unidade de leitura decorrerá das etapas anteriores. Nela o leitor deve exercer uma atitude crítica com relação às posições do autor, verificando a coerência da argumentação, originalidade do tratamento do problema, profundidade da análise, alcance das conclusões do autor e suas consequências. Para que você possa compreender melhor como se processa essas etapas, atente-se no esquema a seguir. (Disponível em: <http://metodologiadapesquisa.blogspot.com.br/2009/03/leitura -analitica.html>. Com adaptações). 12 1.2.1 Esquema para leitura analítica LEITURA ANÁLITICA Análise textual Análise temática Análise interpretativa Leitura de reconhecimento Identificação do tema-problema Interpretação das ideias do autor Identificação da unidade do texto Sequências das ideias do autor Leitura das entrelinhas Vocabulário, crenças do(s) autor(es), fatos e dados do(s) autor(este) Outros temas paralelos ao tema central Crítica do texto lido Juízo crítico Esquema de leitura analítica Fonte: Severino (2000, p. 64) O leitor, ao fazer uma leitura analítica e reflexiva, deve observar o contexto em que o texto está inserido, isso facilita a compreensão da abordagem feita. Eis algumas dicas para que se realize uma leitura eficaz, conforme Silva (2003): 1. Tenha sempre um objetivo definido. Para que você está lendo? Qual o propósito de sua leitura? 2. Respeite seu ritmo de leitura. Saiba que, com o tempo, você vai ganhando a velocidade, à medida que vai aumentando seu hábito de ler. 3. Caso haja palavras desconhecidas no texto, recorra ao dicionário para orientá-lo. 4. Procure saber um pouco da biografia do autor, como um indicativo para perceber a visão dele. 5. Analise as partes do texto e faça sempre a junção delas. 6. Saiba fazer uma triagem do que esteja lendo e perceba sua aplicabilidade no momento. 7. Procure compartilhar suas leituras para reforçar seu processo de aprendizagem. 8. Aplique os conhecimentos adquiridos com a leitura, caso seja possível, e isso contribuirá para reforçar todo o processo de aprendizagem do assunto lido. 9. Evite sublinhar um texto na primeira leitura. Faça, primeiramente, uma leitura de reconhecimento e, em seguida, realizae um leitura reflexiva. 10. Anote e/ou transcreva do texto as partes que poderão ser úteis na elaboração de seus textos. Não se esqueça de anotar os dados para fazer as referências bibliográficas. 13 1.2.1.1 Textos e atividades 1. Leia, com atenção, o texto a seguir para responder ao que se pede. Língua e poder “A terapia teve um efeito idiossincrático com prognóstico favorável em caso de pronta supressão”. Essa frase, enigmática para os não- iniciados nas sendas médicas, não significa muito mais do que “o remédio teve efeito contrário, mas não causará problemas se for suspenso logo”. Esse é um dos exemplos de jargão que consta da reportagem sobre linguagens técnicas publicada na semana passada no caderno Sinapse. O jargão é de fato inevitável, mas isso não significa que ele deva ser empregado em todas as ocasiões. Com efeito, toda profissão, do telemarketing à física de partículas, acaba por desenvolver um vocabulário específico, muitas vezes impenetrável para o leigo. Não apenas neologismos são criados como palavras comuns podem ter sua significação alterada. Em alguns casos, trata-se de uma necessidade. O jargão, no mínimo, economiza palavras, concentrando carga informativa em termos específicos. Quando um médico fala em “miocardiopatia idiopática”, ele está na verdade dizendo um pouco mais do que apenas “problemas cardíacos de causa ignorada”. No subtexto, um outro médico compreenderá que o paciente sofre de moléstia cardíaca de origem desconhecida e para a qual já foram descartadas as causas que mais comumente provocam doenças do coração. Em determinadas áreas científicas, os próprios objetos de estudo não passam de jargão. É o caso, por exemplo, da linguística, com seus morfemas, sintagmas e lexemas, e da física de partículas, com seus quarks, glúons e léptons. limite, sem o jargão, os fenômenos estudados não podem nem ser enunciados. Reconhecer a importância e a necessidade do jargão em certas situações não significa chancelar seu uso indiscriminado. Um médico ou um advogado que se dirijam a seus clientes em linguagem técnica incompreensível estão, na verdade, atendendo muito mal ao consumidor, que deve ter, em todas as ocasiões, acesso a uma explicação completa de sua situação em linguagem acessível. Infelizmente, as coisas nem sempre se passam assim. Desde que o mundo é mundo, profissionais de uma determinada área tendem a unir-se para manter sua arte impenetrável para o público em geral e, assim, aumentar seu poder. Não foi por outra razão que os escribas do antigo Egito complicaram desnecessariamente a escrita hieroglífica: era uma forma de conservarem e até de ampliarem sua posição hierárquica. Os tempos e as ciências mudaram, mas o princípio de complicar para valorizar-se permanece em vigor. Não devemos, é claro, ser ingênuos e acreditar que poderemos promover a plena igualdade através da língua. Democracia é, antes de mais nada, a arte de negociar, de aplicar o bom senso na solução de problemas. Nesse sentido, o bom profissional é aquele capaz de comunicar-se no melhor jargão com seus colegas, mas que consegue, sem grandes perdas, fazer-se entender pelo leigo. Os que ostensivamente abusam da linguagem técnica tendem a ser os menos capazes, os que mais precisam afirmar-se para não perder poder. (Folha de S. Paulo, 20 junho 2003) 1. Proponha uma leitura analítica do texto. 2. O jargão, nas mais diversas profissões, pode ser considerado fator de exclusão? Por quê? 3. O sucesso profissional está ligado ao domínio da linguagem técnica? Por quê? 2. Leia, com atenção, o texto a seguir para responder ao que se pede. 14 Órfãos da profissão “Setenta milímetros? Deve ser próximo de 7 centímetros, não é?” Com uma chave de fenda estreita, o pintor raspava pingos de tinta em um rodapé de granito. Primeiro, a tinta não deveria pingar; segundo, o rodapé deveria estar protegido com fita gomada; terceiro, usava a ferramenta errada. O jovem instalava drywall, cortando placas com uma serra de metal (sem o arco). Ferramenta errada! O marceneiro esqueceu um formão na minha casa. Era de má qualidade e estava malcuidado. As peças de madeira que comprei não foram aplainadas e lixadas, como combinado. Não eram nem retangulares nem da mesma bitola. Uma se estreitava ao final, e a metade delas, por empenadas, era inservível. Quem comprar madeira tem ínfimas chances de que as navalhas da plaina da serraria estejam afiadas e sem cicatrizes de pregos esquecidos nas tábuas. Para controlar uma luminária com dois interruptores, ensinei ao eletricista como era a ligação. A parede ficou impecável, mas, como o pedreiro não sabia ler planta, foi erguida no lugar errado. O serralheiro não veio, como prometeu, pois apareceu outra obra que não queria perder. Eis uma colagem do que vemos em um amplo segmento de nossa mão de obra. Em suma, falta profissionalismo em todos os azimutes. De que falo? O profissionalsério: Conhece e domina os gestos e técnicas da sua profissão, tendo disso muito orgulho; Possui e usa a ferramenta certa, cuidando dela com desvelo e competência (sobretudo na afiação!). Aliás, ama suas ferramentas; Prepara gabaritos e apoios ou constrói ferramentas, para facilitar o trabalho; É um crente na religião da qualidade, sendo o fiscal mais impiedoso do seu próprio desempenho; Cumpre com dedicação as obrigações assumidas (horários, orçamentos etc.). Se são escassos os verdadeiros profissionais, por alguma razão há de ser. Para entender, exploremos as três maneiras clássicas de prepará-los. O aprendiz e seu mestre: vem da época medieval a tradição do mestre que recebe jovens, para ensinar-lhes a profissão. Até hoje esse método dá certo, seja com o futuro pedreiro, seja com o doutorando. No interiorzão de Minas, havia uma oficina mecânica cujos 120 funcionários tinham padrão de qualidade europeu, embora houvessem aprendido lá mesmo. 0 segredo é que, por muitas décadas, foram aprendizes do Chico Alemão, exímio mecânico, do checo Jan Hasek e do Fritz Boetger ("Botija"), engenheiro em um estaleiro de submarinos na Alemanha. O exemplo mostra, justamente, uma condição pétrea: o mestre tem de ser um profissional competente. Se não for, o aprendiz aprende errado ou não aprende, como nos casos citados no início. Sobretudo na construção civil, quem mais sabe ainda sabe pouco. O jovem não tem com quem aprender certo, nem os gestos da profissão nem os valores do profissionalismo. Cursos de formação profissional: o Senai é uma fórmula de sucesso, havendo sido a matriz de formação dos nossos melhores profissionais. Mas seu alcance é insuficiente. As empresas maiores sugam avidamente seus graduados, sobrando pouco para as pequenas. Muitos dos outros cursos que andam por aí são desconectados dos reais empregos. Ou têm instrutores que não dominaram a profissão, às vezes, por se lhes exigirem excessivos diplomas. Em muitos casos, são curtos demais — na Alemanha, a aprendizagem dura 3,5 anos. Autodidatismo: é possível aprender por conta própria, observando, praticando, lendo, olhando vídeos. Porém, a capacidade de autoaprendizado é profundamente determinada pelo nível de educação. Mais aprende sozinho o ofício quem mais aprendeu na escola. Como nossa gente estudou pouco e aprendeu menos ainda, é limitado o uso dessa fórmula. Além disso, faltam bibliotecas para facilitar tais aprendizados — menos mal que se democratizam o santo Google e a mágica do YouTube. Uma exagerada proporção da nossa força de trabalho é órfã da boa formação profissional, seja desta ou daquela modalidade. Como podemos reclamar que trabalham mal, se não tiveram a mais remota chance de aprender certo? Como vituperar contra a nossa baixa produtividade, se não preparamos os profissionais? (CASTRO, Cláudio de Moura. Órfãos da profissão. Veja, 10 dez. 2014. p. 26). 1. Proponha uma leitura analítica do texto a seguir. 2. Escreva um parágrafo de 7 a 10 linhas em que você se posiciona sobre formação profissional. 15 Capítulo 2 2. Produção e recepção de textos 2.1 Opinião e informação Alguns teóricos da linguagem consideram que, na era da informação, tudo é texto. Um slogan de uma campanha política, uma música, um gráfico, um discurso oral, uma placa de trânsito, enfim, os mais variados arranjos organizados com o propósito de informar, comunicar, veicular sentidos são textos. Assim, um texto é não exclusividade da palavra. O texto é determinado pela finalidade comunicativa. E não faltam meios e recursos, nesta época em que vivemos, para a produção e circulação de textos dos mais diversos e diferentes possíveis. Conforme, Nicola, Florina e Ernani 2002), o falante, ao realizar um ato de comunicação verbal, escolhe, seleciona palavras para depois organizá-las e combiná-las, conforme a sua vontade. Esse trabalho de seleção e combinação não é aleatório, mas está diretamente ligado à intenção do produtor do texto, ou informar ou opinar, por exemplo. 2.1.1 Textos e atividades Texto 1: 'Espero que meu filho esteja vivo', diz mãe na porta de presídio no RN Dezenas de familiares aguardam informações sobre presos em frente à Penitenciária de Alcaçuz, na região metropolitana de Natal, onde acontece uma rebelião desde a tarde deste sábado (14) e pelo menos 26 detentos foram mortos, segundo o governo do Estado. Os clima é de tensão e nervosismo no local. Um helicóptero sobrevoou o presídio durante a madrugada, enquanto policiais e bombeiros faziam ronda ao redor da unidade. Do lado de fora, é possível escutar barulho de tiros, bombas e gritos dos presos. Até o começo da madrugada, a Polícia Militar ainda não havia entrado no presídio e o motim continuava em andamento. Todos os presos deixaram as celas e ocuparam a área dos pavilhões. Zélia de Melo, 44, espera por notícias do filho, Diego, 26, condenado por a seis anos de prisão por tráfico de drogas –falta um ano para ele ser solto, segundo a mãe. "Espero que esteja vivo. Só vou sair daqui quanto tiver informações", afirma. Ela diz que bloqueadores de celular não impedem contato com os presos. Detentos repassam informações para as famílias, segundo pessoas no local. Durante todo o dia, familiares compartilhavam fotos e vídeos do massacre. Eliana da Costa, 30, estava preocupada com o marido, Leonardo Caldeira. Pai de dois filhos, Leonardo foi condenado a 12 anos e 10 meses por tráfico de drogas –ele já cumpriu dois anos da pena. "Aqui fora do presídio a gente só recebe notícia ruim. Espero que ele esteja vivo, eu vou esperar a madrugada toda por notícias". Eliana diz que o marido estava no pavilhão, 3, que ela suspeita que não tenha sido alvo do confronto. O conflito começou por volta das 17h. A rebelião foi motivada por uma briga nos pavilhões 4 e 5 do presídio envolvendo facções: segundo o governo, entre membros do PCC (Primeiro Comando da Capital) e do Sindicato do Crime. Houve uma invasão de um pavilhão por presos inimigos, o que deu início ao motim. O governo diz que a rebelião está restrita a esses dois pavilhões e não houve fugas. 16 A Penitenciária de Alcaçuz abriga atualmente 1.083 presos, mas tem capacidade para apenas 620, segundo dados da Secretaria de Justiça. O presídio fica no município de Nísia Floresta, a 25 km de Natal. Há relatos de presos decapitados e de brigas em diversos pavilhões do presídio. Segundo policiais no local, a intervenção acontecerá ao amanhecer. Esposas de detentos temem que o número de mortos cresça durante a madrugada. (Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano>). Texto 2: "Cría cuervos..." As rebeliões em presídios, com cenas de cefalectomia e cardiectomia, surpreendem pela carga de violência, mas não por terem ocorrido. Elas são o resultado lógico de décadas de descaso para com a política penitenciária. "Descaso" talvez não seja a melhor palavra. Se o sistema tivesse sido desenhado com o propósito explícito de criar poderosas organizações criminosas rivais fadadas a se enfrentar, dificilmente os projetistas poderiam ter sido mais eficientes do que foram nossas autoridades. O primeiro passo é construir as cadeias, preferencialmente pouco funcionais e bem desconfortáveis. O segundo é ir trancafiando nelas legiões crescentes de pessoas, sem observar lotações máximas e sem nenhum critério de separação dos presidiários por periculosidade ou mesmo por condenação – cerca de 40% dos presos no Brasil são provisórios. Encontramos aqui um mecanismo de "feedback" positivo. Quanto mais gente é presa, mais insuportáveis se tornam as condições na cadeia.A certa altura, o melhor meio de um recém-ingresso sobreviver no sistema é jurar obediência às organizações criminosas que, no vácuo da inação estatal, conseguem impor alguma ordem ao caos. Isso significa que, quanto mais prendemos (e quanto piores forem as cadeias), mais fortalecemos PCCs, CVs, FDNs etc. Como as prisões (e mesmo o crime nas ruas) ficam mais fáceis de administrar quando há poucos bandidos fazendo as vezes de soberano hobbesiano, os sindicatos de delinquentes foram tolerados pelo Estado e se expandiram até que o confronto entre organizações rivais ficou inevitável. Desarmar essa bomba vai ser trabalhoso e passa, a meu ver, pelo resgate da noção de direito penal mínimo. Precisamos encarcerar muito menos gente, legalizando o que não precisa ser crime, como o uso de drogas, e substituindo as penas de prisão por pecuniárias e de restrição de direitos. Sem isso, não vai dar certo. (SCHWARTSMAN, Hélio. "Cría cuervos...". Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br>) Texto 3: [Charge] (Disponível em: <http://iramdeoliveira.blogspot.com.br/2017/01/em-alcacuz.html>). 17 1. Com que intenção cada texto foi produzido? 2. A que recursos o autor do Texto 1 recorreu para que, no seu texto, predominasse a informação? 3. Embora a opinião seja predominante no Texto 2, percebe-se nele informação. Identifique uma informação (fato) e mostre sua importância na formação da opinião do autor do texto. 4. Para compreender o Texto 3, é necessário que o leitor disponha de informações factuais. Que informações são essas e como elas são apresentadas pelo chargista? 2.2 Intertextualidade Podemos dizer que textos são reuniões de várias vozes: polifonia. Isso significa dizer que os textos possuem uma multiplicidade de vozes que os atravessam por meio de uma voz privilegiada – a do locutor principal – que vai incorporando as outras. Essas vozes podem aparecer no texto de maneira explícita ou implícita. Um exemplo do primeiro caso é a citação no texto de ideias de outra pessoa. Um exemplo do segundo caso é a introdução no texto de ideias ou conceitos que fazem parte do senso comum, como afirmar que “televisão faz mal à saúde”. Nenhum texto se produz no vazio ou se origina do nada. Todo texto se alimenta, de modo claro ou subentendido, de outros textos. Um, ao retomar outro, tanto pode reiterar ou subverter as ideias presentes no texto “original”. O autor utiliza-o com o objetivo de apoiar ou de dizer algo totalmente diferente do que foi dito em outro texto, de criticar um ponto de vista, uma visão de mundo. Para Nicola, Florina e Ernani (2002), o conhecimento das relações entre os textos – e os textos utilizados como intertexto – é um poderoso recurso de produção e apreensão de significados. Quando um determinado autor recorre a outros textos para compor os próprios, certamente tem um motivo muito claro – a construção de significados específicos (crítica, reflexão, releitura, entre outras questões). Percorrer o caminho inverso, ou seja, buscar esse motivo e reconstruir o processo de produção leva a desvendar tais significados, pois um texto completa outro, lança luz sobre o outro. É o exercício da leitura que irá garantir tudo isso. 2.2.1 Textos e atividades 1. Leia, com atenção, o texto seguinte para responder ao que se pede. Sem adjetivos “Eu sabia que estava com um cheiro de suor, de sangue, de leite azedo. Ele [delegado Fleury] ria, zombava do cheiro horrível e mexia em seu sexo por cima da calça com olhar de louco.” De Rose Nogueira, jornalista em São Paulo. Da ALN, foi presa em 1969, semanas depois de dar à luz. “No quinto dia, depois de muito choque, pau de arara, ameaça de estupro e insultos, abortei. Quando melhorei, voltaram a me torturar.” De Izabel Fávero, professora de administração em Recife. Da VAR-Palmares, foi presa em 1970. “Eu passei muito mal, comecei a vomitar, gritar. O torturador perguntou: ‘Como está?’. E o médico: ‘Tá mais ou menos, mas aguenta’. E eles desceram comigo de novo." De Dulce Chaves Pandolfi, professora da FGV-Rio. Da ALN, foi presa em 1970 e serviu de “cobaia” para aulas de tortura. 18 “Eu não conseguia ficar em pé nem sentada. As baratas começaram a me roer. Só pude tirar o sutiã e tapar a boca e os ouvidos.” De Hecilda Fontelles Veiga, professora da Universidade Federal do Pará. Da AP, foi presa em 1971, no quinto mês de gravidez. “Eu era jogada, nua e encapuzada, como se fosse uma peteca, de mão em mão. Com os tapas e choques elétricos, perdi dentes e todas as minhas obturações.” De Marise Egger-Moellwald, socióloga, mora em São Paulo. Do então PCB, foi presa em 1975. Ainda amamentava seu filho. “Eu estava arrebentada, o torturador me tirou do pau de arara. Não me aguentava em pé, caí no chão. Nesse momento, fui estuprada.” De Gilze Cosenza, assistente social aposentada de Belo Horizonte. Da AP, foi presa em 1969. Sua filha tinha quatro meses. Trechos de 27 depoimentos de sobreviventes, intercalados às histórias de 45 mortas e desaparecidas no livro “Luta, Substantivo Feminino”, da série “Direito à Verdade e à Memória”. Será lançado na PUC- SP hoje, a seis dias do 31 de março. (Eliane Cantanhêde, Folha de S. Paulo, 25 março 2010, p. A2. Opinião). 1. Esse texto apresenta unidade temática. Qual? O que assegura essa unidade? 2. Que efeito produz a identificação das mulheres citadas? 3. No último parágrafo, em virtude da posição dos termos sintáticos que compõem o primeiro período, há um absurdo. Escreva o período para que o texto fique claro. 2) Leia, com atenção, os textos a seguir para responder ao que se pede. I – Os três macacos sábios A escultura Sanzaru, OS TRÊS MACACOS, - do Santuário de Toshogu, localizado na cidade de Nikko, Japão - é uma das mais famosas do templo Nikko Toshogu, o Templo do Xogum divinizado (Ieyasu Tokugawa). O três macacos são conhecidos como “Os Três Macacos Sábios” e significam: “não veja o mal, não ouça o mal, não fale o mal”. Seus nomes são: “Mizaru”, o que cobre os olhos e não vê o mal; “Kikazaru” o que cobre os ouvidos e não ouve o mal; e “Iwazaru”, o que cobre a boca e não fala o mal. Segundo alguns autores, haveria um quarto macaco, chamado Shizaru, com as mãos sobre o abdômen para lembrar “não faça o mal”. E embora não haja comprovação, eles teriam sido levados ao Japão por um monge budista chinês no século VIII. Dizem que o Mahatma Gandhi carregava uma gravura dos Três Macacos Sábios em suas viagens para lembrá-lo constantemente dos três segredos da Sabedoria: “não ouça o mal, não veja o mal, não fale o mal”." (Disponível em: <http://expiracaoeinspiracao.blogspot.com>. Acesso em 18 julho 2011) 19 II. [Charge] www.google.com.br/imagens III. [Capa de Veja] 20 IV. Nem tudo se pode ver, ouvir ou dizer Um músico me escreve contando que pertence a uma grande orquesta, mas não tem prazer no trabalho por causa dos colegas. Não suporta o despotismo, a vaidade, a prepotência, a arrogância e a mania de grandeza de alguns. O convívio com “egos inflados” é demasiadamente penoso, e ele me pergunta o que fazer. Eu, que sempre faço a apologia do ato generoso da escuta, sugiro ao músico que faça ouvidos moucos. Lembro que ele tem o privilégio de escutar os sons mais sutis e sabe ouvir o silêncio. Não precisa dar ouvidos ao que não interessa. Inclusive porque egos inflados estão em toda parte e a luta contra eles não leva a nada. Evitar a luta de prestígio é um bem que nós fazemos a nós e aos outros. Para viver,nem tudo nós podemos ver, escutar ou dizer. Isso é representado, desde a Antiguidade, pelos três macacos da sabedoria. Cada um cobre uma parte diferente do rosto com as mãos. O primeiro cobre os olhos, o segundo, as orelhas e o terceiro, a boca. A representação é originária da China. Foi introduzida no Japão, no século VIII, por um monge budista. A máxima que ela implica é “não ver, não ouvir e não dizer nada de mau”. Foi adotada por Gandhi, que levava sempre consigo os três macaquinhos, o cego, o surdo e o mudo – Mizaru, Kikazaru e Iwazaru. Eles ensinam a não enxergar tudo o que vemos, não escutar tudo o que ouvimos e não dizer tudo o que sabemos. Noutras palavras, ensinam a selecionar e a conter-se. Isso é decisivo para uma atitude construtiva, mas não é fácil. Somos impelidos a focalizar o que nos prejudica – impelidos por um gozo masoquista ao qual temos de nos opor continuamente. Só a consciência disso permite não sair do caminho em que a vida desabrocha. Seleção e contenção tornam a existência mais fácil. Desde que não sejam um efeito da repressão, como na educação tradicional, e sim do desejo do sujeito – um desejo vital de se opor às forças do inconsciente que podem nos fazer mal. Isso implica a humildade de aceitar que o inconsciente existe e nós não somos donos de nós mesmos. A ideia não é nova. Data da descoberta da psicanálise por Freud, no fim do século XIX, mas continua a ser ignorada porque é difícil nos livrarmos do ego. Sobretudo numa sociedade como a nossa, que tanto valoriza, e que não condena a vaidade, a prepotência, a arrogância. Pelo contrário, estimula-as para se perpetuar. (MILAN, Bety. Nem tudo se pode ver, ouvir ou dizer. Veja, 12 janeiro 2011. p. 92. A autora é e psicanalista e escritora). 1. Com intenção cada um desses textos foi produzido? 2. Como entender o processo intertextual instaurado na produção desses textos? 3. Comente: não há texto isolado; o que há é uma imensa rede de textos. 21 Capítulo 3 03 Texto e sua textualidade Não adianta saber que escrever é diferente de falar. É necessário preocupar-se com o sucesso dos objetivos da produção textual, como a interação entre o produtor do texto e o seu receptor. Para que se tenha êxito nesse processo, deve-se construir um todo significativo. É preciso, portanto, recorrer a elementos que auxiliem na ligação das partes, na construção da coerência, entre outros. Neste capítulo, você terá acesso, num primeiro momento, a uma questão fundamental quando se fala de textos, que é a coerência. Num segundo momento, será abordado outro fator que contribui para o sucesso da produção de textos, que é a coesão. Por último, será vista a construção do parágrafo e sua articulação no texto. 3.1 Coerência e coesão textual Como vimos anteriormente, os textos são veiculadores de intenções. Essas intenções ou propósitos do autor de um texto somente terão sentido se houver uma organização harmônica das ideias apresentadas. Podemos dizer, portanto, que um texto não é um aglomerado de frases, mas um todo organizado capaz de manter contato com seus leitores, agindo sobre eles. Dizer que um texto é uma organização de sentido é dizer que ele é coerente. A coerência é resultante da não- contradição entre os segmentos textuais e da adequação entre o que está na materialidade textual e o contexto extraverbal. No primeiro caso, um segmento é pressuposto para o seguinte e assim sucessivamente. No segundo, o que é dito no texto deve estar em harmonia com o nosso conhecimento de mundo, sobre o que é permitido ou não em determinadas situações – que inclui nosso conhecimento sobre tipo e gêneros textuais. Assim, há uma transmissão e uma recepção de uma linha de pensamento. Fiorin e Savioli (2007) identificam três níveis em que a coerência deve ser observada: narrativo, figurativo e argumentativo. No primeiro, a coerência está na decorrência lógica das ações e de suas relações com os personagens que as praticam. No segundo, a coerência está na articulação harmônica entre o que é descrito (as figuras), com base na relação de significado que mantém entre si. No terceiro, a coerência está na apresentação concatenada de uma ideia que será defendida, de argumentos que sustentam essa ideia e do remate dado pela conclusão. Seria incoerente uma fala de um conferencista como esta: As empresas brasileiras têm produzido muito e gerado postos de trabalho. Os empresários apostam numa nova forma de garantir a fidelidade de seus colaboradores por meio da divisão dos lucros. Os colaboradores da base da hierarquia, em virtude de suas ocupações, não puderam participar dessa divisão. Além de um preconceito com alguns trabalhadores, o raciocínio lógico instaurado inicialmente nos leva a pensar que todos os trabalhadores teriam parte nos lucros, o que não ocorre. A fala do conferencista é, pois, incoerente. Há certa confusão entre os termos coerência e coesão. Enquanto a coerência se refere à unidade de sentido e, por isso, é de um nível profundo, a coesão é a ligação, a relação, a conexão entre as palavras, expressões, frases ou parágrafos do texto. Os elementos coesivos assinalam a conexão entre partes do texto. 22 A palavra texto, na sua etimologia, vem do latim textum, que significa tecido, entrelaçamento. Produzir um texto é o mesmo que praticar a ação de tecer, entrelaçar unidades e partes com a finalidade de formar um todo. Desse modo, podemos falar em textura de um texto, que é a rede de relações coesivas. São muitos os mecanismos de coesão textual. Nesta seção, vamos estudar alguns. Esperamos que, a partir desse estudo, você esteja apto a não só perceber outros em suas leituras, mas também a recorrer a outros em sua produção textual. Escolhemos um editorial da revista Veja (27 abril 2006, p. 9) para demonstração do que consideramos um texto bem tecido. Destacamos apenas alguns recursos coesivos para estudo e para demonstração da continuidade textual. O Brasil tem jeito Desde a volta da democracia, em 1985, o país tem passado por uma série de escândalos na esfera institucional (1). No Poder Executivo (2), houve o impeachment de um presidente e, recentemente, a demissão de ministros envolvidos em esquemas ilícitos. No Legislativo (3), por seu turno (4), ainda se escutam os ecos do mensalão e não empalideceram as imagens dos “anões” da Máfia do Orçamento sendo banidos da vida pública. Agora, com a Operação Hurricane (furacão, em inglês), deflagrada pela Polícia Federal para prender os integrantes de uma quadrilha que explorava o jogo de caça- níqueis, chegou a vez de (5) o Judiciário (6) ter exposta a sua banda podre (7). Três desembargadores foram presos e um ministro do Superior Tribunal de Justiça (8) está afastado das suas funções. Pesa sobre esses togados (9) a acusação de venda de liminares. Com tais instrumentos jurídicos (10), os exploradores do jogo (11) conseguiam manter em funcionamento milhares de casas ilegais de jogatina, dotadas de máquinas manipuladas para lesar o jogador. Há indícios de que pode haver ainda (12) outros altos integrantes do Judiciário (13) comparsas dessa máfia (14). A sucessão de escândalos de corrupção no Brasil costuma provocar nos cidadãos a impressão de que o país não tem jeito (15). É como se a desonestidade fosse parte inextirpável do caráter nacional. Compreende-se que os ânimos se arrefeçam, mas (16) é preciso enxergar o fenômeno (17) de um ângulo mais amplo. Em primeiro lugar (18), os escândalos só vêm à tona graças ao bom funcionamento das instâncias responsáveis pela fiscalização do poder (19) – entre asquais a imprensa livre, a polícia e, ressalte-se (20), a imensa maioria dos integrantes do Poder Judiciário (21). Em segundo lugar (22), a cada quadrilha estourada, a cada esquema desvendado, dá-se um passo a mais para a depuração das instituições. Por isso (23), pode- se analisar a operação da Polícia Federal ora em curso (24) como uma contribuição ao aprimoramento da Justiça (25), cuja (26) distribuição igualitária e eficiente é um dos pilares das sociedades abertas e modernas. A continuar por esse caminho (27), o Brasil tem jeito (28), sim. No quadro abaixo, encontram-se os comentários acerca dos elementos de coesão destacados no texto. (1) Embora essa “série de escândalos” esteja indefinida, é a expressão desencadeadora da organização do texto. (2) O autor apresenta, sem comentários, o primeiro dos três poderes institucionais e, a partir daí, dois escândalos aí ocorridos. (3) O autor apresenta, sem comentários, o segundo dos três poderes institucionais. (4) Essa expressão marca a passagem para a apresentação dos escândalos no Legislativo. Não há comentários acerca desses escândalos. 23 (5) Essa expressão marca a passagem para a apresentação do escândalo no Judiciário. No meio da expressão é apresentado o escândalo aí ocorrido. (6) Essa expressão apresenta o terceiro dos três poderes, que é o Judiciário. (7) Refere-se “quadrilha que explorava o jogo de caça-níqueis”, que, por sua vez, antecipa a “banda podre” do Judiciário. (8) Refere-se a “banda podre”, identificando-a. (9) Refere-se a “três desembargadores” e a “um ministro”. (10) Refere-se a “liminares”. (11) Refere-se aos envolvidos no escândalo que pagaram pelas liminares. (12) Elemento que mostra a inclusão de membros do Judiciário no escândalo. (13) Refere-se aos desembargadores e ao ministro, além de deixar marcado o envolvimento de outros integrantes do Judiciário. (14) Refere-se a “banda podre”, já detalhada anteriormente. (15) Recupera “uma série de escândalos na esfera institucional” do primeiro parágrafo para o articular com o segundo e para acrescentar que o Brasil não tem jeito. (16) Conector que opõe a impressão de que o Brasil não tem jeito a um novo modo de “ver” os escândalos, anunciando-se um otimismo. (17) Refere-se aos escândalos na esfera institucional. (18) Expressão que fragmenta, num primeiro momento, a noção “amplo”, anteriormente apresentada. (19) Essas “instâncias” são apresentadas a seguir, após um travessão, destacando-se o Judiciário. (20) Operador que enfatiza a ideia seguinte. (21) Opõe-se a “banda podre” do primeiro parágrafo, assinalando o otimismo do autor. (22) Expressão que fragmenta, num segundo momento, a noção “amplo”, anteriormente apresentada. (23) Conector responsável por encaminhar o fechamento da questão de que o Brasil tem jeito. (24) Refere-se a “Operação Hurricane”, no primeiro parágrafo. (25) Refere-se ao Poder Judiciário. (26) Refere-se a “Justiça”. (27) Expressão que abre a conclusão subjetiva do autor. “Esse caminho” refere-se ao fato de que, se os esquemas são desvendados, há depuração das instituições. (28) Recupera o título do título do texto, deixando explícito o otimismo do autor. Você percebeu que um texto não é simplesmente um conjunto de frases aleatório. A nossa experiência como falante não é a de formar frases; a nossa experiência é a de produzir textos a todo momento. A análise e a leitura do texto O Brasil tem jeito mostraram o papel dos mecanismos de coesão, que é, de acordo com Antunes (2005, p. 47), criar, estabelecer e sinalizar os laços que deixam os vários segmentos do texto ligados, articulados, encadeados. Portanto, a função da coesão é a de promover a continuidade do texto, a sequência interligada de suas partes, para que não se perca o fio de unidade que garante sua interpretabilidade. Quando lemos o primeiro parágrafo do texto O Brasil tem jeito, temos a impressão – ou somos levados a isso – de que o Brasil não tem jeito. São mencionados vários escândalos nos poderes constitutivos de nosso país. Na transição para o segundo parágrafo, o autor retoma a “série de escândalos” do primeiro parágrafo para, além de dar continuidade ao seu texto, fazê-lo progredir noutra direção, que é a de nos levar a acreditar que o Brasil tem jeito. No interior de cada parágrafo, são feitas retomadas e antecipações, além de se deixarem explícitas algumas conexões. Tudo isso para garantir não só a continuidade do texto, mas também o sucesso de sua interpretabilidade. 24 Há dois tipos de coesão: a referencial e a sequencial. O primeiro tipo se caracteriza por substituições de um elemento por outro e por reiterações de elemento do texto. O segundo tipo se refere ao desenvolvimento propriamente dito, ora por procedimentos de manutenção temática, como emprego de termos pertencentes ao mesmo campo semântico, ora por meio de processos de progressão temática, que podem realizar-se por meio da satisfação de compromissos textuais anteriores ou por meio de novos acréscimos ao texto. Quando vamos escrever um texto nos baseamos em quatro elementos centrais: a repetição, a progressão, a não-contradição e a relação. Todas essas partes compõem o texto, relacionando-se com o que já foi dito ou com o que se vai dizer. Vejamos o que quer dizer cada um desses elementos. Repetição – Ao longo de um texto coerente, ocorrem repetições, retomadas de elementos. Essa retomada é normalmente feita por pronomes ou por palavras e expressões equivalentes ou sinônimas. Também podemos repetir a mesma palavra ou expressão, o que deve ser feito com cuidado, a fim de que não seja prejudicado. Progressão – Num texto coerente, devemos sempre acrescentar novas informações ao que já foi dito. A progressão complementa a repetição: esta garante a retomada de elementos passados; aquela garante que o texto não se limite a repetir indefinidamente o que já foi colocado. Dessa forma, equilibramos o que já foi dito com o que se vai dizer, garantindo a continuidade do tema e a progressão do sentido. Não-contradição – Num texto coerente, não devem surgir elementos que contradigam aquilo que já foi considerado falso, ou vice-versa. Esse tipo de contradição só é tolerado se for intencional. Não se deve confundir a não-contradição com o contraste, pois a aproximação de idéias e fatos contrastantes é um recurso muito freqüente no desenvolvimento da argumentação. Relação – Num texto coerente, os fatos e conceitos devem estar relacionados. Essa relação deve ser suficiente para justificar sua inclusão num mesmo texto. Para que se avalie o grau de relação dos elementos que vão construir o texto, é importante organizá-lo esquematicamente antes de escrever. Feito o esquema, é importante observar se a aproximação das idéias é realmente eficaz. Esses quatro itens (repetição, progressão, não-contradição e relação) podem ajudar a avaliar o grau de coesão dos textos. A configuração final do texto depende ainda de outros fatores, como o canal de comunicação, o perfil do receptor e as finalidades pretendidas pelo emissor. Todos esses fatores afetam diretamente as feições do texto que se pretende bem-sucedido. Nas atividades a seguir, você verá, de modo operacional, os tipos de coesão mencionados e esses elementos centrais de avaliação dos textos. Para finalizar essa seção, apresentamos uma lista de operadores argumentativos – essa lista de operadores é apenas uma sugestão, uma vez que eles não se esgotam nos exemplos apresentados. Esses operadores argumentativos são essenciais tanto na leitura quanto na produção de textos. Eles servem para orientar a sequência discursiva, estabelecendo relações entre os segmentos do texto: orações de um mesmo período, períodos, sequênciastextuais, parágrafos ou partes de um texto. É importante lembrar que num texto, principalmente de natureza argumentativa, o uso de operadores mostra a capacidade do produtor de apresentar, de defender e de refutar argumentos. 25 1. Operadores argumentativos conjuntivos Aditivos Adversativos Alternativos Conclusivos e nem mas... também senão também não ainda como também bem como que (entre verbos) não só... mas também mas porém todavia contudo no entanto entretanto não obstante ou...ou ora...ora quer...quer seja...seja nem...nem já...já logo pois (depois do verbo) portanto por conseguinte por isso assim então Explicativos Causais Comparativos Concessivos que porque pois (antes do verbo) porquanto. porque pois (que) porquanto como [= porque] já que uma vez que visto que visto como que, na medida em que que do que qual (depois de tal) quanto (depois de tanto) como assim como bem como como se que nem. embora conquanto ainda que mesmo que posto que bem que se bem que apesar de que nem que que Condicionais Conformativos Consecutivos Finais se caso quando contanto que salvo se sem que dado que desde que a menos que a não ser que conforme como (conforme) segundo consoante de acordo com em conformidade com que (combinado com tal, tanto, tão ou tamanho) de forma que de maneira que de modo que de sorte que. para que a fim de que porque (para que) que Proporcionais Temporais Locativos Integrantes à medida que ao passo que à proporção que enquanto quanto mais... (mais) quanto mais... (tanto mais) quanto mais... (menos) quanto mais... (tanto menos) quanto menos... (menos) quanto menos... (tanto menos) quanto menos... (mais) quanto menos... (tanto mais) quando antes que depois que até que logo que sempre que assim que desde que todas as vezes que cada vez que apenas mal onde donde (de + onde) que se 26 2. Outros operadores argumentativos Realce, inclusão, adição Negação, oposição Afeto, afirmação, igualdade Exclusão além disso ainda demais ademais também vale lembrar outrossim agora de modo geral por iguais razões em rápidas pinceladas inclusive até em outras palavras além desse fator não obstante isso inobstante isso de outra face ao contrário disso qual nada por outro lado, por outro enfoque diferente disso de um lado de outro enfoque diversamente disso felizmente infelizmente ainda bem obviamente em verdade realmente em realidade de igual forma do mesmo modo que da mesma sorte de igual forma no mesmo sentido semelhantemente bom é interessante se faz só somente sequer exceto senão apenas excluindo tão-somente salvo Enumeração, distribuição, continuação Retificação, explicação Fecho, conclusão Posicionamento de autoria em primeiro lugar a princípio em seguida depois (de) finalmente em linhas gerais no geral aqui neste momento desde logo de resto em última análise no caso em tela por sua vez a par disso outrossim nessa esteira por seu turno no caso presente antes de tudo isto é por exemplo a saber de fato em verdade aliás ou antes ou melhor melhor ainda como se nota como se viu como se observa com efeito, como vimos, por isso a nosso ver como vimos Destarte Dessarte em suma em remate em última análise concluindo por fim finalmente por tais razões pelo exposto por tudo isso em razão disso enfim posto isso assim consequentemente A nosso ver.. Vale advertir que.. É necessário que... É bom ressaltar que.... É preciso focalizar.... É válido destacar que É fundamental que ... 3.1.1 Textos e atividades 1) Nesse texto, há um caso de incoerência argumentativa. Identifique-a. Embora existam políticos competentes e honestos, preocupados com as legítimas causas populares, os jornais, na semana passada, noticiaram casos de corrupção comprovada, praticados por um político eleito pelo povo. Isso demonstra que o povo não sabe escolher seus governantes. 27 2) Identifique pelo menos uma incoerência no texto a seguir. Durante sua carreira de goleiro, iniciada no Comercial de Ribeirão Preto, sua terra natal, Leão, de 51 anos, sempre impôs seu estilo ao mesmo tempo arredio e disciplinado. Por outro lado, costumava ficar horas aprimorando seus defeitos após os treinos. Ao chegar à seleção brasileira em 1970, quando fez parte do grupo que conquistou o tricampeonato mundial, Leão não dava um passo em falso. Cada atitude e cada declaração eram pensadas com uma racionalidade típica de sua família, já que seus outros dois irmãos, Edmílson, 53 anos, e Édson, 58, são médicos. (Correio Popular, Campinas, 20 out. 2000 - com adaptações) 3) Leia o texto para responder ao que se pede. Árvore ameaça cair em praça do Jardim Independência – Um perigo iminente ameaça a segurança dos moradores da rua Tonon Martins, no Jardim Independência. Uma árvore, com cerca de 35 metros de altura, que fica na Praça Conselheiro da Luz, ameaça cair a qualquer momento. Ela foi atingida, no final de novembro do ano passado, por um raio e, desde este dia, apodreceu e morreu, a árvore, de grande porte, é do tipo Cambuí e está muito próxima à rede de iluminação pública e das residências. “O perigo são as crianças que brincam no local”, diz Sérgio Marcatti, presidente da associação do bairro. (Juliana Vieira, Jornal Integração). a) O que pretendia afirmar o presidente da associação? b) O que afirma, literalmente? 4) Por que as frases abaixo são ambíguas? a) A cantora deixou a plateia emocionada. b) O pai proibiu o filho de sair de seu carro. c) O médico examinou o paciente preocupado. d) A mãe procurou o brinquedo do filho em seu quarto. e) Crianças que recebem leite materno frequentemente são mais sadias. f) No site “namoro” é possível conhecer muitas pessoas sem nenhum compromisso. g) Não se eliminará o crime com burocratas querendo satisfazer o apetite por sangue do público. h) Andando pela zona rural do litoral norte, facilmente se encontram casas de veraneio e moradores de alto padrão. i) Atendimento preferencial para idosos, gestantes, deficientes, crianças de colo (Placa sobre um dos caixas de um banco). j) Uma pesquisa com 600 crianças e adolescentes mostra que a publicidade tem função pedagógica – e prova que a garotada vê comerciais com um inteligente ceticismo. 5) O texto a seguir é uma reprodução de uma placa de aviso afixada nas bombas de etanol dos postos de combustíveis. Identifique a incoerência presente nesse aviso. 28 6) Leia, com atenção, texto a seguir para preencher o quadro. Na coluna de coesão referencial, escreva o referente ao qual o termo ou expressão destacada faz alusão. Na coluna da coesão sequencial, diga o valor semântico do conector destacado. Cerveja preta aumenta o leite? Não. APESAR DA antiga crença de que beber cerveja preta aumenta a quantidade de leite em mulheres grávidas, não existem estudos que comprovem o fato. E, na realidade, qualquer tipo de bebida alcoólica é contra-indicada nessa situação. Num estudo feito em 1993, a cientista americana Julie Mennella acompanhou lactantes que ingeriram bebidas alcoólicas E encontrou indícios de que elas produziam menos leite. Ninguém sabe ao certo
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