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A Escola e a Formação do Homem

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Aula 10: A Escola e a Formação do Homem Ominilateral
Ao aproximar nosso olhar para a estrutura da sociedade contemporânea, é possível perceber sua fragmentação, particularmente no que diz respeito à estrutura socioeconômica. Essa fragmentação é perceptível também na base do sistema educacional, não só sua reprodução, mas também sua legitimação. Concordando com a lógica altusseriana, pela qual a escola age como aparelho de reprodução do estado, percebe-se a educação apartada da dimensão educativa do trabalho, atuando assim como mantenedora do modelo vigente.
A historia da educação no Ocidente e, particularmente na sociedade industrial, está diretamente ligada ao funcionamento do sistema capitalista de produção. Seja para os postos “pensantes”, seja para os postos de trabalho “manuais”, a escola esteve (e está) subordinada aos interesses e às necessidades da demanda do modelo de produção e, nessa subordinação, exerce a função de fornecer agentes para a manutenção (ideológica e prática) do sistema:
Assim, sobre a premissa de educação universal e neutra com profissionais capazes de conduzir os alunos à liberdade, à moralidade, ao conhecimento acumulado historicamente, a escola hegemonicamente cumpre, tanto no campo instrumental quanto ideológico, a função reprodutora da relação de exploração capitalista.” (GUIMARÃES, s/d, página 21)
Para dar conta de tal tarefa, os sistemas escolares tornam legítima essa separação (dicotomia) imposta no mundo do trabalho a partir do sistema capitalista de produção: alguns pensantes e muitos trabalhadores.
Assim, existem as chamadas escolas de excelência que são de difícil ingresso e permanência, e as outras escolas. Esta fragmentação escolar (que repete a dualidade do mundo do trabalho) funciona, pedagogicamente, em dois níveis: ao mesmo em tempo que legitima a dualidade, educa para dualidade.
Ontem, a escola que serviu para formar mão de obra adaptada a um modelo que requeria trabalhadores que dominassem apenas partes da produção, tem servido agora, com o avanço tecnológico, para formar mão de obra para um modelo que precisa de trabalhadores flexíveis, ágeis e polivalentes.
Mudou a forma, mas não mudou a essência.
Dessa maneira, a sociedade e a escola formam, atualmente, o homem unilateral, (aquele que vai aprender parcialmente procedimentos tecnológicos e, passivamente, atender aos interesses do capital):
Assim, a especialização exacerbada para funções laborais restritas e repetitivas consubstancia-se no ideal formativo do Fordismo. Logo, no cenário educacional há uma demanda em ofertar, para a classe trabalhadora, cursos técnicos de adestramento rígido, reforçando ideologicamente o tecnicismo pedagógico como responsável pelo desenvolvimento social e econômico, tanto na esfera individual quanto na coletiva. (GUIMARÃES, s/d, p. 25)
Sabemos que, atualmente, no sistema flexível de produção e acumulação, a educação tem diversificado sua atuação e as escolas de formação geral (e as técnicas também) têm ajustado seus procedimentos para atender a atual demanda calcada no trabalhador polivalente, apto a aprender e a lidar com novos procedimentos e situações:
O ideário exposto, ressaltando a necessidade de um sujeito polivalente e preparado para trabalhar em equipe, exige maior domínio intelectual do trabalhador e, por isso, apresenta-se como constituinte de melhores condições laborais.
Entretanto, conforme ressalta Antunes (2005), o novo modelo não propõe mudanças nas estruturas de trabalho em favor do trabalhador, mas apenas uma reorganização do processo produtivo, de modo que o empregador se aproprie de maneira mais intensa das habilidades intelectuais até então ignoradas. (GUIMARÃES, s/d, p. 21)
Apesar da inclusão e da universalização da educação, a escola ainda é fragmentada e continua formando para a manutenção do sistema de acumulação:
“Na materialidade concreta da realidade brasileira, dependente e associada ao capitalismo dos países centrais, o trabalho, a transformação das ocupações e a incerteza sobre as condições de trabalho nos desafiam, enquanto educadores, a refletir sobre a formação humana desejável para que os trabalhadores possam enfrentar as lutas cotidianas sem separá-las da totalidade histórica de que são sujeitos” (CIAVATTA & TREIN, p. 12).
Essa constatação da dualidade vista como uma questão educacional ou como questão profissional, pode, também, ser analisada na realidade brasileira. Dentro dessa opção de análise, vamos traçar um breve quadro histórico das relações econômicas vividas por nossa sociedade, para identificamos nossa situação dentro do modelo de acumulação hegemônico em nossa história.
Ao defender uma educação para o trabalho e que só objetiva a inserção no mercado de trabalho, estamos ampliando a dualidade e a exclusão nas práticas educativas.
Historicamente o Brasil está colocado como país da periferia do sistema e, nessa condição, a subordinação às políticas internacionais desenhadas pelos países do centro do sistema, é aplicada aqui. Sobre a relação de dependência, Ciavatta e Trein escrevem:
“o que se estabelece entre as nações a partir da expansão do capitalismo é uma relação de dependência que explicita a face concreta que o imperialismo assume nas sociedades dependentes latino-americanas” (CIAVATTA & TREIN, p. 13). Esta relação consolidada pela dependência e pela subordinação nos ajuda a entender porque, por exemplo, na educação, e no caso a escola técnica, não formarão uma massa pensante, mas sim uma massa trabalhadora.
Vale lembrar que a face interna da dominação externa é executada por uma parcela da sociedade que, historicamente, está vinculada ao poder, à erudição e ao controle da economia do país.
Será esse segmento social que, para se perpetuar no lugar de ‘dominação’, estabelecerá (ou manterá) a dualidade viva: viabilizarão para seus filhos uma educação com base na formação geral, humanista, rica e de qualidade, enquanto para outra parte da sociedade, a educação (ou formação) será aligeirada e voltada para o mundo do trabalho.
Assim, a formação geral e a profissional estarão estreitamente ligadas às dinâmicas econômicas e financeiras, sendo que uma será para poucas pessoas e a outra para a sociedade como um todo. Ou seja, o que será perseguido na educação profissional é a formação do sujeito produtivo que reproduzirá as relações estabelecidas na sociedade.
Em sentido contrário a essa formação escolar temos a possibilidade de formação do sujeito omnilateral. Aquele que, controlando e integrando, na totalidade, saberes e procedimentos técnicos/ e ou tecnológicos da concepção e da produção, pode atuar de forma ativa na sociedade. Enquanto aquele – unilateral – está alijado (desde a manufatura e reforçado pela educação fragmentada) dos saberes, este – omnilateral – deve ser formado na totalidade do intelecto e da tecnologia. A importância de controlar e integrar os saberes e os procedimentos técnicos é que, dessa forma, o controle dos processos produtivos deixa de ser um monopólio de um grupo, criando a possibilidade de quebrar a lógica, historicamente construída, de acumulação de capital. O que se coloca então, na formação do sujeito omnilateral, é encarar o desafio da articulação entre educação e trabalho, que na atualidade está associada à alienação. Alienação que se concretiza na separação e na negação da dimensão educadora existente no trabalho e, a partir daí, quando cria a dicotomia escola/mundo do trabalho.
A formação profissional dificilmente formará o sujeito omnilateral, conhecedor dos procedimentos técnicos e de funcionamento do processo socioprodutivo.
Ela formará sim pessoas ajustadas ao modelo socioprodutivo que o produziu e que, apesar da formação técnica/profissional, não terá a garantia do emprego.
O desafio que se coloca, para toda a sociedade e em particular para nós educadores, é pensarmos possibilidades de uma educação integrada, que possa romper e superar não só a dualidade socioeducacional, mas que, para isso mesmo, seja uma prática educacional cidadã, que forme sujeitos ativos,críticos e autônomos:
No plano da construção da escola unitária, omnilateral, a educação precisará partir da realidade dos sujeitos sociais e não concebê-lo na ótica individualizada. A concepção de integração entre realidade social e escola evidencia dizer que estes segmentos estão diretamente relacionados e que, portanto, o conhecimento a ser desenvolvido deve ser orgânico (FRIGOTTO, 2003).
Logo, mais do que romper com os arbitrários educacionais, os quais são responsáveis por todo o atraso da formação humana, a formação omnilateral representa uma visível exigência pela qualificação da força de trabalho, para a efetivação do processo social e educacional em todas suas dimensões. Tendo o trabalho desalienado como princípio educativo, a escola unitária transcende à promessa da empregabilidade e da formação flexível, almejando um sujeito conscientemente construtor de realidade social. (...)
Entretanto, reitera-se que ignorar a escola como instrumento de ascensão social não significa concebê-la como mecânica e exclusivamente reprodutora de mão de obra para a produção capitalista (ainda que hegemonicamente cumpra esta função), mas de entendê-la a partir de uma análise estrutural e superestrutural da sociedade, enfatizando o caráter histórico da luta de classes. Desse modo, se por um lado é abandonada a concepção da escola como reprodutora mecânica da sociedade de classes, também é ressaltada a necessidade de ignorar as percepções salvacionistas da educação – ou seja, os discursos que postulam que a escolarização no capital é sinônimo de emancipação humana. A partir dessa perspectiva, é preciso combater a exacerbação do indivíduo como responsável, através de formação polivalente, por sua inclusão e sucesso no mundo do trabalho.
Contrariamente ao discurso da empregabilidade, da pedagogia das competências, é preciso evidenciar empiricamente que “o indivíduo pode possuir determinadas condições de empregabilidade e nem por isso garantir sua inserção no mercado de trabalho” (GENTILI, 2004, p. 55), visto que a exclusão é um problema estrutural e não individual.
Diante destas constatações, entende-se ser essencial a apropriação das incoerências do projeto educativo em curso, para aprofundar a lógica estruturalmente contraditória do capital, evidenciando a impossibilidade de realização humana em um sistema sociometabólico excludente.
Nesse processo denunciador do fetichismo da pedagogia burguesa é necessário o fortalecimento dos movimentos socioeducativos (independentes do Estado burguês) que projetam uma sociedade sem classes. Trata- -se de colocar nossa atuação acadêmica e política em prol da luta contra os interesses unilaterais da sociedade e da escola capitalista.

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