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Aula 2 Durkheim

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“As regras do método sociológico”
Capítulo II - Regras relativas à observação dos fatos sociais
 A primeira regra e a mais fundamental é considerar os FATOS SOCIAIS como COISAS.
 A reflexão é anterior à ciência. O homem não pode viver em meio às coisas sem formar a respeito delas ideias. Em vez de observar as coisas, de descrevê-las, de compará-las, nos contentamos em tomar consciência de nossas ideias e acabamos fazendo uma análise ideológica. Dessa forma, esse método não poderia dar resultados objetivos. 
 Essas noções (ou conceitos) não são os substitutos legítimos das coisas, mas sim são produtos da experiência vulgar, são formados pela prática. Essas noções são como um véu que se interpõe entre as coisas e nós, que as encobre. Os homens supõem que essas noções contenham tudo o que há de essencial no real, já que são confundidas com o próprio real. 
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Essas noções são aquelas noções vulgares ou pré-noções, que estão na base de todas as ciências e que tomam o lugar dos fatos. São os fantasmas que nos desfiguram o verdadeiro aspecto das coisas, e que tomamos como as coisas mesmas. 
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Para Durkheim, no estado atual do nosso conhecimento não sabemos com certeza o que é o Estado, a soberania, a democracia, etc. Portanto, o método científico nos aconselharia a que nos proibíssemos todo uso desses conceitos enquanto não estivessem cientificamente construídos. As palavras são empregadas como se correspondessem a coisas bem conhecidas e definidas, quando, na verdade, apenas despertam em nós noções confusas, misturas de impressões, de preconceitos e de paixões.
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Os fenômenos sociais são COISAS e devem ser tratados como coisas. Eles são o único dado oferecido ao sociólogo.
É coisa tudo o que é dado, tudo o que se oferece, tudo o que se impõe à observação. Tratar os fenômenos como coisas é tratá-los na qualidade de dado que constitui o ponto de partida da ciência.
 
Ex: o que nos é dado não é a ideia que os homens fazem do valor, pois ela é inacessível, mas são os valores que se trocam realmente no curso das relações econômicas.
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É preciso tratar os fenômenos sociais em si mesmos, SEPARADOS dos sujeitos conscientes que os concebem; é preciso estudá-los de fora, como COISAS EXTERIORES, pois é nessa qualidade que eles se apresentam a nós.
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Reconhece-se uma COISA principalmente pelo sinal de que ela não pode ser modificada por um simples decreto de vontade. Para produzir qualquer modificação nela não basta querer, é preciso um esforço mais ou menos laborioso devido à resistência que ela nos opõe e que nem sempre pode ser vencida. Os fatos sociais têm essa propriedade: longe de serem um produto de nossa vontade, eles a determinam de fora. Ainda que consigamos superá-la, a oposição que encontramos é suficiente para nos advertir de que estamos em presença de algo que não depende de nós.
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É preciso que a Sociologia passe por um progresso, é preciso que ela passe do estágio subjetivo à fase objetiva. Para conseguir chegar ao ponto desejado por Durkheim, é preciso nos guiarmos por algumas proposições: 
1) É preciso descartar sistematicamente todas as pré-noções. Essa regra é a base de todo método científico. No momento em que o sociólogo determina o objeto de suas pesquisas, e também no decorrer de suas demonstrações, é preciso que ele se proíba a empregar aqueles conceitos que se formaram fora da ciência e que nada têm de científico. É preciso que ele se liberte dessas falsas evidências que dominam o espírito do vulgo. O sentimento é objeto da ciência, não o critério da verdade científica.
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2) A regra precedente ensina o sociólogo a escapar do domínio das noções vulgares para dirigir sua atenção aos fatos, mas não diz como ele deve se apoderar desses últimos para empreender um estudo objetivo deles.
 
Toda investigação científica tem por objeto um grupo determinado de fenômenos que correspondem a uma mesma definição. O primeiro procedimento do sociólogo deve ser, portanto, definir as coisas de que ele trata, de modo a que se saiba e de que ele saiba bem o que está em questão. Uma teoria só pode ser controlada se se sabe reconhecer os fatos que ela deve explicar. 
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Ao proceder dessa forma o sociólogo toma contato com a realidade. Com efeito, o modo como os fatos são assim classificados não depende dele, de sua propensão particular, mas da natureza das coisas.
É preciso constituir conceitos novos, apropriados às necessidades da ciência e expressos com ajuda de uma terminologia especial. Não que o conceito vulgar seja inútil ao cientista; ele serve de indicador, mas como ele é grosseiramente formado é natural que não coincida exatamente com o conceito científico, instituído em seu lugar.
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De acordo com Durkheim, por mais importante que seja essa regra, ela não é muito observada em Sociologia. Precisamente por esta tratar de coisas as quais estamos sempre falando (como família, Estado, etc.), na maioria das vezes parece inútil ao sociólogo lhes dar uma definição preliminar e rigorosa. As pessoas se referem simplesmente à noção comum, e esta é muito ambígua. Essa ambiguidade faz com que se reúnam sob o mesmo nome e numa mesma explicação coisas que são, na realidade, muito diferentes. Uma definição oportuna evita esse erro.
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Em outros casos, toma-se o cuidado de definir o objeto sobre o qual incidirá a pesquisa, mas, em vez de abranger na definição e de agrupar sob a mesma rubrica todos os fenômenos que têm as mesmas propriedades exteriores, se faz uma triagem entre eles. Uns são escolhidos e outros são descartados. Mas, agindo dessa maneira só podemos obter uma noção subjetiva e truncada, e isso porque essa eliminação só pode ser feita com base em uma ideia pré-concebida. 
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Para ser objetiva a ciência deve partir não de conceitos que se formaram sem ela, mas da sensação. É dos dados sensíveis que ela deve tomar emprestados os elementos de suas definições iniciais. A ciência tem necessidade de conceitos que exprimam adequadamente as coisas tais como elas são, não tais como é útil à prática concebê-las. É preciso que se crie conceitos novos afastando as noções comuns e as palavras que as exprimem. É preciso voltar à sensação, matéria-prima necessária de todos os conceitos.
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Capítulo III - Regras relativas à distinção entre normal e patológico
Conduzida de acordo com as regras precedentes, a observação confunde duas ordens de fatores, que são muito dessemelhantes sob certos aspectos: os que são o que devem ser e os que deveriam ser de outro modo (os fenômenos normais e os fenômenos patológicos). Se, em certa medida, eles são da mesma natureza, eles também não deixam de constituir duas variedades diferentes que é importante distinguir.
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Todo fenômeno sociológico é suscetível de assumir formas diferentes conforme os casos, embora permaneça essencialmente ele próprio. Essas formas podem ser de duas espécies.
 Umas são gerais em toda a extensão da espécie; elas se verificam, se não em todos os indivíduos, pelo menos na maior parte deles e, se não se repetem identicamente em todos os casos, essa variações estão compreendidas entre limites muito próximos. Há outras, ao contrário, que são excepcionais; elas se verificam apenas na minoria e lá onde se produzem muito frequentemente não duram a vida toda do indivíduo. Elas são uma exceção tanto no tempo como no espaço.
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Estamos diante de duas variedades distintas de fenômenos que devem ser designadas por termos diferentes. Chamaremos normais os fatos que apresentam as formas mais gerais e daremos aos outros o nome de mórbidos ou patológicos.
 O tipo normal se confunde com o tipo médio e todo desvio em relação a esse padrão da saúde é um fenômeno mórbido.
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Um fato só pode ser qualificado de patológico em relação a uma espécie dada. As condições da saúde e da doença não podem ser definidas em abstrato e de maneira absoluta. Não podemos julgar
uma instituição, uma prática, uma máxima moral, como se elas fossem boas ou más em si mesmas e por si mesmas, para todos os tipos sociais indistintamente.
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Um fato social não pode ser dito normal para uma espécie social determinada, a não ser em relação a uma fase, igualmente determinada, de seu desenvolvimento. Por isso, para saber se ele tem direito a essa denominação, não basta observar sob que forma ele se apresenta na generalidade das sociedades que pertencem a esse espécie; também é preciso considerá-las na fase correspondente de sua evolução.
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Em sua prática científica, cabe ao sociólogo, após ter estabelecido pela observação que o fato é geral, voltar às condições que determinaram essa generalidade no passado e procurar saber, a seguir, se tais condições ainda se verificam no presente ou ao contrário, se alteraram. No primeiro caso ele terá o direito de qualificar o fenômeno de normal e no segundo de recusar-lhe esse caráter.
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É importante que desde o início da pesquisa se possam classificar os fatos em normais e anormais. Em seguida, é em relação ao tipo normal que um fato deve ser considerado útil ou necessário para poder ele próprio ser qualificado de normal. Mas, se é verdade que tudo o que é normal é útil, com a condição de ser necessário, é falso que tudo o que seja útil seja normal. A noção de útil excede a de normal. 
 
(Ou seja: normal = útil; mas, aquilo que é útil também pode ser anormal).
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Depois disso Durkheim passa a exemplificar seu argumento a partir de exemplos. O autor escolhe o CRIME enquanto ponto de partida. De acordo com ele, se há um fato cujo caráter patológico parece incontestável, é o crime. 
Mas, quando analisado tomando como base as regras precedentes, chegamos a outro resultado: o crime se observa em todas as sociedades de todos os tipos. Não há nenhuma onde não exista uma criminalidade. É claro que esta muda de forma e que os atos assim qualificados não são os mesmos em toda a parte, mas, sempre e em toda parte existiram homens que se conduziram de maneira a atrair sobre si a repressão penal. Não há, portanto, fenômeno que apresente da maneira mais irrecusável todos os sintomas da normalidade, já que ele se mostra intimamente ligado às condições da vida coletiva. 
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É claro que o próprio crime tenha formas anormais: é o que acontece, por exemplo, quando ele atinge um índice exagerado. Nesse caso não é duvidoso que esse excesso seja de natureza mórbida. 
O que é normal é simplesmente que exista uma criminalidade, contanto que esta atinja e não ultrapasse certo nível.
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Classificar o crime entre os fenômenos de sociologia normal é afirmar que ele é um fenômeno inevitável (ainda que lastimável), e que também é um fator da saúde pública, uma parte integrante de toda sociedade sadia.
 
A primeira vista esse resultado é bastante surpreendente, mas, passada essa primeira impressão de surpresa, não é difícil encontrar as razões que explicam e que confirmam essa normalidade. 
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Em primeiro lugar o crime é normal porque uma sociedade que dele estivesse isenta seria impossível. O crime é necessário, ele está ligado às condições fundamentais de toda a vida social
O crime também pode vir a auxiliar no surgimento de mudanças necessárias e também pode preparar diretamente essas mudanças. A liberdade de pensar que possuímos atualmente jamais poderia ter sido proclamada se as regras que a proibiam não tivessem sido violadas antes de serem abolidas. Entretanto, naquele momento, essa violação era um crime, já que era uma ofensa a sentimentos ainda muito fortes na generalidade das consciências. Todavia, esse crime era útil pois introduzia transformações que foram se tornando necessárias.
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Capítulo V – Regras relativas à explicação dos fatos sociais
Na opinião de Durkheim, a maior parte dos sociólogos acredita ter explicado os fenômenos pelo simples fato de ter mostrado para que eles servem e qual papel desempenham. Os sociólogos em geral acreditam que os fenômenos sociais só existem em função desse papel e da necessidade social que eles satisfazem. 
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Mas mostrar a utilidade de um fato não é explicar como ele surgiu, nem como ele é o que é. A necessidade que temos das coisas não pode fazer com que elas sejam deste ou daquele jeito. Também não é essa necessidade que pode lhes conferir o ser.
Cada fato social é uma força e essa força domina a nossa. Cada fato tem uma natureza que lhe é própria. Dessa forma, ter vontade ou desejo deles não é suficiente para lhes conferir existência.
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Um fato pode existir sem servir a nada, seja porque jamais esteve ajustado a algum fim vital, seja porque, após ter sido útil, perdeu toda a utilidade e continuou a existir pela simples força do hábito. Uma prática ou instituição social muda de função sem mudar de natureza. As causas que fazem algo existir são independentes dos fins aos quais aquilo serve.
Portanto, quando se procura explicar um fenômeno social é preciso pesquisar separadamente a causa que o produz e a função que ele cumpre.
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Para o autor, é preciso investigar a CAUSA de um fenômeno antes de determinar seus EFEITOS.
Descobriremos mais facilmente a FUNÇÃO se a CAUSA já for conhecida.
Mas, ainda que só em segundo lugar devamos proceder à determinação da função, ela não deixa de ser necessária para que a explicação do fenômeno seja completa. 
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Durkheim retoma sua definição de FATOS SOCIAIS: sua característica principal consiste no poder que eles têm de exercer, de fora, uma pressão sobre as consciências individuais, portanto, eles não derivam destas consciências e, por conseguinte, a Sociologia não é um corolário da Psicologia. O poder coercitivo dos fatos sociais testemunha que eles exprimem uma natureza diferente da nossa, uma vez que só penetram em nós pela força (ou pesando mais ou menos sobre nós). Não é do indivíduo que pode provir essa pressão exterior que ele sofre, portanto, não é o que se passa dentro dele que pode explicá-la. 
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Descartado o indivíduo resta apenas a sociedade; é, portanto, na natureza da sociedade que se deve buscar a explicação da vida social. Como ela supera infinitamente o indivíduo (tanto no tempo como no espaço), concebe-se que ela seja capaz de lhe impor as maneiras de agir e de pensar que consagrou por sua autoridade.
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Um todo não é idêntico à soma de suas partes, ele é alguma outra coisa cujas propriedades diferem daquelas que apresentam as partes de que é formado. A ASSOCIAÇÃO é a fonte de todas as novidades que se produziram sucessivamente no curso da evolução geral das coisas.
 
Ex: dentro da célula só existem moléculas de matéria bruta, mas essas moléculas estão associadas, e essa associação é a causa dos fenômenos novos que caracterizam a vida e cujo germe é impossível descobrir em qualquer um dos elementos associados.
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Em virtude desse princípio, a sociedade não é uma simples soma de indivíduos, mas o sistema formado pela associação deles representa uma realidade específica que tem seus caracteres próprios.
 
É claro que nada de coletivo pode se produzir se as consciências particulares não são dadas, mas essa condição necessária não é suficiente. É preciso também que essas consciências estejam associadas e combinadas de certa maneira; é desta combinação que resulta a vida social e, por conseguinte, é essa combinação que a explica.
 
Ao se agregarem as almas individuais dão origem a um ser, mas que possui uma individualidade de um gênero novo. Portanto, é na natureza dessa individualidade, e não na das unidades componentes, que se devem buscar as causas e determinantes dos fatos que nela se produzem. O grupo pensa, sente e age de maneira bem diferente do que fariam seus membros se estivessem isolados. Assim, se partimos desses últimos, nada poderemos compreender do que se passa no grupo.
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É por isso que a consciência coletiva é distinta das consciências individuais. A
primeira é algo de especial e deve ser designada por um termo especial porque os estados que a constituem diferem daqueles que constituem as consciências particulares. Uns resultam da natureza do ser tomado isoladamente e outros da combinação de uma pluralidade de seres desse tipo.
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Chegamos, então, a seguinte regra: a causa determinante de um fato social deve ser buscada entre os fatos sociais antecedentes, e não entre os estados de consciência individual.
A função de um fato social não pode ser senão social, isto é, ela consiste na produção de efeitos socialmente úteis. Portanto, a função de um fato social deve sempre ser buscada na relação que ele mantém com algum fim social.
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ATIVIDADE: Leitura dirigida em grupos
1) Analise a afirmação: “É preciso portanto analisar os fenômenos sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem; é preciso estudá-los de fora, como coisas exteriores, pois é nessa qualidade que eles se apresentam a nós”. (DURKHEIM, 1999, p. 28).
2) Tendo em vista a afirmação acima, onde devemos buscar a explicação para os fenômenos sociais?

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