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REVISÃO AP2 BCO

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Atividades de Revisão 1
1. Escreva um texto (mínimo de 20 linhas) sobre o teatro grego, falando do contexto religioso festivais) em que ele se insere, explorando a etimologia do termo “teatro” e descrevendo os recursos físicos e materiais do teatro grego.
Comecemos por tentar entender o significado da palavra “teatro” para os gregos. Nosso termo “teatro” vem do grego θέατρον (théatron), que está ligado ao verbo θεάομαι (theáomai), que significa “observar”, e ao substantivo θέα (théa), que significa “observação”. Θέατρον (théatron) quer, portanto, dizer “lugar de observação”, “observatório”. E é exatamente o conceito primeiro que os gregos tinham de teatro: um lugar qualquer aonde se ia para observar algo. Primitivamente, o théatron não era um prédio ou uma estrutura mais elaborada. Poderia ser um lugar simples, já existente na cidade, uma praça, por exemplo, na qual o povo se reunia para assistir a um espetáculo. E já que mencionamos este último termo, “espetáculo” é uma palavra de origem latina, de “spectaculum”, que está ligado ao verbo “specto”, que significa “observar”. O termo “spectaculum”, em latim, quer dizer “aquilo que você observa, que você vê” e o lugar ao qual você vai para observar é o théatron, o observatório. Uma outra palavra muito importante para nosso dia a dia está ligado a “spectaculum”: o espelho. Em latim, “speculum” (espelho) vem do verbo “specio”, “ver”. “Specio” e “specto” estão, obviamente, ligados. Espelho, por conseguinte, é o objeto que você usa para se ver. Temos ainda um adjetivo, de uso mais poético, que deriva dessa família de palavras latinas: especioso, que significa “de bela aparência” e, portanto, “belo”, ou “de aparência enganadora”, ou seja, “enganador, ilusório”.
O teatro, que nada mais é do que um observatório. Auditório é o lugar aonde você vai para ouvir (do verbo latino “audio”, ouvir). Observatório é o lugar aonde você vai para observar. E o que exatamente se observava no teatro era o espetáculo, ou seja, aquilo que é objeto de observação.
O teatro privilegiava a visão. Ao contrário dos outros gêneros poéticos, nos quais imperava o som e, portanto, a audição, no gênero dramático importa a imagem e, por conseguinte, a visão. O fato de o teatro depender da visão explica muito de seu sucesso, já que, de nossos cinco sentidos, a visão é aquele que melhor nos permite conhecer e que nos dá muito prazer. Modernamente, observamos um fato que ilustra bastante isso. O rádio era um meio de comunicação de massa. Com o advento da televisão, que traz a imagem e que apela, portanto, para nossa visão, esta tornou-se o meio de comunicação de massa por excelência. E, deixando de lado o aspecto religioso e mítico que permeava e sustentava o teatro, este era, para os gregos aquilo que a TV é para nós: um meio de comunicação e de diversão em massa.
Se a visão era e é algo fundamental no teatro, fica evidente que, por mais que seja interessante a leitura de uma peça teatral, a verdadeira experiência consiste em vê-la, em assistir a sua encenação. Ler uma peça de teatro é algo incompleto, mas, por vezes, é tudo o que se pode fazer. O teatro não foi feito para ser lido, foi feito para ser visto. Não há surpresa se ele é tido como um gênero literário (isto é, para ser lido), pois o mesmo ocorreu com a poesia, que em suas origens era endereçada a um auditório, era feita para ser ouvida, pois era recitada ou cantada. E a peça teatral, na verdade, era um poema que devia ser acompanhado de música, dança e imagens. Era um poema não apenas para ser ouvido, mas também para ser visto.
O teatro, falando de modo bem direto, é um observatório. Os espectadores (do mesmo verbo “specto”, observar), isto é, os observadores, lá estão para ver um espetáculo, que é a peça teatral, composta de poesia, música, dança e imagens. Todo esse conjunto não era algo estático, mas tinha movimento, tinha ação. O termo que usavam para esse conceito era δράμμα (drámma), que deu o nosso “drama”. Por isso se diz que o teatro pertence ao gênero dramático. O teatro é drama, isto é, “ação”; teatro é poesia em movimento, em ação.
A importância dos espetáculos teatrais era tão grande que deu origem ao teatro como prédio físico. O espetáculo teatral não era apenas divertimento, era um meio de circulação da cultura tradicional, dos mitos, e também fazia parte de um culto religioso. Era um evento coletivo, público, de todos os cidadãos. Era necessário, portanto, um lugar que permitisse que os espectadores fruíssem adequadamente da encenação. O teatro foi, então, construído em forma de um semicírculo de frente para o palco. Para que os que estivessem atrás pudessem ver a ação, a construção subia pouco a pouco, utilizando-se de degraus que formavam uma arquibancada. as arquibancadas vão subindo e têm forma semicircular. No nível do chão, há um semicírculo, do qual partem os degraus que formam as arquibancadas. Esse semicírculo é a chamada orquestra, lugar que era reservado para o coro. Este não apenas cantava, mas dançava. Ao lado do semicírculo, à esquerda da imagem, há as ruínas do que era o palco, ou melhor, o proscênio. Ele ficava a uma altura de cerca de três a cinco degraus do chão, estando quase que no mesmo nível da orquestra, onde o coro cantava e dançava. O proscênio era o palco. O nome vem do fato de que ele ficava diante (pro) da skené (σκηνή). Skené significa, em grego, barraca ou tenda. Ela, como elemento físico do teatro, era uma espécie de tenda que servia de bastidores ou coxias, onde os atores trocavam de roupa e por onde entravam e saíam do palco. Estar na skené era estar fora de cena, pois o que se chama modernamente de cena era o proscênio. Assim, entrar na skené significava sair de cena e sair da skené, entrar em cena. A skené servia, também, como um meio físico de se colocar um cenário ou decoração relativa à peça. O caráter religioso dos festivais teatrais fica bem evidenciado pela presença de um altar na orquestra.
Máscara, em grego, diz-se πρόσωπον (prósopon), composto de πρός (prós), “diante de”, e ὤψ (óps), olho. Significa, portanto, “aquilo que está diante dos olhos (de outro)”, ou seja, o rosto, a face e, no teatro, o rosto artificial, a máscara. A palavra viria também a designar “pessoa”. O termo latino para máscara é “persona”, que, ao contrário do grego, não tem o sentido de rosto ou face, mas que significa também “pessoa”.
Os atores usavam roupas características, o que hoje chamaríamos de figurino, e máscaras. Por vezes usavam revestimento para criar uma barriga ou nádegas maiores. Podiam ter também um pênis pendurado na cintura, com função cômica, feito normalmente de couro e geralmente avantajado,. Esses elementos permitiam a caracterização e, portanto, a melhor identificação dos personagens. Era fundamental que o público, parte do qual estava muitas vezes distante do proscênio, pudesse identificar facilmente os personagens. As máscaras permitiam, também, criar efeitos semelhantes à nossa moderna maquiagem, com cores, presença ou ausência de cabelo (para simular a calvície), de barba, traços indicando velhice ou juventude etc. Podia cobrir apenas o rosto ou também o crânio e era amarrada com fios ou correias na parte posterior da cabeça.
As máscaras permitiam que entrassem em cena personagens femininos. No teatro grego, os atores são sempre homens e os personagens femininos eram por eles representados. O uso de máscaras viabilizava tecnicamente a presença de “mulheres” na cena. Havia, ainda, outra função importante: a pluralidade de personagens. No teatro grego clássico, havia somente três atores para toda a peça (fora o coro, que ficava na orquestra e podia contar com cerca de uma ou duas dezenas de componentes). Os três atores tinham de se revesar nos diversos papéis que havia em cada peça. Assim, frequentemente um mesmo ator tinha mais de um papel e as máscaras tornavam isso possível. Vejamos, na sequência, algumas imagens de máscaras e de estatuetas representando atores. Não se trata de máscaras propriamente, mas representações, por vezes miniaturas,
feitas em materiais como terracota, por exemplo.
2. Redija um texto (mínimo de 20 linhas) respondendo às seguintes perguntas:
a) Quais são os temas explorados nas tragédias?
b) E nas comédias?
c) Qual a diferença entre o modo como a tragédia e a comédia abordam seus temas?
O teatro pertence, por assim dizer, ao gênero dramático. Teatro, na Antiguidade, é do domínio da poesia. Não tem qualquer relação com a prosa. Mais claramente: teatro é poesia. Quando enquadramos teatro entre os gêneros literários, isso não é sem dificuldades. A poesia grega do período arcaico não era uma literatura no sentido próprio, mas uma oralitura. Não era feita para ser lida, mas para ser recitada ou cantada. O mesmo se dá com o texto teatral: ele não era composto para ser lido, mas para ser representado.
Quando falamos de gênero dramático, nós o fazemos pelo fato de as produções do teatro serem dramas. Mas o que exatamente é um drama? Nossa palavra “drama” vem do grego, como mencionamos no início desta aula, e δράμμα (drámma) que dizer simplesmente “ação”. Se o teatro é ação, isso ocorre porque os atores, ao encenarem, imitam de modo direto o agir dos indivíduos encarnados nas personagens. Para existir efetivamente o teatro, não basta um texto, são necessários outros elementos: atores (em número de três, na forma que ficou consagrada no séc. V, em Atenas), um coro, que funciona como um contraponto aos atores e participa ativamente da ação, um figurino, com o uso de máscaras, um espaço físico (palco – proscênio – e orquestra) com um cenário específico, música e dança. Já na Antiguidade havia efeitos especiais. Para fazer, por exemplo, com que um deus aparecesse na cena, os gregos desenvolveram o uso, no teatro, da chamada μηχανή (mekhané), transcrita para o latim como “machina”e que equivalia a nosso guindaste ou grua. Era, portanto, uma grua usada para fazer com que um ator voasse em cena. Você talvez já tenha ouvido falar da expressão latina “deus ex machina”. No sentido geral, ela designa algo ou alguém que aparece inesperadamente, trazendo uma solução para um problema que se mostrava insolúvel. No teatro, o “deus ex machina” era um recurso dramatúrgico utilizado para solucionar, no final da peça, uma situação intrincada que tinha se constituído durante a peça e que se mostrava insolúvel do ponto de vista prático. Introduzia-se, então, um elemento divino que trazia a solução para o problema. Do termo grego μηχανή (mekhané) derivam palavras portuguesas como “máquina”, “mecânico”, “mecanismo”.
O gênero dramático está, portanto, muito distante de um gênero literário em sentido estrito. Ele é um subgênero da poesia e, além da música, comporta toda uma série de elementos que lhe são característicos e que acabamos de elencar. Uma parte importante desses elementos é ligada ao sentido da visão: atores em ação, cenário, figurino. A preeminência do aspecto visual, como vimos, rendeu ao teatro o seu nome (lembre-se: teatro é um lugar de observação, de ver a ação que se passa).
Dentro do gênero dramático, podemos ter alguns subgêneros. Os dois mais famosos na Antiguidade eram a tragédia e a comédia. Para melhor compreendermos a realidade desses dois subgêneros dramáticos, comecemos por analisar o significado dos termos tragédia e comédia, ambos de origem grega.
Tragédia, em grego, diz-se τραγῳδία, que é um termo composto de τράγος (trágos) e de ᾠδή (oidé, cognato de ἀείδω (aeído), o verbo cantar, que deu “aedo”, em português). Este último termo deu, em português, a palavra ode, que significa propriamente “canto”. A tragédia e a comédia são, portanto, cantos. Mas o que significa τράγος (trágos)? A resposta, que pode nos causar um certo embaraço, é bastante simples: τράγος (trágos) quer dizer “bode”. Tragédia, por conseguinte, seria algo como “o canto do bode”. Mas como assim? O bode não pode cantar. O sentido da palavra tragédia é manifestamente obscuro. Há, entretanto, um fato a ser notado: o bode é um animal que está associado ao deus Dioniso e a tragédia, como forma de expressão teatral, está inserida no culto a essa divindade.
Algumas hipóteses foram levantadas para explicar o significado do termo tragédia:
a) o “canto do bode” poderia ser o canto realizado por um coro no momento de um sacrifício religioso (lembre-se da origem religiosa do teatro) cuja vítima era um bode;
b) o canto poderia ser executado por um coro fantasiado de bode em cerimônias ou procissões consagradas a Dioniso;
c) o bode aparece mencionado, em uma inscrição do séc. III a. C. (mármore de Paros), como o prêmio do concurso teatral em Atenas desde o ano 530 a. C. (cf. DEMONT e LEBEAU, 1996, p. 27).
O termo comédia, em grego, é κωμῳδία (comoidía). O segundo elemento é, obviamente, o mesmo ᾠδή (oidé) que encontramos em “tragédia”. E quanto à primeira parte da palavra? Nela encontramos o radical κωμ- (kom-). Algumas hipóteses foram levantadas para tentar explicar o sentido dele:
a) comédia viria de κῶμος (kômos), que era um cortejo ou procissão que percorria as ruas, com cantos e danças em honra a Dioniso;
b) o radical vem do termo κῶμα (kôma), que significa “sono profundo” (deu origem ao termo médico “coma”), pois a comédia teria se originado do fato de grupos de camponeses irem à cidade, de madrugada, quando todos dormiam, para cantar cânticos com críticas e ofensas a figuras importantes da vida pública;
c) o radical está ligado a κώμη (kóme), que significa “vilarejo”; os autores de farsas, que não eram tolerados na cidade e eram impedidos de nela exercer sua arte, passaram a apresentar seus cantos nos vilarejos (κῶμαι – kômai); essa etimologia é mencionada por Aristóteles em sua Poética:
“Daí o sustentarem alguns que tais composições se denominam dramas, pelo fato de se imitarem agentes [drôntas]. Por isso, também, os Dório para si reclamam a invenção da tragédia e da comédia; – a da comédia, pretendem-na os Megarenses (…); dizem eles que, na sua linguagem, chamam kômai às aldeias que os Atenienses denominam dêmoi, e que os 'comediantes' não derivam seu nome de komázein (=fazer uma procissão com cantos e dança), mas, sim, de andarem de aldeia em aldeia (kómas), por não serem tolerados na cidade”. (1448a 28-38)
Por mais que não haja uma solução para o verdadeiro significado dos termos tragédia e comédia, podemos constatar que:
a) a tragédia tem sua origem ligada ao culto de Dioniso, o que mostra com clareza o caráter religioso dos festivais de teatro;
b) a comédia também está ligada, em sua origem, ao culto de Dioniso, tendo suas raízes na vida rural (aldeias) e caracterizando-se, também, pela crítica.
Podemos, por fim, reforçar o caráter poético do drama. As peças teatrais são compostas em versos de metros variados. O teatro antigo, como dissemos, é poesia, mas poesia posta em ação, transformada em algo visual. As falas são recitadas ou cantadas, dependendo do trecho.
O teatro teria se originado de apresentações cantadas por coros, o que faz com que ele esteja, em sua base, ligado ao gênero lírico. Em um determinado momento, introduziu-se um ator para dividir o espaço com o coro. Em grego, ἀγωνιστής (agonistés) é o termo utilizado para designar um combatente, um competidor ou um ator (pois o ator competia nos concursos realizados nos festivais). Depois, passou a participar da ação um segundo ator. Por fim, incluiu-se um terceiro, constituindo-se, assim, a forma clássica do teatro grego: três atores no proscênio dividindo a ação com o coro, que ficava na orquestra. Em grego, primeiro diz-se πρῶτος (prôtos – lembre-se de protozoários, as “primeiras” formas de vida da terra), segundo, δεύτερος (deúteros – lembre-se do livro do Deuteronômio, na Bíblia, cujo título significa “segunda lei”), terceiro, τρίτος (trítos). Assim, o primeiro ator é o προταγονιστής (protagonistés), o segundo, o δευτεραγονιστής (deuteragonistés), o terceiro, o τριταγονιστής (tritagonistés). Daqui chamamos, em português, o personagem principal de protagonista. Há também as formas deuteragonista e tritagonista. E não nos esquecemos do termo antagonista,
que é o personagem (de ator – agonistés) que se opõe (ἀντί – antí: preposição que significa “em frente a” ou “em oposição a”) ao protagonista na trama teatral e, por extensão, em todo e qualquer enredo.
Salvo raras exceções, nas quais se abordam temas históricos, a tragédia grega clássica tem como fonte de seus temas os grandes mitos. E isso ela tem em comum com a épica. Não há, por assim dizer, espaço para inovação temática. Os temas são tradicionais, tirados dos principais mitos da cultura helênica. Você, com toda razão, poderia perguntar: Mas isso não faz com que as tragédias sejam muito repetitivas, já que tratam sempre dos mesmos temas? E a resposta é: não! A arte da tragédia não repousa sobre a inovação temática, mas sobre a diversidade de tratamentos dados ao mesmo tema. Um mesmo mito era explorado várias vezes por diferentes tragediógrafos. O mito tem um núcleo básico, central, que não muda, mas há elementos secundários que podem ser modificados e há espaço para criação de novos elementos. E é nesse campo que os tragediógrafos podiam exercer suas habilidades e sua criação-inovação. A arte do tragediógrafo, sua excelência, consistia na capacidade de dar um tratamento inovador a um mito tradicional. A inovação não reside no tema, mas na abordagem que dele se faz.
A comédia tem uma temática variada. E, por vezes, ela se serve da tragédia como escada, parodiando tragédias conhecidas do público e, por assim dizer, transformando-as em algo digno de riso. A comédia pode servir-se de mitos tradicionais, mas de um modo bem diverso daquele utilizado regularmente na tragédia. Os tragediógrafos exploram o mito em sua profundidade e contradição, um comediógrafo vai parodiá-lo para retirar-lhe o caráter sério e trágico e transformá-lo em algo cômico e ridículo. A comédia, por vezes, colocava os próprios deuses em situações ridículas e, para nossa sensibilidade, humilhantes, mas, para os gregos, não havia nisso nenhuma impiedade, ao contrário, isso se fazia no âmbito de um festival religioso.
A tragédia tem uma temática tradicional, mítica. A comédia, ao contrário, tem uma temática atual (embora possa eventualmente servir-se do mito tradicional como ponto de partida para o ridículo). A tragédia busca seus temas em uma fonte bastante antiga, a comédia explora, frequentemente, a atualidade e a novidade. Assim, a comédia inova constantemente seu arcabouço temático, ao contrário da tragédia, que explora sempre os grandes mitos. Essa diferença é ironicamente vista como uma dificuldade para o comediógrafo, que não tem a sua disposição toda uma série de temas prontos.
A comédia tem, via de regra, uma temática atual. Mas como a atualidade poderia ser explorada na comédia? Existe uma dupla possibilidade: comédia política ou comédia de costumes. A chamada comédia antiga, da qual Aristófanes (séc. V a. C.) é o representante cujas obras melhor conhecemos, aborda, geralmente, a situação política lato sensu. Aristófanes explora questões políticas, econômicas, sociais e culturais de seu tempo, apresentando uma visão bastante crítica em relação aos problemas enfrentados pelos atenienses e às soluções apresentadas pelos políticos e homens influentes. Um tema muito explorado nas comédias aristofânicas é a guerra do Peloponeso, que contrapôs Atenas (cidade de Aristófanes) e Esparta e trouxe resultados nefandos para a primeira. As desgraças trazidas pelo conflito modificam substancialmente a vida dos atenienses, principalmente dos que vivem na região rural. O comediógrafo manifesta constantemente seu desejo de uma paz duradora, que traga consigo prosperidade. Portanto, o binômio guerra-paz é recorrente nas comédias aristofânicas.
Atual é também a temática da chamada comédia nova, cujo representante melhor conhecido por nós é Menandro (séc. IV e III a. C.). Se a comédia antiga aborda assuntos do âmbito social, a comédia nova, ao contrário, concentra-se em temas privados, na comédia de costumes, partindo frequentemente do âmbito da vida familiar. Menandro explora as relações familiares (pais e filhos, irmãos etc.) ou de vizinhança. Ele exprime, em uma certa medida, a atualidade dessas relações, conforme elas eram vivenciadas em sua época e lugar. Mas elas, por sua própria natureza, apresentam também um certo caráter universal e atemporal. O relacionamento entre pais e filhos, entre familiares e entre vizinhos é algo que se vê basicamente em todas as culturas através do tempo e do espaço. É, portanto, uma temática muito mais acessível do que a social, que pressupõe um conhecimento de detalhes específicos relativos à história, à política e à cultura de um determinado tempo e lugar.
3. Como podemos relacionar mito e filosofia? (mínimo de 10 linhas)
O mito é um processo de racionalização do mundo e da vida, uma tentativa de explicar o desconhecido. Por isso mesmo, Aristóteles aproxima o amante dos mitos (philómythos) do amante da sabedoria (philósophos). Os mitos e a poesia gnômica são o sinal do iminente despontar de um novo tipo de pensamento: a filosofia. Esta surge na Grécia e seu aparecimento é devido a uma série de fatores que se interrelacionam, dentre os quais podemos citar a situação geográfica da Grécia, o ambiente intelectual, a influência da religião, a existência de teogonias, mitos e de uma poesia gnômica, e a presença de condições socioeconômicas que permitiam que uma parcela da população pudesse ter um certo ócio ou lazer para dedicar-se a investigações teóricas.
4. Quais são os principais elementos ou características da filosofia? (mínimo de 10 linhas)
Eis suas características:
a) ciência ou conhecimento
b) das coisas divinas e humanas e da natureza
c) e de suas causas
d) na medida em que é possível ao homem avaliá-las
Assim:
1. o item (a) nos diz o que é a filosofia: uma ciência;
2. os itens (b) e (c) nos indicam o objeto estudado por essa ciência: as coisas divinas e humanas e a natureza, ou seja, tudo o que existe, todas as coisas, e as suas causas;
3. o item (d) especifica que a filosofia estuda o seu objeto (ou seja, todas as coisas e suas causas) na medida em que é possível ao homem avaliá-las, ou seja, na medida em que seu conhecimento é acessível à razão humana; isso permite diferenciar a filosofia da teologia, pois esta também estuda as realidades humanas e divinas, mas baseando-se na revelação divina e não apenas na razão humana; a teologia pode, portanto, conhecer realidades que estão acima da razão humana, servindo-se, para tal, do dado revelado por Deus.
5. Após ler o livro VII da República de Platão, você encontra com um amigo:
(mínimo de 20 linhas)
a) conte a ele, em linhas gerais, a alegoria da caverna descrita no texto de Platão;
No livro VII de sua República, Platão apresenta uma alegoria. Ele descreve uma caverna na qual pessoas estavam aprisionadas desde seu nascimento. Elas estavam agrilhoadas e eram forçadas pelas correntes a olhar sempre para o fundo da caverna, no qual eram projetadas as sobras de objetos que eram carregados em um desfile em um nível superior da caverna, atrás dos prisioneiros, e eram iluminados por um fogo. Tudo o que as pessoas conheciam eram as sombras e essa era sua realidade. O mundo das sombras era, para elas, o mundo real, a própria realidade. Um desses prisioneiros é, então, libertado e forçado a virar-se e dirigir-se para a entrada da caverna, passando por um caminho ascendente. À medida em que subia, a luz do fogo causava-lhe grande desconforto. Ele preferiria voltar para o fundo da caverna, mas era forçado a dela sair.
Uma vez fora, seus olhos estariam completamente obnubilados pela luz do sol. Com o passar do tempo, ele poderia abrir seus olhos, que, aos poucos, iam se acostumando à grande claridade do sol. Ao fim de um longo processo, ele poderia contemplar os objetos desse mundo superior e conhecer realidades que, enquanto estava preso na caverna, nunca pensou que pudessem existir. Se descesse novamente à caverna e contasse o que viu, descobriu e aprendeu, seria humilhado por seus antigos companheiros de infortúnio,
que acreditariam que sua ascensão ao mundo superior lhe havia arruinado os olhos. Se ele, por sua vez, soltasse os que ainda estavam acorrentados e os tentasse forçar a subir e sair da caverna, eles, assustados com o estado em que voltara seu companheiro, matariam-no, se possível fosse, para evitar a mesma desgraça.
b) explique, com suas palavras, o sentido da alegoria.
Com essa alegoria, Platão descreve o estado de nossa alma quanto à educação e à ignorância e faz-nos compreender a diferença entre a opinião e a ciência. A caverna é símbolo da vida de ignorância em que vivemos aprisionados. A ascensão para fora dela é a educação, que é árdua, difícil e mesmo dolorosa.
6. Relacione com a filosofia os seguintes conceitos: (mínimo de 15 linhas)
a) admiração;
b) ignorância;
c) ócio;
d) verdade.
Aristóteles abre o texto de sua Metafísica com uma das frases mais famosas da história da cultura humana: Todos os homens desejam, por natureza, saber. A sede do conhecimento está enraizada em todos e em cada um dos seres humanos. Uma indicação disso é que as crianças, antes mesmo dos dois anos começam a perguntar insistentemente “o que é isso?”. Aos três, acrescentam os “porquês”. Essa curiosidade, observável nas crianças desde a mais tenra idade, mostra que o desejo de saber, de conhecer é natural ao ser humano. O desejo de saber é inerente ao homem. Mas o que ele quer saber? O que ele busca com suas investigações? A verdade. E Santo Agostinho, observando a realidade da vida, afirmou esse fato com muita clareza: “Conheci muitos que quisessem enganar, porém, que quisesse ser enganado eu não conheci ninguém.”
E esse desejo pelo conhecimento da verdade nasce da admiração. É ela, segundo Aristóteles, que fez o homem começar a filosofar. O homem, ao observar as realidades que o cercavam, não sabia explicar-lhes as causas. Ficava, então, admirado, perplexo. E sentia um natural impulso de buscar uma resposta que pudesse trazer descanso para sua curiosidade. Da ignorância originam-se a dúvida e a admiração. Destas, nasce o desejo de saber e o homem começa a filosofar.
Mas a filosofia, como ciência, só pôde surgir quando os homens já tinham atingido um grau de organização na sociedade que lhes permitia ter não apenas o que era necessário para a sobrevivência, mas ainda um certo nível de conforto material. Eles puderam, então, ter tempo livre – o ócio – e tranquilidade de espírito para dedicar-se a filosofar. O ócio é diferente do simples “não fazer nada”, muito em voga hodiernamente. Ele era visto como algo excelente e fundamental pelos antigos, pois permitia ao homem dedicar-se a algo precioso: a educação de seu espírito.
Atividades de Revisão 2 – Aulas 16 e 17
1. Como você poderia relacionar a figura de Sócrates com a crítica à sofística e aos novos valores educacionais que surgiram na Grécia, no séc. V a. C.? (mínimo de 15 linhas)
Sócrates encarna uma contradição: ao mesmo tempo em que se coloca entre seus concidadãos para com eles dialogar sobre o bem, a justiça, ele não é um professor ou mestre no sentido estrito. Os professores, propriamente falando, encarregavam-se da formação das crianças, dos adolescentes e dos jovens. Essa compreendia a educação física (esportes), a educação musical (que compreendia não só a música instrumental e o canto, mas também a dança, havendo os coros, nos quais o canto e a dança se completavam), a poesia (que, como vimos, está intimamente ligada ao canto e à música) tanto épica (Homero) quanto lírica. Toda essa parte da educação se fazia ao largo da escrita (lembre-se da oralidade, discutida na Aula 02), inclusive a poesia, que era memorizada pela frequente audição e repetição. A esses elementos de formação, soma-se, finalmente, a escrita, que, no período clássico, já tinha se expandido e tornado uma realidade palpável. A criança aprende, assim, a “gramática” (do grego γράμματα, letras), isto é, a ciência das letras: ler e escrever. Sócrates, evidentemente, não se encarregava de nenhuma dessas funções. Ele não era, nesse sentido, um mestre.
A essa educação tradicional, vem somar-se um novo elemento: a sofística. Os sofistas eram “sábios profissionais”, ou ainda, “profissionais do saber”, já que a palavra grega σοφιστής (sophistés) designa um nome de agente calcado no termo σοφία (sophía), saber ou sabedoria. Se tomarmos a definição que Platão (Protágoras, 317d) coloca nos lábios de Protágoras, um sofista, eles seriam professores, mestres, profissionais da educação: “…admito que sou um sofista e que educo homens…”
A educação física e as diferentes artes que tradicionalmente constituíam a formação das crianças gregas, como acabamos de ver, corresponderiam ao hodierno ensino fundamental. A educação sofística, ao contrário, estaria em um outro nível, equivalendo ao ensino superior ou universitário.
Os sofistas estabelecem um sistema de ensino próprio, com uma remuneração por vezes considerável, e procuram atrair discípulos, dando demonstrações de suas habilidades. Sócrates não é, também, um mestre nesse sentido. Ele não faz discípulos, propriamente falando, mas sim companheiros de diálogo e se nos referimos aos “discípulos de Sócrates”, isso se faz por comodidade de expressão e deve ser entendido de um modo bem específico. A Apologia de Sócrates composta por Platão seria o discurso de defesa que o filósofo apresentou no processo que contra ele foi movido e que o condenou à morte. Ele afirma claramente que nunca teve discípulos e mostra que havia aqueles que ensinavam os homens mediante pagamento – os sofistas.
Sócrates nega que seja um educador de homens que tenha discípulos e que cobre pelos seus serviços (“se ouvirdes de alguém que eu me dedico a educar homens e ganho dinheiro assim, sabei também que não é verdade”; “Não sou dos que conversam só quando lhes pagam”). E dá mostras de não crer que seja possível educar alguém, ao menos no sentido em que o faziam os sofistas. Falando de homens como Górgias e Pródico, que se pretendiam capazes de educar alguém, o filósofo acrescenta: “se é que o são”. Do mesmo modo, ao falar de Eveno, ele coloca uma condicional: “se, na verdade, possuía essa arte”. Mas Sócrates, ao negar que seja um educador no sentido da sofística, não quer dizer que não o seja absolutamente. Sua tarefa é mostrar aos homens o verdadeiro saber e a isso ele se dedicará até a morte.
2. Quais elementos de nossa cultura mostram claramente a influência que o cristianismo exerceu em sua formação? (mínimo de 10 linhas)
O calendário ocidental usa como marco zero o nascimento de Cristo. Ele é usado, inclusive, em países não ocidentais e em culturas não cristãs. Outro bom exemplo são as festas cristãs que são comemoradas não só no Ocidente: Páscoa e Natal.
As diversas parábolas que encontramos nos evangelhos deixaram traços importantes em nossa cultura e em nossa língua. Há expressões em português que derivam de passagens tiradas das parábolas: a) separar o joio do trigo – significa separar o que é bom do que é ruim, mostrar o que há de bom e o que há de ruim em uma determinada circunstância, ser prudente e evitar punir os bons, quando se quer punir os maus. b) filho pródigo – diz-se de alguém que desapareceu durante um longo tempo e que reaparece repentinamente.
Outros ditados populares não provêm de parábolas, mas de outros trechos da pregação de Jesus. Eis apenas alguns exemplos mais conhecidos, para não nos alongarmos: a) dar pérolas aos porcos – dar algo valioso a alguém que não saberá reconhecê-lo e que ainda se voltará contra o benfeitor. Expressão tirada da passagem seguinte: “Não lanceis aos cães as coisas santas, não atireis aos porcos as vossas pérolas, para que não as calquem com os seus pés, e voltando-se contra vós, vos despedacem.” (São Mateus, 7, 6)
b) dar a César o que é de César – dar a cada um aquilo que é seu por direito, atribuir a cada um aquilo que lhe cabe por justiça. Eis a origem da frase: “Reuniram-se, então, os fariseus para deliberar entre si sobre a maneira de surpreender Jesus nas suas próprias palavras.
Enviaram seus discípulos com os herodianos, que lhe disseram: 'Mestre, sabemos que és verdadeiro e ensinas o caminho de Deus em toda a verdade, sem te preocupares de ninguém, porque não olhas para a aparência dos homens. Dize-nos, pois, o que te parece: É permitido ou não pagar o imposto a César?' Jesus, percebendo a sua malícia, respondeu: 'Por que me tentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda com que se paga o imposto!' Apresentaram-lhe um denário. Perguntou Jesus: 'De que é esta imagem e esta inscrição?' 'De César', responderam-lhe. Disse-lhes então Jesus: 'Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus'. Esta resposta encheu-os de admiração, e, deixando-o, retiraram-se”. (São Mateus, 22, 15-22)
c) ver para crer – expressão que indica um fato no qual dificilmente se pode acreditar. Vem do trecho em que o apóstolo São Tomé não acredita quando os outros apóstolos lhe dizem que Jesus ressuscitou e apareceu para eles: “Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Os outros discípulos disseram: 'Vimos o Senhor'. Mas ele replicou-lhes: 'Se não vir nas suas mãos o sinal dos pregos e não puser o meu dedo no lugar dos pregos, e não introduzir minha mão no seu lado, não acreditarei!' Oito dias depois, estavam os seus discípulos outra vez no mesmo lugar e Tomé com eles. Estando trancadas as portas, veio Jesus, pôs-se no meio deles e disse: 'A paz esteja convosco!' Depois disse a Tomé: 'Introduz aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos. Põe a tua mão no meu lado. Não sejas incrédulo, mas homem de fé'. Respondeu-lhe Tomé: 'Meu senhor, e meu Deus!' Disse-lhe Jesus: 'Creste, porque me viste. Felizes aqueles que creem sem terem visto!'” (São João, 20, 24-29)
d) dar a outra face – significa não se vingar, saber ser paciente, mesmo diante das piores humilhações, não revidar uma agressão, ainda que injusta. É tirado do trecho seguinte:
“Tendes ouvido o que foi dito: 'Olho por olho, dente por dente'. Eu, porém, vos digo: Não resistais ao mau. Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra. Se alguém te citar em justiça para tirar-te a túnica, cede-lhe também a capa. Se alguém vem obrigar-te a andar mil passos com ele, anda dois mil. Dá a quem pede e não te desvies daquele que te quer pedir emprestado” (São Mateus, 5, 38-42) e) atirar a primeira pedra – ser o primeiro a acusar ou culpar alguém. Lemos, anteriormente (no tópico 1.1), a passagem de onde é extraída a expressão (São João, 8, 3-7).
3. Partindo dos trechos dos Atos dos Apóstolos e das cartas de São Paulo citados na Aula 17, escreva um texto falando dos primeiros contatos entre o cristianismo e a cultura clássica. (mínimo de 20 linhas)
Nos Atos dos Apóstolos, temos uma interessante narrativa do encontro do apóstolo São Paulo com filósofos em Atenas. O texto fala especificamente de estoicos e epicuristas. Vejamos o trecho (Atos, 17, 16-23; 32-34). São Paulo estava em Atenas, a Atenas de Sócrates, de Platão e de Aristóteles. A Atenas da filosofia, da sofística, da retórica, das ciências, da busca pelo saber. Mas a cidade estava, diz o texto, entregue à idolatria, realidade multissecular da religião politeísta e naturalista dos gregos antigos. Ele discute com filósofos. E estes reagem à sua pregação e o chamam de “tagarela”. O texto grego diz σπερμολόγος (spermológos), ou seja, “falador”, “tagarela”, “fofoqueiro”, “frívolo”. São Paulo é levado ao Areópago – uma colina em Atenas na qual, nos tempos clássicos, funcionava um dos tribunais. Os filósofos querem saber que nova doutrina é aquela que o apóstolo anuncia. São Paulo, reconhecendo a grande religiosidade dos atenienses, menciona o fato de ter visto um altar dedicado a um deus desconhecido. O temor que tinham do divino era tanto que, por medo de ignorar alguma divindade e ofendê-la, por não prestar-lhe culto, erigiram um altar para um deus desconhecido. E Paulo diz que é esse Deus mesmo desconhecido que ele vai anunciar-lhes. Faz, então, um anúncio da fé cristã. Mas ao mencionar ressurreição, foi objeto de zombaria. Esse é um dos primeiros encontros que temos registrados entre o cristianismo e a cultura pagã greco-romana. Há uma menção explícita à filosofia. É, portanto, mais um capítulo da complexa questão das relações entre fé e razão. Com Sócrates, a razão foi levada ao tribunal em nome da fé. Aqui, a fé é objeto de escárnio por parte da razão.
Em duas passagens da primeira carta aos Coríntios, São Paulo opõe a sabedoria deste mundo à verdadeira Sabedoria. Sua pregação do evangelho não recorre à retórica, pois isso poderia, diz ele, desvirtuar a cruz de Cristo. A retórica parece, então, ser vista como algo negativo. Mas há uma outra explicação. Cristo, que pregou em linguagem simples e por parábolas, também não precisou recorrer à retórica. A verdade deve ser aceita pelos homens por ser verdade e não por estar floreada de belas palavras. A preocupação de São Paula parece ser que haja quem se deixe converter não pela verdade, mas apenas pela beleza das palavras, e que não tenha, assim, a verdadeira fé.
Atividades de Revisão 3 – Aulas 18 a 20
1. Como você poderia resumir as críticas à literatura e ao teatro apresentadas por Platão e Santo Agostinho? (mínimo de 15 linhas)
Na Grécia, o gênero dramático – tragédia e comédia – pertence ao âmbito da poesia. Em outras palavras: teatro é poesia. E, para Platão, a poesia é uma espécie de imitação – μίμησις (mímesis, de onde vêm mimetismo, mimético etc.) –, o que significa dizer que ela está bastante afastada da realidade. O mundo das Ideias é o mundo verdadeiro. Nosso mundo sensível é uma cópia desse mundo real e as artes, no geral, produzem obras que são cópias do mundo sensível. Uma obra de arte seria, assim, a cópia de uma cópia. Em seu diálogo A República, Platão trata da justiça e de sua realização no indivíduo e na cidade. Para que a cidade possa ser justa, é preciso que ela seja governada por homens justos. Para tal, eles precisam ser bem formados. A educação exerce, portanto, um papel essencial para o sucesso de uma sociedade (infelizmente, parece que perdemos de vista essa verdade fundamental!). A educação deve ter características bem específicas, de tal modo que possa tornar virtuosos os governantes e os cidadãos. Ela visa, portanto, à virtude e nela nada pode haver que afaste os governantes do caminho da justiça e os torne viciosos. No livro II de A República, Platão discute o tipo de educação a que devem ser submetidos os guardiões (governantes) da cidade. A melhor formação deveria ser baseada na ginástica (γυμναστική), que educa o corpo, e na música (μουσική), que educa a alma. Dentro da categoria “música”, o filósofo inclui os discursos (histórias, poesia etc.). Estes podem ser verdadeiros ou mentirosos. A preocupação maior de Platão é que as crianças e os jovens sejam expostos a maus exemplos transmitidos pelos mitos narrados na poesia, pois estão em uma idade em que são por um lado bastante impressionáveis, por outro, muito imaturos para julgar o que é certo ou errado. Como pudemos constatar, a crítica e mesmo a censura ao teatro e à literatura é bastante anterior ao que dirá Santo Agostinho e nada tem a ver com a “novidade” do cristianismo. Questões de ordem política, social e filosófica estão na base de tais procedimentos, muito antes de qualquer aspecto religioso que o cristianismo possa ter introduzido no cerne do problema.
A literatura pode ser um meio de corrupção das crianças e dos adolescentes. Santo Agostinho tece uma crítica idêntica à de Platão, que mencionou a “descrição errônea da natureza dos deuses e dos heróis”. Homero, ao mostrar os deuses comportando-se de maneira imoral, oferece um péssimo modelo a ser seguido. Não poucos pensarão que, se um deus pode agir de tal modo, então não haverá nada repreensível no que ele faz. E, assim, as maiores torpezas são apresentadas como modelos de virtude e muitos agirão de modo impróprio, levados pelos sentimentos despertados pelas belas palavras do poeta. A beleza da linguagem torna palatável e até mesmo delicioso o
pior dos vícios. Ele cita Cícero, o qual dizia que Homero atribuía aos deuses os vícios humanos, mas que seria melhor que manifestasse aos homens as perfeições divinas. No entanto, conclui Agostinho, o que Homero fez foi divinizar homens corruptos, para que suas mazelas fossem tomadas como modelos.
O que aqui se diz sobre o teatro é facilmente aplicável ao entretenimento que mais tem feito sucesso entre nós: a televisão. De fato, esta é a versão contemporânea do teatro antigo. Nela encontramos vários espetáculos de tipo cênico: novelas, filmes, seriados. Assim como no tempo de Agostinho, muitos hoje são extremamente dependentes do prazer que tiram da televisão. As novelas, em particular, exercem o mesmo tipo de fascínio e os mesmo resultados. Os espectadores conversam diariamente sobre o que está se passando nelas e vivenciam o jogo cênico como se fosse algo real. Sofrem com os dramas dos personagens, desenvolvem todo tipo de sentimento em relação a eles (simpatia, paixão, ódio, vingança), choram, riem. O envolvimento emocional é grande. A constatação de Agostinho não é menos verdadeira: não desejam experimentar em suas vidas os sofrimentos dos personagens com que tanto se deliciam e a empatia que por eles sentem, não se traduziria, em um caso do mundo real, em compaixão ou solidariedade. Vão perdendo a sensibilidade para com fatos que normalmente julgariam inaceitáveis. Após verem repetidamente esses fatos na televisão, passam a achá-los normais e mesmo um modelo de comportamento. Já não se escandalizam com os casos mais terríveis de violência ou imoralidade. Se olharmos para as últimas décadas, vemos como a televisão moldou a linguagem, a maneira de se vestir (as modas), de se comportar e, o que é mais importante, os valores de nossa sociedade. Qualquer semelhança com a telinha descrita por Orwell em 1984 talvez não seja mera coincidência… O fato é que a análise feita por Santo Agostinho é de temática atualíssima e sua observação perspicaz da psicologia e do agir humanos é atemporal.
A questão das falsidades presentes na narrativa dos poetas, da atribuição de vícios à divindade que servem como modelo de comportamento para a juventude, da dessensibilização decorrente da exposição repetida a cenas contendo violência, corrupção etc., da compaixão virtual que se tem pelos personagens e que esvazia a compaixão real que deveríamos ter diante dos mesmos infortúnios presentes na vida.
2. Vimos que Boécio, Cassiodoro e Santo Isidoro de Sevilha trabalharam pela preservação e a transmissão da cultura antiga, cada qual a seu modo. Como eles fizeram isso? Que atividades realizaram para atingir esse seu objetivo comum? (mínimo de 15 linhas)
Temos os seguintes elementos centrais:
– as traduções para o latim e comentários sobre obras de Aristóteles que Boécio realiza;
– a composição da Consolação da Filosofia, obra em prosa e verso;
– as definições que Boécio dá de “pessoa”e “eternidade”, cuja influência na filosofia e na teologia foram marcantes durante todo o período medieval;
– a composiçãodas Instituições das letras divinas e profanas, obra de Cassiodoro que trata tanto do saber religioso quanto das ciências profanas;
– a transmissão sistemática das 7 artes liberais antigas, realizada por Cassiodoro e Santo Isidoro;
– o grande amor ao saber e ao livro, concretizados na fundação do mosteiro de Vivarium, por Cassiodoro; explore bem a preocupação com a formação intelectual dos copistas e com as condições materiais para que eles pudessem realizar bem suas tarefas;
– as Etimologias ou Origens, de Santo Isidoro de Sevilha, que constituem uma grande enciclopédia do saber antigo que o autor transmite para a Idade Média;
– o método etimológico de Santo Isidoro, que faz com que se procure buscar as origens remotas das palavras, criando, assim, uma conexão permanente com a literatura e os autores antigos;
– a variedade de temas e campos dos saberes tratados nas Etimologias, o que mostra o interesse de preservar tudo o que se pudesse da cultura antiga.
Boécio, Cassiodoro e Isidoro têm em comum um profundo amor pelo saber e uma grande preocupação em transmitir a cultura antiga que se estava perdendo junto com o Império Romano que se dissolvia. Cada um tem sua história de vida e seus projetos para a preservação dos saberes. Cada qual aplica os meios que estão a seu alcance. Todos os três, no entanto, mostram-nos como é falsa a ideia – fruto da propaganda iluminista – de que o cristianismo foi inimigo do saber e da ciência e que a Idade Média foi a Idade das Trevas.
3. Por que Santo Isidoro de Sevilha valoriza o método etimológico? Qual é, segundo ele, a importância de se conhecer a etimologia das palavras? (mínimo de 10 linhas)
Santo Isidoro de Sevilha compõe, ele também, várias obras. Indiscutivelmente, a mais importante e cuja influência durante toda a Idade Média é imensa são as sua Etimologias ou Origens (Originum sive etymologiarum libri viginti), uma grande enciclopédia do saber antigo em vinte livros, dedicada aos vários campos do saber, não apenas às sete artes liberais (ciências da linguagem e matemáticas), mas também à medicina, ao direito, à teologia, à zoologia, à geografia, à arquitetura, à mineralogia, à agricultura, à economia doméstica etc. O título da obra – Etimologias ou Origens – vem do método que ele utiliza para explorar os diversos temas nela tratados. Isidoro parte da origem etimológica dos termos para explorar seu sentido e estudar os conceitos por eles expressos.
A etimologia: Ele parte da origem de um determinado termo para explicar-lhe o sentido mais profundo. A etimologia por ele apresentada é, não raras vezes, errada, o que não impede que sirva de ponto de partida para investigar a natureza mais profunda dos conceitos estudados. O caminho etimológico é tomado por Isidoro como um real meio de se conhecer as coisas (Patrologia Latina, 82, 82 B): “O nome (nomen) foi assim chamado por ser como que uma marca (notamen), porque nos torna manifestas (notas) as coisas por meio da palavra que as designa. Com efeito, se não se conhece o nome, o conhecimento se perde.” Repare que, ao definir o termo “nome”, ele recorre a um jogo de palavras, aproximando nomen, notamen e notas para relacionar o “nome” com aquilo que ele “manifesta”. E a parte final da citação nos deixa bem claro o quão importante ele julga o conhecimento da etimologia de uma palavra para conhecer adequadamente o conceito que ela exprime: “se não se conhece o nome, o conhecimento se perde”.
No livro I, ao tratar do conceito mesmo de “etimologia”, ele mostra o grande valor que a etimologia tem em nos dar a conhecer o sentido mais profunda das coisas, que está ligado à origem mesma do nome que elas recebem (PL, 82, 105 B): “Etimologia é a origem das palavras, quando o sentido de um verbo ou de um nome é inferido por meio de uma interpretação. […] O conhecimento dela [=a etimologia] tem frequentemente um emprego imprescindível na interpretação do sentido, pois quando você vê de onde se originou um nome, mais rapidamente compreende o seu significado. Com efeito, o exame de cada coisa é mais claro quando a etimologia é conhecida.”
Isidoro ressalta o papel fundamental que a escrita tem de ser uma salvaguarda da memória. O uso das letras, diz ele, foi inventado para que as coisas não nos escapem por causa do esquecimento, já que o volume de conhecimento é enorme e não poderia ser conservado em nossa memória. É exatamente o que Platão disse em seu diálogo Fedro. Cumpre, no entanto, lembrar que o filósofo ateniense qualificava a escrita de φάρμακον (phármakon), pois ela, ao mesmo tempo, podia ser vista como um remédio para nossa memória, mas também um veneno que traria consequências funestas. Platão referia-se ao fato de que o indivíduo não mais carregaria em sua alma o conhecimento, que ficaria consignado nos livros e, por assim dizer, morto. Isidoro, que vive em uma cultura na qual o letramento é uma realidade há muito palpável, não parece vislumbrar o lado negativo da escrita. E há, ainda, um outro efeito
colateral do φάρμακον (phármakon): nossa memória, por falta de exercício – uma espécie de sedentarismo intelectual –, vai-se atrofiando paulatinamente, até chegar ao ponto gravíssimo em que não somos capazes de reter um mero número de telefone, se a necessidade se nos apresenta. Esquecemos facilmente nomes, datas, acontecimentos. O aprendizado dos conteúdos mais banais se mostra um terrível suplício para os filhos de Eva. Platão estava certo. A escrita é um φάρμακον (phármakon) e, como todo remédio, pode trazer consequências graves, se
utilizado em excesso.

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