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Direitos Fundamentais. Conceito e Evolução Histórica

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'- •. .A -~ -~'''''".-- . "!"\ •• ..z.. ,
2.1 O USO BANALIZADO DA EXPRESSÃO DIREITOS
FUNDAMENTAIS
Objetivos do capítulo: encontrar uma definição de direitos funda.
mentais que leve em conta o seu aspecto ético e jurídico. Do mesmo
modo, será feita uma diferenciação entre direitos do homem, direitos
humanos e direitos fundamentais, no intuito de delimitar o objeto de
estudo e de esclarecer algumas confusões terminológicas que geral.
mente surgem nessa seara.
Hoje em dia, há direitos fundamentais para todos os gostos. Todo mundo acha
que seu direito é sempre fundamental. Há quem se considere titular de um direito
fundamental de andar armado. Há quem defenda a existência de um direito de
manifestar ideias nazistas. Há quem diga que existe um direito à embriaguez. Aliás,
na Alemanha, a Corte Constitucional daquele país já teve que decidir se existiria
um direito a fumar maconha e a "ficar doidão".' Já houve quem ingressasse com
a) possuem aplicação imediata, por força do art. 52, !i 12, da Constituição
de 88, e, jJOrtanto, não precisam de regulamentação para serem efeti-
vados, ]pois são diretamente vinculantes e plenamente exigíveis;
b) são cláusulas pétreas, por força do art. 60, !i 42, inc. rv; da Constitui-
ção de 88, e, por isso, não podem ser abolidos nem mesmo por meio de
emenda constitucional;
c) possuem hierarquia constitucional. de modo que, se detcrminada lei
dificultar ou impedir, de modo desproporcional, a efetivação de um di-
reito fundamental, essa lei poderá ter sua aplicação afastada por incons-
titucionalidade .
Não precisa se preocupar agora em compreender cada uma dessas caracterís-
ticas. Elas serão vistas com detalhes no momento oportuno (Parte IlI). Por ora, é
suficiente que você perceba que chamar um direito de fundamental não é apenas
um jogo de palavras, pois as consequências jurídicas daí decorrentes são extrema.
mente relevantes.
Sendo assim, de que estamos falando quando falamos de direitos fundamen-
tais?
àçãojudicial para exigir Viagra do Poder Público, alegando que existiria um direi-
to ao sexo! Pelo que se observa, há uma verdadeira banalização do uso da expres-
• -são direito jilndamental.
E para piorar ainda mais a situação existem inúmeras palavras que também
são utilizadas para se referir ao mesmo objeto. Eis alguns exemplos: direitos do
,} . homem, direitos humanos, direitos da pessoa humana, direitqs humanos funda-
;£. mentais, liberdades públicas, entre outras.
Portanto, o primeiro passo nessa caminhada que se inicia é, naturalmente, sa-
ber o que são esses direitos. Sem delimitar o objeto de estudo não se chegará a lu-
gar nenhum.
Vale destacar que o interesse em caracterizar um determinado direito como
fundamental não é meramente teórico. Há, pelo contrário, grande relevância prá-
tica nessa tarefa, pois esses direitos são dotados de algumas características que
facilitam extremamente a sua proteção e efetivação judicial.
Basta dize~.que, no Brasil, os direitos fundamentais:
.-
~;.
c.
rlF'
~, .. :.-, .
r. ;.
~~'i'. ,,'
_T•• ;
"Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob outra
designação, teria igual perjilme."
Shakespeare, em Romeu e Julieta
Conceito de Direitos
Fundamentais
,7
2
.~:..,....;..-~
, BVERFGE 90. 145, disponível em SCHWAB,Jürgcn. Cinquenta.flnos de jurisprudência do
Tribunal Constitucional Alemão. Montevideo: Konrad Adcnauer Sliflllng, 2006, p. 248. No rcfe-
ridojulgall1cl1lo, ficou dccidido que a proibição do uso da call1labis (maconha) seriajllslificada como
forma de proteger a população, especialmente os jovens. Não haveria, portanto, um direito de "ficar
doidão", expressão utilizada pelo próprio Tribunal.
2.2 O CONTEÚDO ÉTICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Em primeiro lugar, os direitos fundamentais possuem um inegável conteúdo
ético (aspecto material). Eles são os valores básicos para uma vida digna em socie-
dade. Nesse contexto, l'!es estão intil11ilmCnleIigildos à ideia de dignidade d,l pes-
'Ii.';' r -Ujf'-- ••~_-" __ J'i •• ! • '"7''(:'"..;
.', .. '"
.P
soa humana e de limitação do poder. Afinal. em um ambiente de opressão não há
espaço para vida digna.
A dignidade humana é, portanto, a base axiológica desses direitos.
E o que é a dignidade da pessoa humana?
Costuma-se dizer que o homem, pelo simples fato de sua condição humana, é
I titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes
.1; e pelo Estado. Essa é a ideia básica de dignidade da pessoa humana, que, na ver-
; dade, diz pouca coisa, já que é tautológica/redundante.
I Uma fórmula um pouco mais objetiva, desenvolvida por During, na Alemanha,
I defende, com inspiração kantiana,2 que a dignidade humana é violada sempre que
o indivíduo seja rebaixado a objeto, a mero instrumento, tratado como uma coisa,
em outras palavras, sempre que a pessoa venha a ser descaracterizada e desconsi-
derada como sujeito de direitos.) Essa ideia ainda é muito aberta e insuficiente,
pois não traduz todos os aspectos da dignidade da pessoa humana.
Melhor então ficar com o conceito desenvolvido por lngo Sarlet, que diz: onde
não houver respeito peJa vida e pela integridade llsica e moral fio ser humano, onde
as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não
houver uma limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igual-
: dade em direitos c dignidade e os direitos fundamentais não forem reconhecidos
~ as~egurildos, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana.4
E possível identificar, a partir das ideias acima elaboradas, alguns atributos da
dignidade humana, Jlor exemplo: (a) respeito à autonomia da vontade, (b) respei-
to à integridade física e moral. (c) não coisificação do ser humano e (d) garantia
do mínimo existencial.
Esses atributos, que serão explicados com maior profundidade ao longo deste
Curso, estão ligados de alguma forma pela noção básica de respeito ao outro, que
l "Procede de maneira que trates a humanidade. tanto na lua pessoa como na pessoa de todos os
outros, sempre ao mesmo tempo como fim, e nunca como puro meio", eis um texto extraído do livro
Fundamentação da metafísica dos costumes. de Immanuel Kant.
3 Cf. SARJ.ET,Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
, Constituição Federal de 1988. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2002. p. 59.
/ 4. Para Sarlet. dignidade da pessoa humana é "a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser hu-
I mano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa
tanlOcontra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venharn a lhe garantir as
condições cxistcndais mínimas para uma vida saudável. além de pJ1lJpiciare promover sua panici-
pação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência c da vida em comunhão com os de-
mais seres humanos" (SARLET,Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fun-
damentais na Constituição Federal de 1988. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2002. p.
.\ 62).
'*
i~lntetiza com perfeição todo o conteúdo do princípio da dignidade da pessoa hu-
'riJana. Vale enfatizar que esse respeito ao outro independe de quem seja o outro.
'fade ser qualquer pessoa. A dignidade não é privilégio de apenas alguns indivíduos
'escolhidos por razões étnicas, culturais ou econômicas, mas sim um atributo de
, o e qualquer ser humano, pelo simples fato de ser humano.
o CONTEÚDO NORMATIVO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS
:' Além do conteúdo ético (aspecto material), os direi.to'sfundamentais também
pl>ssuemum conteúdo normativo (aspecto formal). Do ponto de vista jurídico, não
.,qualquer valor que pode ser enquadrado nessa categoria. Juridicamente, somen-
~ !ião direitos fundamentais aqueles valores que o povo (leia-se: o poder consti-
~te) formalmentereconheceu como merecedores de uma proteção normativa
~j!special,ainda que implicitamente. Esse reconhecimento formal ocorre através da
(ijiositivação desses valores por meio de normas jurídicas. Para ser ainda mais pre-
%iso, pode-se dizer que, sob o aspecto jurídico-normativo, somente podem ser con-
~~iaerados como direitos fundamentais aqueles valores que foram incorporados ao
.'Ordenamento constitucional de determinado país.
('"
~..: Dentro dessa concepção. pode-se dizer que não há direitos fundamentais de-
- correntes da lei. A fonte primária dos direitos fundamenlais é a Constituição. A
lei, quando muito, irá densificar, ou seja, disciplinar o exercício do direito funda-
mentaI, nunca criá-lo diretamente.
Conforme se verá na Parte III deste Curso, a simples constatação de que os di-
reitos fundamentais são normas constitucionais implicará uma série de consequên-
das extremamente relevantes na aplicação desses direitos, já que a Constituição
ocupa o patamar mais alto da pirâmide normativa e, por isso, possui uma força
jurídica potencializada.
Sendo assim, já é possível tentar apresentar um conceito de direitos fundamen-
tais. É o que se verá no próximo tópico.
2.4 UM CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Com base no que foi dito, pode-se formular a seguinte definição que nos acom-
panhará até o final do Curso: os direitos fundamentais são normas jurídicas, inti-
mamente ligadas à ideia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder,
positivadas no plano constitucional de determinado Estado Democrático de Direi-
to, que, por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o ordena-
mento jurídico.
_,~~." ...•~'--- "".("5 i~-~5'••••' r-J~)7 ".. _'_.
r
; Há cinco elementos básicos neste conceito: norma jurídica, dignidade da pes-isoa humana, limitação de poder, Constituição e democracia. Esses cinco elementos
,conjugados fornecem o conceito de direitos fundamentais. Se determinada norma
1~(jurídica tiver ligação com o princípio da dignidade da pessoa humana ou com a
(
limitação do poder e for reconhecida pela Constituição de um Estado Democrático
de Direito como merecedora de uma proteção especial, é bastante provável que se
esteja diante de um direito fWldamental.
Institucionalização«democrática)Aspecto Normativo(formal) Constitucionalização
2.5 DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS
POSITIVADOS
Falar que os direitos fundamentais são normas constitucionais significa, por
exemplo, aceitar a sua supremacia formal e material, uma das características mais
importantes desses direitos (princípio da supremacia dos direitos fundamentais),
bem como realça a sua força normativa, elemento essencial para se permitir a má-
xima efetivação desses direitos (dimensão subjetiva e princípio da máxima efeti-
vidade), conforme se verá na Parte m.
Aomesmo tempo, reconhecer que os direitos fundamentais possuem uma im-
portância axiol6gica capaz de fundamentar e legitimar todo o ordenamento jurí-
dico implica reconhecer que esses direitos representam um "sistema de valores"
com força suficiente para afetar a interpretação de qualquer norma jurídica (di-
mensão objetiva e princípio da interpretação conforme os direitos fundamentais).
Esse assunto também será visto na Parte m.
Por outro lado, vinculá-los à ideia de Estado democrático de direito nos induz
a pensar que os valores neles contidos são potencialmente conflitantes, já que, em
uma sociedade pluralista e democrática, deve-se respeitar a diversidade ideológica,
de modo que os interesses de todos os grupos sociais, inclusive das minorias, me-
recem ser respeitados e tratados com igual consideração. Daí se falai; por exemplo,
em colisão de direitos e em princípio da proporcionalidade, assunto a ser debatido
com profundidade ao longo da Parte IV.
Por fim, tendo em vista que a dignidade da pessoa humana é um elemento in-
trínseco ao conceito de direitos fundamentais, qualquer comportamento que vá
em direção oposta, ou seja, que contribua para a destruição dessa dignidade, não
merecerá ser considerado como direito fundamental (princípio da proibição de
abuso). Em outras palavras: nenhuma pessoa pode invocar direitos fundamentais
para justificar a violação da dignidade de outros seres humanos. Daí por que, por
exemplo, a incitação de ideias racistas ou nazistas não pode ser considerada como
alvo de proteção das normas jusfundamentais, conforme já decidiu o srp ao julgar
o Caso ElIwanger, que será objeto de análise detida no Capítulo 21, Parte IV.
Eis, em linhas muito gerais, uma síntese do que se verá ao longo deste Curso.
i .
~~
<limitação do PoderProteção daDignidade Humana
)
Limitação
do Poder
Constituição
~
Normas
Jurídicas
Aspecto Ético
(material)
Direitos
Fundamentais
-DignidadeHumana
\
/
Estado
Democrático
de Direito
Direitos
Fundamentais
"
\ .. ,-
,
'/ ..
fi!
.I
...
O presente trabalho foi lOdoestruturado levando em conta o referido conceito.
O conceito ora adotado é nitidamente restritivo na medida em que somente
Considera como fundamentais aqueles direitos que possuem hierarquia constitu-
cional e que são ligados à dignidade da pessoa humana e à limitação do poder. A
ideia é justamente tentar fazer que apenas os direitos verdadeiramente fundamen-
tais sejam tratados dc modo especial, evitando o uso inflacionado dessa expressão,
capaz de desvalorizar o conceito como um lodo.
. .'l,1iIIII1ã ié:,c. "(_V' -"£: ..~-
~.
Esse conceilO representa uma construção teórica daquilo que deveria ser um
direito fundamelllal. Por ser teórico, é um conceito que se pretende universal, no
sentido de almejar uma validade para todos os lugares do mundo.
Ocorre que, na prática, nem sempre esse conceito irá se encaixar com perfeição
em todas as situações, já que o direito positivo nem sempre reflete com precisão
aquilo que deveria ser.
Aqui mesmo no Brasil, o referido conceito vale para a grande maioria dos ca-
sos, mas não para todos. O constituinte brasileiro não foi tão criterioso ao eleger
os valores que mereceriam ser chamados de direitos fundamelllais, optando por
enumerar um rol muito abrangente que às vezes gera uma sensação de exagero.
Para compreender isso, é preciso ter em mente que o Título II da Constituição
de 88 (arts. 5Q a 17), que é intitulado precisamente "Dos Direitos e Garantias Fun-
damentais", foi o local escolhido pelo constituinte para acolher esses direitos. Em
principio, portanto, tudo o que está no Título II pode ser considerado direito fun-
damental.
Nesse extenso rol, há direitos que não possuem uma ligação tão forte com a
dignidade da pessoa humana nem com a limitação do poder. Pode-se mencionaI;
por exemplo, o direito de marca,5 o direito ao lazer (art. 6Q) ou mesmo o direito
dos trabalhadores à participação nos lucros das empresas,6 entre outros semelhan-
tes. São direitos importantes, mas talvez não tão essenciais. Poderiam perfeita-
mente estar fora do Título Il ou até mesmo fora da Constituição.7
Mesmo assim, por uma questão de segurança jurídica, é melhor considerar que
todos os direitos que estão no Título Il são fundamentais. Há, nesse caso, uma pre-
sunção de que as normas ali previstas possuem alguma ligação com a dignidade
da pessoa humana ou com a limitação do poder, ainda que essa ligação seja imper-
ceptível.
, .,Art. S", ine. XXIX. A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário
para sua utilização, bem como proteção às criaçães industriais, à propriedade das marcas, aos nomes
de empresas c a outros signos distintivos. tendo em vista u interesse social e o desenvolvimento tec-
nológico e econÔmico do País."
6 Art. 7" São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social: 1...1XI - participaçãu nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração,
t, excepcionahnente. participação na gestão da empresa, conforme definidoem leL"
7 Pode-se mencionar ainda o arl. 13 da CF/88: "Art. 13 A língua portuguesa é o idioma oficial da
República Federativa do Brasil. ~ I" São símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o
hino, as armas e o selu nacionais. ~ 2" Os Estados, o Distrito FederJt.e os Municipios poderão ter
símbolos próprios." Trata-se de uma-norma consljlucionai Que não tem qualquer ligação com a dig.
nidade da pessoa humana ou com a 1imilação do poder. Na verdade. nem mesmo sequer atribui di.
reilo~ fundamentais a qualquer pessoa, que, por uma infeliz sistcmatiz<1ção do conslituilllC, está
dentro do Título li.
,
," A vantagem prática de se adotar esse elllendimento é impedir que argulllelllos
\' ....
,i. ideológicos sejam utilizados para, eventualmente, aniquilar direitos que o consti-
(,tpinte originário, por expressa vOlllade, incluiu no rol de direitos fundamentais.
f'
;,~2.6 DIREITOS FUNDAMENTAIS IMPLÍCITOS
Se não bastasse a existência de um elenco tão extenso, o constituinte brasilei-
r ro adotou um rol não exaustivo (ou seja, aberto) de direitos fundamentais. De fato,
"por força do art. 1Q, ine. m,8 somado com o art, 5Q, S 2Q,9 da Constituição de 88,
,,!podem-se encontrar direitos fundamelllais fora do Título 11e até mesmo fora da
\Gonstituição, de modo que "os direitos fundamentais não se esgotam naqueles
'aireitos reconhecidos no momento constituinte originário, mas estão submetidos
1~um permanente processo de expansão" .10
~:.•';
... ', A positivação constitucional da dignidade da pessoa humana, aliada à previsão
.' da cláusula de abertura, representa um avanço considerável na proteção institu-
.1'•.•..•
.: Donal dos direitos fundamentais. Por outro lado, aumenta a dificuldade de se de-
fillir com precisão o que é e o que não é direito fundamental. Oportunamente,
. quando for analisada a disciplina constitucional dos direitos fundamentais adota-
da pela Constituição brasileira, essa ideia será esclarecida com mais profundidade
(Parte 11).
Por ora, é importante ter em mente que, para saber se determinado direito é
fundamental, deve-se analisar se a Constituição confere, ainda que implicitamen-
te, alguma proteção especial a ele.
Tomemos como exemplo um suposto direito de andar armado. Na Constituição
norte-americana, há uma cláusula expressa garahlindo esse direito, de modo que
lá talvez seja possível cogitar-se a existência de um direito fundamental de poria r
armas de fogo. I I Já aqui no Brasil, não há, na Constituição de 88, nada nesse sen-
8 "Art. I" A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Muni-
cípios e do Distrito Federal. constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[ ... 1m - a dignidade da pessoa humana."
• "Art. 5"[ ...1 ~ 2" Os direitos c garantias expressos nesta Constituição não exclucm outros decor-
rentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos Iralados internacionais em que a Repú-
blica Federativa do Brasil seja pane."
10 PARDO,David Wilson de Abreu. Direitos fundamentais não enumerados: justificação e apli-
cação. Tese de Doutorado (UFSC), 2005, p. 12.
I1 A Segunda Emenda à Constituição norte. americana tem a seguinte redação: "Sendo necessária
à segurança de um Estado livre a existência de uma milícia bem organizada. o direiLOdo povo de
possuir (' usar armas nJo poderá ser impedido."
<!ildS _'o') -~;;,
'." ....."-' ...................•...•.•
tido. Aqui, certamente não há esse direito, pois nenhum dispositivo da Constitui.
ção brasileira sugere, nem implicitamente, a existência de algo semelhante. 12
É preciso fazer um alerta: não se pretende com o conceito acima formulado
defender uma noção meramente formal de direitos fundamentais, no sentido de
que somente é fundamental o direito que esteja expressamente previsto no texto
constitucional. Não se deve confundir norma positivada com norma escrita, já que
existem diversos direitos fundamentais positivados de forma implícita (não escri-
ta), que decorrem do sistema constitucional como um todo, por força do já citado
art. 5", ~ 2", da Constituição de 88. Esse assunto será explicado com detalhes quan-
do se estiverem analisando os direitos não enumerados (Parte ll).
Na verdade, o conceito antes elaborado não exclui a possibilidade de existirem
direitos fundamentais fora do texto constitucional. desde que, por força da própria
Constituição, eles possam ser considerados como normas dotadas de juridicidade
potencializada. O importante é que, a partir da Constituição (formal ou material),
seja possível identificar a fundamentalidade de um dado direito, ainda que de for-
ma implícita.13
Antes de passar para o próximo capítulo, é essencial apresentar, desde logo,
uma distinção entre direitos do homem, direitos humanos e direitos fundamentais,
conforme recomendam alguns juristas brasileiros, como Paulo Bonavides, Ingo
Sarlet e outros.
12 Esse entendimento foi adotado pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADIn do Estatuto do
Desarmamento (ADIn 31 12/DF). No referido julgado, discutia-se a constitucionalidade da Lei nQ
10.826/2003, que estabeleceu regras mais rígidas para registro, posse e comercialização de armas de
fogo e munição. Qucstionou¥se. entre outras coisas, se a norma não estaria ferindo o direito daque.
les proprietários de armas que já haviam preenchido os requisitos para o porte de arma sob a égide
da lei antiga. O STF afastou a alegação de inconstitucionalidade nesse pomo, entendendo que "o
Estado pode regulamentar a posse de arma de fogo, seja ela de uso permitido ou não permitido, sub-
metendo o postulante às exigências que a própria lei estabelece" (ST~ ADln 3.112/DF, Min. Ricardo
Lewandowski, j. 2/5/2007).
Il É nesse sentido, por exemplo. que Ingo Sarlet define os direitos fundamentais como "lOdas aque-
las posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do poJ'HO de vista do direit.o conslituclonal posi-
tivo, foram, por seu conteúdo c importância {fundamcntalidade em sentido material), integradas ao
texto da Constituição e. portanto, retiradas da esfera de disponibilrdade dos poderes constituídos
(fundamentalidade formal), bem como as que. por seu conteúdo e signIncado. possam lhes ser equi-
parados. agregando~se à Constituição material, tendo. ou não, assento na Constituição formal (aqui
considerada a aberLura material da Constituição)" (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direi.
tos fundanlentais. 2. ed. rev, e atunl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 82) .
DIREITOS DO HOMEM, DIREITOS HUMANOS E
DIREITOS FUNDAMENTAIS
Foi dito que os direitos fundamentais são normas intimamente ligadas à dig-
,~ade human~ e à limitação ?~~oder, posit.iv~da~ na Constitu.ição. Essa ideia,
'Ilogicamente, nao afasta a pOSSibilidade de eXlstencla de valores Importantes que
'àinda não foram positivados por algum motivo, mas que também são ligados à
!<llgnidade e à limitação do poder. No entanto, nesse caso, os juristas não chamam
"esses valores de direitos fundamentais e sim de direitos do homem.
t .Nesse sentido, os direitos do homem seriam valores ético-políticos ainda não
~itivados. Eles estariam em um estágio pré-positivo, correspondendo "a instân-
~s ou valores éticos anteriores ao direito positivo" .14 Aliás, pode-se dizer que eles
i..~tão até mesmo acima do direito positivo, conforme ficou decidido pelo Tribunal
pe Nuremberg.
Para ser mais claro, os direitos do homem possuem um conteúdo bastante se-
'melhante ao direito natural. Não seriam propriamente direitos, mas algo que sur-
_se antes deles e como fundamento deles.15 Eles (os direitos do homem) são a
':(;matéria-prima dos direitos fundamentais, ou melhor, os direitos fundamentais são
}!>sdireitos do homem positivados.
4 Cf. PÉREZ-LUNO, Antonio-Henrique. Concepto y eoncepción de los derechos humanos. In: re-
-~'v1sta DOXA: Cuadernos de Filosofia dei Derecho. Madrid: Biblioteca Miguel de Cervantes, n. 4.
5t987, p. 52. Apesar disso,há quem defenda que os direitos do homem existem independentemente
~ do seu reconhecimento estatal. Na famosa peça Antigona de Súfocles, escrita há mais de dois mil
~ e quinhentos anos, há um célebre diálogo que bem demonstra o sentimento que inspira os direitos
';' do homem. No referido diálogo, Creonte, o soberano, perguntou para Antígona se ela tinha eonhe-
c;imento da proibição legal de se dar sepultura religiosa a seu irmão, morto em revolta contra o so-
berano. Ao que Antígona respondeu:
':Anlfgona - Sim, eu a conhecia: como poderia ignorá-Ia? Ela era muito clara.
Crronte - Portanto, tu ousaste infringir a minha lei?
Antf90na - Sim. pois não foi leus que a proclamou! Não foi a Justiça, sentada junto aos deuses infe-
riores; não, essas não são as leis que os deuses tenham algum dia prescrito aos homens, e eu não
imaginava que as tuas proibições fossem assaz poderosas para permitir a um mortal descumprir as
Outras leis, não escritas, inabaláveis. as leis divinas! Estas não datam nem de hoje nem de ontem, e
ninguém sabe o dia em que foram promulgadas. Poderia eu, por temor de alguém, qualquer que ele
fosse, expor-me à vingança de tais leis?"
Eis, nesse diálogo. um bom exemplo do sentimento de indignação que surge toda vez que os direitos
do homem são violados. Sempre que o ordenamento jurídieo encontra-se fora de sintonia com o es-
pírito de justiça presente na sociedade, há uma revolta contra as leis positivadas e começa a luta pela
mudança do sistema normativo. Essa é uma luta constante na história da humanidade. que é mar-
~ada pela afirmação contínua dos direitos do homem.
" Nesse selllido, Robles explica que "não se trata realmente de direitos. ainda que assim chamados,
POrque, como ainda não integram o ordenamento jurídico positivo, ninguém pode exigir processual.
rnente que lenham a validade dos verdadeiros direi los subjetivos de caráter positivO" (ROBLES. Gre.
gório. Os direitos fundamentais e a ética na sociedade alual. São Paulo: Manole. 2005. p. 6).
-t'O T.J~¥ _,?:.__~ .• ,----t) , ..." .
•. ~ QU_
2.8 DELIMITANDO O OBJETO DE ESTUDO
17 o termo benchmarking, aqui utilizado um pouco fora do seu contexto original, mas dentro da
mesma lógica, é uma técnica gerencial bastante utilizada no âmbito da administração de empresas
que consiste em estimular a imitação de experiências de sucesso vivenciadas por outras organizações,
para que sirvam como parâmetro de evolução dentro do espírito de melhoria contínua que qualquer
empresa deve praticar, Afinal. "a imitação é o primeiro passo da inovação" (SHIBA, Shoji; GRAHAN.
Alan: WALDEN. David, TQM: quatro revoluções na gestão da qualidade, Porto Alegre: Bookman.
1997, p, x,).
18 STF.ADlMC 1.675/DF. rd ,\1'11, Sepúlwrld Pertence, DJ 191W2003,
No presente Curso de Direitos Fundamentais, serão estudados especificamen-
te os direitos reconhecidos pelo ordenamento constitucional brasileiro. A escolha
do título não foi aleatória, mas mirou claramente a análise dos direitos que podem
ser considerados como fundamentais aqui no Brasil.
Isso não impede de, eventualmente, serem analisados os direitos de outros paí-
ses. É que, apesar de cada país ter seu próprio rol de direitos, existe atualmente
uma semelhança cada vezmaior no conteúdo das declarações constitucionais, pro-
vocada por uma tendência de universalização do princípio da dignidade da pessoa
humana. Disso decorre a importância de um estudo de direito comparado, através
do qual o jurista tentará aproveitar o que há de melhor'nos modelos estrangeiros,
em matéria de proteção dos direitos fundamentais, não apenas para copiar fórmu-
las de sucesso, mas, sobretudo, para aprimorá-Ias, numa espécie de "benchmarking"
jurisprudencial. 17
Osjuízes brasileiros, portanto, não devem ter qualquer receio em imitar e aper-
", feiçoar as boas decisões e ideias desenvolvidas por tribunais de outros países, des-
de que em benefício da progressiva melhoria do princípio da dignidade humana.
Não podem, contudo, perder jamais o senso critico para perceber que o direito está
'impregnado de valor, e os valores não são uniformes em todas as sociedades, por
mais que os textos constitucionais sejam semelhantes.
Pela mesma razão, é importante analisar, pelo menos genericamente, os trata-
dos internacionais de direitos humanos, pois, conforme se verá na Parte lI, eles
podem, eventualmente, ter a mesma força jurídica dos demais direitos fundamen-
tais, gerando direitos subjetivos para seus titulares reivindicáveis perante os Tri-
bunais brasileiros como qualquer norma constitucionaL Além disso, conforme já
registrou o STF,mesmo que se não reconheça uma força hierárquica constitucional
dos tratados sobre direitos humanos, "o mínimo a conferir-lhes é o valor de pode-
roso reforço à interpretação do texto constitucional que sirva melhor à sua efeti-
vidade: não é de presumir, em Constituição tão ciosa da proteção dos direitos fun-
damentais quanto a nossa, a ruptura com as convenções internacionais que se
inspiram na mesma preocupação". t8
11:
lit<~;
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tir
i:
~':
E
~
IConstituiçáo,
leis. tratados
internalizados
Positivados no
piano interno
(constituciónal)
Valores éticos
(limitação do poder
e dignidade
humana)
[~-i1W",Il~.
t '- :1~JJ).~}.)~~~J~jl)
Valores éticos
(limitação do poder
e dignidade
humana)
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Positiva<!os no plano
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Tratados
internacionais.
pa<:tos, conve"çõos
f~.-:""~:..-":-.."I,- ,I!l\Toll\ig" ,,' i,'"--::'~~~m'0-~~J
Valores éticos
(Iimitaçao do poder
e dignidade
humana)
, N;lo positivados
l---obras literárias,discurso politico ele.
r:>' 1s.n~mJ~- : i
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i
-'" ~~7it~ ,:J
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'\0"
\
16 Veja. por exemplo. o art, 4", inc. 11,da Constituição de 88: "ARepública Federativa do Brasil rege-
-se nas relações internacionais pelos seguintes princípios: [..,111 - prevalência dos direitos hu-
ffialllOS." Ou ainda o artigo 5Q, 3 3ü: "Os tratados e convenções internaciona~s sobre direitos
humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três
quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais." Do
mesmo modo, o artigo 109, S 5º: "Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-
-Geral da República. eom a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações deeorrentes de
tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte. poderá suscitar. pe-
rante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ÕiJ processo. incidente de deslo-
camento de competência para a Justiça Federal." Por fim, o artigo 7Q do Ato da Disposições Consti-
tucionais Transitórias: "O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional elos
dnreitos humaOlos," Nessas cinco hipóteses, a Constituição estavà se referindo ao direito interna-
cional c t'xprc~..;amente adotou a terminologia "direitos humanos'.,
'~j}; <"
Outro conceito importante que geralmente é confundido com os direitos fun-
damentais é a ideia de direitos humanos, expressão utilizada para se referir aos
valores que foram positivados na esfera do direito internacional.
Quando se estiver diante de um tratado ou pacto internacional, deve-se prefe-
rir a utilização da expressão direitos humanos ao invés de direitos fundamentais. Falar
em tratado internacional de direitos fundamentais não soa bem aos ouvidos. Do
mesmo modo, à luz dessa classificação, não é tecnicamente correto falar em direi-
tos humanos positiva dos na Constituição.
Vale ressaltar que essa distinção entre direitos humanos e direitos fundamen-
tais é plenamente compatível com o texto constitucional. Toda vez que a Consti-
tuição se refere ao âmbito internacional, ela fala em "direitos humanos".16 E,
quando ela tratou dos direitos que ela própria reconhece, chamou de "direitos fun-
damentais", tanto que o Título II da Constituição de 88 é intitulado "Dos Direitos
e Garantias Fundamentais".'~O--"hI":'".J . ,.vI?; ,
,-'Jj '.
'~~-'l"~f--?-.~ ... '!~~1.'i,.:C
Objetivos do capítulo: analisar a evolução histórica dos direitos fun-
damentais, tentando demonstrar que os valores éticos e sociais que
inspiraram e ainda inspiram o surgimento desses direitos são dinâmi-
cos e acompanham a evolução da própria sociedade ao longo de sua
história. Outro objetivo deste capítulo será compreender, com olhar
crítico, a teoria das gerações dos direitos fundamentais.
-'Agora já se pode partir para o próximo capítulo. Nele, será analisada a evolução
histórica dos direitos fundamentais para compreender como os direitos do homem,
a partir do século XVIII, passaram a fazer parte do texto constitucional da grande
maioria dos países civilizados, transformando-se, agora sim, em verdadeiros direi-
tos fundamentais.
3 Evolução Histórica dosDireitos Fundamentais
"Não sou eu quem repete essa história
É a história que adora
Uma repetição, uma repetição."
Chico Buarque, na música Rebiehada
..".
I~
,; 3.1 DIREITOS DO HOMEM: A MATÉRIA-PRIMA DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS
Aideia de justiça, de liberdade, de igualdade, de solidariedade, de dignidade da
pessoa humana, sempre esteve presente, em maior ou menor intensidade, em todas
as sociedades humanas. Portanto, a noção de direitos do homem é tão antiga quan-
to a própria sociedade. Vejabem: não se está falando de direitos positiva dos, mas
de valores ligados à dignidade da pessoa humana que existem pelo simples fato de
o homem ser homem .
Para demonstrar esse fato, basta lembrar que o famoso Código de Hamurabi,
imposto por volta do ano 1800 a.C., na Mesopotâmia, que consagrou a regra do
"olho por olho, dente por dente", já dispunha em seu prólogo, cntrc outras coisas,
"""~~'.- .:~_. ~.~ ... :.,. - - --...
Fragmento da Magna Carta de João Sem.Terra, de 1215. Apesar de conter inúmeras regras que, hoje,
são direitos fundamentais, como o devido processo legal, o princípio da legalidade e da irretroativi.
dade das leis, a Magna Carta tinha como preocupação principal a proteção dos interesses econõmicos
dos barões e dos comerciantes, não tendo uma preocupação em proteger a dignidade de todos os
seres humanos, mas somente de um grupo privilegiado.
cidadania. São Paulo: Contextu, 2003; HOORNAERT,Eduardo. As comunidades cristãs dos primei.
ros séculos. In: PINSKY,Jaime; PlNSKY,Carla (Org.). A história da cidadania. São Paulo: Con-
texto, 2003. Sobre o cristianismo, especialmente a respeito do papel da Igreja Católica, v. ALVES,
Cleber Francisco. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: o enfoque da
dOutrina social da Igreja Católica. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
3 Vale ressaltar que, por ser escrita em latiln - e apenas os mais ricos falavam latim -, a Magna
Carta teve pouca utilidade para a camada mais pobre da população. Ou seja: os direitos consagrados
na Carta não eram para todos, nem mesmo para muitos, mas apenas para uns poucos barões privi.
legiados. Além disso. há quem defenda que o primeiro documento estatal a proteger esses direitos é
da Espanha, concedido pelo Rei Afonso IX, n~lS COI'f~'''' de Lc.io, em I J 88 .
••• ".,,'"'' , ••..•• v •••..••••• , ••• -' ••• ,•••• ~ ••••••••••••••••••.•
t~~~~ ... ~.
~ento cristão, que até hoje influencia intensamente a sociedade ocidental, es-
.belece que "não há judeu, nem grego, não há escravo nem homem livre, não há
iprnem nem mulher: todos vós sois um só em Cristo" (Epístola aos Gálatas, 1II, 26),
~Q\leé uma demonstração clara do dever de respeitar o semelhante, independen-
11~ente de adjetivos.
JWVoltando para o direito, vale lembrar que a famosa Magna Carta de João Sem-
- 'a, de 1215, que é tida por muitos como o documento que deu origem aos di-
üws f~d~me~t~is, já consagrava. em seu text? u;ú,meras clá~sulas de li.berdade
'"e,.boJe, sao dueltos fundamentats, como o pnnClpIOda legalidade e da lITetroa-
íilªde das leis, entre tantos outros.3
ti"' -
1, •y
Foto de um pedaço do Código de Hamurabi. Nele, já havia rudimentos do que hoje, para nós, seriam
dircitas fundamentais, como a garantia do salário-mínimo.
~.
que seu objetivo seria "evitar a opressão dos fracos" e "propici.ar o bem-estar do
povo", o que está muito próximo da finalidade existencial dos direitos do homem.'
Do mesmo modo, os grandes códigos morais da humanidade, que ainda hoje
fazem parte da vida das pessoas através das diversas religiões, surgiram há milha-
res de anos. Praticamente todas as grandes correntes religiosas pregam a paz, o
respeito ao semelhante, o respeito à vida, a fraternidade, a caridade, a compaixão,
a piedade etc., valores que estão na base da noção de dignidade humana.2 E o pen-
I Naturalmente, o Código de Hamurabi pertence a seu tempo e, por isso, contém regras que, para
os olhos atuais, soam um pouco estranhas, como a punição conforme a condição social (as sanções
para as classes inferiores eram mais graves do que a da elite). No entanto, o simples fato de ser es-
crito já demonstra um grande avanço, pois foram impostos limites a serem observados, não mais
prevalecendo a "Iei da selva", em que os mais fortes impunham suas regras incondicionalmente.
Nele, por exemplo, estão contidos os primeiros sinais de proteção ao trabalhador, estipulando inclu-
sive os pagamentos mínimos que deveriam ser rcitos por dias trabalhados, numa demonstração bem
rudimentar do que viria a ser a garantia do salário mínimo, hoje reconhecida como direito funda-
mrntal. ,.
, No portal DHNet <hllp://www.dhneLorg.br>, há um relato histórico bastante interessante sobre
a evolução dos dircüos humanos em face das religiões, escrito por João Batista Herkcnhoff, que
merece ser lido. Além disso, há vasta bibliografia sobre o assunlo, por exemplo: PINSKY,Jaime. Os
profetas sociais e o Deus da cidadania. In: PINSKY,Jaime & PtNSKY, Carla (Org.). A história da
" tCu-- . . . '1 i:':. T -- /J e' '.r 't [;;p::..
~
É inegável. portanto, que a filosofia por detrás da limitação do poder e da dig-
nidade humana sempre fez parte da consciência humana. Logicamente, nas socie-
dades mais antigas, a noção de liberdade não era igual à que se tem hoje, pois se
aceitava, por exemplo, a escravidão sem maiores questionamentos. Do mesmo
modo, a noção de igualdade era substancialmente diferente, sendo a mulher, em
muitas sociedades antigas, equiparada a animais ou a objetos - ou nem mesmo
isso.4
Ainda assim, é preciso que fique bem claro que as sociedades antigas conhece-
ram os direitos do homem, embora não tenham conhecido os direitos fundamen-
tais, já que esses valores não eram positivados através de normas jurídicas. É im-
portante ter em mente esse fato, pois nos induz a pensar que a luta pelos direitos
do homem é um processo histórico que ainda está longe de atingir seu fim. Assim
como as sociedades antigas deixaram muito a desejar na proteção dos direitos do
homem, também a nossa sociedade contemporânea está longe de respeitar os va-
lores mais básicos para uma vida digna, ainda que reconhecidos oficialmente como
normas jurídicas merecedoras de uma proteção especial.
Veja-se, a título de reflexão, para se ter uma noção do estágio primário que ain-
da se vive no que se refere à proteção dos direitos do homem/fundamentais, os
seguintes exemplos:
a) o trabalho escravo ainda é, infelizmente, uma realidade em diversos lu-
gares do mundo, inclusive aqui no Brasil, conforme reconhece o próprio
Ministério do Trabalho;
b) até bem pouco tempo atrás, prevalecia a ideia de que as mulheres eram
irracionais e muito emotivas para exercerem qualquer direito político.
Isso sem mencionar o preconceito ainda existente em relação ao traba-
lho feminino em diversos campos, como nas forças armadas, para ficar
com apenas um exemplo notório;
c) do mesmo modo, hoje, o pensamento dominante - mesmo sem base
científica - é o de que os casais de pessoas do mesmo sexo são emocio-
nalmente instáveis para obterem odireito de adotar crianças. Os pró-
prios homossexuais são estigmatizados e discriminados mesmos nos
países mais civilizados, havendo, inclusive, leis pelo mundo afora que
consideram a prática do homossexualismo como crime;
d) até mesmo países evoluídos como os EUA adotam práticas desumanas,
como bem demonstram as condições vividas pelos presos em Guantá-
namo (base militar norte-americana situada em Cuba), assim como as
4 A propósito, vale cunferir o clássico A cidade antiga, de FustC'l de Coulanges.
"""\'''' "'~" .."'H .." '"'\I.> .••...•••••.••••.• " "UI1U<>llH"I~<l,,, ~ 1
torturas praticadas por soldados norte-americanos no presídio de Abu
Ghraib (base militar norte-americana situada no Iraque);
e) tudo isso sem falar nos milhões de seres humanos que vivem em estado
absoluto de miséria, totalmente excluídos das vantagens sociais.
if' Em síntese: ainda temos muito a evoluir. Na verdade, nem a sociedade antiga
l~atão insensível assim, nem a sociedade contemporânea é composta apenas por
~~cres humanos bondosos que respeitam incondicionalmente os direitos de seus
~if~Jl1elhantes. Do mesmo modo que os nossos antepassados defenderam ideias e
!,p.raticaram atos que, hoje, são condenáveis do ponto de vista ético, nós também
~if,r:amente estamos sujeitos a sermos julgados negativamente pelas gerações que
;'~JTao.
",;
'c Que fique bem claro, então, que sempre houve uma consciência de que existem
~,-
ivalores ligados à dignidade (direitos do homem), já que é da essência do ser hu-
';Jl1ano indignar-se contra injustiças. No entanto, tais valores não eram positivados
",:pelos ordenamentos jurídicos, de modo que não havia por parte das autoridades
'\id:>nstituídas um reconhecimento formal de que tais valores representavam verda-
i-deiros direitos, capazes de serem invocados perante um órgão imparcial e indepen-
:=lÍente mesmo contra a vontade do soberano.
Nesse contexto, pode-se dizer tranquilamente que não havia direitos funda-
o ,-mentais na Antiguidade, nem na Idade Média, nem durante o Absolutismo, pois
• a noção de Estado de Direito ainda não estava consolidada. Não era possível, na-
queles períodos, exigir do governante o cumprimento das normas que ele mesmo
editava. Somente há sentido em falar em direitos fundamentais quando se admi-
te a possibilidade de limitação jurídica do poder político. Portanto, o desenvolvi-
mento da ideia de direitos fundamentais - enquanto normas jurídicas de hierarquia
constitucional destinadas à limitação jurídica do poder político - somente ocorreu
por volta do século XVIII, com o surgimento do modelo político chamado Estado
Democrático de Direito, resultante das chamadas revoluções liberais ou burguesas.
3.2 DO ESTADO ABSOLUTO AO ESTADO DE DIREITO
Os direitos fundamentais foram criados, inicialmente, como instrumento de
limitação do poder estatal, visando assegurar aos indivíduos um nível máximo de
fruição de sua autonomia e liberdade. Ou seja, eles surgiram como barreira ou es-
cudo de proteção dos cidadãos contra a intromissão indevida do Estado em sua
vida privada e contra o abuso de poder.
A chave para compreensão do surgimento dessa concepção está no pensamen-
to de Hobbes e Maguiavel, dois grandes filósofos dos séculos XVI!XVII, que tiveram
e .ainda têm bastante innuêJ.1s:i~--no.pen~Iii~Iiiq'p.QHúc.ôQcideiità!. vafécorifei-lr,
resumidamente, as principais ideias desses filósofos, começando por Hobbes.
""..;*-'" 'i'~- _':_'"". . ,,~~"'Tt'_.,~.,' ~p'')S''t
~
Thomas Hobbcs de Malmcsbury publicou seu mais famoso livro, Levialã, em
1651. As ideias de Hobbes costumam ser sintetizadas na frase "o homem é o lobo
do homem". Essa fase deixa claro o pessimismo de Hobbes quanto à natureza hu-
mana. Para ele, o homem seria, essencialmente, mau, egoísta e ambicioso, existin-
do "como tendência geral de todos os homens um perpétuo e irrequieto desejo de
poder e mais poder, que cessa apenas com a morte".5 Para Hobbes, se não existis-
se uma autoridade capaz de organizar a sociedade, não haveria paz interna, pois,
na luta pela autopreservação, ocorreria uma constante guerra de todos contra to-
dos. "Enquamo cada homem detiver seu direito de fazer tudo quanto queira, a
condição de guerra será constante para todos". 6
A única forma de se obter a paz, segundo Hobbes, seria conferindo toda força
e poder ao Estado personificado no soberano, que foi por ele comparado ao Levia-
tã, o monstro marinho citado na Bíblia que ninguém, a não ser o próprio Deus,
seria capaz de dominar. Portanto, o Estado seria a única autoridade capaz de "pôr
ordem na casa", impedindo que os homens se matem uns aos outros.
Hobbes defendia que o soberano deveria possuir um poder absoluto, sem qual-
quer limitação jurídica ou política. Nada que o soberano fizesse poderia ser consi-
derado injusto, até porque ele seria o juiz de seus próprios atos e ninguém poderia
questioná-lo. O soberano julgava, mas não poderia ser julgado. O soberano legis-
lava, mas não estava submetido à própria legislação que ele editava. Enfim, o so-
berano podia tudo e somente prestava contas a Deus.
Naturalmente, esse foi o argumento teórico utilizado para tentar justificar o
chamado Estado absoluto, que foi o modelo político adotado por praticamente to-
dos os países ocidentais que se destacaram durame os séculos XV a XVIII.
Seguindo uma linha de raciocinio semelhante, Nicolau Maquiavel, no clássico
Opríncipe, escrito em 15 I 2, aconselhava que o soberano, na condução dos negócios
públicos, deveria fazer o possível para se manter no poder.
Para MaquiaveL existiriam dois modos de manter o poder, um com base nas
leis, outro com base na força: "o primeiro é próprio do homem, o segundo dos ani-
mais. Não sendo, porém, muitas vezes suficiente o primeiro, convém recorrer ao
segundo. Por conseguinte, a um príncipe é importante saber comportar-se como
homem e como animal".7
5 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil.
São Paulo: Marlin Claret, 2003, p. 78.
• HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de u~!Jstado eclesiástico e civil.
São Paulo: Martin Clarel, 2003, p. 102. .
7 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe: obra completa com comentários de Napoleão Bonaparte e
Rainha Cristina da Suécia. São Paulo: Jardim dos uvros, 2007, p. 137. Na mesma passagem, Napo-
leão Bonapanc comenta que a melhor opção. entre as duas formas de combate, é mesmo a guerra,
.•. Na sua ótica, "um príncipe não deve ter outro objetivo ou outro pensamento,
\: em cultivar outra arte, a não ser a da guerra, juntamente com as regras e a disci-
~!:lina que ela requer:'.8 ~ .mais: "quem num ~undo cheio de p.ervers~s yreteI~de
-, seguir em tudo ~s p.nnClpto~ da bondade, cammha para a própna perdlçao. Dal se
.éo.nclui que o pnnClpe deseJOSo de manter-se no poder tem de aprender os meios: ai: não ser bom e a fazer uso ou não deles, conforme as necessidades".9
,', As palavras de ordem defendidas por Maquiavel eram: fazer guerras, conquis-
f ta! e subjugar outros países, aniquilar o inimigo, exterminar os adversários e seus
'~~aescendentes, destru~ e e~p~liar os que ameaç~m ? poder. dosoberano, venc~r pel.a
'(força ou pela fraude, msUtUlr o medo e por aI vaI. Suas Idelas podem ser smtetl-
'iadas na conhecida máxima "os fins justificam os meios", embora, curiosamente,
;,.essa frase não esteja escrita, de forma expressa, na obra de Maquiavel.
,',
',: J:., O resultado dessa mistura de Hobbes e Maquiavel é um Estado forte (Leviatã l,
::absoluto, sem limites e sem escrúpulos, onde o soberano poderia cometer as maio-
;;lés barbaridades para se manter no poder. Para que os fins fossem atingidos, a lei
~iíãO deveria ser empecilho. Em outros termos: a vontade do soberano estaria acima
ir ~e qualquer concepção jurídica. Não haveria limites para o poder estatal.
. . "Espere um minuto", você deve estar pensando. "Mas não foi dito que o pen-
1,' sarnento de Hobbes e de Maquiavel é a chave paraa compreensão dos direitos
-"fundamentais? Como é que existe abertura para os direitos fundamentais em um
'/ ambiente em que não há qualquer limite jurídico ou mesmo ético para o poder es-
tâtal?",
Muito simples: a noção dos direitos fundamentais como normas jurídicas li-
mitadoras do poder estatal surge justamente como reação ao Estado absoluto, re-
presentando o oposto do pensamento maquiavélico e hobbesiano. Os direitos fun-
damentais pressupõem um Estado juridicamente limitado (Estado de direito/
separação de poderes) e que tenha preocupações éticas ligadas ao bem comum
(direitos fundamentais/democracia).
Portanto, um passo necessário para o reconhecimento institucional dos direi-
tos fundamentais foi o surgimento do Estado democrático de direito...~?;r
;. '-o
"considerando que só lemos que tratar com os animais"; afinal. "os 10]OS estão neste mundo para
nos servirmos deles".
8 MAQUIAVEJ.. Nicolau. O Príncipe: obra completa com comentários de Napoleão Bonaparte e
Rainha Cristina da Suécia. São Paulo: Jardim dos uvros, 2007, p. J 19.
9 MAQUJAVEL,Nicolau. O Príncipe: obra completa com comentários de Napoleão Bonaparte e
Rainha Cristina da Suécia. São Paulo: Jardim dos Livros, 2007,]l. 123-124.
O,.
'J!!o ' ••• ',.;::' ~. ;-.- ._. - ''1'•• f.'',., Ii-~. ~'~--'-~~.~
;
3.2.1 O Estado Democrático de Direito
"É ilegal a/acuidade que se atribui à autoridade real para sus-
pender as leis ou seu cumprimento."
Artigo Primeiro do "Bill of Rights", aprovado na
Inglaterra em 1689
Um dos primeiros filósofos a questionarem o poder absoluto do soberano foi o
alemão Johannes Althusius (1557-1638).
Em seu mais famoso livro, chamado Política, publicado em 1603, Althusius já
defendia que "todo o poder é limitado por limites definidos e pelas leis. Nenhum
poder é absoluto, infinito, desenfreado, arbitrário e sem leis. Todo o poder está
atado às leis, aos direitos e à equidade".1O
Trata-se, sem dúvida, de um pensamento extremamente avançado para a épo-
ca. Essa ideia de limitação jurídica do poder, defendida por Althusius em 1603,
somente foi retomada com força total no final do século XVII, com a publicação
do Segundo tratado sobre o governo, do pensador inglês John Locke, em 1690.
Locke defendia o seguinte:
"Oshomens sãopor sua natureza livres,iguaise independentes, e por issoninguém
pode ser expulso de sua propriedade e submetido ao poder políticode outrem sem
dar seu consentimento. Oúnico modo legítimopelo qual alguém abre mão de sua
liberdade natural e assume os laçosda sociedadecivilconsiste no acordocomou-
tras pessoaspara sejuntar e unir-se em comunidade, para viveremcomsegurança,
conforto e paz umas com as outras, com a garantia de gozar de suas posses, e de
maior proteção contra quem não faça parte dela"."
De acordo com Locke, essas pessoas que, voluntariamente, se uniram para for-
mar a sociedade civil transfeririam parte de sua liberdade natural para a comuni-
dade ao consentir em respeitar as leis. As leis, contudo, não deveriam ser ditadas
unilateralmente por um soberano, mas pactuada por todos os membros da socie-
dade.12 E nesse caso, para Locke, até mesmo o Príncipe estaria subordinado às leis
10 A tradução foi exnaida da versão inglesa: "Ali power is limited by definile boundaries and laws. No
power is absolule. injinile, unbridled, arbilrary. and lawless. Every power is bound lo laws, r;ghl, and equily (AL-
THIUSIUS, Johannes. Politica: an abridged lranslation of politics methodically set fonhand illus-
trated with saered and profane examples. Indianapolis: Ubeny Fund, 1995, p. 75).
II LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo;"Martin Claret, 2003, p. 76.
12 Perceba como há uma nítida negação do regime absolutista c, ao mesmo tempo. uma defesa dos
princípios democráticos: "A liberdade do indivíduo na sociedade não deve estar subordinada J. qual-
quer poder legislativo que não aquele estabelecido pelo consentimento na comunidade, nem sob o
domínio de qualquer vontade ou restrição de qualquer lei. a não ser aquele promulgado por lal le-
:viamente aprovadas pela maioria dos membros da sociedade civil.D Eis a base
',órica do Estado Democrático de Direito.
Dentro do modelo político elaborado por Locke, há um esboço do princípio da
. iparação dos poderes. Para Locke, o poder de legislar e o poder de governar não
• ,riam pertencer à mesma pessoa. Afinal, "poderia ser tentação excessiva para
fraqueza humana a possibilidade de tomar conta do poder, de modo que os mes-
"os que têm a missão de elaborar as leis também tenham nas mãos o poder de
'''ecutá-las''.14
;. A técnica da separação dos poderes - instituto básico do Estado de Direito -
.~a lado a lado com os direitos fundamentais. De fato, o sistema de freios e
~ntra pesos (checks and balances) é essencial para evitar o abuso do podere, con-
. luentemente, para proteger os individuos do arbítrio estatal.
'. Quem percebeu isso com precisão foi outro pensador importante da época, o
~gistrado Charles-Louis de Secondat, mais conhecido como Barão de Montes-
Ílieu, que afirmou com precisão que "todo homem que tem poder é tentado a
''usar dele". Logo, "para que não se possa abusar do poder é preciso que, pela
',posição das coisas, o poder freie o poder" .15
Daí a atualidade do artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem
cOCidadão, de 1789, aprovada no auge da Revolução Francesa, que dizia que "o
do que não reconhece os direitos fundamentais, nem a separação de poderes,
';0 possui Constituição". O que se deve extrair desse artigo é que um país verda-
~lativo conforme o crédito que lhe foi confiado" (LOCKE, John. Segundo tratado sobre o go-
,proo. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 35).
P "Todo o poder que o governo tem destina-se apenas ao bem da sociedade, e da mesma forma que
não deve ser arbitrário ou caprichoso, também deve ser exercido mediante leis estabelecidas e pro-
mulgadas; e isso para que não só os cidadãos saibam qual o seu dever, achando garantia e seguran-
ça dentro dos limites das leis, como também para que os governantes, limitados pela lei, não sofram
a tentação, pelo poder que têm nas mãos, de exercê-lo para fins e por meios que os homens não co.
nheçam e nem aprovariam de boa vontade" (LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo.
São Paulo; Manin Claret, 2003, p. 102).
14 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Manin Claret, 2003, p. 106.
l' MONTESQUlEU, Barão de La Brêde e de. Do espírito das leis. São Paulo: Nova Cultural. 1997,
p. 200. Montesquieu dizia que "quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o po-
der legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade, pois pode.se temer que o mes-
mo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executá-las tiranicamente".
E mais: "Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislati-
vo e do executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cio
dadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse ligado ao poder executivo, o juiz po-
deria ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se no mesmo homem ou o mesmo corpo dos
prindpais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: ,o de fazer leis, o de executar as
resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos" (MONTESQUlEu' Ba.
rão de La Brêde e de. Do Espírito das leis. Sã" Paulu: N"va CulturaL 1997, p. 202).
"'~': ... ~: f 'u- '8:. .'"tt 1"".
3.3 AS "GERAÇÕES" DOS DIREITOS
y
'\
~:()OIàtrolee a limitação do poder estatal. É a partir daí que os valores liberais se
frallsformam em verdadeiras normas jurídicas, capazes de serem invocadas peran-
wna autoridade independente, inclusive contra o próprio Estado.
']'Esse fenômeno teve início no século XVlll e, desde então, praticamente todas
'as constituições modernas passaram a reservar um capítulo específicopara posi-
I1varos direitos do homem, chamando-os literalmente de direitos fundamentais.
~Cí}'Há quem pense que os direitos fundamentais representam valores imutáveis e
eternOS.Trata-se, porém, de uma visão equivocada. Na verdade, esses valores são
~astante dinâmicos. sujeitos a saltos evolutivos e a tropeções históricos. já que
",acompanham a evolução cultural da própria sociedade. Desse modo, é natural que
"b.conteúdoético dos direitos fundamentais também semodifique ao longo do tem-
:PoP
1..: • Para ilustrar essa evolução, um jurista tcheco, naturalizado francês, chamado
;Xarel Vasak. desenvolveu uma ideia bastante interessante que ficou conhecida
ifc:omo"teoria das gerações dos direitos". t8
.ti Ao fOlmular a sua teoria. inspirado pelo lema da Revolução Francesa, Vasak
D.~ssemais ou menos assim:~~.~1a) a primeira geração dos direitos seria a dos direitos civis e políticos. fun-
4-" damentados na liberdade (liberté), que tiveram origem com as revolu-
;1 - b,-\ çoes urguesas;
b) a segunda geração. por sua vez, seria a dos direitos econômicos. sociais
e culturais, baseados na igualdade (égalité), impulsionada pela Revolu-
ção Industrial e pelos problemas sociais por ela causados;
c) por fim, a última geração seria a dos direitos de solidariedade, em es-
pecial o direito ao desenvolvimento, à paz e ao meio ambiente, coroan-
do a tríade com a fraternidade (fraternité). que ganhou força após a
Segunda Guerra Mundial, especialmente após a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, de 1948.
.~
....t.
deiramente democrático deve possuir um mecanismo de controle do poder estatal
para proteger os cidadãos contra o abuso e a opressão.
Até hoje essa ideia continua válida. Amaioria dos países ocidentais adota esse
modelo político que transfere para o povo a responsabilidade pela elaboração das
leis, obriga o governante a obedecer ao que nelas for estabelecido e divide as fun-
ções estatais em diferentes órgãos (Legislativo, Executivo e Judiciário).
A finalidade ética do Estado, a partir de então, não é mais a mera satisfação
dos interesses de um ou de poucos indivíduos, mas a busca do bem comum, con-
forme sustentou Jean-Jacques Rousseau, no seu Contrato social (1757/1762). É o
governo do povo, pelo povo e para o povo, de acordo com as palavras imortalizadas
por Abraham Lincoln, proferidas no famoso Discurso de Gettysburg em 1863. Esse
modelo é o que se convencionou chamar de Estado democrático de direito, que,
apesar de todos os seus defeitos, é o modelo político adotado pela maioria dos paí-
ses mais avançados e é o único arcabouço institucional que permite a mudança
social sem violência.16 Portanto, é um modelo a ser seguido.
Nos retratos. respectivamente. Montesquieu. Locke e Rousseau. Os três filósofos iluministas foram
os responsáveis pela elaboração do desenho politico do Estado moderno. alicerçado no princípio da
legalidade. na separação dos poderes c na democracia.
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A concepção normativa dos direitos fundamentais surge junto com a consoli-
dação das vigas-mestras do Estado democrático de direito, exatamente quando
foram criados mecanismos jurídicos que possibilitassem a participação popular na
tomada das decisões políticas, bem como foram desenvolvidos instrumentos para
..".
,. Cf. POPPER. Karl. A sociedade aberta e seus inimigos. Belo Horizonte: Itatiaia. 1988. I. I. p.
18.
~
~i .
,,~.
.~~
17 A respeito da natureza histórico-evolutiva dos direitos humanos. v.BOBBIO,Noberto. A era dos
direitos. 8. ed. Rio de Janeiro: Campus. 1992.
18 Curiosamente, essa teoria surgiu por acaso. Por volta do ano de 1979. Vasak havia sido convida-
do para proferir a aula inaugural no Curso do tnstituto Internacional dos Direitos do Homem, em
Estraburgo. Sem muito tempo para preparar uma exposição. ele lembrou a bandeira francesa. cujas
cores simbolizam a liberdade. a igualdade e a fraternidade. Com base nisso, e sem maiores preten-
sões, desenvolveu a referida teoria, buscando, metaforicamente, demonstrar a evolução dos direitos
fundamentais. Quem narrou essa história [oi o professor Amônio Augusto Cançado Trindade, que é
Um dos mais respeitados juristas brasileiros no exterior, sendo membro da Corle lntcramericana de
Direitos Humanos, scdi.1dil ('11)San José, na Costa Rica.
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• ~~ "1.":'. ;~
.,
,
•1-
!
I
entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acor-
do privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e
da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a proprie-
dade e de buscar e obter felicidade e segurança ...
Artigo I da Declaração de Direitos do Bom Povo da
Virgínia (EUA), de 16 de junho de 1776
,~j.o Estado absoluto era um regime que sufocava a sociedade em todos os setores
}vida (econômico, religioso, político, jurídico etc.) .
~, Imagine um ambiente em que ninguém podia escolher a sua própria religião,
'~modo que qualquer pessoa que tivesse uma crença diferente da adotada oficial-
c.ente pelo Estado poderia sofrer punições, já que não havia tolerância religiosa.
sta dizer que o Tribunal da Santa Inquisição foi restabelecido pela Igreja Cató-
em 1542 justamente para acabar com os "hereges", que tinham a ousadia de
.estionar a fé imposta pelo soberano e pela Igreja.
É natural que, em um ambiente assim, também não houvesse espaço para o
e desenvolvimento do pensamento. Aqueles que apresentavam ideias mais pro-
litJressistas eram uma ameaça à estabilidade política e religiosa, ainda que essas
~eias pudessem ser demonstradas pela razão e pela ciência. Quem não se recorda
-r9.ê'sperseguições sofridas por Copérnico e Galileu, ao longo dos séculos XVI e XVII,
jpor defenderem que a Terra gira em torno do Sol e não o contrário? Quem nunca
iJouViu falar do Index Librorum Prohibitorum, índice de livros proibidos, criado pela
i:'l\~ _-r.'.
<Igreja Católica no século XVI?
:,:11
'. No âmbito da repressão penal, o Estado era implacável. Os juízes condenavam
r: sem garantir o direito de defesa ou mesmo o contraditório aos acusados. As penas
eram cruéis, desumanas e desproporcionais à gravidade do delito cometido. O dás-
. sico Dos delitos e das penas, escrito pelo jovem Cesare Bonesana Beccaria no ano de
. 1764, quando ele tinha apenas 26 anos, foi uma das denúncias mais enfáticas des-
se sistema penal desumano, que adotava julgamentos secretos e aceitava a tortura
como meio de se obter a confissão do crime, entre outras barbáries.
Nesse mesmo regime político, o Estado tinha que cobrar dos seus súditos uma
pesada carga tributária para manter a sua estrutura dispendiosa e financiar as suas
frequentes guerras e expansões territoriais. Quem pagava por isso era o povo.
Os privilégios concedidos à nobreza e ao clero, que não precisavam se sacrificar
para sustentar os caprichos e prazeres do Rei, contribuíam ainda mais para esti-
mular um sentimento de revolta popular,
E o pior é que a sociedade não tinha sequer o direito de participar das tomadas
de decisões. Não havia o direito de voto. As leis eram feitas unilateralmente pelo
soberano, que, por sinal, não era escolhido pelo povo.
"Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e
independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando
AS REVOLUÇÕES LIBERAIS E A "PRIMEIRA GERAÇÃO"
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
3.4
"Essa teoria obteve fama internacional e tem sido repetida (ainda que acritica_
mente) por juristas no mundo todo. Aqui no Brasil, até mesmo o STF já utilizou a
expressão gerações de direitos para fundamentar algumas decisões que proferiu. 19 Por
isso, é uma teoria que merece ser conhecida, apesar de conter alguns eqúívocos
que serão esclarecidos oportunamente, ao final deste capítulo.
Seguindo as linhasbásicas fornecidas por essa ideia de "gerações de direitos",
será feita a análise histórica da evolução dos direitos fundamentais, começando
com a "primeira geração de direitos"; os direitos de liberdade.
19 o Min. Celso de Mello, do STE em quase todos os votos que profere em matéria ambiental. in-
voca a teoria das gerações dos direitos fundamentais para justificar uma proteção especial ao meio
ambiente que, à luz da referida teoria, é um direito fundamental de terceira geração. Eis um trecho
de seu argumento que bem resume a teoria das gerações dos direitos fundamentais: "enquanto os
direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) - que compreendem as liberdades clássicas.
negativas ou formais - realçarn o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos
econômicos, sociais e culturais) - que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas-
acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, q;LI.ematerializam poderes de ti-
tularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações soêiais, consagram o princípio da
solidariedade c constituem um moÍnenlo importante no processo de desenvolvimento, expansão e
reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis,
pela nota de uma essencial incxauribilidade" (STF,MS 22.1 64/SP' j. 30/10/1995).
Karcl Vasak se inspirou na bandeira francesa para desenvolver a teoria das gerações dos direitos. A
liberdade é representada pela cor azul; a igualdade, pela branca; c a fraternidade, pela vermelha.
_.,~~- .i1lIMíIIlt"", ~ 1,., n ,'~"
"
1
1 Logicamente, a sociedade não estava satisfeita com toda essa opressão. Afinal,
ninguém consegue suportar tanta intromissão indevida em sua esfera privada. O
ser humano anseia por liberdade. Em razão disso, as revoltas não tardaram a apa-
'\ recer.
No âmbito da liberdade religiosa, a Reforma Protestante, impulsionada pelas
"95 teses" de Martinho Lutero, publicadas nas portas da igreja de Wittenberg, em
1517, resultou em um enfraquecimento considerável da influência política da Igre-
ja Católica, permitindo que surgisse gradativamente um sentimento em favor da
tolerância religiosa.
Do mesmo modo, o Iluminismo, movimento intelectual surgido ao longo do
século XVIII (o "Século das Luzes"), que enaltecia a razão e a ciência como ferra-
mentas para conhecer a verdade, possibilitou que a liberdade de manifestação do
pensamento fosse considerada um valor essencial para o desenvolvimento das
ideias e para o consequente progresso da humanidade. O pensador francês Voltai-
re, que foi um dos principais personagens do Iluminismo, disse uma frase que re-
sume bem esse espírito em favor da liberdade de expressão. Disse ele: "Posso não
concordar com nenhuma das palavras que dizeis, mas defenderei até a morte teu
direito de dizê-Ias."
Paralelamente a isso, a descoberta de novos mundos e o consequente incre-
mento do comércio internacional fizeram com que a burguesia - classe social até
então sem qualquer importância política - passasse a desempenhar um papel eco-
nômico de destaque. Como consequência natural, já qlm'quem tem o poder eco-
nômico tende a buscar o poder político, a burguesia passou a exigir também maior
participação na condução dos negócios públicos. Esse aspecto foi bem captado pelo
Abade Sieycs, que, no seu livreto Oque é o Terceiro Estado?, publicado em 1789, im-
Ausência de
Liberdade
EconÔmica
20 LOCKE. Jolm, Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Marlin Clare\' 2003. p, 76,
-~'C;.
ou: "O que é o Terceiro Estado? Tudo. O que tem sido até agora na ordem polí-
? Nada. O que deseja? Vir a ser alguma coisa." O Terceiro Estado, referido por
'es, era justamente a parcela da população que não fazia parte nem do Clero
imeiro Estado) nem da Nobreza (Segundo Estado), ou seja, era o povo mesmo,
dusive a burguesia .
De grande influência também, especialmente no campo das ideias econômicas,
:oio pensamento de Adam Smith que, no seu famoso livroA riqueza das nações, pu-
!\Íicado em 1776, desenvolveu a ideia da "mão invisível" do mercado. Para Smith,
~;Estado não deveria intervir na economia, pois o mercado seria capaz de se au-
I'jbITegular.Disso resultou a chamada doutrina do laissez-!aire, laissez-passer ("dei-
ar fazer, deixar passar") em que a função do Estado seria' somente a de proteger
,ropriedade e garantir a segurança dos indivíduos, pérmitindo que as relações
jais e econômicas se desenvolvessem livremente, sem qualquer interferência
~tatal. Essas ideias serviram como uma luva para proteger os interesses da bur-
''jIJiesiaque estava na iminência de alcançar o poder político e foram responsáveis
1JlOruma profunda transformação acerca do papel a ser desempenhado pelo Estado.
:' Como resultado disso tudo, os séculos XVII e XVIII foram palco das chamadas
J~:voluçõesliberais ou burguesas. Essas revoluções proporcionaram uma mudança
'j$1gnificativana política mundial. A partir delas, o Estado absoluto cedeu lugar ao
~stado democrático de direito.
, Os pilares éticos defendidos pelo liberalismo foram incorporados em diversas
't!,declarações de direitos" proclamadas durante esse período, com destaque para a
FPeclaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, decorrente
"[daRevolução Francesa, e a Declaração de Direitos da Virgínia, de 1776, decorren-
.l.teda Revolução Americana (Independência dos EUA).
"
1~' Os direitos protegidos nessas primeiras declarações tinham nítida influência
'1 do pensamento liberal propagado pelos filósofos do iluminismo, especialmente de
,!!>cke,para quem "o grande e principal fim dos homens se unirem em sociedade
'e de se consti!~íreI!1 sO,Q,1!-.rn.,g2yç,m,Qé.9 Ç9llSJ:IYal;ãD ..d<Ul.liLPIOpriedade",20
Essa ideia é um reflexo claro da influência da burguesia vitoriosa, que acabara
de assumir o poder político, O recado dado pela burguesia para o governante, ex-
presso nessas declarações, era bastante direto: proteja minha propriedade (direito
"sagrado e inviolável", de acordo com a declaração francesa), cumpra a lei que
meus representantes aprovarem (princípio da legalidade) e não se meta em meus
negócios, nem em minha vida particular, especialmente na escolha de minha reli-
gião, Eis a explicação para a consagração de inúmeros direitos de liberdade: liber-
dade de reunião, liberdade de expressão, liberdade comercial, liberdade de profis-
são, liberdade religiosa etc.
~ ......•'."' ...--~
Ausência de
liberdade de
Expressão••
*
Ausência de
Liberdade
Polftica
•••
Estado
Absoluto
Intolerância
religiosa
~
•
Ausência
de Garantias
Processuais
.~~c:.~':'
...,.
.-P'
. ..~-";r
L;~"'U""'''' I ••,.••••••..•••.•v~ •.••••••.••u••••••••.••.•••••..•,...... • •
'r q:..k",,- "t'~~..•..~ .~.
" John Locke, apesar de ser um dos principais expoentes do liberalismo e das ideias que resultaram
na formação do Estado democrático de direito, paradoxalmente, defendia a escravidão negra. Aliás,
ele próprio investiu no tráfico de escravos. O mesmo se pode dizer de Thomas Jefferson. o terceiro
Presidente dos Estados Unidos e um dos principais autores da Declaração da Independência Norte.
-Americana, que, logo no início de seu texto, proclama que "todos os homens foram criados iguais,
foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade
e a busca da felicidade". Apesar dessas belas palavras escritas por Thomas Jefferson, ele próprio era
proprietário de escravos, demonstrando que a igualdade tão enaltecida era apenas da boca pra fora.
2} DE LUCA,Tãnia Regina. Direitos sociais no Brasil, p. 472. In: História da cidadania. São l'all'
lo: Contexto, 2003. 1'.469.493 .
,iw.ulheres. Os "homens e cidadãos", mencionados no texto, eram mesmo pessoas
ido sexo masculino e não uma figura de linguagem.
~ l\Ido isso sem falar na escravidão, q\J~.e.ra.p.t.a!!£.'!.Qa.~aceH~_.at(me1'.!!.qJ~~r'potáveis @Q~.2f.9s_libe~ais,.c.o.f!l0.9.in~_ Jo!:!IllQ.ç!<ç.t:9.!lQf.!~.:~..!!1$LK'!.!1.ºJ.hºmas
l'Jefferson.22
- No Brasil, a Constituição Política do Império, de 1824, espelha bem a mentali-
'.:dade da época. Nela está escrito claramente que "a Lei será igual para todos" (art .
.!119, inc. XIII). Mesmo assim, a escravidão somente foi abolida mais de cinquenta
anos depois, em 1888, com a LeiÁurea.
Além disso, o discurso liberal era de mão única, ou seja, não valia para todos
..ps grupos sociais. Assim, por exemplo, quand.o os traba,lhad?res reivindicavam
:.melhores condiçôcs de trabalho, o Estado esquecia a doutrina do laissez.faire e ex.~~. __ _.. . .__ .- ..-... .. . .
c!trapolava a proclamada condição de espectad?r, colocando.se ao lado d.osempre-
:;Sáriosnarepressão aos movimentos sociais. Era comum o apoio das forças policiais
jjãiãPioteger as fábricas, perseguir e prender lideranças operárias, apreender jor-
'êDaiS e destruir gráficas,23demonstrando que até mesmo a tão enaltecida liberdade
r'~ra somente de fachada. Quando essa liberdade (no caso, a liberdade de reunião,
~l(feassociação e de expressão dos trabalhadores) representava uma ameaça à esta.
'Fbilidade, o Estado passava a agir, intensamente, para impedir a mudança social.
; ,', Desse modo, apesar do e~p.ír!!Oh!!l!1.a.!l!t.á.!:!9'l!!~.~I)sp'i-!,c!"u.a~ declaraç()e~ li.b~.
!.; ,rais de d!:_<:ito~..t; ~?.gr~~e salt().CJ.!I~foi gado n,!~ireçã() .~~ limgªção..Q!J E2~er
. ~S.Ea.'p~~~i<:ipação do povo..Jl!J.sn~gºci.o_sp~bliço~, 9.certo é que essa.s.~ec1a.
•kações nã9J1!.Q~egiama todos. Muitos setores da sociedade, sobretudo os mais ca.
rentes, ainda não estavam totalmente satisfeitos apenas com essa liberdade de "fazI de conta". Eles queriam mais. Aigu~ldad~.I!lq.,!J!l,~I!t~}?n~~l, da.!'~c~.E.~r.a.f!,!a,
:f- que não saía do papel, era mesmo que nada. Por isso, eles pretendiam e reivindi.
f~,." c~a:m ta~b~~' um pouco.mais de igualdade 'e.inclusã? ~ocial. É. aí que enfiam .os
~ ~_~!~~de segunda geraçao, a serem estudados no proxlmo tÓPICO.
~_. .,
Propriedade
Direitos
Politicos
•
*
••
Prime.ira
Geração
liberdade
lt
•
Igualdade
Formal
Garantias
Processuais
'.
~'l
3.4.1 A igualdade "da boca pra fora"
Além dos direitos de liberdade, também foram reconhecidos, nessa primeira
fase do constitucionalismo moderno, os chamados direitos políticos, cuja prin.
cipal finalidade era e ainda é a regulamentação do exercício democrático do poder,
permitindo a participação do povo na tomada das decisões políticas, através do
direito de voto, do direito de crítica, do direito de filiação partidária, entre outros.
Os direitos civis e políticos, resultantes das declarações liberais, são conheci.
dos como direitos de primeira geração. O grito de liberdade fora dado.
21 Cf. TRINDADE, José Damião de Lima. História social dos direitos humanos. São Paulo: Pei.
rópolis, 2002, p. 55.
.- la,} (5. e 7'".,.
Merece ser destacado que. apesar de praticamente todas as declarações de di.
reitos, elaboradas no referido período histórico, proclamarem em seu texto o direi.
to de igualdade, não havia um interesse verdadeira'llente!:lc!'l]..ç,stode se garantir
a isonomia para todos os seres humanos. Em outros termos, não havia nenhum
propósito de estender a igualdade aotemno social, ou de conde~ar a desigualda-
deeconô~ic~'Eêii!_q~úrj~~~niiesiã:!lãill!.efê~ijiorg~~'tº/1.._._- -
A título de exemplo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cida.
dão, aprovada em 1789 pelo parlamento francês, começa seu texto proclamando
que "os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos". Apesar disso,
na mesma época, ficou decidido que o direito de voto seria restrito aos hom~~ue
.tjnham posses (voto censitário). O sufrágio universal sequer foi menciõnado. Com
isso, grande parcela da população ficava à margem do jogo político, inclusive as
1
3.5 A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E A "SEGUNDA GERAÇÃO"
DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
"Não se igualam os homens com a supressão das palavras 'con-
de' ou 'barão'. Educando os ignorantes e melhorando as con-
dições econõmicas das classes menos favorecidas éque se supri-
me boa parte das desigualdades mais injustas."
Paolo Mantegazza
o século XIX foi palco da chamada Revolução Industrial, resultante do desen-
volvimento de técnicas de produção que proporcionaram um crescimento econô-
mico nunca antes visto. É esse período que os franceses chamaram de Eelle Époque,
simbolizando o espírito de prosperidade vivido pela sociedade. No entanto, essa
prosperidade ocorreu à custa do sacrifício de grande parcela da população, sobre-
tudo dos trabalhadores, que sobreviviam em condições cada vez mais deploráveis.
Não havia limitação para jornada de trabalho, salário mínimo, férias, nem mesmo
descanso regular. O trabalho infantil era aceito e as crianças eram submetidas a
trabalhos braçais como se adultos fossem.24
A industrialização trouxe consigo, além da prosperidade econômica para uma
minoria rica, uma série de problemas sociais, gerando naturalmente grande insa-
tisfação entre aqueles que não tinham recursos para aproveitar os prazeres propor-
cionados pela paradoxalmente chamada "Bela Época". Enquanto uns viviam no
luxo, a grande maioria da população passava fome, estava desempregada ou mor-
ria por falta de cuidados médicos, ou seja, estava totalmente excluída das vanta-
gens estatais usufruídas pela burguesia.
Em razão disso, o Estado já não era mais capaz de garantir a harmonia social,
e as classes operárias, que se organizavam em grupos fortemente politizados, co-
24 Conrua-se, a propósito, trecho de uma reportagem publicada em 1828 na revista inglesa The LiDn,
sobre a vida de Robert Blincoe, uma das oito crianças paupérrimas que haviam sido enviadas para
trabalhar em uma fábrica em Lowdhan: "Os meninos e as meninas - tinham todos cerca dez anos
- era chicoteados dia e noite, não apenas pela menor falta, mas também para desestimular seu Com-
portamento preguiçoso. E comparadas com as de uma fábrica em Unon, para onde Blincoe foi trans-
ferido a seguir, as condições de Lowdhan eram quase humanas. Em Utlon, as crianças disputavam
com os porcos a lavagem que era jogada na lama para os bichos comerem; eram chutadas, socadas
e abusadas sexualmente; o patrão delas, um tal de Ellice Needhan, tinha o horrível hábito de beliscar
as orelhas dos pequenos até que suas unhas se encontrassem através da carne. O capataz da fábrica
era ainda pior. Pendurava B1incoe pelos pulsos por cima de uma máqutila até que seus joelhos se
dobrassem e então colocava pesos sobre seus ombros. A criança e seus pequenos companheiros de
trabalho viviam quase nus durante o gélido inverno e (aparentemente apenas por pura c gratuita
brincadeira sádica) os dentes deles eram limitados!" (HEILBRONER, Robert. A história do pensa-
mento econõmico. S,10Paulo: Nova Cultural. 1996, p. 101-102).
meçavam as primeiras reivindicações visando à conquista de direitos que lhes pro-
porcionassem melhores condições de trabalho.
Em 1848, Karl Marx escreveu seu célebreManifesto comunista, conclamando os
trabalhadores do mundo todo a se unirem para a tomada do poder e, consequen-
temente, construírem uma ditadura do proletariado.
'.fllr~~
~."-
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~ - •.• I
.-...- ....-....
-'-_.'~'~~"""I•••••• ~; .. 1.l.-~._, ,
",li)", J.hUi
Karl Marx e seu Manifesto comunista de 1848: "Trabalhadores do mundo todo, uni-vos!"
Na Rússia, em 1917, houve a primeira grande revolução socialista de sucesso,
avisando para o resto do mundo capitalista que as reivindicações operárias eram
uma ameaça real.
Percebeu-se, então, que era preciso modificar o modelo político-econômico que
vinha sendo praticado.
A própria Igreja Católica que, até então, vinha se mantendo "neutra" em rela-
ção aos conflitos entre trabalhadores e empregadores, publicou, em15 de maio de
1891, a famosa encíclica Rerum novarum, do Papa Leão XIII,

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