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Capítulo 1 O projeto Intelectual Livro Hermeneutica do Brasil

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Disciplina: Cultura Brasileira 2 
 
Docente: Mainara 
 
Livro Hermeneuta do Brasil 
 
Autor - Sílvio Romero 
 
Capítulo 1 
 
Título - O PROJETO INTELECTUAL 
 
Página 21 
 
Tópico - Silvio Romero: Sociólogo da cultura brasileira 
 
No Brasil de fins do século 19, sob o vigor da cultura beletrista e bacharelesca 
da República das Letras, a crítica literária gozava de um prestígio jamais 
alcançado em qualquer outro momento da vida intelectual brasileira. Talvez a 
proeminência do universo literário, frente a qualquer outro campo da vida 
intelectual, tenha inclinado Sílvio Romero a empreender uma obra de fôlego 
como a História da literatura brasileira, ainda o autor jamais se restringisse aos 
temas eminentemente literários. Naqueles anos, a crítica literária serviu, 
freqüentemente, como um espaço para a polêmica, o debate de idéias e a 
discussão sobre temas nacionais, exercendo sobre os intelectuais um enorme 
fascínio. Em nome da crítica, debateram-se idéias políticas, temas sociais e, 
claro, literatura. 
 
A Sílvio Romero jamais faltaram inimigos, e José Veríssimo encabeçava a 
extensa lista de desafetos. Ambos mantiveram uma longa e deselegante 
polêmica, com mútuas provocações, mas ninguém foi mais belicoso que Sílvio 
Romero. Possivelmente, a disputa por leitores num clima de rarefação cultural 
tenha potencializado o acirramento dos ânimos entre os intelectuais e ampliado 
a tendência à formação das cotteries literárias. Porém, seria um exagero 
reduzir as desavenças de toda ordem às disputas por prestígio, oportunidades 
e leitores, ainda que esse contexto não seja desprezível - sobretudo naquele 
momento, quando escrever e publicar livros possuía um valor nobilitante, mas 
não proporcionava vida fácil aos que se dispunham a sobreviver apenas de 
suas atividades intelectuais. 
 
Página 22 
 
Como Sílvio Romero, José Veríssimo havia se embebido do cientificismo 
finissecular - embora em menor grau - e partilhado da preocupação com o 
caráter nacional da literatura, pressuposto quase inevitável naquele momento. 
Ambos tomaram partido na guerra movida contra o romantismo, embora, mais 
tarde, José Veríssimo tenha preferido uma crítica menos sociologizante e mais 
atenta às questões estética e psicológica da literatura, entendendo-a como arte 
da palavra e artifício da invenção. 
 
Mesmo admitindo-se que as afinidades entre autores de uma geração 
contribuem na composição do contexto histórico e cultural de um tempo, é 
preciso atentar para a inteira impossibilidade de uma "unidade geracional", 
havendo, necessariamente, especificidades nas leituras de diferentes autores, 
como é óbvio e desejável. Diferentemente de Veríssimo, Sílvio Romero, na 
História da literatura brasileira, mas também em textos posteriores, jamais 
abandonou uma expectativa sociológica, ajustada a uma interpretação 
sistêmica da literatura e da sociedade brasileiras. 
 
Os mais notáveis observadores dos textos de Sílvio Romero - destacadamente 
António Cândido, Sérgio Buarque de Holanda, Sylvio Rabello, José Guilherme 
Merquior e Roberto Ventura - coincidem na avaliação de que sua obra é, antes 
de qualquer outra coisa, um tratado de "sociologia da cultura brasileira". Sua 
grande obsessão foi explicar o país. A empatia romeriana de fato não recaía 
sobre a literatura e seus emaranhados sutis: era uma hermenêutica do Brasil 
que o mobilizava verdadeiramente, como observou José Guilherme Merquior: 
 
CITAÇÃO: Os juízos estéticos de Sílvio Romero são às vezes claudicantes, às 
vezes insustentáveis (por exemplo o endeusamento de Tobias - dado por 
superior a Castro Alves... - a subestimação parcialíssima de Machado de 
Assis); contudo, o estilo ágil e combativo facilita a leitura, e o patriotismo sem 
ufanismo faz desse colosso historiográfico, ao qual se deve a fixação definitiva 
(em termos globais) do nosso corpus literário, um depoimento fundamental 
sobre o itinerário da cultura brasileira. FINAL DE CITAÇÃO. 
 
Página 23 
 
Se José Veríssimo legou à historiografia literária, talvez, uma percepção 
esteticamente mais refinada e equilibrada, ela não teve o viço sociológico de 
Sílvio Romero. Bem ou mal, Veríssimo foi capaz de perceber a grandeza de 
Machado de Assis, a quem devotou humilde e persistente admiração. Já Sílvio 
Romero, talvez menor como crítico de literatura, especificamente, foi um agudo 
observador do país e de suas coisas, historiador da cultura, ensaísta e 
polemista das ideias, como poucos. Convém dar voz a Sylvio Rabello, um autor 
que dedicou a Romero um estudo no qual percebeu as possibilidades e as 
limitações do autor da História da literatura brasileira: 
 
CITAÇÃO: É possível que Sílvio Romero, de todos os críticos do Brasil, tivesse 
sido o de mais extensa erudição - o que tivesse assimilado a mais vasta 
experiência de leitura. 
À crítica literária não repugna uma preparação como a que ele chegou a 
possuir - certamente maior do que a de Araripe Júnior e a de José Veríssimo. 
Entretanto, toda essa soma de conhecimento teria de ser mal utilizada à falta 
de qualidades propriamente artísticas. Sempre que se apresentava a 
oportunidade para discussão de doutrina, de sistemas e de escolas, ele se 
afirmava e quase sempre com lucidez. A estrutura do seu espírito foi 
coerentemente a mesma em todos os momentos - um espírito geométrico que, 
por ausência de imaginação, se deixou comprimir dentro do já experimentado, 
do já discutido - da experiência feita em idéias e soluções que não se cansava 
de manipular com sensual volúpia. O que dependesse, porém, de uma 
apreensão pela sensibilidade ou pela intuição escaparia sempre à sua 
capacidade crítica. Por isso, Sílvio Romero cometeu em literatura os mais 
graves erros de julgamento. FINAL DE CITAÇÃO. 
 
Sérgio Buarque de Holanda parece confirmar a noção de que a riqueza e a 
miséria do crítico residiam em sua perspectiva sociológica. Ali estariam a gula 
interpretativa e a entrega militante que o impulsionaram a escrever toda a sua 
obra, na qual desenvolveu um vasto programa interpretativo, empenhado numa 
leitura externa dos textos da tradição literária do país, e também das tradições 
populares, a fim de captar a "generalidade" do Brasil. 
 
Página 24 
 
Inscrevendo a atitude literária e intelectual numa portentosa construção, que 
tinha por ápice a sociologia, ele desdenhou constantemente a atitude daqueles 
que, como José Veríssimo, por exemplo, se teriam preocupado em 'obedecer, 
no estudo dos autores, ao critério puramente estético'. Para ele, as criações da 
inteligência e da imaginação eram partes integrantes de um todo, e nada 
representavam quando destacadas dele. Por isso mesmo convinha considerar, 
nestas criações, e principalmente através delas, o meio, as raças, o folclore, as 
tradições do país. E foi esse, em suma, o programa ambicioso que ele traçou 
para a elaboração de sua obra mestra. 
 
Se não fosse demasiadamente especulativo, seria possível imaginar que se 
houvesse escrito trinta ou quarenta anos mais tarde, Sílvio Romero 
provavelmente não teria escolhido a crítica literária para pensar e teorizar o 
Brasil. E se Sérgio Buarque e Gilberto Freyre tivessem produzido suas obras 
trinta ou quarenta anos mais cedo, talvez tivessem sido críticos de literatura. 
De fato, Sérgio Buarque também o foi de certo modo, antes de entregar-se ao 
ofício de historiador. 
 
Tópico - A nação e o "espírito filosófico dos nossos dias" 
 
A História da literatura brasileira é, como a própria trajetória de seu autor, um 
livro generalizante, onde se encontram considerações sobre vários domínios do 
saber, no qual se percebe um esforço para encontrar explicações 
cientificamente respaldadas e articuladas. Não devemos nos surpreender com 
o fato de o autor ter escrito sobre Etnologia, Crítica Literária, História, Ciências, 
Filosofia, Direito, Política e ainda coligido cantos e contos populares - umséculo antes, Goethe fazia o que hoje chamamos de literatura e também 
praticava experimentos químicos. Em outras palavras, apenas no século 19 é 
que começaram a surgir as disciplinas, e sua institucionalização foi lenta. 
Assim, além da literatura, o interesse de Sílvio Romero voltava-se ainda mais 
aos assuntos relativos à sociedade e ao Estado, o que ampliou a dispersão 
temática de seus domínios. 
 
Página 25 
 
O primeiro tomo da História da literatura brasileira é inteiramente dedicado aos 
fatores extraliterários. Em mais de trezentas páginas, o autor abordou as 
teorias sobre a História do Brasil, as raças que teriam constituído a população 
brasileira, a mestiçagem, as tradições populares, o meio físico, as alterações 
da língua portuguesa, as relações econômicas, as instituições políticas e 
sociais, além de versar sobre a pobreza educacional e as tendências à 
imitação estrangeira. Nos demais três tomos escreveu sobre a literatura, 
estabelecendo uma divisão por escolas e períodos, arrolando autores. As 
fontes de análise estão longe de se restringirem aos escritores ficcionais, pois 
abarcaram, além de poetas e romancistas, cronistas, historiadores, teólogos, 
moralistas, jurisconsultos. Chegou mesmo a discorrer sobre "as belas artes e 
as Ciências naturais". Como se vê, não lhe faltou ambição. 
 
Sílvio Romero quis escrever sobre tudo o que já havia sido escrito no Brasil 
desde os tempos coloniais e não apenas sobre textos especificamente 
literários. A própria organização do livro alude à sua concepção de literatura: já 
no índice do primeiro tomo, ao tratar de assuntos históricos e etnológicos, 
deixou transparecer que os fatores extraliterários determinariam a natureza do 
seu olhar. Para ele, literatura era tudo aquilo que havia sido escrito e publicado 
em livro. Os textos, literários ou não, eram documentos que registravam a 
"efusão do gênio nacional". 
 
No primeiro tomo de sua obra, Sílvio Romero desenvolveu uma autêntica teoria 
do Brasil: um modo de ler e compreender não apenas a literatura brasileira, 
mas o próprio país - perspectiva que percorre toda a História da literatura 
brasileira, bem como seus outros livros. O autor se deparou com uma situação 
tão particular quanto inevitável: de um lado estaria a adoção dos pressupostos 
epistemológicos em voga na Europa da segunda metade do oitocentos, erigida 
sob os escombros da sensibilidade romântica, de pretensões abertamente 
científicas e objetivistas. E de outro, o esforço para reconhecer as 
singularidades históricas de uma sociedade ibero-americana, de herança 
colonial, resultante da expansão do homem europeu pelo globo no pós-
medievo. Essas duas linhas orientaram a sua construção intelectual. A 
moderna Ciência européia e a tradição brasileira - freqüentemente identificada 
como atrasada - formavam as duas partes de um problema e não se ajustavam 
facilmente. 
 
Página 26 
 
Da universalidade da Ciência deveria verter a singularidade histórica e cultural 
brasileira. Realizar simultaneamente a nação e a modernidade, segundo os 
padrões civilizatórios reinantes na Europa de seu tempo, configuraram-se como 
os dois pilares do projeto intelectual de Sílvio Romero. 
 
A adesão dos intelectuais brasileiros aos pressupostos cientificistas que 
marcaram a intelectualidade européia da segunda metade do século 19 foi uma 
das características da geração de Sílvio Romero; a pretensão de explicar-se o 
Brasil a partir da Ciência não foi exclusividade dele. O panorama intelectual 
brasileiro vivenciou uma modificação na década de 1870, pois outras 
perspectivas se encadearam, outros nomes surgiram, quase todos críticos ao 
romantismo indianista dos próceres do Império, a quem dirigiam severas 
censuras. A monarquia e a escravidão foram freqüentemente lidas como 
instituições que simbolizavam a decadência e o atraso brasileiro. 
 
A geração pós-romântica exibiu um notável talhe universalista6, interessada 
em operar uma atualização histórica da sociedade brasileira, em sentido 
pronunciadamente ocidentalizante, o que significou uma notável adesão aos 
signos q aos paradigmas da modernidade identificada com a Segunda 
Revolução Industrial7, com destaque à Ciência, admitida como o principal nexo 
explicativo da realidade. A geração modernista de 1870, segundo a expressão 
de António Cândido8, dialogou e deixou-se impactar pela vida intelectual 
européia daqueles anos, marcada por um momento decididamente 
antiespiritualista e antimetafísico. Nesse período, as influências do positivismo 
de Comte (1798-1857), do evolucionismo de Spencer (1820-1903) e do 
monismo de Haeckel (1834-1919) acionaram um avassalador determinismo, 
caracterizado pela adoção dos princípios constitutivos das Ciências naturais, 
do saber empírico e da mentalidade experimental. O credo cientificista foi 
intenso no pensamento ocidental de então, embora no final do século 19 tenha 
sido contundente a crítica ao positivismo e ao naturalismo, como atestam o 
pensamento de Dilthey, Nietzsche ou Bergson. 
 
Página 27 
 
A sedução de parte dos intelectuais brasileiros pelo universalismo cientificista, 
e freqüentemente racialista, levou-os a desconfiarem frente ao destino de um 
país tão marcado pela mescla entre as raças e pela presença dos negros, que 
por mais de três séculos afluíam coercitivamente ao Brasil. A herança étnica e 
cultural das "raças atrasadas" parecia embargar a confiança num futuro 
moderno e civilizado para o país. Autores como Sílvio Romero, José Veríssimo, 
Capistrano de Abreu, Euclides da Cunha, entre outros, deram, então, início a 
novas interpretações da sociedade brasileira, e o desejo por objetividade, o 
gosto pelo realismo e pelo naturalismo e os conseqüentes determinismos 
físicos e etnográficos tenderam a orientar, de um modo ou de outro, quase 
todos os esforços de refletir-se sobre o país. 
 
Algumas perguntas povoaram a imaginação de nossos letrados: qual o lugar 
dos descendentes dos escravos negros na sociedade brasileira, que tão 
tardiamente abolia a escravidão e instaurava a República? Como assegurar a 
vitória da civilização e da modernidade com a enorme população não-branca? 
Como garantir a unidade nacional frente à tão ampla diversidade, como as 
diferenças étnica e climática, às distâncias e desigualdades geográficas e 
regionais, ao diferente ritmo de desenvolvimento entre muitos Brasis? Enfim, 
como valorizar a essência nacional - essa potência romântica que sobreviveu 
na imaginação dos novos - e construir uma sociedade segundo os paradigmas 
ocidentais de socialibilidade? De alguma forma, essas perguntas remetiam à 
percepção de um país formado na experiência colonial ibero-lusitana na 
América tropical, segundo a qual o reconhecimento das três raças permeava a 
consciência histórica daqueles homens de letras. Em fins do século 19, além 
dos negros, índios e mestiços, não faltou quem contestasse a força da própria 
matriz ibérica, identificando-a como atrasada e decadente. 
 
Página 28 
 
A História da literatura brasileira, inevitavelmente, portaria sinais 
epistemológicos e narrativos de seu tempo. Ao contemplar a História e a 
etnologia como perspectivas, e a literatura como "objeto" - articulando-as nos 
limites da percepção romântica de nação -, Sílvio Romero recorreu a um 
expediente freqüente na Europa do século 19, quando surgiram, por toda parte, 
Histórias literárias empenhadas em fixar cânones nacionais. Em cada um dos 
mais importantes países europeus foram publicadas uma ou várias Histórias 
literárias, deliberadamente marcadas, em sua maioria, pelo desejo de fixar uma 
tradição literária que justificasse as nacionalidades que nasciam ou se 
consolidavam. No caso de Sílvio Romero, é importante perceber a maneira 
como quis construir uma História da literatura e as tensões e ambigüidades que 
a sua interpretação comportou. No prólogo da primeira edição, emitiusinais 
sobre o sentido de sua obra: 
 
CITAÇÃO: Minha crítica não tem sido tão dissolvente, como aos inimigos 
aprouve assoalhar. Inspirei-me sempre no ideal de um Brasil autônomo, 
independente na política e mais ainda na literatura. Desse pensamento inicial 
decorreram todas as minhas investidas no domínio das letras. 
 
Primeiramente, para firmar-me bem no terreno, tratei de circunscrever e limitar 
o círculo de minha ação: um pouco de poesia e o resto de crítica. Em poesia, 
iniciei a reação contra o romantismo em 1870, pregando a intuição nova de 
uma poesia alimentada do espírito filosófico dos nossos dias. (...) Em crítica 
apliquei-me apenas à Filosofia, à Etnografia, à política e à literatura 
propriamente dita, tudo isto sob o ponto-de-vista de aplicações ao Brasil. (...) A 
aplicação ao Brasil é a preocupação constante; as considerações etnográficas, 
a teoria do mestiçamento, já físico, já moral, servem de esteios gerais; o 
evolucionismo filosófico é a base fundamental." FINAL DE CITAÇÃO. 
 
Ofereceu ao leitor um horizonte de sua crítica. São dois os fatores 
fundamentais para compreender o seu discurso: um deles é a predisposição 
para construir uma síntese interpretativa alimentada pelas reflexões 
contemporâneas. O outro, a criação do pensamento brasileiro, embalado pelo 
"evolucionismo filosófico". 
 
Página 29 
 
Aplicar os pressupostos cientificistas para compreender o Brasil lhe pareceu o 
caminho para explicar a literatura e a própria sociedade brasileira - no fundo, a 
disposição mais íntima de sua obra. Apesar da reação contra o romantismo, 
apesar do seu evolucionismo filosófico, Sílvio Romero continuou tão 
interessado na nacionalidade quanto estivera José de Alencar. 
 
A ele não interessava qualquer cultura, tampouco qualquer literatura, mas o 
sentido de nacionalidade, vale dizer brasilidade, que buscava através da 
História literária. Se a arte imitava a vida ou a natureza, como se acreditou, 
para Romero a literatura certamente mimetizaria os acontecimentos, de modo 
que o povo e a nação se fariam visíveis nos textos literários. A literatura 
aparecia como uma forma de apropriação quase epistemológica do mundo. 
Sílvio Romero deixou transparecer a maneira pela qual queria olhar o país, 
baseado na busca pela "verdade" científica e no "sonho", antes de tudo afetivo 
e emocional: "Independência literária, independência científica, reforço da 
independência política do Brasil, eis o sonho de minha vida". Segundo o olhar 
romeriano, a universalidade da Ciência estaria a serviço do reconhecimento de 
uma essência singular do Brasil. 
 
Tópico - nacionalismo e beletrismo 
 
Em torno da virada do século 19 para o 20, dois topoi literários se faziam notar 
no Brasil: a busca pela nacionalidade e o beletrismo. A nação como horizonte 
histórico a ser alcançado e a própria associação entre o valor literário da obra e 
sua inserção na nacionalidade foram perspectivas que alimentaram a crítica e a 
historiografia de Sílvio Romero, bem como a de vários intelectuais, como José 
Veríssimo e Araripe Júnior, embora em nenhum deles a idéia de nação tenha 
ocupado a centralidade que ocuparia para o primeiro. Em obras ficcionais 
propriamente ditas, a idéia romântica de nação esteve, de alguma maneira, 
presente em muitos escritores daquele período, com a exceção de Machado de 
Assis. Uma obra notável como Os Sertões (1902) desde logo foi recepcionada 
como monumento da nacionalidade. 
 
Página 30 
 
Por mais que intelectuais importantes como Sílvio Romero ou Euclides da 
Cunha atacassem violentamente os escritores romântico-indianistas, suas 
abordagens encarnariam projetos políticos e culturais igualmente nacionalistas, 
tão manifestos quanto os que vigoravam entre os escritores românticos de 
meados do século 19, mesmo que não mais significassem a mesma coisa. A 
narrativa euclidiana logo se tomaria paradigmática, convertendo-se em 
patrimônio literário e político, tendo o empenho nacionalista como a categoria 
central. 
 
Sob a égide do cientificismo evolucionista, Euclides da Cunha e Sílvio Romero 
reuniram condições para concretizar, com força antes desconhecida, uma 
imagem de algum modo romântica do povo, ou mesmo de um povo nacional. 
No entanto, um e outro contestaram furiosamente as rimas, as fantasias e os 
devaneios românticos. Muito diferentes entre si, por certo, em ambos os 
autores existia um essencialismo nacional que repousaria no povo, e o seu 
reconhecimento intelectual se daria pelo instrumento científico e positivo. 
Aceitaram, implicitamente, a idéia romântica de que a nação teria uma 
essência, porém apenas a Ciência poderia realmente apreendê-la. Sílvio 
Romero, no discurso de recepção a Euclides da Cunha na Academia Brasileira 
de Letras, em 18 de dezembro de 1906, destacou o que acreditou ser a 
contribuição maior do texto euclidiano. 
 
CITAÇÃO: Vosso livro não é produto de literatura fácil, ou de politiquismos 
irrequietos. É um sério e fundo estudo social de nosso povo que tem sido o 
objeto de vossas constantes pesquisas, de vossas leituras, de vossas 
observações diretas, de vossas viagens, de vossas meditações de toda hora. 
Começastes por querer surpreendê-lo na índole, na constituição mais íntima, 
na essência intrínseca (...). 
O nervo do livro, seu fim, seu alvo, seu valor, estão na descritiva do caráter das 
populações sertanejas de um dos mais curiosos trechos do Brasil. FINAL DE 
CITAÇÃO. 
 
Página 31 
 
O tom do discurso é simpático e não deixou de saudar as referências à 
nacionalidade contidas na obra. Ao destacar a descrição do povo como um 
recurso de valor literário, Sílvio Romero se encontrava rigorosamente 
conformado ao topos literário-nacionalista. Euclides da Cunha, ao pôr a Ciência 
a serviço da arte, agradava Sílvio Romero, porém nada poderia agradá-lo mais 
do que ambas a serviço do reconhecimento da nacionalidade brasileira. Se em 
Euclides da Cunha o empenho nacionalista é pessimista, conflituoso e 
suicidário - pois, ao final, "o cerne vigoroso de nossa nacionalidade" é 
esmagado ou se imolou numa guerra terminal —, em Sílvio Romero a 
perspectiva nacionalista tem, em primeiro plano, um aspecto diretamente 
político. Sempre que podia, buscava minimizar diferenças tidas como 
intransponíveis no interior da nacionalidade. Não endossou a noção euclidiana 
de um mestiço degenerado, representado pelo mulatismo do litoral, nem a tese 
de que haveria uma mestiçagem superior, simbolizada pelo sertanejo, "antes 
de tudo um forte". A solução romeriana foi enxergar na mestiçagem a essência 
da nacionalidade, evitando possíveis perspectivas desagregadoras, mas sem 
adjetivá-la, nem regionalizá-la, justamente para que fosse um conceito 
generalizável, ou seja, nacionalizável. 
 
Ainda no prólogo da primeira edição da História da literatura brasileira, está 
presente um evidente compromisso para com a ideia de nação e nele os traços 
românticos emergem em meio a uma retórica sociológica e naturalista, não 
sem significados para a construção de sua teoria do Brasil. 
 
CITAÇÃO: O conhecimento que se busca, ao surpreender os atos mais íntimos 
de um escritor, deve sempre visar uma maior compreensão de sua 
individualidade e das relações desta com o seu país e das deste com a 
humanidade. 
Um conhecimento que não se generaliza fica improfícuo e estéril e, assim, a 
História pitoresca deve levar a História filosófica e naturalista. 
Neste terreno busca permanecer este livro, por mais lacunoso que ele possa vir 
a ser. Seu fito é encontrar as leis gerais que presidiram e continuam a 
determinar a formação do génio, do espírito, do caráter do povo brasileiro. 
Para tanto é antes de tudo mister mostrar as relações de nossa vida intelectual 
com a História política, social e económica da nação; será preciso deixar ver 
como o descobridor, o colonizador, o implantador da nova ordem de cousas, o 
português em suma,foi-se transformando em contato do índio, do negro, da 
natureza americana, e, ajudado por tudo isso e pelo concurso das ideias 
estrangeiras, se foi aparelhando o brasileiro, tal qual ele é desde já e ainda 
mais característico se tornará no futuro. FINAL DE CITAÇÃO 
 
Página 32 
 
A crítica de Silvio Romero almejava identificar na intimidade do escritor ou do 
texto literário as idiossincrasias da nacionalidade, de modo a revelar as 
relações entre produção literária e a própria vida política, económica e social da 
nação. A literatura foi reduzida a um documento da nacionalidade e, através da 
História literária, o historiador pretendia flagrar "as leis gerais" que teriam 
formado e continuariam a determinar a formação do "caráter do povo 
brasileiro". A Etnografia das três raças em contato e a natureza tropical foram 
evocadas para explicar o passado, mas também o futuro do "brasileiro", dito no 
singular. As três aparecem como fundamentos da nacionalidade. Os 
pressupostos científicos levariam a auferir e, se necessário, a encaminhar essa 
essência brasileira. 
 
O outro topos literário patente na obra de Sílvio Romero, e em muitos outros 
intelectuais e escritores brasileiros de fins do século 19, é a larga amplitude do 
termo literatura, de tal modo que não se reconheciam grandes diferenças entre 
o gênero eminentemente literário e a História (na História da literatura 
brasileira, são contemplados literatos, historiadores, oradores, teólogos e 
jurisconsultos). Nem mesmo o recurso às Ciências naturais - como a geografia 
e a geologia empregadas por Euclides da Cunha na construção de Os sertões -
justificou uma definição específica em seu texto. Essa concepção ampla parece 
indicar que "o critério expressivista-romântico não era reconhecido como 
antagônico à velha concepção retórica", nota Luiz Costa Lima. 
 
A indistinção entre a Ciência da qual se valera Euclides da Cunha e a arte 
narrativa que lhe dera expressão não se caracterizava como um problema. A 
fronteira entre a Ciência e a ficção parecia não incomodar nossos críticos. Na 
Europa, a historiografia literária dita naturalista, à maneira de Taine ou Renan, 
provavelmente jamais aceitasse Os sertões como um texto literário. 
 
Página 33 
 
Mas, segundo o entendimento romeriano, não havia qualquer razão para 
contestar a natureza literária da obra. Parece haver uma herança retórica no 
universo intelectual brasileiro de então. Em carta a João do Rio (1904), Romero 
expressava imensa dificuldade em definir sua inserção no ambiente intelectual 
brasileiro daquele princípio de século, pois não era literato e não se sentia "ao 
pé da letra um cientista". Porém, escrevia livros, publicava artigos, vivia 
exclusivamente de sua atividade de homem de letras, num ambiente intelectual 
rarefeito: 
 
CITAÇÃO: Achei em minha alma, meio velada, num semicrepúsculo subjetivo, 
tantas antropologias, Etnografias, críticas religiosas, folclóricas, jurídicas, 
políticas, e literárias, que tive medo de bulir com elas e de me meter nesse 
matagal... Conheci, sem esforço, e para meu mal, que, se não sou ao pé da 
letra um cientista, não me cabe também a denominação de literato, no sentido 
restritíssimo que esse qualificativo tem entre nós e parece ser a intuição por 
você abraçada, quando diz no auto das perguntas: "De seus trabalhos quais as 
cenas, ou capítulos, quais os contos, quais as poesias que prefere?". (...) Não 
tenho romances, contos, novelas, dramas, comédias, tragédias, folhetins, 
crônicas, fantasias... (...) 
 
Em mim o caso literário é complicadíssimo e anda tão misturado com situações 
críticas, filosóficas, científicas e até religiosas, que nunca o pude delas separar, 
nem mesmo agora para lhe responder. FINAL DE CITAÇÃO. 
 
Um historiador como Capistrano de Abreu, um poeta como Olavo Bilac, um 
romancista como Machado de Assis, um crítico como Sílvio Romero, todos 
recebiam a mesma alcunha: eram denominados escritores. Tudo parecia ser 
literatura e escritor era quem escrevia. A própria Academia Brasileira de Letras 
abrigou, desde muito cedo, não apenas romancistas e poetas, mas 
historiadores, críticos e outros notáveis da República das Letras. Intelectuais 
como Sílvio Romero, Joaquim Nabuco e Euclides da Cunha estavam entre os 
imortais, sem jamais terem escrito prosa ou poesia no moderno sentido da 
palavra. 
 
Página 34 
 
As dificuldades de Sílvio Romero em determinar a extensão e os limites de sua 
atuação intelectual sugerem, de certa forma, uma concepção de literatura na 
qual percebe-se a dificuldade de diferenciar a clássica concepção retórica e a 
percepção romântica da literatura. Ao menos, é possível afirmar que subsistiam 
certos traços da retórica clássica, impedindo uma definição "moderna" dos 
limites entre a História, a crítica, a Ciência e a ficção. Por literatura, Sílvio 
Romero compreenderia diferentes e variados gêneros textuais, da economia 
política à geografia, do verso à História, das cantigas populares aos romances. 
 
CITAÇÃO: Cumpre declarar que a divisão proposta não se guia exclusivamente 
pelos fatos literários; porque para mim a expressão literatura tem a amplitude 
que lhe dão os críticos e historiadores alemães. Compreende todas as 
manifestações da inteligência de um povo; - política, economia, arte, criações 
populares... e não, como era costume supor-se no Brasil, somente as 
intituladas belas artes, que afinal cifravam-se quase exclusivamente na poesia. 
FINAL DE CITAÇÃO. 
 
A própria periodização das fases literárias não obedecia a critérios de natureza 
estética e artística. Na História da literatura brasileira, o autor teve que suportar 
as conseqüências da amplíssima compreensão de literatura: no segundo tomo 
de sua obra, em que se debruça sobre o que chamou de "época ou período de 
desenvolvimento autonômico (1750-1830)", dedicou o capítulo 6 às Ciências 
Naturais, o capítulo VII aos Historiadores e o capítulo 8 aos Economistas, 
jurisconsultos, publicistas, oradores, lingüistas, moralistas, biógrafos e literatos. 
No quarto e último tomo, voltou a contemplar publicistas, oradores e 
historiadores, e nele se encontram considerações sobre Francisco Adolfo de 
Varnhagen e Cari von Martius. 
 
Tópico - A nação e o progresso: o particular e o universal 
 
A crítica literária, ao longo do século 19 (mas fundamentalmente a partir da 
segunda metade do oitocentos), embalada por naturalismo e realismo na 
literatura e por darwinismo e positivismo na Filosofia, reforçou a noção de que 
a literatura teria uma função documental, o que lhe permitiu atingir um lugar de 
destaque no universo do intelectual. Conferiu-se a ela - aí incluídas a crítica e a 
historiografia literárias - uma dimensão explicativa e não raramente militante do 
mundo, patente no compromisso de narrar e explicar a natureza, o homem, a 
cultura e as próprias nações. 
 
Página 35 
 
A dimensão propriamente estética e o sentido interno da obra foram, num certo 
sentido, minimizados. Na História da literatura brasileira, o autor identificou a 
literatura como uma manifestação documental da realidade, mais como reflexo 
da sociedade do que reflexão sobre ela. 
 
Em seu conceito amplo de literatura, já facilitado pelo ambiente beletrista, Sílvio 
Romero almejou uma reforma intelectual ligada à reforma social. Essa visão, 
segundo a qual a literatura seria um produto da vida social e, portanto, poderia 
ser lida como documento que a revelasse, o autor havia extraído de Taine, de 
acordo com António Cândido.21 Sem disfarces, nem mediações, Romero 
pretendia alcançar o outro lado do texto, para muito além do literário, e, nesse 
sentido, quanto mais abrangentes fossem os mananciais textuais, tanto mais 
amplo seria o escopo. 
 
Era como se o texto literário fosse decorrente da personalidade do autor, e 
esse, por mais singular que fosse, se explicaria pela representatividade, ou 
seja,pelo que exprimisse da sociedade, da cultura e da nação. As condições 
étnicas, mesológicas, sociais e históricas proporcionariam a chave pela qual a 
personalidade literária do autor se moldaria. O mesmo pressuposto valeria 
também para o filósofo, o cientista ou o artista, compondo uma unidade a 
espelhar a sociedade. Romero não enxergava uma correspondência imediata 
entre a "evolução" e a "cultura espiritual", para usar suas palavras, mas os 
princípios naturalistas que atuariam, de modo sincrônico, estabelecendo certos 
limites impostos por leis gerais e impessoais. A rigor, o intuito romeriano era 
descobrir uma realidade brasileira e uma singularidade popular, que por sua 
vez estariam contidas na literatura e nas manifestações populares - como os 
cantos e os contos. Auxiliada por critérios extraliterários, a exemplo das "leis 
gerais", a vida do povo - como uma coletividade de natureza nacional - estaria 
ou deveria estar depositada no acervo literário do país. 
 
Página 36 
 
A função maior da literatura seria explicar a sociedade e seus dramas. As 
"criações do espírito", portanto, obedeceriam a determinações históricas e 
naturais, e, conseqüentemente, não havia sentido em recorrer-se 
exclusivamente à produção estrangeira, uma vez que foi gerada sob outras 
condições, daí a necessidade de uma literatura que fizesse emergir "nosso 
caráter nacional". 
 
CITAÇÃO: Pretendo escrever um trabalho naturalista sobre a História da 
literatura brasileira. Munido do critério popular e étnico para explicar o nosso 
caráter nacional, não esquecerei o critério positivo e evolucionista da nova 
Filosofia social quando tratar de notar as relações do Brasil com a humanidade 
em geral. 
Nós os brasileiros não pensamos ainda muito, por certo, no todo da evolução 
universal do homem; ainda não demos um impulso à direção geral das ideias, 
mas um povo que se fornia não deve só pedir lições aos outros, deve procurar 
ser-lhes também um exemplo. (...) 
Esta obra contém duas partes bem distintas; no primeiro livro indicam-se os 
elementos de uma História natural de nossas letras; estudam-se as condições 
de nosso determinismo literário, as aplicações da geologia e da biologia, as 
criações do espírito. FINAL DE CITAÇÃO. 
 
Sílvio Romero considerava o critério da "diferenciação nacional" o mais 
importante valor de um texto literário. Logo, a cultura, em geral, e a literatura, 
em particular, deveriam ser lidas como a manifestação letrada da mestiçagem 
no seu mais amplo sentido. A literatura deveria narrar o Brasil, sem jamais 
ignorar o advento das três raças postas em contato pela colonização e tudo o 
mais que daí decorresse. Por acreditar no que chamou "nosso determinismo 
literário", o autor exigiu que a literatura brasileira fosse capaz de sentir e se 
afetar pela mestiçagem biológica e cultural que a formação histórica do Brasil 
registrará. Quanto maiores e melhores fossem as manifestações letradas de 
nossas singularidades nacionais, maior seria o teor de brasilidade da obra e 
mais fiel à sociedade teria sido a literatura. 
 
Página 37 
 
Não tem no livro. 
 
Página 38 
 
CITAÇÃO: ...em suas fórmulas o movimento espiritual do país, desde que se 
começou a formar a nossa consciência literária e artística. (...) 
É sempre uma coisa fragmentada, um punhado de destroços impossíveis de 
ligar pela imaginação. 
 
Não querem se dar ao trabalho penoso de remontar às origens, às causas, ao 
estudo das raças que constituíram o nosso povo, do meio que as tem 
modificado, das correntes históricas que as tem dirigido; designam-se de 
manusear os documentos, descer aos arquivos literários, desancar os textos, 
ler os livros esquecidos que ninguém mais lê e que foram em seu tempo outras 
tantas forças vivas, focos de ação e de lutas. 
 
Entretanto, a crítica que generaliza, que não atinge a região dos princípios, que 
não é capaz de discernir as leis que dirigiram o desenvolvimento complexo da 
nacionalidade, que não abarca na sua integridade, por mais interessante que 
se possa mostrar, não passa de uma negaça ilusória, de um entretenimento de 
ociosos. FINAL DE CITAÇÃO. 
Romero almejou mobilizar a Ciência européia de seu tempo, acatando os 
paradigmas cientifícistas e deterministas vigentes - capazes de lhe 
proporcionar condições metodológicas - a fim de compreender historicamente a 
sociedade brasileira. A literatura seria um instrumento para se compreender o 
país (motivo pelo qual Machado de Assis foi recepcionado com notável má 
vontade): 
 
CITAÇÃO: Nem a contemplação exclusiva das coisas do país, sem saber o que 
ia pelo mundo, nem andar pelo estrangeiro à busca de modelos quaisquer a 
seguir. A missão crítica, neste país deveria juntar as duas tendências: tomar da 
nação os assuntos e, da cultura hodierna, o critério diretor das ideias. Tudo a 
luz de uma Filosofia ampla, sugestiva e salutar. Como primeira conseqüência, 
a necessidade de tomar a vida intelectual e afetiva do povo, em seu conjunto, 
numa História geral, e não tipos isolados e admirados por quaisquer motivos. 
Como segunda conseqüência, ver no critério etnográfico a base de todo o 
nosso desenvolvimento. Como terceira, partir do folclore para a literatura. 
FINAL DE CITAÇÃO 
 
Página 39 
 
Sílvio Romero, naturalmente, não se opunha à leitura de autores estrangeiros, 
o que, aliás, foi uma das suas principais atividades intelectuais. A crítica à 
"cópia das ideias estrangeiras" passava pela suposta recusa de muitos letrados 
brasileiros em refletir sobre o país, pensando como se vivessem na Europa. 
Romero não perdia oportunidades para criticar o "chiquismo da Rua do 
Ouvidor", referência pejorativa aos intelectuais que perambulavam pelos cafés 
e livrarias da referida rua do Rio de Janeiro, inclusive seus desafetos José 
Veríssimo e Machado de Assis. 
 
Ao se aproximar do discurso científico, reconhecido como moderno, o autor 
queria preparar o terreno para eventuais intervenções práticas, capazes de 
alterar o rumo histórico do país, inscrevendo-o nos marcos civilizatórios da 
Segunda Revolução Industrial, o que significou uma apologia ao progresso e à 
modernização, sem contudo arrefecer seu empenho em favor da construção da 
nacionalidade. Através da aplicação dos métodos científicos e critérios 
naturalistas, universais e impessoais, o crítico esperava encontrar a 
especificidade do povo brasileiro e a singularidade da nação. A mestiçagem lhe 
pareceu o fator decisivo na formação da nacionalidade, mas tal singularidade 
deveria ser compreendida por um método universalmente válido. Concluindo 
que "todo brasileiro é um mestiço, quando não no sangue, nas ideias", Sílvio 
Romero utilizou-se da autoridade de uma abordagem científica em favor de um 
vibrante nacionalismo. 
 
CITAÇÃO: A História do Brasil, como deve hoje ser compreendida, não é, 
conforme se julgava antigamente e era repetida pelos entusiastas lusos, a 
História exclusiva dos portugueses na América. Não é também, como quis 
supor de passagem o romanticismo, a História dos Tupis, ou, segundo o sonho 
de alguns representantes dos africanismos entre nós, a dos negros em o Novo 
Mundo. É antes a História da formação de um tipo novo pela ação de cinco 
fatores, formação sextiária em que predomina a mestiçagem. Todo brasileiro é 
um mestiço, quando não no sangue, nas ideias. Os operários deste fato inicial 
têm sido: o português, o negro, o indio, o meio físico e a imitação estrangeira. 
 
Página 40 
 
Não tem no livro. 
 
Página 41 
 
CITAÇÃO: A hereditariedade representa os elementos estáveis, estáticos, as 
energias das raças, os predicados fundamentais dos povos; é o lado nacional 
das literaturas. A adaptação exprime os elementos móveis, dinâmicos, 
genéticos, transmissíveis de povo a povo; é a face geral, universal da literatura. 
São duas forças que se cruzam, ambas indispensáveis, ambas produtos 
naturais do meio físicoe social. FINAL DE CITAÇÃO. 
 
A partir da interpretação do autor, pode-se deduzir que a evolução ocorreria 
pelo influxo renovador da Ciência moderna, que poderia agir sobre as energias 
da raça, estáveis e estáticas. Em outras palavras, a evolução e o progresso 
seriam dependentes da "adaptação" do que "vai pelo grande mundo", ou seja, 
do que ocorria na Europa. Essa perspectiva, à primeira vista, parece 
contraditória com a crítica à "imitação tumultuaria, do antigo servilismo mental", 
que caracterizaria os letrados brasileiros. No entanto, ao se atentar para uma 
sutileza da reflexão romeriana, se pode notar que não haveria problema em 
imitar o "que vai pelo grande mundo", desde que houvesse um significado 
interno ou que isso representasse uma resposta para o particular, para o Brasil. 
O tema e o interesse deveriam ser locais, mas o tratamento deveria ser 
universal, em outras palavras, científico. A mestiçagem e a natureza tropical 
representariam as particularidades brasileiras, já o "concurso das ideias" - a 
Ciência - seria universal, ou seja, europeu. 
 
O que Sílvio Romero jamais tolerou, e muitos anos mais tarde considerou o 
"nosso maior mal", foi a pretensão de sermos, "como nação, como todo 
político-social, o que não somos realmente". 
 
De certa maneira, o sonho de "independência literária, independência científica 
e reforço da independência política", como dissera no prólogo da História da 
literatura brasileira, foi uma tentativa no mínimo problemática. A implicação 
mais evidente da dependência dos paradigmas teóricos europeus estaria no 
fato de que a mudança de um paradigma para outro forçaria novas abordagens 
para as questões brasileiras, mudança que não se daria a partir de demandas 
internas como queria o autor, tornando o pensamento brasileiro - nos marcos 
propostos por ele - refém de reflexões teóricas produzidas em outro contexto. 
 
Página 42 
 
CITAÇÃO: Tal é a razão por que todo poeta, todo romancista, todo dramaturgo, 
todo critico, todo escritor brasileiro de nossos dias tem a seu cargo um duplo 
problema e há de preencher uma dupla função: deve saber o que vai pelo 
mundo culto, isto é, entre aquelas nações européias que imediatamente 
influenciam a inteligência nacional, e incumbe-lhe também não perder de mira 
que se escreve para um povo que se forma, que tem suas tendências próprias, 
que pode tornar uma feição, um ascendente original. Uma e outra preocupação 
são justificáveis e fundamentais. Se é uma coisa ridícula a reclusão do 
pensamento nacional numas pretensões exclusivistas, se é lastimável de 
alguns escritores nossos, atrasados alheios a tudo quanto vai de mais 
palpitante no mundo da inteligência, não é menos desprezível a figura do 
imitador, do copista servil e fátuo de toda e qualquer bagatela que os paquetes 
nos tragam de Portugal, ou de França, ou de qualquer outra parte. FINAL DE 
CITAÇÃO. 
 
A recepção de uma certa modernidade intelectual deveria criar as condições 
para que esse povo "mestiço e meridional" pudesse viabilizar a evolução 
histórica na direção das conquistas do século: a Ciência, a educação, a 
industrialização, o trabalho assalariado. A modernização serviria para reformar 
o povo brasileiro, tomando-o apto para o progresso, mas sem destruir sua 
singularidade histórica e cultural. A História da literatura brasileira comporta 
dois sentidos em permanente tensão: um deles, realista e naturalista, 
pretensamente universalista, que implicaria uma franca apologia à Ciência e 
aos valores identificados como modernos, o que de certa maneira 
correspondeu à condenação de grande parte da população brasileira pelo que 
haveria nela de atrasado. O outro diz respeito a como Romero percebeu o 
mesmo povo como depositário das virtudes nacionais, dotado de 
singularidades culturais dignas de respeito e admiração, portadoras de uma 
essência popular. 
 
Ambos os sentidos interpretativos da obra estão fundidos na mesma teoria do 
Brasil. O mal-estar do projeto intelectual romeriano teve origem na dificuldade 
em conciliar essas duas perspectivas históricas, que parecem contraditórias. 
Essa consciência dilacerada não advinha apenas das idiossincrasias pessoais 
do autor, mas da própria contradição histórica do pensamento intelectual no 
Brasil - que, de certa maneira, acaba por refletir as próprias contradições do 
país, as quais reuniam diferentes temporalidades históricas, com diferentes 
ritmos no mesmo espaço, mas em profunda relação. Os muitos brasis foram 
historicamente conectados. Lembremos que o problema da escravidão estava 
sendo superado, no plano formal, apenas naquele momento - o que dá ideia 
das profundas desigualdades e contradições que marcaram e marcam o Brasil 
- e, evidentemente, afetava a reflexão intelectual sobre o país. 
 
Página 43 
 
Sílvio Romero percebeu um descompasso entre uma elite europeizada e o 
restante da população. Para o autor, as elites letradas elegiam a Europa 
moderna como o norte a ser seguido e sentiam as dificuldades de articular um 
projeto modernizador e ocidentalizante partindo de uma condição tal como a 
brasileira de então. A constatação do descompasso parece mais brilhante que 
a resposta ao problema, mas convém destacar a reivindicação romeriana sobre 
a necessidade de um pensamento que assumisse o país como um problema e 
criasse uma "coisa nossa". 
 
CITAÇÃO: Uma pequena elite intelectual separou-se notadamente do grosso 
da população, e, ao passo que esta permanece quase inteiramente inculta, 
aquela, sendo em especial dotada da faculdade de aprender e imitar, atirou-se 
a copiar na política e nas letras quantas coisas foi encontrando no velho 
mundo, e chegamos hoje ao ponto de termos urna literatura e uma política 
exóticas, que vivem e procriam em uma estufa, sem relação com o ambiente e 
a temperatura exterior. É este o mal de nossa habilidade ilusória e falha de 
mestiços e meridionais, apaixonados e fantasistas, capazes de imitar, porém 
organicamente impróprios para criar, para inventar, para produzir coisa nossa e 
que saia do fundo imediato e longínquo de nossa vida e nossa História. FINAL 
DE CITAÇÃO. 
 
Euclides da Cunha também abordou a obsessão das elites intelectuais 
brasileiras em se comportar segundo cânones internacionais, transformando "o 
filho de um país num emigrante virtual, vivendo estéril, no ambiente fictício de 
uma civilização de empréstimo", que ele chamava de "regime colonial do 
espírito". 
 
Página 44 
 
Cada um a sua maneira, Romero e Euclides subscreviam compromissos 
nitidamente nacionalistas. Sílvio Romero, apesar de não se caracterizar pelo 
"chiquismo da Rua do Ouvidor", sentia-se compelido a seguir as novidades 
européias e, ao mesmo tempo, buscar uma reflexão adequada às 
particularidades brasileiras. O certo é que houve momentos em que a sua ideia 
de Ciência não resistiu ao seu próprio encanto com a mestiçagem, e se 
miscigenou, heterodoxamente. Ao positivar a mestiçagem, embora em termos 
relativos - diferenciando-se das posturas mais comuns entre os teóricos 
europeus, que ele mesmo lia -, Romero revelou a peculiaridade de sua 
interpretação do Brasil, mesmo contra a Ciência do seu tempo, Ciência que ele 
próprio aprovava.

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