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EMAIL 1/.DS_Store __MACOSX/EMAIL 1/._.DS_Store EMAIL 1/ARQUIVO 10 -ORALIDADE E LETRAMENTO.pdf ORALIDADE E ESCRITA: UMA QUESTÃO DE LETRAMENTO Autor: Gercleide Gomes da Silva Departamento de Letras e Artes UnP / UFRN RESUMO O presente trabalho, intitulado Oralidade e escrita: uma questão de letramento consiste, em um estudo a respeito da linguagem como um sistema em constante mudança. Neste estudo, fazemos uma abordagem dos usos oral e escrito da linguagem como prática de letramento. Levando em consideração os estudos realizados sobre oralidade e escrita, existiu uma época que o ato de falar era bem mais importante do que escrever bem, pois a escrita servia apenas para registrar os acontecimentos históricos. Para melhor compreender esse universo, foi realizada uma revisão de literatura e a análise de textos produzidos por alguns alunos do primeiro ano do ensino médio, para observarmos os traços de oralidade presentes nos textos escritos pelos mesmos. O processo letramento do indivíduo está relacionado a suas práticas sociais, as suas vivências de leitura e de escrita nos mais variados eventos sociais. Nesse sentido, como o aluno está inserido em diferentes contextos sociais, que demandam práticas diversas de letramento, é necessário que o professor saiba quais são essas práticas, bem como que respeite as mesmas. Palavras chave: oralidade, escrita, letramento, práticas sociais. Para a maioria das pessoas, não há nenhuma distinção entre os termos linguagem, língua e fala, no entanto do ponto de vista lingüístico, esses termos não podem ser confundidos. Segundo Koch (KOCK apud XAVIER, 2005, p.142), linguagem é a “capacidade do ser humano de se expressar através de um conjunto de signos, de qualquer conjunto de signos”. Linguagem é um sistema de sinais convencionais usados no ato comunicativo. Ela pode ser: verbal e não-verbal. A linguagem verbal é a utilizada através da palavra, seja oral ou escrita. A linguagem não-verbal corresponde a linguagem utilizada através de sinais, é o caso dos sinais de trânsito, linguagem dos surdos – mudo. Com base na compreensão da linguagem como prática social pode se dizer quer a língua corresponde ao sistema gramatical, pertencente ao grupo de indivíduos de uma instituição social, no entanto, só é realizada através da fala. Fala é um conjunto de sons sistematicamente articulados e significativos. Ela é uma forma de produção textual para fins comunicativo. (MARCHUSCHI, 2001, p.25) Para Saussure, língua é um conjunto de convenções necessárias, seguidas por um corpo social para permitir o exercício da linguagem (SAUSSURE apud TERRA, p. 13). A fala é particular, cada falante tem sua língua e a utiliza dentro das regras preestabelecidas pelo seu convívio social. Mesmo que cada falante seja proprietário de sua fala, o uso da língua através da fala sofre restrições intrínsecas e extrínsecas. A restrição intrínseca é a derivada da estrutura da língua, que limita as várias possibilidades de uso através de regras. Já a restrição extrínseca são as restrições impostas pelos grupos de falantes, ou por pessoas que ditam regras para seu uso (TERRA, 1997, p. 20). A preocupação com a linguagem não é apenas da época da existência da escola, segundo Manacorda essa preocupação vem desde a antiguidade do antigo Egito. É claro que várias respostas são dadas ao longo da história e sempre estão entrelaçadas aos momentos vividos em cada civilização. Manacorda comenta que: O falar bem é, então, conteúdo e objetivo do ensinamento. Mas o que significa exatamente este falar bem? Creio que seria totalmente errado considerá-lo em sentido estético-literário, e que, sem medo de forçar o texto, se possa afirmar que, pela primeira vez na história, nos encontramos perante a definição da oratória como arte política [...] (MANARCORDA apud GERALDI, 2006, p.29). Existiu uma época que o ato de “falar” bem era mais importante do que escrever bem. A escrita servia apenas para registrar os acontecimentos históricos. Com o passar do tempo o aprendizado da palavra que convence (oratória) deixou de ser objeto principal e passou a ter como foco a orientação para outros ensinamentos. Seria a universalidade da língua esquecendo o poder do convencimento do discurso, pois todos instruídos, ou seja, em uma sociedade de escolarizados, daria uma abertura para possuir outros conhecimentos. Língua e escrita também não podem ser confundidos, pois trata de dois sistemas distintos. A escrita é um ato posterior ao da fala. Muitas pessoas fazem uso da língua através da fala e não sabem escrever. Mesmo que a linguagem falada seja a mais utilizada pelas pessoas. No mundo existem muitos países ágrafos, isto é, línguas que não são representadas por nenhuma forma de escrita. São aproximadamente 3 mil línguas e apenas 110 possuem a escrita. Segundo Fávero (2005, p.10), historicamente, a escrita era considerada a verdadeira forma de linguagem e a fala, por ser mais flexível, não constituía objeto de estudo. Só depois de 1960 é que a linguagem falada deixou de ser considerada uma mera verbalização. A língua é um processo inacabado, resultado das construções do passado e do presente, e passou a ser incorporada as análises textuais. Observando as condições de cada atividade interacional. Como afirma Geraldi: A língua, enquanto produto desta história e enquanto condição de produção da história presente vem marcada pelos seus usos e pelos espaços sociais destes usos. Neste sentido a língua nunca pode ser estudada ou ensinada como produto acabado, pronto, fechado em si mesmo [...] (GERALDI, 2006, p.28). Não existe uma sociedade sem língua. O conhecimento da língua permite que o indivíduo torne-se um cidadão capaz de se integrar num processo educativo. Segundo Koch: [...] para mim sociedade e cultura se imbricam necessariamente. Então quando eu digo que a língua é o lugar de interação dos membros de uma coletividade, são os membros de determinada cultura. Então é claro que língua, sociedade e cultura são intimamente ligadas [...] linguagem e pensamento são mutuamente constitutivos. E o pensamento humano é construído no interior da cultura em que se vive (KOCK apud. XAVIER, 2005, p.124). A relação entre língua e sociedade é vista como uma organização social, sendo mutável necessitando da linguagem para a sobrevivência, pois como existiria a sociedade sem linguagem? A linguagem surge num contexto da construção da organização social, existindo pela sua própria construção. Como afirma Geraldi “o processo de construção da linguagem permite a construção do pensamento” (GERALDI apud XAVIER, 2005, p.79). Se a língua fosse vista como fixa e pronta, um fenômeno acabado seria morta, pois ela está num processo contínuo de construção e reconstrução. Segundo Geraldi: os estudos da linguagem, da língua, do pensamento e da cultura não pode distanciar-se sob pena de excluir elementos que lhes são próprios e constitutivos. Esse sistema de referências não é de categoria somente, mas também de modos de relação entre essas categorias (GERALDI apud XAVIER, 2005, p.80). Para Geraldi existe uma interação entre língua, linguagem e cultura, elas se entrelaçam entre si, sendo uma dependente da outra. Concordando com Marcuschi (MARCUSCHI apud XAVIER, 2005, p. 132) a linguagem se configura na prática social como forma de expressão, seria uma faculdade mental instalada no cérebro, própria da espécie humana, permitindo uma atividade de símbolos. A relação existente entre linguagem e sociedade é dada através da cultura e da situação em que as pessoas vivem. A escrita é considerada um bem social indispensável para o nosso cotidiano, seja nos centros urbanos, ou na zona rural. A importância dessa modalidade da nossa Língua é tão grande, que sua prática e avaliação social são consideradas para sociedade “status” 1 de educação, desenvolvimento e poder. Para Marcuschi (2003, p.17) “sob o ponto de vista mais central da realidade humana, seria possível definir o homem como um ser que fala e não como um ser que escreve”. Porém, não podemos considerar a fala como superior, pois tanto escrita como oralidade são práticas importantes da língua, cada uma com suas próprias características. 11 De acordo com kury Status significa 1. Posição social. 2. prestígio renome. A fala possui fenômenos como prosódia, gestualidade, movimentos do corpo e dos olhos. Já a escrita também possui elementos próprios como: tamanho e tipo de letras, cores, formato, elementos pictóricos, que operam como gestos, mímicas e prosódia graficamente representados. Segundo Fávero (2005, p.09) “a escrita tem sido vista como de estrutura complexa, formal e abstrata, enquanto a fala, de estrutura simples ou desestruturada, informal, concreta e dependente do contexto”. Mesmo sendo o uso da fala mais abrangente que o da escrita não significa que uma é mais importante que a outra, já que nos utilizamos de ambas para expressar nosso raciocínio, exposição formal e informal, variações estilísticas e sociais. No entanto, o uso da escrita para a sociedade tem um valor social superior. A norma padrão ou norma culta possui relevâncias, pois é utilizada em livros, jornais, revista, livros científicos, sendo a linguagem ensinada nas escolas. É importante analisar a oralidade nos diferentes contextos sociais. Conforme Marcuschi: [...] a oralidade seria uma prática social interativa para fins comunicativos que se apresenta sob várias formas ou gêneros textuais fundados na realidade sonora; ela vai desde uma realização mais informal à mais formal nos mais variados contextos de uso (MARCUSCHI, 2001, p.25). A Oralidade é adquirida nas relações sociais do nosso dia-a-dia, desde o nosso nascimento. Somos participantes de situações sociais e, cabe a nós nos comportamos de um modo diferente em cada situação comunicativa. O contexto é que determina o tipo de linguagem que devemos utilizar. Por isso, a prática da oralidade é uma forma de inclusão cultural e de socialização. Fávero (2005, p.21) afirma que “o texto conversacional é criação coletiva e se produz não só interacionalmente, mas também de forma organizada”, ou seja, para a atividade comunicativa oral são indispensáveis habilidades e competências que vão além do conhecimento gramatical. É necessário que o texto tenha uma organização para que possa existir uma compreensão dos participantes e, que assim, o ato seja concretizado. Faz parte dessa organização do discurso fatores como: interação entre, pelos menos, dois interlocutores, uma seqüência lógica do pensamento, um tempo e um objetivo. Já a escrita é fruto de um aprendizado escolar, num contexto mais formal da língua, é por isso que ela é considerada, pela sociedade, um bem cultural de prestígio. A escrita em conjunto com a oralidade é usada nos diferentes contextos sociais básicos da nossa vida: como no trabalho, na escola, no dia a dia, na família, na vida burocrática e na vida intelectual. Mas para cada situação comunicativa há objetivos diversificados em relação ao uso da escrita quanto da oralidade. Como caracteriza Marcuschi: São os usos que fundam a língua e não o contrário, defende-se a tese de que falar ou escrever bem não é ser capaz de adequar-se às regras da língua, mas é usar adequadamente a língua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situação (MARCUSCHI, 2001, p.9). A linguagem é muito dinâmica, podemos dizer que ela está em constante transformação, pois ao mesmo tempo vem modificando e sendo modificada pelos que a utilizam, os quais vão se apropriando dela e inserindo-a num processo de construção e reconstrução contínua. Para entender melhor o universo da Oralidade e da Escrita se faz necessário apoiar-se em uma palavra recém chegada ao vocabulário da Educação e das ciências lingüísticas: o letramento. O termo letramento está associado ao termo alfabetização, não existe um grau de letramento zero. Para termos uma noção sobre letramento é necessário sabermos qual o significado de alfabetização para podermos entender o termo melhor. A definição que encontramos nos dicionários sobre analfabeto, segundo Kury (2002, p.56) é “aquele que não conhece o alfabeto”, que não sabe ler e escrever. Já a pessoa dita alfabetizada é aquele que sabe ler e escrever, mas isso não significa dizer que essas pessoas ditas alfabetizadas adquiriram a competência para usar a leitura e a escrita de forma apropriada. Como afirma Soares: As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita [...] não lêem livros, jornais, revistas, não sabem redigir um ofício, um requerimento [...] (SOARES, 2002, p. 46). Letramento, tradução da palavra inglesa literacy, que significa letrado e no latim littera (letra), em português foi acrescentado o sufixo–mento, o que dá a idéia de ação. Letramento de acordo com Soares: O resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquiri um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter - se apropriado da escrita (2006, p.18). O Letramento como prática social está relacionado ao uso da escrita, esta modalidade representa uma manifestação formal dos mais variados tipos de Letramento. Dessa forma, existem várias pessoas que sabem ler e escrever, porém não possuem uma compreensão do que está escrito, ou seja, elas conseguem decodificar as palavras, mas não as compreende. Já o letramento possui outra conotação. O indivíduo pode não ser alfabetizado e ser uma pessoa letrada, todas as pessoas possuem um tipo de letramento. Este Letramento pode ser múltiplo, não necessariamente em um nível específico de conhecimento, mas de conhecimentos variados. Dominamos práticas diferentes, o letramento se torna, portanto, relativo. Não podemos confundir letramento com alfabetização, pois embora os termos estejam relacionados, possuem noções bastante diferentes. A alfabetização é um termo designado para o indivíduo que apenas aprendeu a ler e a escrever, mas que não consegue interagir através do uso dessas competências. Já letramento é cultural, é algo influenciado pela sociedade, pois a leitura visual, as várias linguagens podem levar a um letramento. As pessoas que possuem letramento, além de ler e escrever sabem inserir a leitura e a escrita no contexto das práticas sociais de maneira adequada. Soares (2006, p.58) afirma também que “o nível de letramento de grupos sociais relaciona-se fundamentalmente com as suas práticas sócias”. Portanto, o aluno é um produto do meio em que vive ele tem sua cultura, letramento, e tudo isso precisa ser respeitado. Segundo Marcuschi: O letramento não é o equivalente à aquisição da escrita. Existem “letramentos sociais” que surgem e se desenvolve à marquem da escola,não precisando por isso serem depreciados (MARCUSCHI,2001,P.19). O letramento se constitui de um conjunto de práticas sociais, e estas podem ser mediadas por textos escritos. O letramento é muito mais que alfabetização, pois muitos sabem ler e escrever, ou seja, são alfabetizados. Mas, é através do letramento que o individuo é capaz de preencher formulários, escrever um telegrama, uma carta, procurar por uma informação no índice telefônico, encontrar informações numa uma bula de remédio, numa conta de luz, ou até mesmo realizar diversas tarefas no dia-a-dia. O indivíduo pode não ser alfabetizado, não ler nem escrever, entretanto possui um tipo de letramento. Por exemplo, quando alguém que não sabe ler, nem escrever, ao ditar uma carta para outra pessoa ele está se utilizando de estruturas lingüísticas próprios da escrita. Uma pessoa alfabetizada, mesmo sabendo ler e escrever, pode não ser letrada, isso acontece quando ela não utiliza as práticas de leitura e escrita, não lendo jornais, revistas ou não é capaz de interpretar um texto lido. O que se pode observar é uma mudança, uma nova concepção de língua e texto, passando os mesmo a serem vistos como um conjunto de práticas sociais. Esta virada em relação a oralidade e escrita acontece a partir dos anos 80, sendo uma reação as décadas anteriores, pois as mesmas eram vistas como opostas. Conforme Marcuschi: Considerava-se a relação oralidade e letramento como dicotômica, atribuindo-se à escrita valores cognitivos intrínsecos no uso da língua, não se vendo nelas duas práticas sociais. Hoje [...] predomina a posição de que se pode conceber oralidade e letramento como atividades interativas e complementares no contexto das práticas sócias e culturais. (MARCUSCHI, 2002, p.16) Aos Professores competem observar a linguagem falada como parceira da linguagem escrita, tentando mostrar aos alunos que existe uma distinção entre elas, não podendo ser concebidas de forma separada, pois uma influencia a outra constantemente e vice-versa. REFERÊNCIAS ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro&interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação verbal. São Paulo, Martins Fontes, 2003. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM).Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/index.php? oppion=content&task=view&ide=265&Itemid=255. acesso em:04.jan.2008. CONRAD, David. Minidicionário escolar de Inglês: Inglês-português, português- Inglês. São Paulo: DCL, 2005. DIONÍSIO, Ângela Paiva; BEZERRA, Maria Auxiliadora. O livro didático de Português: múltiplos olhares. 2 ed.Rio de Janeiro:Lucerna,2003. FÁVERO, Leonor Lopes; ANDRADE Maria Lúcia C.V. O; AQUINO, Zilda G.O Oralidade e escrita: perspectiva para o ensino de língua materna. 5.ed. São Paulo: Cortez, 2005. FREGONEI, Durvali Emilio. Aconteceu a virada no Ensino de Língua Portuguesa? IN: Revista do GELNE. Grupo de Estudos Lingüísticos do Nordeste. Ano 1,nº. 2.Fortaleza: 1999. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. FREITAS, M.T. A; COSTA, R.(Org.). Leitura e escrita de adolescentes na internet e na escola. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. GERALDI, João Wanderley. Linguagem e Ensino: exercício de militância e divulgação. Campinas, São Paulo: Mercado de Letras: associação de Leitura do Brasil, 1996. KURY, Gama. Minidicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: FTD, 2002. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para escrita: atividades de retextualização. 4 ed. São Paulo: Cortez,2003. SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. 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Este artigo tem como objetivo realizar uma revisão bibliográfica a partir das teorias de autores latino-americanos, dentre eles Ferreiro, Tfouni, Kleiman e Soares. Utilizamo-nos de estudos relacionados à temática para pensar sobre diferentes aspectos ligados ao tema letramento, dentre eles a origem do termo e as relações entre letramento e escolarização. Por fim, nos aventuramos a esboçar um conceito único de letramento a partir do pensamento dos diferentes autores que apresentamos no decorrer do texto. Palavras-chave: Letramento. Escolarização. Práticas sociais de leitura e escrita. Introdução A recente incorporação do termo letramento no campo da educação brasileira associada com a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos gerou uma série de dúvidas entre os professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, especialmente os que se dedicam ao trabalho com turmas de primeiro ano. Muitas dessas dúvidas se referem ao conceito e à proposta de letramento. Alguns professores pensam que o letramento é um método didático que veio substituir a alfabetização, outros consideram que alfabetização e letramento são processos iguais, outros ainda possuem dúvidas sobre como promover uma proposta voltada para o letramento. Essas dúvidas nos parecem decorrentes da falta de esclarecimento teórico sobre a temática. 1 Mestre em Educação pela PUCRS. 2 Este artigo é decorrente de uma pesquisa bibliográfica que compõe a dissertação de mestrado da autora, a qual recebeu financiamento da Capes. 2 Torna-se fundamental implementar uma proposta voltada para os usos sociais da escrita e da leitura, considerando a necessidade de ampliar a prática docente nos anos iniciais do Ensino Fundamental para além do ensino e da aprendizagem da tecnologia do ler e do escrever. Para isso, porém, é necessário compreender as bases teóricas do conceito de letramento. Assim, realizaremos uma retomada de aportes teóricos de autores latino- americanos com o intuito de sistematizar suas principais contribuições em relação à temática. Não temos como objetivo apresentar uma proposta prática de letramento, mas sim, realizar reflexões de cunho teórico sobre a origem do termo, conceituação e as possíveis relações entre letramento e escolarização. ORIGEM DO TERMO LETRAMENTO O termo letramento pode ser considerado bastante atual no campo da educação brasileira. Conforme Soares (2009, p. 33), esse termo parece ter sido usado pela primeira vez no país no ano de 1986 por Mary Kato, no livro “No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística”. Como parte de título de livro, o termo apareceu no ano de 1995 nos livros “Os significados do letramento”, organizado por Angela Kleiman e “Alfabetização e Letramento”, de Leda V. Tfouni, autoras das quais nos utilizamos para embasar este trabalho. Mas quais seriam os motivos pelo qual foi incorporado mais esse termo no campo educativo? O surgimento de uma nova palavra sempre está ligado à falta de uma palavra que possa explicar o sentido de algum fenômeno. E foi nesse contexto que surgiu o termo letramento. Durante a década de 80 emergiram discussões sobre as altas taxas de repetência e analfabetismo no Brasil. Ao proporem uma nova perspectiva sobre o processo que a criança percorre para aprender a ler e a escrever, Ferreiro e Teberosky (1979) contribuíram muito para a reflexão sobre a problemática da alfabetização. Diante de toda a reflexão que ocorreu na época sobre o analfabetismo, foi necessário encontrar uma palavra que se referisse à condição ou ao estado contrário daquele expresso pela palavra analfabetismo, ou seja, uma palavra que representasse o estado ou condição de quem está alfabetizado, de quem domina o uso da leitura e da escrita. Se até aquele momento só se falava em analfabetismo, pois era essa a condição em que grande parte da população brasileira se encontrava, no momento em que essa realidade começou a se modificar, foi preciso incorporar uma nova palavra para nomear a nova 3 condição que o povo passou a ocupar. Essa nova condição, para além do saber ler e escrever, compreendia a incorporação desses saberes no viver de cada indivíduo, ou seja, compreendia uma demanda social. Curiosamente, a palavra analfabetismo possui o prefixo de negação a, assim, seria lógico pensar que a palavra mais correta para preencher essa demanda seria alfabetismo. O termo alfabetismo chegou a ser utilizado na literatura especializada, como podemos verificar neste trecho escrito por Soares no ano de 1995 e que permanece na edição mais atual do livro “Alfabetização e Letramento”: O surgimento do termo literacy (cujo significado é o mesmo de alfabetismo), nessa época, representou, certamente, uma mudança histórica nas práticas sociais: novas demandas sociais pelo uso da leitura e da escrita exigiram uma nova palavra para designá-las. Ou seja: uma nova realidade social trouxe a necessidade de uma nova palavra (SOARES, 2011, p. 29, grifos da autora). Podemos encontrar nesse mesmo livro, uma explicação da autora, que nos esclarece que a palavra alfabetismo não criou raízes na literatura da área e foi, progressivamente, sendo substituída pelo termo letramento. Conforme a nota da autora: “Após a publicação deste texto, em 1995, foi-se progressivamente revelando, na bibliografia, preferência pela palavra letramento [...] em relação à palavra alfabetismo (SOARES, 2011, p. 29, grifos da autora)”. Assim, o termo letramento vem gradativamente substituindo o termo alfabetismo, no entanto, ainda podemos encontrar o termo alfabetismo na literatura especializada. No decorrer do livro “Letramento e Alfabetização”, Tfouni explicita que “A necessidade de se começar a falar em letramento surgiu, creio eu, da tomada de consciência que se deu, principalmente entre os linguistas, de que havia alguma coisa além da alfabetização, que era mais ampla, e até determinante desta (2010, p. 32)”. Refletindo sobre o surgimento do termo letramento, a autora Kleiman (2008) argumenta que o conceito de letramento “[...] começou a ser usado nos meios acadêmicos como tentativa de separar os estudos sobre o ‘impacto social da escrita’ dos estudos sobre a alfabetização, cujas conotações destacam as competências individuais no uso e na prática da escrita (2008, p. 15, grifo da autora)”. Em relação à etimologia do termo, podemos fazer referência à Soares (2009), que expressa o senso comum do meio, quando afirma que a palavra letramento é uma tradução do 4 termo inglês literacy, que, por sua vez, tem origem do latin littera, que se refere à letra. A palavra literacy poderia ser decomposta da seguinte forma: littera (letra) + cy (condição ou estado de). Soares interpreta esta definição da seguinte forma: “[...] literacy é ‘a condição de ser letrado’ – dando à palavra ‘letrado’ sentido diferente daquele que vem tendo em português (2009, p. 35, grifo da autora)”. Qual seria, então, o sentido da palavra letrado a que Soares se refere na citação anterior? O sentido comumente dado à palavra letrado no Brasil está ligado à ideia de pessoa erudita, pessoa versada em letras, e o seu antônimo, iletrado, seria a pessoa que não é erudita, não possui conhecimentos literários. Porém, ao nos referirmos ao termo letramento, não estamos invocando os significados anteriormente apresentados dos termos letrado e iletrado. Estamos, sim, nos referindo ao mesmo termo, porém, ao significado atribuído a ele na língua inglesa: literate, que se refere à pessoa educada e que especificamente tem habilidade de ler e escrever. LETRAMENTO: CONCEITOS E DEFINIÇÕES A busca por uma definição única para o termo letramento parece ser algo difícil, uma vez que se trata de um conceito amplo e complexo. Conforme Soares (2009, p. 65), as “[...] dificuldades e impossibilidades devem-se ao fato de que o letramento cobre uma vasta gama de conhecimentos, habilidades, capacidades, valores, usos e funções sociais; o conceito de letramento envolve, portanto, sutilezas e complexidades difíceis de serem contempladas em uma única definição”. Já Mortatti afirma que “[...] até por ser uma palavra recente, nem sempre são idênticos os significados que lhe vêm sendo atribuídos [...], assim como os objetivos com que é utilizada (a palavra letramento) (2004, p. 11, grifo nosso)”. Traremos, a seguir, definições que alguns autores utilizam para esse conceito. Refletindo sobre os significados de letramento, Tfouni (2010) sugere que não pode haver a redução do seu significado ao significado de alfabetização e ao ensino formal. Para ela letramento é um processo mais amplo que a alfabetização e que deve ser compreendido como um processo sócio-histórico. Tfouni (2010, p. 23) relaciona, assim, letramento com o desenvolvimento das sociedades. Nesse sentido, a autora explica que: Em termos sociais mais amplos, o letramento é apontado como sendo produto do desenvolvimento do comércio, da diversificação dos meios de produção e da complexidade crescente da agricultura. Ao mesmo tempo, dentro de uma visão dialética, torna-se uma causa de transformações históricas profundas, como o 5 aparecimento da máquina a vapor, da imprensa, do telescópio, e da sociedade industrial como um todo. Letramento seria, portanto, causa e consequência do desenvolvimento. Assim, o significado atribuído pela autora ao termo letramento extrapola a escola e o processo de alfabetização, referindo-se a processos sociais mais amplos. “O letramento [...] focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita. [...] tem por objetivo investigar não somente quem é alfabetizado, mas também quem não é alfabetizado, e, nesse sentido, desliga-se de verificar o individual e centraliza-se no social mais amplo (TFOUNI, 1988, apud MORTATTI, 2004, p. 89)”. O letramento também é compreendido como um fenômeno mais amplo e que ultrapassa os domínios da escola por Kleiman (2008, p. 18). Segundo ela, “[...] podemos definir hoje o letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, como sistema simbólico e como tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos”. O conceito da autora enfatiza os aspectos social e utilitário do letramento. As práticas específicas da escola, que forneciam o parâmetro de prática social segundo a qual o letramento era definido, e segundo a qual os sujeitos eram classificados ao longo da dicotomia alfabetizado ou não-alfabetizado, passam a ser, em função dessa definição, apenas um tipo de prática – de fato, dominante – que desenvolve alguns tipos de habilidades mas não outros, e que determina uma forma de utilizar o conhecimento sobre a escrita (KLEIMAN, 2008, p. 19). Na citação anterior, a autora se refere ao fato de que a escola, diante da perspectiva do letramento, enfatiza apenas algumas práticas ligadas à escrita e ao uso da escrita. Assim sendo, fora do ambiente escolar outros usos e práticas ligados à escrita são vivenciados. Nesse sentido, Kleiman (2008, p. 20) afirma que o “[...] fenômeno do letramento, então, extrapola o mundo da escrita tal qual ele é concebido pelas instituições que se encarregam de introduzir formalmente os sujeitos no mundo da escrita”. Desta forma, e de acordo com o que já foi explicitado anteriormente por esta autora, letramento seria um conjunto de práticas com objetivos específicos e em contextos específicos, que envolvem a escrita. A escola, por sua vez, seria apenas uma agência de letramento, dentre várias outras, e realizaria apenas algumas práticas de letramento. Para Mortatti (2004, p. 98), o conceito de letramento se liga às funções da língua escrita em sociedades letradas. Segundo esta autora, 6 Letramento está diretamente relacionado com a língua escrita e seu lugar, suas funções e seus usos nas sociedades letradas, ou, mais especificamente, grafocêntricas, isto é, sociedades organizadas em torno de um sistema de escrita e em que esta, sobretudo por meio do texto escrito e impresso, assume importância central na vida das pessoas e em suas relações com os outros e com o mundo em que vivem. Assim, para a autora, em sociedades grafocêntricas, a escrita possui uma importância de proporção muito grande, uma vez que tudo se organiza em torno dela. Diante desse fato, o letramento estaria relacionado aos usos da escrita nessa sociedade grafocêntrica. O letramento também influenciaria a relação, não somente dos sujeitos com a sociedade, mas também, com outros sujeitos. Soares (2009), mesmo apontando a dificuldade de abranger toda a complexidade do significado de letramento em um único conceito, também expressa uma definição para o termo. Segundo ela, letramento pode ser definido como “Resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita; O estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais (SOARES, 2009, p. 39)”. Assim letramento está ligado aos usos, às práticas de leitura e de escrita. Além disso, torna-se letrado o indivíduo ou grupo que desenvolve as habilidades não somente de ler e de escrever, mas sim, de utilizar leitura e escrita na sociedade, ou seja, para Soares, somente alfabetizar não garante a formação de sujeitos letrados. Para a promoção do letramento, é necessário que esses sujeitos tenham oportunidades de vivenciar situações que envolvam a escrita e a leitura e que possam se inserir em um mundo letrado. Conforme Soares (2009, p. 58), em realidades de países como o nosso, o contato com livros, revistas e jornais não é, ainda, algo natural e acessível, portanto, a realidade de alguns contextos de nosso país não contribui para a formação de sujeitos letrados. Em se tratando do uso do termo letramento, é importante ressaltar que, atualmente, existem duas posições teóricas. Nossa intenção não é realizar qualquer tipo de juízo de valor sobre as diferentes posições, mas sim, apresentá-las. Por um lado, os autores que exploramos até o momento, Soares, Mortatti, Kleiman e Tfouni, assumem um posicionamento no qual diferenciam os processos de alfabetização e letramento e os consideram separadamente. Por outro lado, existe um posicionamento, liderado por Ferreiro, que questiona o uso do termo letramento, uma vez que pressupõe que em alfabetização estaria compreendido o conceito de letramento ou o contrário: em letramento estaria compreendido o conceito de alfabetização. 7 Gostaríamos de apresentar a posição de Ferreiro, uma vez que, até então estamos explorando somente a posição que defende o uso do termo letramento. Poderíamos pensar que a ideia de letramento, entendido como um processo mais amplo que a alfabetização, surgiu no Brasil por volta da década de 80, a partir dos estudos de Ferreiro e Teberosky3. Sem utilizar o termo letramento, as autoras já defendiam a alfabetização como um processo indissociável do contexto do aluno e criticavam práticas mecânicas, repetitivas e sem sentido. As autoras também questionavam a utilização de textos artificiais no processo de alfabetização, defendendo o uso de textos reais, que fizessem parte do contexto das crianças e pudessem, desta forma, propiciar aprendizagens significativas. Ao expressarem no que a psicolinguística contemporânea se diferencia do modelo tradicional associacionista da aquisição da linguagem, Ferreiro e Teberosky (1999, p. 24) afirmam que “[...] no lugar de uma criança que recebe pouco a pouco uma linguagem inteiramente fabricada por outros, aparece uma criança que reconstrói por si mesma a linguagem, tomando seletivamente a informação que lhe provê o meio”. Ao se referirem à “informação que lhe provê o meio”, as autoras expressam que as informações que a criança possui antes de ingressar na escola e que lhe são providas pelo meio, são, em grande parte, informações ligadas à escrita. Escrita que está contextualizada, está sendo utilizada na sociedade para um fim específico. Diante das situações de interação da criança com a escrita, a criança não age passivamente, mas sim, reflete sobre as situações e sobre a própria escrita, construindo e reconstruindo hipóteses e conhecimentos. Assim, acriança que está inserida no meio letrado é uma criança que possui conhecimentos sobre a língua e sobre as funções da língua na sociedade. As autoras continuam: [...] é bem difícil imaginar que uma criança de 4 ou 5 anos, que cresce num ambiente urbano no qual vai reencontrar, necessariamente, textos escritos em qualquer lugar (em seus brinquedos, nos cartazes publicitários ou nas placas informativas, na sua roupa, na TV, etc.) não faça nenhuma ideia a respeito da natureza desse objeto cultural até ter 6 anos e uma professora à sua frente (FERREIRO, TEBEROSKY, 1999, p. 29). Desta forma, Ferreiro e Teberosky (1999) problematizam a visão de que a criança é uma tábula rasa, no que diz respeito à escrita e à leitura, ao iniciar o processo de 3 O livro “Psicogênese da Língua Escrita”, de Emília Ferreiro e Ana Teberosky foi lançado em 1979, originalmente na língua espanhola, sob o título de “Los sistemas de escritura em el desarrollo del niño” e ainda hoje pode ser considerado uma referência no que diz respeito aos estudos ligados à aquisição da leitura e da escrita. 8 escolarização. Pelo contrário, as autoras afirmam que a criança possui experiências com a língua e com os usos dessa língua no dia-a-dia, ou seja, que, aos poucos, através de suas experiências, percebe as funções da escrita e da leitura. Esse movimento faz com que construa conhecimentos que devem ser considerados ao iniciar o processo de alfabetização propriamente dito. A ideia de que a criança reconhece os usos da leitura e escrita em seus contextos reais antes mesmo de estar alfabetizada e que, por isso, deve ser alfabetizada com textos reais, pode ser identificada como uma ideia ligada ao letramento. No entanto, Ferreiro (2002) problematiza o uso dos dois conceitos: alfabetização e letramento. Em entrevista concedida a uma revista educacional brasileira, Ferreiro respondeu o que significa estar alfabetizado hoje. Poderemos perceber, através do seu conceito de alfabetização, que a ideia de letramento está implícita. Segundo Ferreiro (2006)4, estar alfabetizado nos dias de hoje é [...] poder transitar com eficiência e sem temor numa intrincada trama de práticas sociais ligadas à escrita. Ou seja, trata-se de produzir textos nos suportes que a cultura define como adequados para as diferentes práticas, interpretar textos de variados graus de dificuldade em virtude de propósitos igualmente variados, buscar e obter diversos tipos de dados em papel ou tela e também, não se pode esquecer, apreciar a beleza e a inteligência de um certo modo de composição, de um certo ordenamento peculiar das palavras que encerra a beleza da obra literária. Poderíamos afirmar que seu conceito de sujeito alfabetizado é um conceito bastante amplo e que abrange o que vem sendo identificado como letramento nos meios acadêmicos: usos sociais da leitura e da escrita. Assim, Ferreiro “rejeita a coexistência dos dois termos com o argumento de que em alfabetização estaria compreendido o conceito de letramento, ou vice-versa, em letramento estaria compreendido o conceito de alfabetização (SOARES, 2004, p. 15)”. A problemática levantada por Ferreiro, porém, vai além do simples reconhecimento ou não, do termo letramento. Para a autora, a questão do letramento está ligada a um aspecto social mais amplo. Diante dos números brasileiros que totalizam 14 milhões de analfabetos, Ferreiro (2002) discute a pertinência de uma excessiva preocupação com o letramento. Assim, o questionamento da autora é: como podemos falar em letramento e cultura letrada, se não damos conta da alfabetização? É importante salientar que Ferreiro não nega a preocupação 4 Por se tratar de um artigo de meio eletrônico, não dispomos de paginação. 9 com o letramento, mas sim, aponta para a necessidade dos países pobres se preocuparem, prioritariamente, com o analfabetismo. Os países pobres não superaram o analfabetismo, os ricos descobriram o iletrismo. [...] Iletrismo é o novo nome dado a uma realidade muito simples: a escolaridade básica universal não assegura a prática cotidiana da leitura, nem o gosto de ler, muito menos o prazer da leitura. Ou seja, há países que têm analfabetos (porque não asseguram um mínimo de escolaridade básica a todos seus habitantes) e países que tem iletrados (porque, apesar de terem assegurado esse mínimo de escolaridade básica, não produziram leitores em sentido pleno) (FERREIRO, 2002, p. 16, grifos da autora). Desta forma, a autora afirma que a maior necessidade, no contexto de escolas latino- americanas, seria de dar oportunidades de uma escolarização mínima para a população, a fim de sanar os altos índices de analfabetismo. Para Ferreiro, a preocupação com letramento é pertinente em realidades onde a alfabetização não se constitui como um problema, pois a população, de modo geral, já está alfabetizada, ou seja, em países ricos, conforme a autora os denomina. RELAÇÕES ENTRE LETRAMENTO E ESCOLARIZAÇÃO Um aspecto importante, apontado em grande parte das bibliografias sobre a temática do letramento, diz respeito à relação entre o letramento e a escolarização. Ao contrário do que se poderia pensar, essa relação não é óbvia ou direta, sendo que alguns autores vêm afirmando, inclusive, que existe uma “[...] ausência de relação direta entre escolarização e letramento (TFOUNI, 2010, p. 41)”, uma vez que pessoas com alto nível de escolarização nem sempre demonstram habilidade em “[...] colocar-se como autor do próprio discurso (TFOUNI, 2010, p.42, grifos da autora)”. A tabela 1 nos apresenta importantes informações para pensarmos sobre a relação entre escolaridade e níveis de alfabetismo/letramento. Conforme os dados do INAF – Indicador Nacional de Alfabetismo5 Funcional – 2009, percebemos que quanto maior o nível de escolaridade, também maior é o nível de alfabetismo. O contrário também é evidenciado: quanto menor o nível de escolaridade, menor o nível de alfabetismo. Diante dessa informação, poderíamos afirmar que existe uma direta relação entre escolaridade e alfabetismo, porém, 5 Essa pesquisa utiliza a palavra alfabetismo no lugar da palavra letramento, porém, com o mesmo significado. 10 estaríamos nos precipitando, uma vez que os dados também nos indicam outras informações relevantes. Tabela 1: Níveis de alfabetismo segundo a escolaridade – INAF 2009 INAF/Brasil Nível de alfabetismo segundo escolaridade População de 15 à 64 anos (%) Nenhuma 1ª à 4ª série 5ª à 8ª série Ensino Médio Ensino Superior Analfabeto 66 9 0 0 0 Rudimentar 29 43 24 5 1 Básico 4 42 60 54 29 Pleno 1 6 17 41 71 Total de Analfabetos Funcionais 95 52 24 5 1 Total de Alfabetizados funcionalmente 5 48 76* 95 99* *Diferenças decorrentes de arredondamento. Fonte: INAF 20096 Podemos verificar que após cursarem entre 1 e 4 anos, metade dos participantes da pesquisa se mantiveram analfabetos funcionalmente e a outra metade pode ser classificada como alfabetizados funcionalmente. No entanto, somente 6% da amostragem daqueles que cursaram entre 1 e 4 anos atingiu o nível pleno de alfabetismo, enquanto que 9% dessa amostragem permaneceu analfabeto, mesmo tendo frequentado a escola. Em relação àqueles que tiveram entre 5 e 8 anos de escolaridade, o nível de alfabetismo funcional aumenta, passando para 76%. Entre os que estudaram de 5 à 8 anos, não se identifica analfabetos, porém, o percentual de alfabetizados plenos chega a 17% somente. Os dados que mais nos chamam atenção, no entanto, se referem aos extremos, ou seja, àqueles que nunca frequentaram a escola e àqueles com alto nível de escolaridade. Dentre as 6 Disponível em http://www.ipm.org.br/ipmb_pagina.php?mpg=4.02.02.00.00&ver=por 11 pessoas que não cursaram nenhuma série, aquelas que não frequentaram a escola, 5% são classificadas como alfabetizadas funcionalmente. Como isso seria possível se essas pessoas sequer ingressaram na escola? E como explicar o fato de que após terem cursado o Ensino Médio e/ou Ensino Superior 6% da amostragem da pesquisa pode ser considerada analfabetos funcionais? Como após mais de 11 anos de frequência escolar essas pessoas não adquiriram as habilidades de uso da escrita e leitura? Poderíamos continuar pensando que existe relação direta entre escolarização e alfabetismo/letramento? Para refletirmos sobre essas questões, fazemos referência ao texto de Soares (2004), que compõe o livro “Letramento no Brasil 7 ”, organizado por Vera Masagão Ribeiro. O referido livro foi escrito com o intuito de analisar os dados do primeiro INAF, realizado em 2001. No livro, diversos autores abordam assuntos relacionados com a temática do letramento, apoiando-se nos dados da pesquisa. Soares, no texto “Letramento e Escolarização”, que compõe o livro citado, realiza importantes reflexões sobre o tema, as quais abordaremos a seguir. Ao analisar os dados da pesquisa8, a primeira colocação da autora em relação ao letramento e à escolarização é de que existe uma evidente correlação entre eles e que “a escolarização é fator decisivo na promoção do letramento (SOARES, 2004, p. 99)”. Soares chega a essa conclusão ao afirmar que conforme aumentam os anos de escolarização, aumenta, também, o nível de letramento em que os sujeitos são classificados. A autora, no entanto, analisa alguns números que poderiam evidenciar a não relação entre letramento e escolarização. Nos dados no INAF 2001, foi utilizada uma escala de níveis de letramento diferente da escala utilizada nos outros anos da pesquisa, ou seja, diferente daquela que apresentamos na tabela 1. O INAF 2001 considerou três níveis de alfabetismo: o nível 1 representava a ultrapassagem do analfabetismo, o nível 2 representava um domínio mínimo das habilidades de uso da leitura e escrita e o nível 3 correspondia ao domínio pleno de competências letradas. Verificou-se que 42% daqueles que tinham entre 11 e 14 anos de 7 É curioso verificar que a base de dados na qual se baseiam os textos do livro – INAF – possui a palavra “alfabetismo” na sua denominação – Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional – porém, os autores do livro, em sua maioria, optaram por utilizar o termo “letramento”, que, inclusive faz parte do título do livro – Letramento no Brasil. Assim, no contexto dessa pesquisa, os termos “alfabetismo” e “letramento” são utilizados como sinônimos. 8 Lembramos que a autora analisou os dados do INAF 2001. 12 escolaridade não atingiram o nível 3 de letramento e que 22% dos que possuíam curso superior completo foram classificados nos níveis 1 e 2 de letramento (SOARES, 2004, p. 99). Frente a esses dados, as relações entre letramento e escolarização poderiam ser questionadas. Assim, embora os dados permitam concluir que a escolarização cumpre um papel fundamental na promoção de habilidades associadas ao letramento, indicam também que, em um número não desprezível de casos, é negada a relação entre escolarização e tais habilidades. Para explicar essa discrepância entre grau de instrução e nível de letramento, a atitude mais freqüente é a de responsabilizar a escola, explicação que deve ser posta sob suspeita (...) (SOARES, 2004, p. 99). Dando continuidade, Soares (2004) apresenta duas hipóteses que não atribuem à escola a responsabilidade pela falta de relação entre escolarização e letramento. Na primeira, atenta para uma possível redução das habilidades dos usos da escrita e da leitura em função da falta de prática, ou seja, sugere que alguns sujeitos poderiam ter apresentado dificuldades nos testes em função do não exercício, no dia-a-dia, dessas habilidades, por falta de oportunidade ou por falta de interesse. Sua segunda hipótese é a de que, em alguns casos, existe um grande afastamento temporal entre o momento de formação escolar do sujeito e o momento do teste. Diante disso, o sujeito poderia já não estar mais familiarizado com uma situação de teste, bem como, as habilidades desenvolvidas pela escola no período em que obteve sua escolarização, poderiam diferir das habilidades avaliadas pelo teste. A autora apresenta, também, uma terceira hipótese e essa indica uma relativa responsabilidade da escola na baixa classificação no teste por parte de sujeitos que tiveram vários anos de escolarização. Sua ideia é de que as práticas de letramento realizadas na escola diferem-se muito das práticas de letramento da vida real, ou, que a escola tentar recriar práticas de letramento, porém, essas não se aproximam das práticas sociais de letramento. Soares (2004, p. 106) afirma: [...] na vida cotidiana, eventos e práticas de letramento surgem em circunstâncias da vida social ou profissional, respondem a necessidades ou interesses pessoais ou grupais, são vividos e interpretados de forma natural, até mesmo espontânea; na escola, eventos e práticas de letramento são planejados e instituídos, selecionados por critérios pedagógicos, com objetivos predeterminados, visando à aprendizagem e quase sempre conduzindo a atividades de avaliação. Diante disso, a autora afirma que existe o letramento escolar e o letramento social. Para ela, letramento escolar se refere às habilidades de leitura e de escrita desenvolvidas na e para a escola. Já o letramento social se refere às habilidades demandadas pelas práticas sociais 13 (SOARES, 2004, p. 100). Assim, nem sempre a escola conseguiria desenvolver as habilidades demandadas pela sociedade, uma vez que as práticas escolarizadas de letramento, ou seja, aquelas que a escola incorpora em seu currículo, não são idênticas àquelas vivenciadas no meio social. Sendo assim, não seria espantosa a falta de correspondência entre escolarização e letramento, já que as habilidades desenvolvidas pela escola se distinguem das que são exigidas no contexto social. Considerando que as práticas de letramento escolar se diferem das práticas de letramento sociais, Soares questiona como poderia ser explicada a existência de uma forte relação entre letramento e escolaridade, como a autora pode observar nos dados no INAF 2001. Para esse questionamento, Soares sugere a seguinte hipótese: A hipótese aqui é, então, que letramento escolar e letramento social, embora situados em diferentes espaços e em diferentes tempos, são parte dos mesmos processos sociais mais amplos, o que explicaria por que experiências sociais e culturais de uso da leitura e da escrita proporcionadas pelo processo de escolarização acabam por habilitar os indivíduos à participação em experiências sociais e culturais de uso da leitura e da escrita no contexto social extra-escolar (SOARES, 2004, p. 111, grifo da autora). Assim sendo, Soares acredita que, mesmo se tratando de práticas e eventos de letramento com características distintas, o letramento escolar e o letramento social fazem parte de um mesmo processo. Em decorrência disso, pensa que o sujeito que vivencia práticas de letramento escolar, via de regra, acaba por habilitar-se para a vivência de práticas que exijam o letramento fora do contexto escolar. Assim, interpretando os dados da pesquisa referida – INAF 2001 –, Soares (2004, p. 111) conclui que “os dados mostram que, de maneira significativa, embora não absoluta, quanto mais longo o processo de escolarização, quanto mais os indivíduos participam de eventos e práticas escolares de letramento, mais bem-sucedidos são nos eventos e práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita”. Diante dessa análise, percebemos que a autora considera a existência de importante relação entre letramento e escolarização. Ainda sobre possíveis relações entre letramento e escolarização, Tfouni (2010) reflete sobre questões de autoria do discurso e, defende a ideia de que o nível de escolarização não está diretamente relacionado ao nível de letramento dos sujeitos. A autora realiza essa afirmação, utilizando exemplos práticos. Esses exemplos se referem a textos de dois sujeitos identificados como “altamente escolarizados”. Os textos a que Tfouni (2010) se refere foram 14 realizados em contexto de estudo e trabalho, para fins específicos: um deles para a realização de um convite e o outro para apresentar um reajuste salarial. A autora expõe que ambos os sujeitos apresentam dificuldades em chegar ao objetivo de seus textos, sendo que o primeiro deles, na busca por formalidade, utiliza um vocabulário rebuscado que gera um “eruditismo desgastado”. Já o sujeito do segundo texto parece não conseguir planejar sua escrita e, nem mesmo, voltar ao texto, após seu término, para realizar possíveis correções. Para contrapor os exemplos anteriores, que tratam de sujeitos altamente escolarizados, mas que apresentam dificuldades em formular seus discursos, e com o objetivo de sustentar o argumento de que a escolarização não está diretamente ligada ao letramento, Tfouni (2010) apresenta uma poesia elaborada por um ex-detento, que foi alfabetizado enquanto estava na cadeia. A poesia que esse sujeito elaborou foi baseada em uma crônica que, possivelmente, ouviu quando ainda não dominava a escrita e a leitura. Seu texto apresenta coesão e o uso de artifícios típicos de um discurso marcado pela autoria. Assim, a autora explica: “[...] isso demonstra que o sujeito era MUITO letrado antes de aprender a ler e a escrever, porque conhecia textos literários sem nunca tê-los lido. Ou seja, apesar do seu baixo grau de escolaridade, e de seu analfabetismo, ele tinha um conhecimento letrado sofisticado (TFOUNI, 2010, p. 45, grifo da autora)”. Diante disso, afirma não haver necessária relação entre letramento e escolarização, e entre letramento e alfabetização. Mortatti (2004) afirma que a alfabetização e a escolarização não garantem o letramento, porém, identifica esses fatores como necessários para que os sujeitos possam se tornar letrados. Para ela, “[...] a alfabetização e a escolarização, bem como a disponibilidade de uma diversidade de material escrito e impresso, em nosso contexto atual, são condições necessárias, mas não suficientes, para o letramento [...] (2004, p. 108)”. Ao utilizar a expressão “condições necessárias, mas não suficientes”, a autora expressa que a alfabetização e a escolarização não pressupõem, necessariamente, o letramento. O contrário, no entanto, parece ser assumido como verdadeiro, ou seja, o letramento implica a alfabetização e a escolarização. Desta forma, a escola não produziria, obrigatoriamente, sujeitos letrados, mas os sujeitos letrados vivenciariam, via de regra, situações escolares, como a alfabetização. Ainda se tratando de relações entre alfabetização e escolarização, Mortatti (2004, p. 107) afirma que “[...] somente o fato de ser alfabetizada, não garante que a pessoa seja letrada”. Sua ideia, que desassocia a aquisição da leitura e da escrita com o letramento, vai ao 15 encontro de outros autores que estamos analisando, tais como Soares (2009, p. 24), Kleiman (2008, p.18) e Tfouni (2010, p. 42). Para essas pesquisadoras, nem sempre a pessoa alfabetizada pode ser considerada letrada. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nestas considerações finais, gostaríamos de retomar os principais aspectos apresentados no texto e, por fim, tentaremos expressar um conceito único de letramento que considere os autores aqui explorados e suas principais ideias em relação à temática. Com relação à origem, o termo letramento surgiu no Brasil na década de 80 e se originou do inglês literacy. Surgiu a partir da necessidade de denominar o estado ou condição daqueles que não mais pertenciam ao grupo dos analfabetos e que utilizavam a escrita e a leitura em seus contextos. Na literatura educacional percebemos que o termo letramento possui maior aderência do que o termo alfabetismo, porém, este último ainda é encontrado na bibliografia da área. Os dois termos costumam ser utilizados com o mesmo sentido. Sobre a pertinência do uso do termo letramento, existem dois posicionamentos teóricos. O posicionamento de Ferreiro (2002 e 2006) discute a validade de sociedades pobres – conforme as denominou – se preocuparem com o letramento, uma vez que ainda não deram conta do processo de alfabetização. Além disso, a autora costuma utilizar somente o termo alfabetização, pois o significado de letramento está contido em seu conceito de alfabetização, uma vez que este último é bastante amplo. O outro posicionamento, assumido por autoras como Mortatti (2004), Tfouni (2010), Kleiman (2008) e Soares (2004 e 2009), considera a necessidade de promover o letramento em contextos como o brasileiro. Reconhece alfabetização e letramento como dois processos distintos, considerando a alfabetização como um processo individual de aquisição da leitura e escrita e o letramento como um processo mais amplo, relacionado aos usos da leitura e da escrita por um indivíduo ou um grupo de indivíduos. Sobre as possíveis relações entre escolarização e letramento, percebemos diferentes posições. Soares (2004) considera que, via de regra, quanto mais longa for a escolarização, mais bem sucedidos serão os sujeitos em eventos que envolvam os usos da leitura e da escrita, 16 uma vez que o letramento escolar e o letramento social fazem parte de um mesmo processo. Tfouni (2010) acredita que a escolarização não garante sujeitos que assumam a autoria em seus discursos. Já Mortatti (2004) considera a escolarização como um fator necessário para a formação de sujeitos letrados. Para finalizar, letramento é um conceito amplo e complexo, de difícil definição. Mesmo assim, nos aventuramos a apresentar um conceito único de letramento a partir dos autores que utilizamos. Não tivemos a pretensão de esgotar a temática, mas sim, de realizar uma síntese de aspectos teóricos importantes a todos aqueles que se interessam pelo tema e, especialmente aos professores da educação básica. Poderíamos dizer, considerando os autores explorados neste texto, que letramento é o produto da aprendizagem dos usos da escrita e da leitura e não está necessariamente atrelado à alfabetização. A escola é uma agência de letramento que promove o letramento escolar, que se diferencia do letramento social. Para alguém tornar-se letrado é necessário que viva em um contexto rico em situações que exijam e estimulem a leitura e a escrita. REFERÊNCIAS FERREIRO, Emília. Passado e presente dos verbos ler e escrever. São Paulo: Cortez, 2002. 92 p. ______. O momento atual é interessante porque põe a escola em crise. Entrevista concedida à Revista Nova Escola. São Paulo: Abril, Out. 2006. Disponível em <http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/alfabetizacao-inicial/momento-atual- 423395.shtml>. Acesso em: 30 out. 2011. ______. TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999. 300 p. INSTITUTO PAULO MONTENEGRO. Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional. 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A abordagem histórica do letramento: ecos da memória na atualidade A abordagem histórica do letramento: ecos da memória na atualidade memory in the current Ɵmes A abordagem histórica do letramento: ecos da memória na atualidade L’abordage historique de la liƩéracie: echos de la memoire dans l’actualité Ciclo escolar e letramento Awakening to literacy Interpretação e letramento Estilos da clínica Revista da Faculdade de Educação – USP Múltiplas faces da autor ia A invenção do cotidiano O mundo de Lygia Clark A produção textual de alunos de 4ª e 8ª sér ies do Ensino Fundamental no SARESP A abordagem histórica do letramento: ecos da memória na atualidade Les armoires vides Edição Standard Brasileira das Obras psicológicas completas de sigmund Freud Fazer dizer, querer dizer Cultural literacy Awakening to literacy Cem dias entre o céu e o mar Problemas cruciais para a psicanálise Escr itos Language, literacy and culture Awakening to literacy Letramento, heterogeneidade e alter idade Letramento, esquecimento e alter idade Letramento no Brasil. Literacy in theory and practice Adultos não-alfabetizados Letramento e analfabetismo Investigando a relação oral/escr ito e as teor ias do letramento Revista da ANPOLL Adultos não-alfabetizados em uma sociedade letrada Letramento e alfabetização Múltiplas faces da autor ia Fórum linguístico Alfa A abordagem histórica do letramento: ecos da memória na atualidade Linguagem e ensino, La matr ice du mythe __MACOSX/EMAIL 1/._ARQUIVO 12 - ABORDAGEM HISTÓRICA DO LETRAMENTO.pdf EMAIL 1/ARQUIVO 13 - LETRAMENTOS.pdf SIGNO SIGNO SIGNO SIGNO SIGNO SIGNO SIGNO SIGNO SIGNOSIGNO SIGNO SIGNO SIGNO SIGNO SIGNO SIGNO SIGNO SIGNOSIGNO SIGNO SIGNO SIGNO SIGNO SIGNO SIGNO SIGNO SIGNOSIGNO SIGNO SIGNO SIGNO SIGNO SIGNO SIGNO SIGNO SIGNO Signo. Santa Cruz do Sul, v. 32 n 53, p. 1-25, dez, 2007. LETRAMENTO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA1 Angela B. Kleiman2 RESUMO Este trabalho discute a relevância do conceito de letramento para o ensino e a aprendizagem de língua materna em todos os ciclos do ensino fundamental e médio. O artigo argumenta contra a dicotomia que limita a relevância dos estudos de letramento à prática de alfabetização. Essa dicotomia determina que, enquanto professores alfabetizadores se preocupam com as melhores formas de tornar os seus alunos letrados, os professores de língua materna se preocupam com as melhores formas de introduzirem os gêneros, embora o aluno da quarta, sexta ou oitava série do ensino fundamental, assim como o aluno de ensino médio esteja também, ao longo de seu processo de escolarização, em processo de letramento. São apresentados exemplos de organizações curriculares centradas em conteúdos lingüístico-enunciativo-discursivos ou em projetos de letramento e são discutidas suas respectivas implicações. O artigo finaliza examinando as implicações da abordagem do letramento para a formação do professor. Palavras-chave: Letramentos. Ensino de língua materna. Formação do professor INTRODUÇÃO Os estudos do letramento têm como objeto de conhecimento os aspectos e os impactos sociais do uso da língua escrita (KLEIMAN, 1995). De origem acadêmica, o conceito foi aos poucos infiltrando-se no discurso escolar, contrariamente ao que a criação do novo termo pretendia: desvincular os estudos da língua escrita dos usos escolares, a fim de marcar o caráter ideológico de todo uso da língua escrita (STREET, 1984) e distinguir as múltiplas práticas de letramento da prática de alfabetização, tida Signo. Santa Cruz do Sul, v. 32 n 53, p. 1-25, dez, 2007. 2 como única e geral, mas apenas uma das práticas de letramento da nossa sociedade, embora possivelmente a mais importante, até mesmo pelo fato de ser realizada pela também mais importante agência de letramento, a instituição escolar. Talvez tenha sido o contraste estabelecido entre alfabetização e letramento, desde quando o conceito começou a circular no Brasil, em meados da década de 80, o que limitou a relevância e o impacto do conceito de letramento para o ensino e a aprendizagem aos primeiros anos de contato do aluno com a língua escrita, ou seja, àquele período em que o discente está em processo de aquisição dos fundamentos do código da língua escrita. Assim, enquanto professores alfabetizadores se preocupam com as melhores formas de tornar os seus alunos letrados, os professores de língua materna se preocupam com as melhores formas de introduzirem os gêneros, criando-se aí uma falsa dicotomia, pois o aluno da quarta, sexta ou oitava série do ensino fundamental, assim como o aluno de ensino médio está também, ao longo de seu processo de escolarização, em processo de letramento. Aliás, nesse processo, estão todos os que utilizam a língua escrita em seu cotidiano. Confrontado com novas necessidades de uso da escrita devido a uma promoção ou a uma mudança de emprego que lhe exija escrever textos até então não elaborados por ele, o empregado pergunta a colegas se há modelos desses textos nos arquivos, analisa os textos disponíveis e, assim, forma algumas representações sobre o que estaria envolvido naquela produção. Com base nesse material, tenta uma primeira versão do texto que deve produzir, mostra o resultado a colegas, escuta seus comentários e faz outra versão se necessário for. No processo, esse profissional está formando uma representação do gênero desconhecido, a qual é social mas também individual e única. São os gêneros as matrizes sócio-cognitivas e culturais (MATENCIO, 2003) que permitem participar de atividades letradas das quais nunca antes se participou. Esse modo de agir em situações novas, característico da aprendizagem, deveria ser particularmente verdadeiro nas situações de aprendizagem escolar, pois na escola existem (ou deveriam existir) possibilidades de experimentação que estão ausentes de situações mais tensas e competitivas como as do local de trabalho. Por exemplo, Tápias- Oliveira (2006) relata uma experiência de formação em que se solicitou aos estudantes, no primeiro ano do curso de Letras, que elaborassem diários de aprendizagem registrando Signo. Santa Cruz do Sul, v. 32 n 53, p. 1-25, dez, 2007. 3 os momentos marcantes do processo: impressões e sentimentos sobre os momentos mais difíceis, interessantes, incompreensíveis das aulas. Frente à tarefa de, praticamente, ter de inventar o gênero, havia alunos que produziam exemplares mais próximos ao diário íntimo e confessional, como exemplifica o trecho a seguir: Tenho uma certa dificuldade em ouvir o que o outro pensa, se pensa diferente de mim, e deixá-lo ir até o fim, permitindo que conclua seu raciocínio /.../.. Isso é uma coisa que me angustia um pouco aqui no Curso e sei que preciso trabalhar, até por que, isso será importante para que eu me sinta membro do grupo. (TÁPIAS- OLIVEIRA, 2006, p. 82) Alguns procuravam na correspondência epistolar o modelo do gênero: E[nome do professor], “eu gostaria que você fizesse mais atividades como essa (leitura de exploração), pois é muito importante. Através dessas análises vou compreendendo melhor toda a sua matéria dada” (TÁPIAS-OLIVEIRA, 2006, p.95); já outros encontravam em textos mais próximos do relatório o modelo satisfatório para registrar suas impressões: “[o debate é] de suma importância, pois através desse debate é que podemos esclarecer muitas dúvidas existentes e fazer ligação com conceitos já estudados” (TÁPIAS-OLIVEIRA, 2006, p. 144). No contexto do ensino fundamental, Guimarães (1999) relata uma experiência ao longo de três anos (da 5ª a 7ª série) em que os alunos, frente a uma situação comunicativa de ter que recomendar, ou não, um livro que tivessem lido aos seus colegas de turma, experimentaram diversos gêneros até chegarem ao que pode ser reconhecido como uma resenha padrão (resumo, análise crítica, recomendação ou rejeição). Nas primeiras tentativas, na quinta série, produziam textos mais próximos da oralidade, alguns que a autora descreve como bilhetes, como em /.../ Eu ri muito enquanto eu lia o livro principalmente quando ele foge de casa. O que? Você não sabe do que estou falando? Então vá depressa a uma livraria para comprar o livro e saber do que estou falando. Você vai adorar /.../. (GUIMARÃES, 1999, p. 77) Já na sétima série, no terceiro ano do projeto, os alunos produziam de fato resenhas, como o trecho a seguir, retirado de uma delas, ilustra: Signo. Santa Cruz do Sul, v. 32 n 53, p. 1-25, dez, 2007. 4 Aidan MacFarlane e Ann Mepherson, escritores da Inglaterra, especializados em problemas de saúde na vida escolar fizeram um grande sucesso, chegando a transformar as histórias de seus livros em séries da TV inglesa. “O diário de Susie” descreve um diário de uma adolescente de 16 anos que queria superar o irmão /..../. Em seu diário ela escreve sobre muitas coisas. Destacaremos algumas como problemas familiares e escolares, paixões, sexo e drogas. /.../ “O diário de Susie” é uma boa leitura para pessoas de várias idades pois há bastante conteúdo com diferentes assuntos que interessam a todos. (GUIMARÃES, 1999, p. 88) Acredito que é na escola, agência de letramento por excelência de nossa sociedade, que devem ser criados espaços para experimentar formas de participação nas práticas sociais letradas e, portanto, acredito também na pertinência de assumir o letramento, ou melhor, os múltiplos letramentos da vida social, como o objetivo estruturante do trabalho escolar em todos os ciclos. Neste artigo, examinarei algumas das implicações dessa assunção para o ensino, finalizando com implicações para a formação do professor. OS CONTEÚDOS CURRICULARES NA PERSPECTIVA SOCIAL DOS USOS DA ESCRITA Assumir o letramento como objetivo do ensino no contexto dos ciclos escolares implica adotar uma concepção social da escrita, em contraste com uma concepção de cunho tradicional que considera a aprendizagem de leitura e produção textual como a aprendizagem de competências e habilidades individuais. A diferença entre ensinar uma prática e ensinar para que o aluno desenvolva individualmente uma competência ou habilidade não é mera questão terminológica. Em instituições como a escola, em que predomina a concepção da leitura e da escrita como conjunto de competências, concebe- se a atividade de ler e escrever como um conjunto de habilidades progressivamente desenvolvidas, até se chegar a uma competência leitora e escritora ideal, a do usuário proficiente da língua escrita. Os estudos do letramento, por outro lado, partem de uma concepção de leitura e de escrita como práticas discursivas, com múltiplas funções e inseparáveis dos contextos em que se desenvolvem. Signo. Santa Cruz do Sul, v. 32 n 53, p. 1-25, dez, 2007. 5 Na perspectiva social da escrita que vimos discutindo, uma situação comunicativa que envolve atividades que usam ou pressupõem o uso da língua escrita ─ um evento de letramento ─ não se diferencia de outras situações da vida social: envolve uma atividade coletiva, com vários participantes que têm diferentes saberes e os mobilizam (em geral cooperativamente) segundo interesses, intenções e objetivos individuais e metas comuns. Contrasta essa concepção com a que subjaz às práticas de uso da escrita dentro da escola que, em geral, envolvem a demonstração da capacidade do indivíduo para realizar todos os aspectos de determinados eventos de letramento escolar, sejam eles soletrar, ler em voz alta, responder perguntas oralmente ou por escrito, escrever uma redação, fazer um ditado, analisar uma oração, fazer uma pesquisa. Daí não serem raros os relatos de atividades escolares que envolvem escrever uma carta de reclamação ou reivindicação a alguma autoridade, na qual cada um dos alunos, individualmente, faz a sua própria carta, em vez de unirem os esforços para produzirem coletivamente uma carta assinada por todos os membros da turma ou um abaixo-assinado da comunidade (escola, bairro, cidade) a que pertence a turma. Isso porque, mesmo focando um problema relevante para a cidadania e para a vida cívica, não era a resolução do problema – conseguir que o governo atendesse à reivindicação - o objetivo da atividade, mas, simplesmente, a aprendizagem do gênero carta argumentativa ou reivindicatória. A prática social como ponto de partida e de chegada implica, por sua vez, uma pergunta estruturante do planejamento das aulas diferente da tradicional, que está centrada nos conteúdos curriculares: “qual a seqüência mais adequada de apresentação dos conteúdos?”. A importância dos conteúdos para a formação do professor não pode ser suficientemente enfatizada3. Entretanto, o conteúdo é alvo: ele representa os comportamentos, procedimentos, conceitos que se visa desenvolver no aluno. Não deve ser entendido, parece-me, como princípio organizador das atividades curriculares. Vejamos por quê. Nos primeiros anos do primeiro ciclo do ensino fundamental, visa-se apresentar ao aprendiz todos os aspectos do sistema ortográfico da língua e serão os diversos aspectos desse sistema os conteúdos a serem ensinados. Isso não significa, entretanto, que o professor deva planejar suas aulas de modo a apresentar primeiro o alfabeto, logo as sílabas abertas (ba be bi), depois os encontros consonantais (bra bre ) e as sílabas Signo. Santa Cruz do Sul, v. 32 n 53, p. 1-25, dez, 2007. 6 fechadas (bar ber ) e assim sucessivamente, com base num roteiro de apresentação dos diversos elementos desse sistema, desde as sílabas tidas como mais simples e as regularidades até as “dificuldades ortográficas” da tradicional cartilha (que todo professor conhece). Nesse ciclo, os conteúdos correspondem, basicamente, ao conjunto de saberes e conhecimentos requeridos em práticas sociais letradas como as de medição, cálculos de volume, elaboração de maquetes, mapas e plantas (conteúdos matemáticos) e àqueles necessários para a participação em práticas discursivas de leitura e produção de textos de diversos gêneros. Para poder ler e escrever, o aluno precisa reconhecer e usar componentes relativos ao domínio do código, como a segmentação em palavras e frases, as correspondências regulares de som-letra, as regras ortográficas, o uso de maiúsculas, assim como componentes relativos ao domínio textual, tais como o conjunto de recursos coesivos de conexão, de relação temporal, de relação causal. Nada disso seria relevante se o aluno não conseguisse também atribuir sentidos aos textos que lê e escreve segundo os parâmetros da situação comunicativa (BRASIL, 1997) Porém, em toda situação comunicativa que envolve o uso da língua escrita ─ em todo evento de letramento ─ há a necessidade de tudo isso e, portanto, SEMPRE surge a oportunidade para o professor focalizar de forma
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