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Estudos de Psicologia (Campinas)
Estud. psicol. (Campinas) v.21 n.3 Campinas set./dez. 2004
Câncer infantil: uma proposta de avaliação as estratégias de enfrentamento da hospitalização
 
Childhood cancer: an assessment of hospitalization coping strategies proposal
 Alessandra Brunoro MottaI; Sônia Regina Fiorim EnumoII
IPrograma de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Espírito Santo. Av. Fernando Ferrari, s/n, Campus Universitário de Goiabeiras, Prédio CEMUNI VI, 29060-900, Vitória, ES, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: A.B. MOTTA. E-mail: <abmotta.vix@zaz.com.br> 
IIDepartamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil
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RESUMO
A criança com câncer precisa se adaptar à hospitalização, utilizando estratégias de enfrentamento adequadas a fim de minimizar os efeitos negativos. Visando à elaboração de um instrumento de avaliação das estratégias de enfrentamento da hospitalização, 28 crianças, de 6 a 12 anos, inscritas no serviço de oncologia de um hospital público de Vitória, ES, foram submetidas à aplicação do instrumento: Avaliação das Estratégias de Enfrentamento da Hospitalização, com 41 pranchas ilustradas, divididas nos conjuntos: A: Enfrentamento da hospitalização, e B: Brincar no hospital. Os resultados referentes à adequação do instrumento mostraram um percentual de 88,4% e 94,6% de adequação das pranchas do Conjunto A e do Conjunto B, respectivamente. Os resultados das respostas ao instrumento indicaram um padrão de respostas de enfrentamento mais facilitador (brincar, conversar, tomar remédio e rezar) do que não-facilitador (esconder-se, brigar, sentir culpa, fazer chantagem). O instrumento mostrou-se adequado à compreensão e ao atendimento psicológico à criança hospitalizada.
Palavras-chave: estratégias de enfrentamento; hospitalização infantil; câncer infantil.
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ABSTRACT
In order to diminish the negative effects of hospitalization, the child who has cancer needs to adapt herself/himself by using adequate coping strategies. Focused on the design of an assessment tool for the hospitalization coping strategies, 28 children (6 to 12) registered on the Oncology Service from a public hospital in Vitória, Espírito Santo, were submitted to the following instruments: coping Hospitalization Assessment Instrument, with 41 pictures, divided by sets: Set A: Facing hospitalization and Set B: Playing in the hospital. The instrument adequacy results have shown a percentage of 88.4% e 94.6% of adequacy in the pictures from Set A and Set B, respectively. The instrument responses results have revealed a larger tendency to the optimistic pattern of coping answers (play, talk, take medicine and pray), than to the non-optimistic (hide, fight, blame yourself, blackmail). The instrument was adequate to the psychological comprehension and attendance for the hospitalized children.
Key-words: coping strategies; children hospitalization; cancer in children.
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O tratamento do câncer infantil tem como característica o fato de ser prolongado, demandando um tempo considerável de hospitalização e expondo a criança a procedimentos invasivos e desagradáveis, tanto física quanto emocionalmente. A criança precisa, então, adaptar-se a essa nova situação, sendo necessária a utilização de estratégias de enfrentamento adequadas.
A expressão estratégias de enfrentamento é tradução do termo coping, definido por Antoniazzi, Dell'Aglio e Bandeira (1998, p. 274) como: "(...) o conjunto de estratégias utilizadas pelas pessoas para adaptarem-se a circunstâncias adversas".
A perspectiva de coping adotada neste estudo refere-se à proposta da década de 1960, utilizada especialmente por Susan Folkman e Richard S. Lazarus, e encontra-se dentro de uma abordagem comportamental-cognitiva, que propõe um modelo de coping dividido em duas categorias funcionais: 1) o coping focalizado no problema - a situação a ser enfrentada é avaliada como suscetível à mudança, constituindo-se um esforço para atuar na situação que originou o stress e 2) o coping focalizado na emoção - a avaliação indica que nada pode ser feito para modificar a situação estressante; o esforço neste caso está voltado para a regulação do estado emocional (Lazarus & Folkman, 1984).
Em revisão sobre o conceito e a metodologia de coping, Cerqueira (2000) afirma que o estudo do copingconstitui-se uma área problemática, especialmente pela falta de clareza conceitual e por questões metodológicas presentes nos estudos que visam medi-lo. Dentre as dificuldades, destacam-se: construção de medidas restritas ao uso da análise fatorial explorativa decorrente da falta de direção que a teoria oferece; dificuldade em identificar que itens são válidos para representar diferentes estratégias (resolvida ao se elaborar itens diferentes para diferentes situações e populações); natureza do conceito de coping e dificuldades relacionadas ao aspecto psicométrico das medidas de coping (Cerqueira, 2000).
Analisando agora as pesquisas sobre coping em crianças, Antoniazzi et al. (1998) alertam para o pequeno número de pesquisadores que se dedicam a essa área, indicando a necessidade de elaboração e adequação de instrumentos dirigidos a crianças e adolescentes em condição de stress.
Procurou-se, então, identificar os principais estressores da hospitalização infantil: a doença; a dor; o ambiente hospitalar pouco familiar; a exposição a procedimentos médicos invasivos; a separação dos pais; o stress dos acompanhantes; a ruptura da rotina de vida e adaptação a uma nova rotina imposta e desconhecida; a perda da autonomia, controle e competência pessoal; a incerteza sobre a conduta mais apropriada; e a morte (Méndez, Ortigosa & Pedroche, 1996). Essa identificação é fundamental, pois, como alertam Lazarus e Folkman (1984), há a necessidade de se conhecer o que a pessoa, de fato, está enfrentando, uma vez que, quanto mais definido estiver o contexto da situação a ser enfrentada, mais fácil será articular o ato ou pensamento particular de enfrentamento com a demanda da situação.
No caso da criança com câncer, todos os estressores citados anteriormente estão presentes, além de intensificados pelo tratamento prolongado.
Buscando atender as questões descritas anteriormente, a presente pesquisa teve como objetivo elaborar uma proposta de avaliação das estratégias de enfrentamento da hospitalização em crianças com câncer, buscando contribuir para o atendimento hospitalar e para o direcionamento de intervenções que tornem o suporte social mais adequado às instituições hospitalares.
 
MÉTODO
Participantes
Participaram deste estudo 28 crianças (9 meninas e 19 meninos), com idade entre 6 e 12 anos (média: 9 anos), inscritas no serviço de oncologia de um hospital infantil público de Vitória, Espírito Santo, vinculado ao Sistema Único de Saúde e considerado referência no Espírito Santo para o tratamento de câncer infantil, recebendo pacientes de todo o Estado, do sul da Bahia e do leste de Minas Gerais.
Instrumentos
Os instrumentos utilizados na coleta de dados foram os seguintes: a) Roteiro para registro de dados familiares e de saúde obtidos em prontuários médicos e fichas sociais a fim de levantar informações gerais para caracterização das crianças; e b) Instrumento de Avaliação de Estratégias de Enfrentamento da Hospitalização (AEH), elaborado para a avaliação das estratégias de enfrentamento da hospitalização utilizadas pelas crianças com câncer.
Procedimento
Para alcançar o objetivo proposto, a pesquisa foi executada em quatro etapas, no período de junho a agosto de 2000:
Primeira etapa - identificação dos sujeitos: a partir do cadastro dos pacientes (nome, data de nascimento, fase do tratamento, data de inscrição no serviço de oncologia), foi possível selecionar os que se encontravam no intervalo de idade estabelecido (6 a 12 anos) e que estavam freqüentando o hospital regularmente, no mínimo, uma vez por mês.
Segunda etapa - caracterização dossujeitos: levantamento documental nos prontuários médicos e fichas de dados sociais dos sujeitos, feito no ambulatório de oncologia, em dias e horários sem atendimento para não prejudicar a rotina do serviço.
Terceira etapa - elaboração do instrumento de avaliação das estratégias de enfrentamento. O instrumento proposto recebeu o nome de Instrumento de Avaliação das Estratégias de Enfrentamento da Hospitalização e teve como base para a sua elaboração outros instrumentos disponíveis sobre stress, ansiedade infantil e qualidade de vida: a Escala de Stress Infantil (ESI) (Lipp & Luccarelli, 1998), o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE-C) (Spielberg, 1983), o Autoquestionnaire Qualité de Vie Enfant Imagé (AUQEI), de Manificat e Dazord (Assumpção, Kuczynski, Sprovieri & Aranha, 2000), a adaptação do Inventário de Estratégias de Copingde Folkman e Lazarus, feita por Savóia, Santana e Mejias (1996) e a Escala de Avaliação do Comportamento da Criança, proposto por Löhr e Silvares (Löhr, 1998).
Para uma maior adequação do instrumento e sugestão de temáticas a serem abordadas, foram feitas observações prévias do cotidiano da criança no ambulatório e na enfermaria do hospital, quando se registraram comportamentos indicativos de formas de enfrentar a situação (cantar, brincar, chorar, dormir, ler, entre outros).
O instrumento elaborado baseou-se, também, nos dados da pesquisa sobre conceitos de saúde, doença e morte, de Fávero e Salim (1995), no que se refere ao uso do desenho como instrumento de coleta de dados. Essa análise permitiu identificar que as crianças representavam a doença da seguinte forma: o doente com alterações corporais (magreza), com expressões faciais que denotam sentimentos de tristeza (boca desenhada com traços descendentes e a presença de lágrima). Essas características foram levadas em consideração, objetivando-se atingir certa coerência com as percepções das crianças e, assim, aumentar as possibilidades de adequação do instrumento.
Assim, foi proposto o AEH, composto por: 1) um roteiro de entrevista, com cinco perguntas a serem feitas para a criança sobre: a) suas estratégias de enfrentamento da hospitalização (pensamentos, sentimentos e atitudes); b) o que gostaria de fazer no hospital; e c) o brincar (definição e preferência do que e com quem brincar no hospital); 2) um caderno espiral de desenho, com 21 cenas desenhadas em preto e branco sobre temas que retratam possíveis estratégias de enfrentamento da hospitalização (Conjunto de Pranchas A: Enfrentamento da Hospitalização); 3) um caderno espiral de desenho, com 20 tipos de brincadeiras desenhadas em preto e branco (Conjunto de Pranchas B: Brincar no Hospital); e 4) folhas de registro das respostas.
O Conjunto de Pranchas A: Enfrentamento da Hospitalização contém cenas que representam comportamentos descritos no Quadro 1.
Por meio do Conjunto de Pranchas A: Enfrentamento da Hospitalização", procurou-se conhecer as formas pelas quais a criança vem enfrentando a sua doença e o tratamento no hospital. As cenas desse conjunto foram selecionadas e distribuídas em duas categorias: respostas facilitadoras (F) e não-facilitadoras (NF). Entenda-se por respostas facilitadoras aquelas que se referem a uma estratégia considerada adaptativa, e por respostas não-facilitadoras as consideradas não adaptativas à situação, segundo avaliação prévia da pesquisadora, apoiada no senso comum de adequação.
Com as pranchas A1: Brincar, A4: Assistir TV, A7: Cantar e dançar, A10: Estudar, A14: Ouvir música e A17: Ler gibi, procurou-se abranger estratégias facilitadoras, características de atividades recreativas e/ou cotidianas da vida normal da criança. O uso de tais estratégias para o enfrentamento de uma situação adversa, no caso a hospitalização, encontra apoio no item 3 (Procurei trabalhar ou fazer alguma atividade para me distrair) do Inventário de Estratégias de Coping, de Folkman e Lazarus (citados por Savóia et al., 1996), e no estudo realizado por Méndez et al. (1996), a partir dos quais se pode considerar tais estratégias como sendo formas de distração. Os itens 1.1. (Desenha), 1.2. (Lê ou olha revistas), 1.3. (Manuseia brinquedo) e 1.4. (Corre, pula), da Escala de Avaliação do Comportamento da Criança (Löhr & Silvares, 1998) também contribuíram para a elaboração dessas pranchas.
Com a prancha A8: Rezar, pretendeu-se identificar se esta estratégia faz-se presente no repertório comportamental de crianças hospitalizadas com câncer e de que modo. O item 60 (Rezei), do Inventário de Estratégias de Coping, de Folkman e Lazarus, também traz esta estratégia de enfrentamento.
Na prancha A13: Conversar, pretendeu-se verificar se a criança conversa com outras crianças e sobre o quê. A proposta dessa prancha baseou-se no item 42 (Procurei um amigo ou um parente para pedir conselhos) do Inventário de Estratégias de Coping, de Folkman e Lazarus e no item 1.7 (Conversa com crianças) da Escala de Avaliação do Comportamento da Criança de Löhr e Silvares (1998). Já na prancha A21: Buscar informações, pretendeu-se saber se a criança usa como estratégia a procura de conhecimento sobre a doença, por meio de conversas com o médico ou qualquer outro profissional da equipe. O item 8 (Conversei com outra (s) pessoa (s) sobre o problema, procurando mais dados sobre a situação) do Inventário de Estratégias de Coping, de Folkman e Lazarus e o item 3.7. (Pergunta ou inicia diálogo com o médico) da Escala de Avaliação do Comportamento da Criança (Löhr & Silvares, 1998) contribuíram para a escolha da prancha.
Com a prancha A18: Tomar remédio, pretendeu-se verificar se a criança tem disponibilidade para ser medicada, o que poderia indicar uma estratégia de enfrentamento facilitadora, indicativa de adesão ao tratamento. A Escala de Avaliação do Comportamento da Criança (Löhr & Silvares, 1998), por meio do item 4 (Na quimioterapia ou na coleta de sangue) e do item 5 (Na medula óssea ou punção lombar), procurou identificar comportamentos de aceitação e negação do tratamento, coincidindo com a proposição da prancha A18: Tomar remédio. Itens do Inventário de Estratégias de Coping, de Folkman e Lazarus também subsidiaram a proposta desta prancha, como, por exemplo, item 49 (Eu sabia o que deveria ser feito, portanto dobrei meus esforços para fazer o que fosse necessário).
Para a prancha A2: Chorar, os itens 1.8, 2.1, 3.2, 4.3 e 5.4 (Chora) da Escala de Avaliação do Comportamento da Criança (Löhr & Silvares, 1998), assim como as observações informais no ambiente em estudo fundamentaram sua proposição. O item 15 (Tenho vontade de chorar) da E.S.I. (Lipp & Lucarelli, 1998) e o item 2 (Tenho vontade de chorar) da Forma C-2 do IDATE-C (Spielberg, 1983) também foram usados como referência para a elaboração da prancha.
Os itens 1.9 (Apresenta comportamento agressivo) e 1.12 (Dorme) da Escala de Avaliação do Comportamento da Criança (Löhr & Silvares, 1998) e os itens 17 (Descontei minha raiva em outra (s) pessoa (s)) e 16 (Dormi mais que o normal) do Inventário de Estratégias de Coping, de Folkman e Lazarus contribuíram para a proposição das pranchas A3: Brigar e A20: Dormir, respectivamente. Com a prancha A3: Brigar, pretendeu-se identificar a presença de comportamentos agressivos como estratégias para enfrentar a hospitalização. No caso da prancha A20: Dormir, considerou-se que este comportamento caracteriza-se como desânimo e fuga, talvez relacionado à ociosidade, o que consistiria uma estratégia de enfrentamento não-facilitadora.
As pranchas A5: Esconder e A12: Pensar em fugir referem-se basicamente ao mesmo tipo de estratégia, no caso, a esquiva de situações aversivas. Foram fundamentadas, indiretamente, pelo item 40 (Procurei fugir das pessoas em geral) do Inventário de Estratégias de Coping, de Folkman e Lazarus.
Os itens 10 (Eu me sinto triste) e 13 (Sinto que tenho pouca energia para fazer as coisas) da E.S.I. (Lipp & Lucarelli, 1998) contribuíram, respectivamente, para a proposição das pranchas A6: Triste e A9: Desanimar.
Com a prancha A11: Chantagem, pretendeu-severificar se a criança procura usar a doença como forma de conseguir o que quer. Esse comportamento é abordado na literatura sobre doença crônica, com o nome de "ganhos secundários da doença", a partir dos quais, a pessoa se relaciona com o mundo por meio da doença (Santos & Sebastiani, 1998).
Com a prancha A15: Culpa, pretende-se identificar sentimentos de culpa entre as crianças hospitalizadas, além de comportamentos de autopunição. O item 9 (Me (sic) critiquei, me (sic) repreendi) do Inventário de Estratégias de Coping, de Folkman e Lazarus subsidiou a proposição da prancha.
A prancha A16: Medo teve como fundamento para a sua proposição o item 18 (Medo) do Idate-C (Spielberg, 1983) e o item 26 (Tenho medo) da E.S.I. (Lipp & Lucarelli, 1998).
Com a prancha A19: Milagre, pretendeu-se identificar a presença do pensamento mágico na criança. O item 11 (Esperei que um milagre acontecesse), do Inventário de Estratégias de Coping, de Folkman e Lazarus, fundamentou sua proposição.
Por meio do Conjunto de Pranchas B: Brincar no Hospital, pretendeu-se investigar a importância atribuída ao brincar pela criança no seu processo de enfrentamento da hospitalização. Foi utilizada a classificação por família de brinquedos, proposta pelo Sistema Esar1 que permite diferenciar as expressões lúdicas, identificando os brinquedos como: jogos de exercício (E), simbólico (S), de acoplagem (A) e de regras simples e complexas (R) (Garon, 1996). Com o objetivo de ampliar as possibilidades de escolha das atividades lúdicas, foi acrescentada ao padrão de brincadeiras acima descrito uma categoria com brincadeiras que abrangiam atividades recreativas diversas (AD), como assistir à televisão, ler gibi, e contar histórias, que não puderam ser classificadas pelo Sistema Esar. O Quadro 2, a seguir, apresenta a distribuição do brincar entre os tipos de brincadeiras selecionados.
A quantidade menor de pranchas relativas aos jogos de exercício deve-se ao fato de este tipo de brincadeira estar mais presente em idades iniciais da infância. A seqüência de apresentação foi planejada de modo a alternar as categorias.
Quarta etapa: aplicação das provas para a investigação das estratégias de enfrentamento da hospitalização da criança com câncer.
Antes da apresentação do Conjunto de Pranchas A: Enfrentamento do Hospital, a criança era questionada a respeito de seus sentimentos, pensamentos e atitudes frente à hospitalização e sua resposta, verbal, era gravada. Em seguida, foi apresentada à criança uma prancha de cada vez, devendo ela descrever a cena, para, em seguida, responder o quanto aquela figura se parecia com o que ela vinha fazendo durante o tempo que passava no hospital.
Para registrar a resposta, foram oferecidos à criança cinco círculos de velcro, de tamanho e cores iguais, que deveriam ser fixados no círculo preso ao caderno de respostas. Dessa forma, a criança deveria fixar um círculo quando achasse que havia feito apenas às vezes o que estava na figura; dois círculos no caso de quase sempre, três círculos no caso de sempre, e nenhum para o caso de nunca ter feito.
Após a escolha de cada figura, a criança era questionada sobre o motivo de sua resposta, que foi gravada. As respostas às figuras foram, posteriormente, anotadas também na folha de registro pela pesquisadora.
Para o Conjunto de Pranchas B: Brincar no Hospital, foi mantido o mesmo processo desenvolvido no Conjunto de Pranchas A.
 
RESULTADOS
Considerando os objetivos deste artigo - apresentar uma proposta de avaliação das estratégias de enfrentamento da hospitalização em crianças com câncer, serão descritos somente os resultados obtidos a partir do Conjunto A: Enfrentamento da Hospitalização, por ser esta a parte do instrumento que permite obter dados diretos sobre as estratégias de enfrentamento da hospitalização2.
Com o objetivo de verificar se os desenhos estavam coerentes com o que se desejava transmitir, foi realizada uma análise da adequação das pranchas a partir da descrição da criança. Para tanto, foram criadas as seguintes categorias: a) adequada sem ajuda (A): a criança descrevia e nomeava a prancha corretamente sem a ajuda da pesquisadora; b) adequada com ajuda (Aa): resposta adequadamente dada pela criança com a ajuda da pesquisadora que, neste caso, fazia perguntas a fim de direcionar e facilitar a compreensão da criança sobre o tema abordado pela prancha e c) inadequada (I): incluíram-se aqui aquelas respostas muito diferentes da esperada para a prancha.
De um modo geral, os resultados referentes à adequação das pranchas do Conjunto A: Enfrentamento da Hospitalização mostraram que 88,4% das descrições das pranchas, feitas pelas crianças, foram consideradasadequadas, indicando necessidade de revisão das pranchas "Ficar triste" e "Sentir medo", uma vez que as descrições recebidas não atingiram o percentual mínimo de 80,0% de adequação. As pranchas "Esconder" e "Sentir culpa" atingiram 80,0% de adequação após passarem por alterações em seu desenho, a partir da 11ª e 14ª criança entrevistadas, respectivamente.
É apresentada a adequação das pranchas do AEH a partir da descrição feita pelas crianças hospitalizadas com câncer (Tabela 1).
O grupo de pranchas representativas de estratégias facilitadoras apresentou um percentual de adequação superior (94,6%) àquele observado no grupo de pranchas representativas de estratégias não-facilitadoras (82,8%). De fato, as cenas das pranchas sobre estratégias facilitadoras caracterizam-se por conteúdos mais simples de serem representados graficamente, por se referirem mais a ações do que a sentimentos ou pensamentos. Além disso, pode-se pensar que perceber situações mais prazerosas pode ser mais fácil do que descrever situações de conflito ou desprazer.
Respostas das crianças hospitalizadas com câncer às pranchas do AEH
Os resultados relativos às respostas das crianças nas pranchas do Conjunto A: Enfrentamento da Hospitalização indicam um percentual de 53,2% de respostas sim (às vezes, quase sempre e sempre) e 46,8% de respostas não. As pranchas que receberam o maior número de respostas sim foram, em sua maioria, aquelas representativas de "estratégias de enfrentamento facilitadoras": brincar (A1: 92,9%), assistir TV (A4: 89,3%), rezar (A8: 82,1%) e tomar remédio (A18: 92,9%).
As pranchas que receberam o maior número de respostas não foram: A3: Brigar (100%), A5: Esconder (92,9%), A12: Pensar em fugir (96,4%) e A15: Sentir culpa (82,1%). As pranchas A2: Chorar, A6: Ficar triste, A16: Sentir medo, A9: Desanimar, A19: Pensar em milagre e A20: Dormir, representativas de "estratégias não-facilitadoras" de enfrentamento da hospitalização, receberam um número de respostas sim superior ao de respostas não.
Para a análise das justificativas das respostas dadas pelas crianças nas pranchas, foi realizada uma categorização, cujo processo será descrito a seguir.
Utilizando-se o referencial da análise funcional do comportamento3 (Skinner, 1978), considerou-se que cada comportamento avaliado poderia acontecer em função de situações antecedentes que o desencadeavam e/ou em função das conseqüências que o mesmo poderia trazer para a criança, que poderia justificar suas respostas afirmativas e negativas. Assim, foram criadas as categorias descritas a seguir.
1. Categorias fundamentadas em eventos antecedentes à resposta analisada:
1.1 Ambiente hospitalar: recursos materiais, pessoas, local específico, rotina do hospital e ociosidade justificavam tanto a ocorrência quanto a não ocorrência do comportamento.
1.2 Contexto da doença e do tratamento: os efeitos da medicação, a adaptação à doença, a avaliação positiva do quadro clínico, os procedimentos invasivos, a depressão, a duração e/ou persistência da doença, o prognóstico da doença, a preocupação com o tratamento, a rotina do tratamento justificavam tanto a ocorrência quanto a não ocorrência da resposta.
1.3 Característica da criança: características pessoais, crenças, valores e regras da criança justificam a ocorrência e a não ocorrência da resposta.
1.4 Contextofamiliar: quando atitudes dos familiares, experiências vividas em casa e restrições à convivência diária com parentes e amigos, ao brincar e a outros aspectos do seu cotidiano justificavam tanto a ocorrência quanto a não ocorrência da resposta.
2. Categorias fundamentadas em eventos conseqüentes à resposta analisada:
2.1 Conseqüências positivas: sensações e sentimentos positivos, aprendizagem, controle da situação, diminuição e eliminação da aversividade da situação, conhecimento geral sobre a doença, passar de ano, ganhar o que quer, ter companhia e a atividade por si só.
2.2 Conseqüências negativas: sensações e sentimentos negativos, reprovação social, mal-estar físico, aumento da aversividade da situação, exposição aos outros e conseqüências negativas para si próprio e para os outros.
Os resultados indicaram que as escolhas ou não das pranchas relativas a "estratégias de enfrentamento da hospitalização facilitadoras" decorreram tanto de eventos antecedentes, relacionados principalmente ao ambiente hospitalar, quanto de eventos conseqüentes relacionados às conseqüências positivas proporcionadas.
No que se refere às escolhas ou não das pranchas representativas de "estratégias não-facilitadoras" de enfrentamento da hospitalização, viu-se que estas se deveram tanto a eventos antecedentes relacionados principalmente ao contexto da doença e do tratamento quanto a eventos conseqüentes. Verificou-se que os procedimentos médicos invasivos, como punções, exame de sangue e injeções, foram freqüentemente indicados como geradores de "estratégias de enfrentamento não-facilitadoras", sendo comuns relatos como: "Só choro quando vai pegar minha veia. (Q) Porque tem vez que fica furando um montão de vez, aí, eu choro" (C24, F, 9 anos).
 
DISCUSSÃO
Esta pesquisa pretende apresentar uma proposta de elaboração de um instrumento para a avaliação das estratégias utilizadas por crianças com câncer para enfrentar a hospitalização.
Considerando que as estratégias de enfrentamento dizem respeito aos comportamentos e pensamentos das pessoas ao lidarem com situações estressantes, é possível acessá-las através do inquérito verbal, como propõem os autores de escalas e inventários (Lazarus & Folkman, 1984; Lipp & Lucarelli, 1998; para citar alguns). Entretanto, há situações em que o uso exclusivo da técnica da entrevista pode não ser suficiente ou adequado, como ocorre com a condição de hospitalização, em que a criança encontra-se em um local incomum a sua rotina e vivenciando situações de difícil manejo. Havia, assim, um desafio metodológico a ser enfrentado: como garantir a participação de crianças hospitalizadas, com uma doença grave, que exige internações e procedimentos dolorosos, de forma a levá-las a falar justamente sobre essa condição aversiva, a hospitalização? E por que queríamos fazer isso?
A solução para a questão metodológica foi o resgate de um recurso antigo da Psicologia - o desenho4 - como instrumento de coleta de dados; dada a sua proximidade com o universo infantil, da mesma maneira que o brincar.
Propor pranchas com desenhos ampliou as possibilidades de expressão dos sentimentos, comportamentos e pensamentos das crianças com câncer sobre a hospitalização, o que foi constatado frente à diferença de conteúdos obtidos por meio das questões abertas e das questões intermediadas pelas pranchas. Estas últimas serviram como potenciais facilitadores para a identificação e compreensão psicológica da criança com câncer hospitalizada, podendo assim fornecer subsídios para intervenções psicológicas e ações institucionais consistentes.
Em se tratando de um recurso para auxiliar a equipe de saúde mental, o material proposto pode subsidiar as técnicas de modificação de conduta a serem instauradas, no sentido de tornar mais positivas e adequadas as estratégias de enfrentamento utilizadas pelas crianças hospitalizadas. Assim, quando se identificam na criança respostas indicativas de estratégias não-facilitadoras, como desânimo, medo, tristeza e choro frente à exposição a procedimentos médicos, podem ser incorporadas ao tratamento psicológico da criança hospitalizada, técnicas que facilitam o enfrentamento adequado, como, por exemplo, o relaxamento e o controle da respiração, a imaginação e a distração, e o ensaio de conduta, entre outras, citadas no estudo sobre a preparação da hospitalização infantil de Méndez et al. (1996).
O instrumento proposto não é apenas uma escala que mede valores numéricos do comportamento, uma vez que usa o inquérito para aprofundar as respostas. Este é um diferencial, juntamente com o estímulo do desenho para as perguntas a serem feitas para a criança, e também a forma de registro oferecida, que se assemelha a um jogo. O caráter lúdico do material mostrou ser capaz de envolver e motivar a participação da criança.
Por fim, considere-se a possibilidade de que esta pesquisa se caracterize principalmente como um estudo-piloto para a realização de um trabalho fundamentalmente metodológico, planejado para ser submetido a análises estatísticas consistentes, a fim de ser validado como um instrumento capaz de contribuir para o diagnóstico e para a intervenção junto à criança hospitalizada.
 
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq, cuja bolsa permitiu a realização da Dissertação de Mestrado - Brincar no hospital: Câncer infantil e avaliação do enfrentamento da hospitalização. Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Espírito Santo - defendida pela primeira autora, orientada pela segunda autora.
 
REFERÊNCIAS
Antoniazzi, A.S., Dell'aglio, D.D., & Bandeira, D.R. (1998). O conceito de coping: Uma revisão teórica. Estudos de Psicologia, 3 (2), 273-294.         [ Links ]
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Estudos de Psicologia (Natal)
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Qualidade de vida e estratégias de enfrentamento em pacientes submetidos a transplante renal
 Quality of life and coping strategies in patients undergoing renal transplantation
Leda Maria Branco Ravagnani; Neide Aparecida Micelli Domingos; Maria Cristina de Oliveira Santos Miyazaki
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto
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RESUMO
Este estudo teve como objetivo comparar qualidade de vida pré e pós-transplante renal e identificar estratégias de enfrentamento utilizadas após o transplante. Participaram 17 pacientes (nove mulheres e oito homens) com idade entre 23 e 55 anos (M = 38 anos; DP = 8), que responderam ao Inventário de Qualidade de Vida SF-36, ao Inventário de Enfrentamento e a um roteiro de entrevista (pré e pós-transplante). Não houve diferença significante entre a avaliação de qualidade de vida nos períodos pré e pós-transplante para as variáveis investigadas pelo SF-36. As principais preocupações apontadas foram efeitos colaterais das medicações, consultas médicas, alterações da imagem corporal e tempo de hospitalização. Estratégias de enfrentamento centradas na emoção foram as mais utilizadas, isto é, estratégias mais subjetivas para enfrentar dificuldades. O transplante renal não influenciou de forma significante a qualidade de vida destes pacientes.
Palavras-chave: qualidade de vida; transplante renal; estratégias de enfrentamento
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ABSTRACT
The aim of the present study was to compare patients’ quality of life before and after renal transplantation, and identify coping strategies after surgery. Participants were 17 patients (9 female, and 8 men) with ages ranging from 23 to 55 years old (M: 37.9 years; SD: 8) assessed with the SF-36 Quality of Life Questionnaire, Ways of Coping Questionnaire, and a structured interview (before and after transplant). There was no significant difference in the quality of life assessment before and after the transplantation for the variables assessed by the SF-36. Patients’ major concerns were: effects of the medication, medical consultation, changes in corporal appearance, and hospitalization. Patients tended to use more emotion centered coping strategies, i.e., more subjective ways to cope with difficulties. There was no significant change in patients’ quality of life after transplantation.
Keywords: quality of life; renal transplantation; coping strategies
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Insuficiência renal crônica é uma das manifestações da doença renal crônica. Consiste, principalmente, na redução da capacidade dos rins em filtrar substâncias tóxicas, acarretando alterações metabólicas e hormonais (Ministério da Saúde, 2002).
O termo doença renal terminal (DRT) é utilizado para denominar o estágio mais avançado da insuficiência renal crônica, com perda de mais de 90% da função renal. Sua incidência tem aumentado em todo mundo, associada ao envelhecimento da população, à melhora dos recursos disponíveis para tratamento de diversas doenças, como diabetes, problemas cardiovasculares e câncer, bem como o rápido crescimento e aprimoramento dos métodos de substituição da função renal (Hsu, Vittinghoff, Lin, & Shlipak, 2004). Os tratamentos atualmente disponíveis para manejo da DRT não são curativos, mas substituem a função renal aliviando os sintomas da doença e podem preservar a vida do paciente. Incluem a hemodiálise (HD) (Romão Jr. & Araújo, 1998), a diálise peritonial ambulatorial contínua (CAPD) (Pecoits Filho & Riella, 1998) e o transplante (TX) (Silva Jr. & Pestana, 1998).
Em algumas situações específicas, a diálise e o transplante renal são complementares. A diálise serve de terapia de suporte na fase inicial do tratamento e preparo para o transplante, podendo ser ainda posteriormente utilizada em caso de rejeição aguda ou crônica do órgão transplantado (Riella, 1998).
Atualmente, a avaliação da qualidade de vida tem auxiliado no estabelecimento de metas no tratamento de insuficiência renal crônica (Riella, 1998), uma vez que este tratamento acarreta importantes limitações físicas, psicológicas e sociais aos pacientes.
Qualidade de vida é definida pela Organização Mundial de Saúde (1998) como "a percepção do indivíduo acerca de sua posição na vida, no contexto cultural e sistema de valores do local onde vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações". Abrange domínios de funcionamento, como condições físicas e capacidade funcional, condições psicológicas e bem estar, interações sociais, condições ou fatores econômicos e/ou vocacionais e condições religiosas e/ou espirituais. A avaliação da qualidade de vida é realizada com base na percepção que o indivíduo tem em relação a cada uma destas áreas e a terminologia utilizada pode diferir entre os investigadores (Spilker, 1996).
Em pacientes renais crônicos, a qualidade de vida é influenciada pela própria doença e pelo tipo de terapia de substituição da função renal. Além disso, fatores como idade do paciente, presença de anemia, comorbidade e depressão podem ser importantes influenciadores da qualidade de vida. Alguns destes problemas, quando identificados no início do tratamento, são passíveis de intervenção, que pode influenciar favoravelmente a evolução da doença (Valderrabano, Jofre, & Lopez-Gomes, 2001).
Estudos sobre adaptação psicossocial ao tratamento têm comparado a qualidade de vida entre pacientes (e seus familiares) em hemodiálise, CAPD e transplante (Blake, Codd, Cassidy, & O’Meara, 2000; Keogh & Feechally, 1999; Lindqvist, Carlsson, & Sjoden, 2000; Park, Yoo, Han, Kim, Kim, & Lee, 1996; Rebollo, Ortega, Baltar, Badia, Alvarez-Ude, & Diaz-Corte, 2000; Wicks, Milstead, Hathaway, & Cetingok, 1998). O caráter crônico desses tratamentos e o estresse associado aos mesmos estão freqüentemente relacionados a sofrimento emocional e transtornos mentais, que interferem na adaptação e adesão ao tratamento e requerem intervenção multidisciplinar (Newman, Steed, & Mulligan, 2004; Olbrisch, Benedict, Ashe, & Levenson, 2000; Wainright, Fallon, & Gould, 1999).
Além de fatores associados ao tratamento, pacientes em diálise têm outras fontes de estresse, como dificuldades profissionais e redução da renda mensal, diminuição da capacidade ou do interesse sexual, medo da morte, restrições dietéticas e híbridas, alterações na imagem corporal e práticas específicas de higiene, tornando necessário o fornecimento de suporte social e educacional como parte integrante do tratamento (Almeida & Meleiro, 2000; Periz & Sanmartin, 1998). Embora o estresse associado ao tratamento e as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos pacientes tenham sido alvo de estudos, as mudanças que ocorrem com o passar do tempo ainda precisam se melhor compreendidas (Christensen & Ehlers, 2002).
Pesquisas sobre o impacto do tratamento e mudanças a este associadas têm utilizado o conceito de qualidade de vida na comparação da efetividade das diferentes estratégias de intervenção terapêutica. Estes estudos indicam o transplante como a intervenção que fornece maior possibilidade de independência das restrições impostas pelos outros tipos de tratamento (Brunner, 1998; Fallon, Gould, & Wainright, 1997).
Embora estudos sobre a qualidade de vida de pacientes renais crônicos sejam freqüentes, poucos têm abordado a qualidade de vida de pacientes transplantados, suas preocupações e os novos desafios que surgem após a cirurgia, como o reconhecimento de sinais e sintomas associados com infecção e rejeição (Fallon, Gould, & Wainright, 1997; Ostrowiski, Wesolowski, Makar, & Bohatyrewicz, 2000). Alguns estudos identificam três fatores que podem predizermelhora da qualidade de vida de pacientes submetidos a transplante renal: redução de estressores, como interrupção do tratamento dialítico e interferência deste na vida diária, facilitação da vida profissional (possibilidade mais ampla de empregos) e melhora do apoio social (Hathaway et al., 1998; Siegal & Greenstein, 1999; Winset & Hathaway, 1999).
Entretanto, mesmo com um transplante bem sucedido, após a alta e com o enxerto funcionante, o paciente continua a viver com uma doença crônica. Consultas hospitalares com regularidade são necessárias e podem gerar estresse, especialmente nos primeiros seis meses, quando são mais freqüentes. Quando o intenso contato com sistema de saúde diminui, o retorno a um estilo de vida normal (diferente, entretanto do estilo de vida anterior à doença renal) traz novas preocupações, como a necessidade de retomar a vida profissional, o convívio com a família e outras responsabilidades (Fallon, Gould, & Wainright, 1997).
Atendimentos a grupos de pacientes e familiares, nos períodos pré e pós-transplante renal, possibilitam a identificação dos problemas enfrentados com maior freqüência. Além disso, fornecem uma oportunidade para discutir estratégias adequadas de enfrentamento e fornecer informações adequadas, que atendam as necessidades dos pacientes e favoreçam a qualidade de vida (Spira, 1997; Ravagnani, Duarte, Valério, Carvalho, Chessa, & Ramalho, 2001).
A identificação de estressores, bem como das estratégias de enfrentamento utilizadas pelos pacientes para "minimizar" o impacto do estresse sobre o organismo, são importantes preditores da qualidade de vida antes e depois de procedimentos médicos. Além disso, podem fornecer importantes subsídios para o planejamento de programas preventivos (Miyazaki, Domingos, Valério, Souza, & Silva, 2005; Straub, 2002; Taylor, 2003).
O termo enfrentamento, do inglês coping, é empregado para identificar a maneira utilizada para lidar com demandas, internas ou externas, avaliadas pelo indivíduo como estando além de seus recursos ou possibilidades (Gimenez, 1997; Straub, 2002). O enfrentamento é uma resposta cujo objetivo é aumentar, criar ou manter a percepção de controle pessoal frente a uma situação de estresse. Depende do repertório individual e de experiências tipicamente reforçadas, podendo ser centrado na emoção ou no problema. Quando centrado na emoção procura reduzir a sensação de desconforto emocional, e é usado com maior freqüência em situações percebidas como imutáveis. Quando centrado no problema visa operar mudanças diretas no ambiente, sendo utilizado com maior freqüência quando a condição é avaliada como passível de ser modificada. Tanto o enfrentamento centrado no problema como o centrado na emoção ocorrem em situações estressantes e influenciam-se mutuamente. Ambos podem ser utilizados pelo mesmo indivíduo, cada um apresentando vantagens e desvantagens, dependendo da situação e do momento de utilização (Gimenez, 1997; Straub, 2002; Taylor, 2003).
As estratégias de enfrentamento utilizadas dependem ainda dos recursos culturais, materiais, valores, crenças, habilidades sociais e apoio social de cada indivíduo. Além disso, esses recursos eventualmente não estão disponíveis por restrições internas (outros valores, deficiências psicológicas, intensidade percebida do nível de ameaça) ou externas (exigências institucionais, ausência de recursos materiais) (Cerqueira, 2000).
Nas doenças crônicas, as estratégias de enfrentamento têm papel mediador entre sujeito, saúde e doença. Ao discutir enfrentamento e doenças crônicas é preciso considerar as implicações destas sobre o desenvolvimento e reações do paciente, da família, e de grupos sociais. Sentimentos de abandono, desesperança, baixa auto-estima, ansiedade, depressão, por exemplo, manifestam-se freqüentemente em pacientes com problemas crônicos. Além disso, os antecedentes e desencadeantes da doença, a interação, a avaliação e a resposta do indivíduo em relação às ameaças ao seu bem estar, podem moderar o impacto, frear, ou acelerar o desenvolvimento de um processo mórbido (Cerqueira, 2000; Straub, 2002; Taylor, 2003).
Compreender aspectos associados à qualidade de vida e estratégias de enfrentamento utilizadas por pacientes submetidos a transplante renal pode auxiliar no desenvolvimento de programas preventivos e de intervenção adequados às necessidades destes pacientes. Os objetivos deste estudo foram avaliar qualidade de vida pré e pós-transplante renal em pacientes com enxerto funcionante e identificar estratégias de enfrentamento utilizadas.
 
Método
Participantes
Participaram do estudo 17 pacientes adultos (nove do sexo feminino), com idade entre 23 e 55 anos (M = 37,9;DP = 8,12) submetidos a transplante renal no período entre três e 29 meses e enxerto funcionante, com órgão doado por doadores vivos e cadáveres, entre outubro/1999 e janeiro/2002. Foram utilizados como critérios de inclusão no período pré-transplante estar em tratamento dialítico e em protocolo de avaliação clínica e psicológica para transplante renal, independente do tempo de diálise, mas de acordo com critérios estabelecidos para realização de transplante. No período pós-transplante, foi critério de inclusão ter no mínimo três meses de transplante com enxerto funcionante. Foram critérios de exclusão no pós-transplante condições adicionais de comorbidade que poderiam afetar a percepção de qualidade de vida; proveniência de centros que não realizam avaliação psicológica; ter perdido o enxerto após o transplante e retornado para tratamento dialítico.
Instrumentos
Foram utilizados dois roteiros estruturados de entrevista elaborados para os períodos pré e pós-transplante, o Inventário de Qualidade de Vida SF-36 (Ciconelli, Ferraz, Santos, Meinão, & Quaresma, 1999) e o Inventário de Estratégias de Enfrentamento (Savóia, 2000).
Procedimento
Após aprovação do projeto por Comitê de Ética em Pesquisa, o estudo foi realizado na Unidade de Hemodiálise e no Ambulatório de Transplante Renal de um Hospital de Ensino.
Pacientes em tratamento dialítico que atendiam os critérios de inclusão e concordaram em participar do estudo, assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foram submetidos ao protocolo de avaliação psicológica de rotina da Unidade, acrescido do Inventário de Estratégias de Enfrentamento. Os instrumentos foram aplicados antes, durante ou após o tratamento dialítico.
Após serem submetidos ao transplante renal, os pacientes foram acompanhados pela equipe interdisciplinar, inicialmente na Unidade de Transplante do Hospital, e posteriormente no Ambulatório de Transplante Renal, na consulta de retorno.
Pacientes que apresentavam enxerto funcionante após três meses de transplante e atendiam os critérios de inclusão foram novamente avaliados com o SF-36 e o Inventário de Estratégias de Enfrentamento, acrescido do roteiro de entrevista pós-transplante (tempo de transplante, doador, se exerce atividade profissional, renda, dificuldade encontradas após a cirurgia, manejo e resolução ou não destas dificuldades). Para a análise estatística dos dados foi usado o teste não-paramétrico de sinal para mediana, escolhido em função do pequeno tamanho da amostra e das variáveis não terem distribuição normal.
 
Resultados e discussão
O instrumento utilizado para avaliar qualidade de vida em pacientes pré e pós-transplante renal foi o questionário SF-36, uma medida genérica amplamente utilizada no mundo todo, considerada válida, segura, compreensível, rápida e útil para aplicação em pacientes individuais. A análise dos dados não evidenciou diferença significante entre a avaliação pré e pós-transplante para as variáveis investigadas pelo SF-36 (Tabela 1).
 
 
Pesquisas sobre qualidade de vida após o transplante são escassas, principalmente no Brasil, e tendem a comparar pacientes em tratamento dialítico (HD e CAPD) com pacientes transplantados. Alguns autores relatam resultados positivos, ou seja, melhora na qualidade de vida após o transplante, enquanto outros rejeitam essesachados (Fisher, Gould, Wainwright, & Fallon, 1998). A ausência de melhora significativa na qualidade de vida de pacientes transplantados tem sido discutida por diversos autores e parece estar relacionada à preocupação com a saúde física, especialmente rejeição do enxerto, mudança na imagem corporal decorrente dos efeitos da medicação imunossupressora e a ansiedade sobre perspectivas futuras, como vida profissional (Fisher et al., 1998; Fujisawa et al., 2000; Ostrowiski, Wesolowski, Makar, & Bohatyrewicz, 2000). Essas preocupações são bem fundamentadas, pois há risco constante de rejeição, especialmente durante os primeiros seis meses pós-transplante. Por isso os pacientes devem aderir a um complexo regime de medicações, que pode acarretar efeitos colaterais importantes e indesejáveis e requer supervisão médica para o resto da vida. Assim, numerosas fontes de estresse e ansiedade podem estar presentes mesmo após o transplante, causando um impacto negativo sobre a qualidade de vida. Por outro lado, um transplante bem sucedido libera o paciente das restrições da diálise e permite maior independência, sendo esta geralmente a principal razão para que a cirurgia seja o método terapêutico escolhido (Fisher et al., 1998).
Embora não tenha sido encontrada diferença estatisticamente significante entre os escores de qualidade de vida pré e pós-transplante, a análise da média dos escores aponta diferença positiva na avaliação da qualidade de vida após o transplante. Assim, embora não haja significância estatística, os dados parecem indicar relevância clínica, uma vez que os pacientes avaliaram de forma superior, após o transplante, diversas variáveis associadas à qualidade de vida. Ganhos, mesmo que pequenos, em aspectos como capacidade funcional para realizar tarefas do dia a dia, redução da dor, estado geral de saúde, vitalidade e aspectos sociais podem ter impacto importante sobre o funcionamento diário do paciente e seu bem estar.
Os resultados da variável saúde mental mostram sua deterioração (estatisticamente não-significante) na avaliação pós-transplante, dado compatível com os resultados obtidos em outros estudos realizados na área (Wainwright, Fallon, & Gould, 1999; Fujisawa et al., 2000), Tanto pacientes quanto cuidadores avaliaram o transplante como a criação de mais mudanças favoráveis que negativas na qualidade de vida, dado também encontrado por outros autores (Fallon, Gould, & Wainright, 1997; Fisher et al., 1998; Fujisawa et al., 2000; Ostrowiski et al., 2000).
O tempo de transplante parece ser também uma variável importante na determinação da qualidade de vida. A literatura aponta que os primeiros seis meses após a cirurgia são preocupantes, pelo risco mais alto de rejeição neste período, visitas constantes e necessárias ao hospital e ajustamento do paciente à medicação e seus efeitos colaterais. Entretanto, estudos indicam que a qualidade de vida é geralmente avaliada de forma superior pelos pacientes neste período (Brunner, 1998). É possível que isso ocorra porque, com o desenvolvimento da doença crônica e início do tratamento dialítico, o paciente coloca toda a sua esperança no transplante, sentindo-se aliviado ao realizá-lo, fato que ameniza avaliação negativa dos problemas presentes neste período. Neste estudo, houve maior concentração de pacientes no período entre seis e 29 meses após o transplante, fator que provavelmente influenciou a avaliação da qualidade vida, percebida como superior nos primeiros seis meses após a cirurgia. Os resultados deste estudo são compatíveis com o estudo realizado por Fujisawa et al. (2000), que também utilizaram o SF-36 e não obtiveram resultados significantemente diferentes entre pacientes que aguardavam transplante e pacientes já transplantados.
A análise dos dados indica que os pacientes continuaram a experimentar estresse em relação à saúde no período pós-transplante. Isto é esperado, pelas complicações que podem ocorrer neste período, bem como pela necessidade de ajustes, adaptação ao tratamento e efeitos colaterais da medicação.
Houve tendência da amostra para utilizar enfrentamento centrado na emoção, habitualmente usado quando as pessoas acreditam pouco poder fazer para alterar a situação, ou quando acreditam que seus recursos são insuficientes para atender às demandas da situação estressante (Straub, 2002).
 
 
A estratégia de enfrentamento focalizado na emoção utilizada com maior freqüência foi reavaliação positiva da situação (Tabela 3). Esta forma de enfrentamento envolve uma reinterpretação positiva de uma situação inicialmente vista como negativa e favorece a utilização da experiência vivenciada como forma de crescimento e aprendizagem (Straub, 2002). A reavaliação é uma resposta a mudanças nas condições internas e externas, a partir de novas reflexões sobre as evidências, ou feedback do impacto da reação do indivíduo e das estratégias de enfrentamento utilizadas (Gimenez, 1997).
 
 
A segunda estratégia mais utilizada foi busca de suporte social, que funciona como amortecedor do estresse e indica tendência a utilizar enfrentamento externo para lidar com as dificuldades. É possível que a necessidade de consultas e hospitalizações freqüentes e a alta chance de rejeição aguda levem o paciente a procurar ajuda de pessoas próximas (Kong & Molassiotis, 1999). Além disso, outros pacientes em situação semelhante podem freqüentemente atuar como fonte importante de suporte social, muitas vezes utilizada formalmente pelo sistema de saúde, como grupos de sala de espera para informação e até mesmo grupos psicoterapêuticos (Ravagnani et al., 2001; Ribeiro-dos-Santos & Miyazaki, 1999; Valério, Miyazaki, Golloni-Bertollo, & Mazzi, 1993).
As outras estratégias utilizadas pela amostra foram aceitação de responsabilidade, afastamento, autocontrole, fuga e esquiva. São também centradas na emoção e implicam esforço para regular emoções tais como medo, ansiedade e desespero. Auxiliam a manter a esperança e o otimismo frente às dificuldades encontradas após a cirurgia, como a adesão ao tratamento e efeitos colaterais da medição, identificados como fatores de estresse relacionados à saúde nesse estudo.
Resolução de problemas e confronto são estratégias de enfrentamento centradas no problema e implicam num esforço para atuar diretamente sobre a situação que ameaça ou desafia a pessoa. Resolução de problemas implica na busca de informações relevantes, na avaliação das alternativas de ação e na decisão por uma conduta específica (Gimenez, 1997). Neste estudo, a utilização deste tipo de estratégia incluiu a utilização, pelos pacientes, dos recursos disponibilizados pela equipe interdisciplinar, como informações sob diferentes aspectos associados ao tratamento (e.g., manejo de efeitos colaterais da medicação a partir de informações obtidas no grupo de orientação em sala de espera para pacientes transplantados).
As estratégias de enfrentamento menos utilizadas foram fuga e esquiva, estratégias centradas na emoção e consideradas negativas, uma vez que podem impedir comportamentos adaptativos. Comportamentos de fuga e esquiva podem ser exemplificados pela falha em identificar sintomas importantes ou protelar a busca de ajuda, até que seja tarde demais (Cerqueira, 2000). A pouca utilização dessas estratégias nesse estudo deve-se ao acompanhamento psicológico realizado no pré e pós cirúrgico, que possibilita a expressão e compreensão de sentimentos presentes nas situações vivenciadas pelos pacientes, auxiliando portando no manejo adequado das mesmas.
As estratégias podem ser utilizadas de maneira conjunta, embora haja possibilidade de uma prevalecer sobre a outra em fases específicas da doença e de acordo com as necessidades (Gimenez, 1997). Na amostra estudada os pacientes utilizaram mais estratégias de enfrentamento centradas na emoção, provavelmente por não se perceberem competentes para enfrentar a situação, cabendo-lhes suportar a tensão por meio de regulações afetivas diversas.
Estudos norte-americanos (Sutton & Murphy, 1989) e chineses(Kong & Molassiotis, 1999) identificaram maior utilização de estratégias de enfrentamento orientadas para problema que estratégias centradas na emoção. É possível, portanto, que características culturais sejam responsáveis pelos dados obtidos neste estudo. Além disso, é possível que as estratégias utilizadas mudem com o passar do tempo e que, se os pacientes da amostra fossem avaliados em outro momento, outras estratégias estivessem evidentes (Kong & Molassiotis, 1999).
Neste estudo, embora o tamanho da amostra possa limitar as conclusões, os dados obtidos são compatíveis com a literatura em vários aspectos. Do ponto de vista institucional, a realização deste estudo possibilitou uma visão geral da qualidade de vida e das estratégias de enfrentamento utilizadas para lidar com o estresse associado ao transplante renal. Os dados fornecem ainda subsídios para o desenvolvimento de programas de intervenção, cujo impacto deve ser posteriormente avaliado, e cujo objetivo é auxiliar os transplantados a enfrentarem as demandas da vida com um enxerto renal funcionante.
 
Conclusões
Neste estudo, o transplante renal não influenciou de forma significante a qualidade de vida dos pacientes. Os escores de qualidade de vida no período pós-transplante foram superiores aos escores pré-transplante, embora esta diferença não tenha sido estatisticamente significante. A qualidade de vida dos pacientes, mesmo após o transplante, pode ser comprometida pelo estresse em relação à saúde e pelos efeitos colaterais das medicações.
Houve uma tendência para utilizar estratégias de enfrentamento centradas na emoção, isto é, a utilização de formas mais subjetivas de lidar com as dificuldades. Reavaliação positiva da situação foi a estratégia mais utilizada pelos pacientes e as menos utilizadas foram fuga e esquiva do problema. Estes dados indicam que o acompanhamento psicológico a esses pacientes no período pré e pós operatório possibilitou a expressão de sentimentos, minimizando as fantasias e incentivando o uso de estratégias de enfrentamento mais efetivas, atuando, portanto, como facilitador da promoção da qualidade de vida dessa amostra. Estudos com maior número de pacientes são necessários, uma vez que não existe consenso sobre o impacto do transplante na qualidade de vida dos pacientes. Além disso, estudos brasileiros avaliando qualidade de vida em transplantados renais são raros.
 
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Psicologia: Reflexão e Crítica
Psicol. Reflex. Crit. v.16 n.2 Porto Alegre  2003
Adolescentes com Diabetes mellitus tipo 1: seu cotidiano e enfrentamento da doença
Adolescents with Diabetes mellitus type 1: daily routine and coping
Jocimara Ribeiro dos Santos 1, 2, 3; Sônia Regina Fiorim Enumo
Universidade Federal do Espírito Santo
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RESUMO
Diabetes mellitus Tipo 1 é uma doença crônica com incidência de 2/1000 adolescentes, que podem ter seu cotidiano alterado. Visando a descrever e analisar como esses adolescentes organizam suas atividades diárias e enfrentam a condição de apresentarem uma doença crônica, foram entrevistados 15 adolescentes que freqüentavam programas de saúde pública para portadores de diabetes em Vitória, ES, que responderam também ao Mapeamento de Atividades Cotidianas-MAC. Este questionário foi aplicado também em 224 estudantes de escolas públicas sem diabetes. Foram feitas análises quantitativas do MAC e análise de conteúdo das entrevistas. Os dados revelaram que os adolescentes, em geral, relataram fazer mais atividades dirigidas para si e que são realizadas dentro de casa, como assistir televisão. Os adolescentes com diabetes indicaram algumas dificuldades com a doença, como faltas à escola para ir a consultas médicas, mas não consideraram ter seu cotidiano modificado, não havendo diferenças significativas entre os dois grupos.
Palavras-chave: Diabetes mellitus Tipo 1; estratégias de enfrentamento; estresse e doença crônica; adolescentes.
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ABSTRACT
Diabetes mellitus Type 1 is a chronic disease that rates 2/1000 adolescents that may have their daily life changed. In order to describe and analyse how these adolescents organize their daily activities and how they face the fact of having a chronic disease, 15 teenagers who lived in Vitoria, ES, and used to enroll in public health programs for diabetic were interviewed. They also answered the MAC, which stands for "Daily Activities Map". Two hundred twenty four students from public schools, who weren't diabetic bearers, filled this form. Quantitative analyses of MAC and content analyse of interviews were done. Results of the forms showed that adolescents, in general, do more activities aiming themselves, and they've done it at home, like watching TV. Diabetic adolescents reported that they have some problems like going to doctor's appointment and miss the school classes, but they don't consider having their daily life modified. Results also pointed that there is no expressive differences between the two groups.
Keywords: Diabetes mellitus Type 1; coping strategies; stress and chronic disease; adolescents.
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O diabetes é uma condição crônica de saúde caracterizada basicamente pelo excesso de glicose no sangue e produção deficiente de insulina pelo pâncreas. Seu aparecimento está associado à diminuição ou alteração de um hormônio protéico (insulina) produzido pelo pâncreas, órgão responsável pela manutenção dos níveis normais de glicose no sangue (Bicudo, 1997). Os sintomas que levam ao diagnóstico dessa doença são: fadiga, cansaço, sede e fome intensas, micção freqüente e perda de peso, apesar da excessiva fome. Geralmente, os jovens e as crianças acometidos pela doença são magros (Sociedade Brasileira de Diabetes - S.D.B., 1999).
Esse estado de saúde caracterizado por sede excessiva e urina abundante que acometia algumas pessoas já era percebido pelos egípcios em 1500 a.C., que o denominaram 'diabetes', uma palavra latina que significa sifão,devido à urina abundante que parecia passar por um sifão. Assim, no início da Era Cristã, quando a doença começou a ser estudada pelos gregos, já se utilizava a palavra diabetes (Gross & Longo, 1997).
Apesar de ser conhecida desde a Antigüidade, há dificuldades para se estabelecer critérios adequados para a classificação do diabetes, por não terem sido descobertos, ainda, os mecanismos etiopatogênicos envolvidos na doença (Anjos, 1976; Lerário, 1997).
Mesmo sem o conhecimento das verdadeiras causas desta enfermidade, há hipóteses de que fatores psicológicos produzam sintomas de diabetes. Anjos (1976), por exemplo, atribui aos "traumas psíquicos" uma das causas do diabetes: nos indivíduos predispostos, esses traumas seriam disruptores do diabetes, seja juvenil ou adulto. O estresse também é visto como um dos fatores que podem dificultar o controle dos níveis de glicose do sangue e até mesmo levar a um quadro de hiperglicemia, devido aos hormônios produzidos nessa condição. No entanto, o estresse pode ter efeito positivo quando permite ao paciente vislumbrar a importância da adesão ao tratamento (Johnson, 1995).
Thernlund e colaboradores (1995) estudaram a possibilidade do estresse psicológico ser fator de risco para a etiologia do Diabetes mellitus Tipo 1, em diferentes períodos de vida. Verificaram que os eventos negativos ocorridos nos primeiros dois anos de vida, os acontecimentos que causaram dificuldades de adaptação, o comportamento infantil desviante ou problemático e o funcionamento familiar caótico foram ocorrências comuns dentro do grupo com a doença, podendo ser considerados possíveis fatores de risco na aquisição do Diabetes mellitus Tipo 1. Acreditam que o estresse psicológico pode causar a destruição imunológica das células beta do pâncreas, causando deficiência na produção de insulina pelo pâncreas, que deve ser administrada pelo paciente neste caso.
Assim, cada vez mais se admite que aspectos emocionais, afetivos, psicossociais, a dinâmica familiar e atémesmo a relação médico-paciente podem influenciar o controle do diabetes. Nesse sentido, é reconhecida a importância dos fatores psicológicos tanto para o surgimento quanto para o controle metabólico do diabetes (Chipkevitch, 1994).
Lidar com uma doença crônica como o diabetes requer o uso de recursos psicológicos e ambientais a fim de viabilizar a convivência com o fato. O termo inglês coping, freqüentemente utilizado na literatura em saúde, refere-se a qualquer tipo de ação ou comportamento utilizado para se lidar com um perigo ou situações que ameacem a sobrevivência (Gimenes, 1997). Essa palavra não tem um correspondente na língua portuguesa, utilizando-se a expressão estratégias de enfrentamento, apesar desta não traduzir por completo o significado da palavra original (Cerqueira, 2000). Esse processo é descrito por Antoniazzi, Dell'Aglio e Bandeira (1998, p. 274) como: "... o conjunto de estratégias utilizadas pelas pessoas para adaptarem-se a circunstâncias adversas."
Cohen e Lazarus (1979, citados em Gimenes, 1997) sugerem que as estratégias de enfrentamento podem reduzir as condições ambientais desfavoráveis e aumentar as possibilidades de recuperação, possibilitando ao sujeito a tolerância ou adaptação a eventos negativos. As estratégias de enfrentamento podem ainda tornar possível conservar uma auto-imagem positiva diante da adversidade, mantendo o equilíbrio emocional e um relacionamento satisfatório com as pessoas. Em resumo, as estratégias de enfrentamento têm o objetivo de manter o bem-estar, buscando amenizar os efeitos de situações estressantes.
Existem vários recursos que podem ajudar um indivíduo a enfrentar as situações de estresse. Lazarus e Folkman (1984) citam os seguintes: saúde e energia, crenças positivas, habilidade para resolução de problemas, habilidade social, busca de suporte social e recursos materiais.
Podem ocorrer mudanças significativas das estratégias de enfrentamento na medida em que o indivíduo se desenvolve. Nesse sentido, adolescentes, crianças e adultos diferenciam-se em suas maneiras de administrar seus problemas. O fato de estar no início, no meio ou no fim da adolescência também diversifica as estratégias de enfrentamento. Williams e MacGillicuddy-De Lisi (2000) perceberam que os adolescentes mais velhos têm um repertório maior de habilidades cognitivas, o que reduz consideravelmente o nível de estresse por eles experimentados.
O Diabetes mellitus Tipo 1 (classificado anteriormente por IDDM - Diabetes mellitus insulino-dependente) desenvolve-se, com maior freqüência, entre crianças e adolescentes. É conhecido como insulino-dependente, pois, devido à produção ineficiente de hormônio, torna-se necessária a injeção de insulina. Sem esta, pode ocorrer o fenômeno da cetoacidose, que causa um aumento de gordura no sangue e o conseqüente mau funcionamento dos rins. Caso não seja tratada, a cetoacidose pode conduzir ao coma e, em questão de dias ou semanas, pode levar à morte (Bicudo, 1997; Sarafino, 1994; Thompson & Gustafson, 1996).
O diagnóstico do Diabetes mellitus insulino-dependente geralmente ocorre em crianças entre as idades de 5 a 6 anos e entre 11 e 13 anos (Thompson & Gustafson, 1996). Segundo estimativas, 2 a 3 % das crianças comDiabetes mellitus Tipo 1 morrem nos primeiros 10 anos depois do diagnóstico, e 12 a 13% morrem 20 anos depois do diagnóstico devido a complicações, como o excesso de episódios de hipo ou hiperglicemia (Johnson, 1995).
No Brasil, estima-se que cinco milhões de indivíduos sejam diabéticos, sendo que metade deles desconhece o diagnóstico, com uma incidência do Tipo 1, na infância e adolescência, na ordem de 1 ou 2 para cada 1000 jovens (Chipkevitch, 1994). É a quarta causa de morte no país, além de ser a segunda doença crônica mais comum na infância e adolescência (Chipkevitch,1994; S.B.D., 1999). Isso mostra que, atualmente, o diabetes é um dos mais importantes problemas de saúde, em termos do número de pessoas afetadas, pela incapacitação produzida, mortalidade e custos do tratamento (Ministério da Saúde, Programa Harvard/Joslin/S.B.D., 1996; S.B.D., 1999).
Na adolescência, o Diabetes mellitusé motivo maior de preocupação, uma vez que a doença pode comprometer o desenvolvimento físico (Chipkevitch, 1994; S. Bricarello & L. Bricarello, 1999). Estudos indicam que o mau controle do diabetes pode conduzir a um quadro de atraso no crescimento, decorrente dos episódios de internação por cetoacidose, gerando também infelicidade, tristeza e desânimo (Halpern & Mancini, 1993). Podem ocorrer dificuldades escolares e sociais devido a uma redução na auto-estima, decorrente dos cuidados exigidos pela doença, que fazem o jovem sentir-se diferente dos demais adolescentes (Thompson & Gustafson, 1996).
No entanto, se a doença estiver sendo controlada adequadamente, com a prática de exercícios físicos, dieta e controle glicêmico, podem ser evitadas as interferências significativas no curso do crescimento, da maturação sexual e até mesmo do desenvolvimento psico-emocional (Chipkevitch, 1994; Nakamura & Kanematsu, 1994).
Nesse sentido, é válido manter o jovem atento à importância da adesão ao tratamento, por meio de educação continuada. Segundo a S.B.D. (1999), a educação é uma das partes fundamentais no tratamento do diabetes. É necessário motivar o indivíduo para "... adquirir conhecimentos e desenvolver habilidades para as mudanças de hábitos, com o objetivo geral do bom controle metabólico e melhor qualidade de vida" (p. 28).
Infelizmente, pesquisas demonstram que os adolescentes, em geral, têm mais dificuldades para aceitar a doença, quando comparados a crianças, pois, enquanto estas ainda dependem dos cuidados dos pais ou responsáveis, os adolescentes são convocados a responsabilizar-se pela própria saúde. Sua imaturidade pode mostrar-se no momento em que têm que assumir os autocuidados, como a administração de medicamentos e seguimento de uma dieta, por exemplo. Além da imaturidade e das dificuldades na aquisição do auto-controle, também as mudanças hormonais podem fazer com que a incumbência do controle da taxa de glicose no sangue seja ainda mais difícil durante a adolescência (Sarafino, 1994). Jovens inseguros sobre si mesmos têm maiores possibilidades de não cumprir as tarefas do tratamento, pois procuram evitar sentir-se diferente de seus companheiros. Alguns adolescentes também tentam tirar proveito da situação de ser diabético, procurando, de alguma maneira, manipular as pessoas e as situações a fim de obter mais atenção para si (Chipkevitch, 1994; Oliveira, 1999). De outro lado, jovens com elevados níveis de auto-estima, que se sentem competentes socialmente, e com suporte familiar são mais propensos a aderir ao tratamento (Sarafino, 1994).
Com o tempo, a doença pode deixar de ser um fator de impedimento. Oliveira (1999), entretanto, obteve relatos de dificuldades em relação à escola e ao trabalho, além da preocupação excessiva dos pais em relação aos cuidados com a doença, fato percebido como incômodo pelos jovens. Mesmo assim, concluiu que a convivência com o diabetes pode ser tranqüila a ponto de não atrapalhar a vida dos jovens.
A preocupação com a caracterização do jovem brasileiro tem gerado pesquisas desde a década de 1950 (Camargo & Garcia,1953; Mascellani, 1963, citados em Pfromm Neto, 1977), que levantaram dados sobre o comportamento e a saúde do adolescente. Mais recentemente, Zagury (1996) procurou descrever o que pensa, como age e vive o jovem brasileiro, comparando esses dados com as características citadas nos manuais sobre adolescência. Descobriu que os jovens (meninos e meninas) de camadas sociais menos favorecidas tendiam a contribuir, com maior freqüência, para as tarefas domésticas do que aqueles que tinham maior poder aquisitivo. Os jovens gastavam a maior parte de seu tempo livre ouvindo música (72,9%), vendo televisão (61%), "batendo papo" com os amigos (58,2%), praticando esportes (52%), lendo (26,5%), freqüentando bares e restaurantes (24,3%), indo ao cinema ou teatro (22,4%), entre outras

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