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1. Introdução aos Direitos Fundamentais

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A EFiCÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
2 É deste fosso entre ricos e pobres que nos fala E. Hobsbawm, A Em dos Extremos. p. 540, salientando. se, a este
respeito. que, no que diz com os reflexos para a problemática da efetivação dos direitos fundamentais, o abismo da
diferença econômica não se refere apenas à divisão entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, mas também
às gritantes diferenças econômicas entre as ciasses alta e baixa, como resultado da injusta distribuição de renda no
âmbito da economia internados países em desenvolvimento.
Notas introdutórias
~iVf.2o: A ef"CclCiõ! do:, »'H~ j1v"'? fV~Jd<V-rlf'.....,b';::>
j;r~ Wo \f8;jtY'5 S:õ>r\e.t-
Que os direitos fundamentais constituem construção definitivamente integra-
da ao patrimônio comum da humanidade bem o demonstra a trajetória que levou à
sua gradativa consagração no âmbito do direito constitucional e do assim chamado
direito internacional dos direitos humanos. Praticamente, não há mais Estado que
não tenha aderido a algum dos principais pactos internacionais (ainda que regio-
nais) sobre direitos humanos ou que não tenha reconhecido ao menos um núcleo de
direitos fundamentais no âmbito de suas Constituições. Todavia, em que pese este
inquestionável progresso na esfera da sua positivaç3.o e toda a evolução ocorrida no
que tange ao conteúdo dos direitos fundamentais, representado pelo esquema das
diversas dimensões (ou gerações) de direitos, que atua como indicativo seguro de sua
mutabilidade histórica, percebe-se que, mesmo hoje, no limiar do terceiro milênio e
em plena era tecnológica, longe estamos de ter solucionado a miríade de problemas e
desafios que a matéria suscita.
Nesse contexto, segue particularmente agudo o perene problema da eficácia e
efetividade dos direitos fundamentai.s, de modo especial em face do ainda não supe-
rado (pelo contrário, em partes do Planeta, cOadavez mais agudo) fosso entre ricos e
pobres.2 Além disso, há que lembrar as agressões ao meio ambiente, as manipulações
genéticas, os riscos da informática e cibernética e a fragilidade da paz em se conside-
rando os "progressos" da indústria bélica, notadamente no campo das armas nuclea-
n~s e químicas, mas também dos recentes desenvolvimentos na esfera da robótica e
da "guerra informática". Não menos gravosos, assumem relevo os problemas ocasio-
nados pela crescente instabilidade social e econômica e pelos fanatismos de cunho
religioso e político. Paradoxal (mas compreensivelmente), em muitos países que con-
sagraram formalmente um extenso rol de direitos fundamentais, estes seguem tendo
o seu menor grau de efetivação. Cumpre referir, por oportuna, a advertência (ainda
atual) de Pierre-Henri 1mbett, Diretor de Direitos Hunianos do Conselho Europeu,
apontando para a simultânea multiplicação dos tratados e mecanismos" destinados à
proteção dos direitos fundamentais, e o paralelo recrudescimento de suas"violações.
de tal sorte que, por ocasião da Conferência de Viena, recordou-se que mais da metade
da população mundial se encontrava privada de seus direitos fundamentais.' A pro-
pósito, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, em que pesem os
notáveis avanços a que se chegou desde que foi proclamada, em 10 de dezembro de
1948, ainda constitui mais esperança que realidade para a maior parte dos seres hu-
manos. Já por este motivo, a preocupação com o estudo dos diversos problemas que
são inerentes aos direitos fundamentais representa, por mais modesto que seja o seu
resultado, uma atitude <.:oncretana busca de sua superação.
O estudo dos direitos fundamentais implica, contudo, necessariamente, uma to-
mada de posição quanto ao enfoque adotado, bem como no que diz com o método
de trabalho. Há que optar por uma (ou algumas) das múltiplas possibilidades que se
oferecem aos que pretendem se dedicar ao enfrentamento de tão vasto e relevante
universo temático. Nesse sentido, podemos tomar como ponto de partida a lição do
jurista lusitano Vieira de Andrade, ao referir que os direitos fundamentais podem ser
abordados a partir de diversas perspectivas, dentre as quais enumera três: a) pers-
pectiva filosófica (ou jusnaturalista, para o autor), que cuida do estudo dos direitos
fundamentais como direitos de todos os homens, em todos os tempos e lugares; b)
perspectiva universalista (ou internacionalista), como direitos de todos os homens (ou
categorias de homens) em todos os lugares, num certo tempo; c) e perspectiva estatal
(ou constitucional), pela qual os direitos fundamentais são analisados na qualidade de
direitos dos homens, num determinado tempo e lugar.4 Cumpre lembrar, todavia, que
a tríade referida por Vieira de Andrade não esgota o elenco de perspectivas a partir
das quais se pode enfrentar a temática dos direitos fundamentais, já que não se pode
desconsiderar a importância, ainda mais nos tempos atuais, das perspectivas socioló-
gica, histórica, filosófica (de longe não limitada e identificada com o jusnaturalismo),
ética (como desdobramento da filosófica), política e econômica, apenas para citar
as mais relevantes. Cada um destes enfoques, ainda que isoladamente considerados,
suscita uma enorme gama de aspectos e problemas específicos passíveis de análise.
Vale dizer que, também nesta seara, os únicos limites residem, em última análise, no
alcance da criatividade e da imaginação humanas e no universo de abordagens que
esta pode gerar.
Sem perder de vista a necessária interpenetração entre as diversas perspectivas
referidas e desde já reconhecida a relevância de todas elas, optamos por centrar nossa
atenção na dimensão concreta dos direitos fundamentais, tais quais se encontram
plasmados na órbita do direito constitucional positivo (perspectiva estatal, portanto),
com ênfase particular no Direito pátrio. Em suma, o que se pretende neste estudo é
estabelecer uma relação mais próxima com algumas das principais questões relativas
à problemática dos direitos fundamentais na nossa Constituição.
Muito embora a obra tenha tido o seu foco inicial voltado ao problema da efi-
cácia dos direitos fundamentais na nossa ordem constitucional (que segue sendo ver-
sada na segunda parte), o texto contempla, mormente mediante os diversos ajustes e
inserções efetuados ao longo do tempo, o que se poderia denominar de elementos de
uma teoria geral constituclOnalmente adequada dos direitos fundamentais, até mesmo
pelo fato de que se cuida de aspectos essenciais ao deslinde da própria problemática
3 Cf. P.-H. Imbert, in: A.E. Pérez Luno (Org). Derechos Humanos y Constitucionalismo Ante el Tercer ,Wilenio,
p.77.
4 Cf. J .C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais, p. 11 e.S5.
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INGO WOLFGANG SARLET
J,
da eficácia (e da efetividade) dos direitos fundamentais, como o leitor terá oportuni-
dade de perceber mediante uma leitura transversal do sumário.
No que diz com o método utilizado, perceberá o leitor explícita predileção pelo
recurso ao direito (constitucional) comparado, cuja importância chega a ser tal nos
dias atuais que há quem o considere até mesmo autêntico método de interpretação
(Peter Haberle). Se isto já se justifica relativamente a qualquer ramo da ciênciajurí-
dica, assume caráter virtualmente cogente na esfera do direito constitucional, no qual
cada vez mais trabalhamos com categorias de cunho universal (Constituição, Estado,
poder, governo, constitucionalidade e inconstitucionalidade, direitos fundamentais,
proporcionalidade, etc.), sustentando-se até mesmo a existência de um direito cons-
titucional internacional. Particularmente, é no campo dos direitos fundamentais (ou
humanos) que esta universalização se manifesta ainda com maior intensidade, seja
em virtude da relevância que a matéria alcançou no âmbito do direito internacional,
de modo especial, de cunho convencional (e, por sua vez, dos reflexos na ordem
interna), seja em virtude da forte influência do direito constitucional positivo, da
doutrina e jurisprudênciade uns Estados sobre os outros. Cuidando-se, consoante já
salientado, de obra centrada na perspectiva constitucional (estatal), buscamos priori-
zar as fontes de direito comparado que mais diretamente influenciaram, não apenas o
nosso constituinte, mas principalmente a nossa ciência jurídica.
Nesse contexto, de modo especial no que diz com os direitos fundamentais,
inquestionável a nossa parcial aproximação aos modelos lusitano e espanhol, ambos,
por sua vez, marcados pelos influxos da doutrina e da jurisprudência constitucionais
de matriz germânica. Categorias como as do Estado de Direito, Estado Social, "cláu-
sulas pétreas", controle abstrato de constitucionalidade, perspectiva jurídico-objetiva
e subjetiva dos direitos fundamentais, princípio da proporcionalidade, concordân-
cia prática, aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, assim como o próprio
conceito e classificação dos direitos fundamentais não poderiam hoje, dentre outras
categorias, ser analisadas sem que se fizesse uma referência à doutrina germânica.
Além disso, a priorização das fontes citadas (além da vertente alemã), notadamen-
te (mas não exclusivamente) portuguesa e espanhola, enc~ntra respaldo na própria
aproximação entre tais ordens constitucionais e a brasileira, particularmente no cam-
po dos direitos fundamentais, ainda que se registrem distinções dignas de nota, as
quais serão oportunamente analisadas. No que tange àjurisprudência citada (e isso se
aplica também às fontes nacionais), restringimo-nos a buscar, na medida do possível,
arestos das Cortes Constitucionais de cada Estado, pois a elas cabe, em última análise
e prioritariamente (ainda que não de forma exclusiva), a interpretação e o desenvol-
vimento do direito constitucional, priorizando, visto que se cuida de uma perspectiva
constitucionalmente centrada no direito brasileiro, as decisões do Supremo Tribunal
Federal do Brasil.
O que se pretende com o recurso ao direito comparado - e isto convém seja aqui
ressaltado - não é em hipótese alguma a importação direta de dispositivos constitucio-
nais ou mesmo de concepções jurisprudenciais e doutrinárias alienígenas, mas sim, a
reavaliação de algumas posições pátrias habituais e, por vezes, deslocadas ou desa-
tualizadas, bem como a análise da viabilidade da recepção (obviamente filtrada pelo
nosso direito constitucional positivo e seu respectivo contexto) de categorias dog-
mático-jurídicas já tradicionalmente aceitas na maior parte dos países desenvolvidos
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A EFiCÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 23
:')Cf. F. Pessoa, O Eu Profundo e os Outros E/ü, p. 43~4, condições que, salvo melhor juízo, aplicam. se também
à leitura e análise de qualquer obra elaborada pelo ser humano. já que tudo, de certa forma, é objeto de constante
interpretação.
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INGO WOLFGANG SARLET
e que, a despeito de sua inequívoca relevância e do interesse que deveriam suscitar
também entre nós, continuam sendo em parte desconhecidas ou então subestimadas,
em parte, contudo, carentes de uma recepção constitucionalmente adequada,
A título de advertência ao leitor, impende destacar que cada item do presente
texto encerra aspectos e problemas diversos, todos merecedores de uma análise in-
dividualizada e bem mais aprofundada do que aqui pudemos fazer, alguns dos quais
haverão de ser objeto não apenas de um reexame futuro no âmbito desta obra, bem
como de desenvolvimentos em artigos ou outras monografias. A nossa intenção - e
outra não poderia ser tendo em vista a abrangência do tema e a limitação física desta
obra ~ foi a de lançar algumas considerações que possam contribuir para o aprofun-
damento do debate e auxiliar na busca de uma cultura jurídica nacional constitucio-
nalmente adequada, mas sempre afinada com a evolução internacional na fascinante
trajetória em busca da afirmação e efetivação dos direitos fundamentais,
Para finalizar, gostaríamos de fazer uma referência ao imortal poeta Fernando
Pessoa, que, em nota preliminar à sua obra O Eu Profundo e os Outros Eus, sustenta
que o "entendimento dos símbolos e rituais (simbólicos) exige do intérprete cinco
qualidades ou condições, sem as quais os símbolos serão para ele mortos e ele um
morto para eles".' Dentre tais qualidades (são elas a simpatia, a intuição, a inteligên-
cia, a compreensão e a graça), destaco uma com a qual tenho a esperança de ser brin-
dado por parte do leitor, qual seja, a simpatia. Que todo aquele que se propuser a ler
a presente obra possa debruçar-se sobre ela de espírito receptivo e mente aberta, além
de se mostrar disposto a formular as críticas e sugestões que julgar oportunas e pelas
quais, desde já, somos profundamente gratos, Se esse livro tiver logrado provocar a
reflexão, já poderemos considerar alcançado o nosso objetivo,
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1ª P A R T E
o Sistema dos
Direitos Fundamentais na Constituição:
delineamentos de uma teoria geral
constitucionalmente adequadaj
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27A EFiCÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
I Cf, dentre outros, a advertência de B. M. de Vallejo Fuster, in: J. Ballesteros (Ed.). Derechos Humanos - Concepto,
Fundamentos, Sujetos, p. 42-3. Nesse sentido também a advertência de A. E. Pérez Lufto, Derechos Hll1-;WllOS, Esta-
do de Derecho y Constitucián, p. 21 e S8., que - centrando-se no conteúdo e significado do termo "direito humanos"
_ alerta para a cada vez maior falta de precisão na utilização desta terminologia, apontando as diferenças entre o seu
conteúdo e significado em relação aos outros termos empregados.
2 Esta a observação _ em relação a Constituição Espanhola de 1978 - de L. I\1artín-Retortillo, in: Derechos Funda-
melltales y COllstitución, p. 47, e que também se ajusta ao direito constitucional pátrio. Com efeito. entre nós, existe
significativa doutrina a apontar e analisar tal diversidade terminológica, para o que remetemos ao recente estudo de
V. Brega Filho, Direitos Fundamentais na Constituição de 1988 - Conteúdo Jurídico das Expressões, p. 65 e S8. Ex-
plorando com riqueza esta questão, v. também, 1. A. L. Sampaio, Direitos Fundamentais. Retórica e Historicidade,
p.7 e segs., bem como, entre outors, A.S. Romita, Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho, p. 40.46.
1. A problemática da delimitação
conceitual e da definição na seara
terminológica: a busca de um consenso
A utilização da expressão "direitos fundamentais" no título desta obra já revela,
de antemão, a nossa opção na seara terminológica, o que, no entanto, não torna dis-
pensável uma justificação, ainda que sumária, desse ponto de vista, no mínimo pela
circunstância de que, tanto na doutrina, quanto no direito positivo (constitucional
ou internacional), são largamente utilizadas (e até com maior intensidade), outras
expressões, tais como "direitos humanos", "direitos do homem", "direitos subjetivos
públicos", "liberdades públicas", "direitos individuais", "liberdades fundamentais" e
"direitos humanos fundamentais", apenas para referir algumas das mais importantes.
Não é, portanto, por acaso, que a doutrina tem alertado para a heterogeneidade, ambi-
guidade e ausência de um consenso na esfera conceitual e terminológica, inclusive no
que diz com o significado e conteúdo de cada termo utilizado,' o que apenas reforça a
necessidade de obtermos, ao menos para os fins específicos deste estudo, um critério
unificador. Além disso, a exemplo do que ocorre em outros textos constitucionais, há
que reconhecer que também a Constituição de 1988, em que pesem os avanços alcan-
çados, continua a se caracterizar por uma diversidade semântica,2 utilizando termos
diversos ao referir-se aos direitos fundamentais. Em caráter ilustrativo, encontramos
em nossa Carta Magna expressões como: a) direitos humanos (art. 4°, inc. lI); b)
direitos e garantias fundamentais (epígrafe do Título lI, e art. 5°, S 1°); c) direitos
e liberdades constitucionais (art. 5°, inc. LXXI)e d) direitos e garantias individuais
(art. 60, S 4°, inc. IV).
Em primeiro plano, ainda mais em se considerando que o objeto deste traba-
lho é justamente a análise dogmático-jurídica dos direitos fundamentais à luz do
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3 Cf. J. P. Royo. Curso de Derecho Constitucional. Madrid: Mascial Pons, 2010, p. 183, lembrando que o termo teria
sido utilizado pela primeira vez na Constituição alemã aprovada em 20.12.1848, em Frankfurt. mas que não chegou
a vigoras, tendo novasnente sido utilizado pela Constituição de Weimar. 1929.
4 Na Constituição de 1824. falava-se nas "Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros", ao
passo que a Constituição de 1891 continha simplesmente a expressão "Declaração de Direitos" como epígrafeda
Secção 11.integrante do Título IV (Dos cidadãos brasileiros). Na Constituição de 1934. utilizou-se. pela primeira vez.
a expressão "Direitos e Garantias Individuais", mantida nas Constituições de 1937 e de 1946 (integrando o TílUlo IV
da Declasação de Direitos), bem como na Constituição de 1967. inclusive após a Emenda n° J de 1969, integrando o
Título da Declaração de Direitos. Entre n6s, aderindo à utilização da expressão direitos fundamentais e endossando
também a argumentação ora desenvolvida, v. entre outros, especialmente o ensaio de D. Dimoulis, "Dogmática dos
Direito Fundamentais: conceitos básicos", in: Comunicações. Caderno do Programa de Pós-Graduação da Univer-
sidade Metodista de Piracidaba. ano 5. n° 2, (2001), p. 13.
5 Atente-se aqui para alguns exemplos de Constituições do segundo pós-guerra que passaram a utilizar a expressão
genérica "direitos fundamentais", tais como a Lei Fundamental da Alemanha (1949) e a Constituição p0rt1.;Iguesa
(1976), ambas já referidas, bem como as Constituições da Espanha (1978), da Turquia (1982) e da Holanda (1983).
Também destacando o caráter anacrónico de alguns termos V., mais recentemente, L. Martinez. Condutas Antissindi.
cais. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 44-45.
6 Nesse sentido, v. lA. da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 157 e ss.
direito constitucional positivo, há que levar eIJl conta a sintonia desta opção (direi-
tos fundamentais) com a terminologia (neste particular inovadora) utilizada pela
nossa Constituição, que, na epígrafe do Título lI, se refere aos "Direitos e Garantias
Fundamentais", consignando-se aqui o fato de que este termo - de cunho genérico
- abrange todas as demais espécies ou categorias de direitos fundamentais, no-
meadamente os direitos e deveres individuais e coletivos (Capítulo I), os direitos
sociais (Capítulo lI), a nacionalidade (Capítulo I1I), os direitos políticos (Capítulo
IV) e.o regramento dos partidos políticos (Capítulo V). Cumpre salientar, ainda,
que tais .categorias igualmente englobam as diferentes funções exercidas pelos di-
reitos fundamentais, de acordo com parâmetros desenvolvidos especialmente na
doutrina e na jurisprudência alemãs e recepcionadas pelo direito luso-espanhol, tais
como os direitos de defesa (liberdade e igualdade), os direitos de cunho prestacio-
nal (incluindo os direitos sociais e políticos na sua dimensão positiva), bem como
os direitos-garantia e as garantias institucionais, aspectos que ainda serão ob-
jeto de consideração. No que diz com o uso da expressão "direitos fundamentais",
de utilização relativamente recente,; cumpre lembrar que o nosso Constituinte se
inspirou principalmente na Lei Fundamental da Alemanha e na Constituição por-
tuguesa de 1976, rompendo, de tal sorte, com toda uma tradição em nosso direito
constitucional positivo.'
Além do argumento ligado ao direito positivo, o qual por si só já bastaria para
justificar a nossa opção terminológica, a moderna doutrina constitucional, ressalva-
das algumas exceções, tem rechaçado progressivamente a utilização de termos como
"liberdades públicas", "liberdades fundamentais", "direitos individuais" e "direitos
públicos subjetivos", "direitos naturais", "direitos civis", assim como as suas varia-
ções, porquanto - ao menos como termos genéricos - anacrônicos e, de certa forma,
divorciados do estágio atual da evolução dos direitos fundamentais no âmbito de um
Estado (democrático e social) de Direito,' até mesmo em nível do direito internacio-
nal, além de revelarem, com maior ou menor intensidade, uma flagrante insuficiência
no que concerne à sua abrangência, visto que atrelados a categorias específicas do
gênero direitos fundamentais." Nesse contexto, há que ter em mente que não preten-
demos adentrar o exame do significado específico ou mesmo das diversos termos
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INGO WOLFGANG SARLET28
~.
29A EFiCÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
referidos,' já que a nossa busca se restringe a nos situarmos no que concerne a um
termo e conceito genéricos e, acima de tudo, constitucionalmente adequados, caoaz
de abarcar as diferentes espécies de direitos.
Aqui assume especial relevância a clarificação da distinção entre as expressões
"direitos fundamentais" e "direitos humanos", não obstante tenha também ocorrido
uma confusão entre os dois termos, confusão esta (caso compreendida como um uso
indistinto dos termos, ambos designando o mesmo conceito e conteúdo) que não se
revela como inaceitável a depender do critério adotado. Quanto a tal ponto, não há dú-
vidas de que os direitos fundamentais, de certa forma, são também sempre direitos hu-
manos, no sentido de que seu titular sempre será o ser humano, ainda que representado
por entes coletivos (grupos, povos, nações, Estado). Fosse apenas por este motivo,
impor-se-ia a utilização uniforme do termo "direitos humanos" ou expressão similar,
de tal sorte que não é nesta circunstância que encontraremos argumentos idôneos a
justificar a distinção. De qualquer modo, cumpre destacar, antes de prosseguirmos,
que se é certo que não pretendemos hipertrofiar a relevância do ponto, também não
podemos passar ao largo do mesmo, seja pelo fato de estarmos diante de um aspecto a
respeito do qual existe uma ampla discussão na doutrina, seja pelas consequências de
ordem prática (especialmente no que diz com a interpretação e aplicação das normas
de direitos fundamentais e/ou direitos humanos) que podem ser extraídas da questão.
De fato - como pretendemos demonstrar minimamente - não se cuida de uma mera
querela acadêmica entre teóricos que não têm mais o que fazer.
Em que pese os dois termos ("direitos humanos" e "direitos fundamentais")
sejam comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de
passagem, procedente para a distinção é de que o termo "direitos fundamentais" se
aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera
do direito constitucional positivo de determinado Estado,! ao passo que a expressão
"direitos humanos" guardaria relação com os documentos de direito internacional,
por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal,
independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que,
portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que
revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional)." A consideração de que
o termo "direitos humanos" pode ser equiparado ao de "direitos naturais"lo não nos
parece correta, uma vez que a própria positivação em normas de direito internacio-
nal, de acordo com a lúcida lição de Bobbio, já revelou, de forma incontestável, a
dimensão histórica e relativa dos direitos humanos, que assim se desprenderam - ao
menos em parte (mesmo para os defensores de um jusnaturalismo) - da ideia de um
direito natural." Todavia, não devemos esquecer que, na sua vertente histórica, os
7 Para quem objetiva lançar um olhar mais criterioso sobre esta problemática. sugerimos a leitura do primeiro capftulo
da obra de A.E. Pérez Luna. Derechos Humanos. p. 21 e 58.
8 Assim: por exemplo. J.1. Gomes Canotilho. Direito Constitucional, p. 528. e M.L. Cabral Pinto, Os Limites do
Poder Constituinte e a Legitimidade Material da Constituição. p. 141. Entre n6s. esta distinção foi adotada. entre
outros. por E. Pereira de Farias. Colisão de Direitos. p. 59-60.
"Nesse sentido. dentre outros. a lição de J. Miranda. ManuollV, p. 51-2. citando-se, a tftulo de exemplo, a Declara-
ção Universal dos Direitos do Homem (1948). a Declaração Europeia de Direitos do Homem (1951). A Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (1969), dentre outros tantos documentos.
10 Esta a posição de M. Kriele. in: FS rur Scupin. p. 188.
11 Cf. N. Bobbio. A Era dos Direitos. principalmente no ensaio "Presente e Futuro dos Direitos do Homem" (p. 26
e 55.). O abandono da condição de direitos naturais pode ser também exemplificado com base na doutrina francesa.
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onde já se reconhece que as liberdades públicas não se confundem com a noção de direitos naturais do homem.
tratando-se de posições jurídicas reconhecidas pelo direito constitucional positivo (v. nesse sentido. C.A. Colliard.
Libenés Publiques, p. 12 e ss.).
12 A este respeito. v. K. Stem, Staatsrecht /1/11, p. 42 e 55. Entre nós, explorando esta perspectiva. v. entre outros. P.
Melgaré. "Direitos humanos: uma perspectiva contemporânea - para além dos reducionismos tradicionais", in: R/L.
n° 154, (2002), p. 73 e 55., destacando a perspectiva suprapositiva e a sua relevância para a aplicação judicial. Mais
recentemente, J. Neuner, "Los Derechos Humanos Sociales", in: A"itário Iberoamericano de Justida Constitucional.
n° 9,2005, p. 239, também sufragou esta linha de entendimento, ao advogar a distinção entre os direitos fundamen-
tais. fundados no pacto constituinte e limitadores do poder das maiorias parlamentares, e os direitos humanos. com-
preendidos como direitos supra-estatais, com validade universal e vinculativos inclusive das maiorias constituintes.
13 Cf., por último, aderindo a tal concepção, G. Marmelstein. Curso de Direitos Fundamentais, São Paulo: Atlas.
2008. p. 25-27.
14 B. Galindo. Direitos Fundamentais. Análise de sua concretização constitucional, p. 48.
direitos humanos (internacionais) e fundamentais (constitucionais) radicam no reco-
nhecimento, pelo direito positivo, de uma série de direitos naturais do homem, que,
neste sentido, assumem uma dimensão pré-estatal e, para alguns, até mesmo supraes-
tatal.12Cuida-se, sem dúvida, igualmente de direitos humanos - considerados como
tais aqueles outorgados a todos os homens pela sua mera condição humana -, mas,
neste caso, de direitos não positivados.
Assim, com base no exposto, cumpre traçar uma distinção, ainda que de cunho
predominantemente didático, entre as expressões "direitos do homem" (no sentido de
direitos naturais não, ou ainda não positivados), "direitos humanos" (positivados na
esfera do direito internacional) e "direitos fundamentais" (direitos reconhecidos ou
outorgados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado)". Neste
particular, como o presente estudo se restringe - em que pesem algumas breves notí-
cias de cunho histórico - aos direitos positivados, centrar-nas-emas em traçar, de for-
ma mais clara, a distinção entre os termos e conceitos "direitos humanos" e "direitos
fundamentais". A utilização da expressão "direitos do homem", de conotação mar-
cadamente jusnaturalista, prende-se ao fato de que se torna necessária a demarcação
precisa entre a fase que, nada obstante sua relevância para a concepção contempo-
rânea dos direitos fundamentais e humanos, precedeu o reconhecimento destes pelo
direito positivo interno e internacional e que, por isso, também pode ser denominada
de uma "pré-história" dos direitos fundamentais.
A distinção ora referida, entre direitos do homem e direitos humanos - que se
assume ser essencialmente didática - recebeu a recente crítica de Bruno Galindo,14
argumentando que direitos do homem e direitos humanos (ou direitos do homem)
são sempre todos os direitos inerentes à natureza humana, positivados, ou não, dis-
tinguindo-se dos fundamentais, que são os direitos constitucionalmente positivados
ou positivados em tratados internacionais, ainda que com uma eficácia e proteção
diferenciadas. Com relação à crítica do autor, vale objetar que, consoante já frisado,
a distinção entre direitos do homem e direitos humanos (que efetivamente também
podem ser tidos como equiparados, desde que o conteúdo que lhes é atribuído seja
o mesmo) prende-se ao fato de advogarmos a tese da possível diferenciação entre
os direitos fundamentais, na condição de direitos constitucionais e sujeitos ao du-
plo regime da fundamentalidade formal e material, e direitos humanos como direi-
tos positivados no plano internacional. O próprio autor, todavia, reconhece que os
direitos fundamentais constitucionais distinguem-se dos direitos fundamentais de
matriz internacional no que diz com sua eficácia e efetiva proteção, justamente a
razão pela qual - acrescida de outros motivos colacionados na presente obra - se
31A EFiCÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
IS Em sentido próximo. v. M. Carbonell, Los Derecltos Fundamemales en México, 2' ed., México: Porruá, 2006, p. 8
e 55., destacando que, por se tratarde categoria mais ampla. as fronteiras conceituais dos direitos humanos são mais
imprecisas que o tenno direitos fundamentais.
16Cf. A.E. Perez Luna, Los Derechos Fundamentales. p. 46.7. Em que pese a nossa divergência com relação ao
significado atribuído à expressão "direitos humanos", cumpre referir aqui a posição de M. Kriele quando igualmente
advoga o entendimento de que a categoria dos direitos fundamentais é temporal e espacialmente condicionada. visto
que se cuida da institucionalização jurídica dos direitos humanos na esfera do direito positivo. No mesmo sentido, v.
também G. C. Villar, "EI sislema de los derechos y las libertades fundamenlaJes", ill: F. B. Callejón (Coord.), Manual
de Derecho Constitucional, vol. 11.Madrid: Tecnos. 2005, p. 29 e 55 .• assim como L. M. Diez-Picazo. Sistema de
Derecltos FwuIamemales. 2' ed. Madrid: Civilas, 2005. p. 55 e ss.
17 P. C. Villalon, ill: REDe n° 25 (1989), p. 41-2.
18 Assim a lição de K. Stern, Staarsrecllt lllll, p. 43.
tem advogado a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais a partir do
critério do seu plano de positivação, Que os assim designados direitos do homem
são sempre direitos de todos os seres humanos, independentemente do seu gênero,
sempre foi assumido como um pressuposto também de nossa análise. Além do mais,
no que diz com a assertiva do autor referido quando afirma ser a noção de direitos
humanos (ou direitos do homem) mais abrangente que a de direitos fundamentais, há
como ob~tar que a abrangência de certos catálogos constitucionais (como é o caso
do brasileiro), ao enunciarem direitos que dificilmente poderiam ser qualificados de
direitos humanos no sentido de direitos inerentes à natureza (ou dignidade) huma-
na bastando, em caráter ilustrativo, referir o direito ao salário mínimo, ao terço de
férias, entre outros. Assim, a não ser que se exclua do catálogo constitucional todos
os direitos que não sejam também sempre direitos a tese da maior abrangência dos
direitos humanos revela-se no mínimo questionável.
Nesse contexto, de acordo com o ensinamento de Pérez Lufio, o critério mais
adequado para determinar a diferenciação entre ambas as categorias é o da concreção
positiva, uma vez que o termo "direitos humanos" se revelou conceito de contornos
mais amplos e imprecisos que a noção de direitos fundamentais,ls de tal sorte que es-
tes possuem sentido mais preciso e restrito, na medida em que constituem o conjunto
de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito po-
sitivo de determinado Estado, tratando-se, portanto, de direitos delimitados espacial
e temporalmente, cuja denominação se deve ao seu caráter básico e fundamentador
do sistemajurídico do Estado de Direito.16 Assim, ao menos sob certo aspecto, pa-
rece correto afirmar, na esteira de Pedro C. Villalon, que os direitos fundamentais
nascem e acabam com as Constituições,17 resultando, de tal sorte, da confluência
entre os direitos naturais do homem, tais como reconhecidos e elaborados pela dou-
trina jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, e da própria ideia de Constituição. IR
Nesse contexto, situa-se - apenas para citar um posicionamento extraído da literatura
filosófica - o magistério de Otfried Hõffe, ao destacar a pertinência da diferencia-
ção conceitual entre direitos humanos e fundamentais, justamente no sentido de que
os direitos humanos, antes de serem reconhecidos e positivados nas Constituições
(quando se converteram em elementos do direito positivo e direitos fundamentais
de uma determinada comunidade jurídica), integravam apenas uma espécie de moral
jurídica universal. Assim, ainda para Hõffe, os direitos humanos referem-se ao ser
humano como tal (pelo simples fato de ser pessoa humana) ao passo que os direitos
fundamentais (positivados nas Constituições) concemem às pessoas como membrost, :
19 Cf. o .Hõffe. Derecho /nlerculwrol, especialmente p. 166-69. explorando. ainda. a diferença entre o plano pré-
-estatal (dos direitos humanos) e o estatal (dos direitos fundamentais).
20 Cf. J. Habennas, Faktizitlit und Geltung: Beitrlige zur Diskursrheorie des Rech/s Imd des demokratischen RecJuss-
10015. p. 138 ("Deshalb dUrfen wir Grundreehte, die in der positiven Gestalt von Verfassungsnormen auftreten. nieht
aIs blosse Abbildungen moraliseher Reehte verstehen, und die politisehe Autonomie nieht aIs blosses Abbild der mo-
ralisehen."). No mesmo sentido, V., entre n6s, o belo ensaio de M. C. Galuppo, "O que são direitos fundamentais?",
in: J. A . Sampaio (Org). lun'sdição Constitucional e Direitos Fundamentais, p. 233.
21 Nesse sentido. v. os desenvolvimentos de F.J. Bastida Freijedo, "Concepto y modelos históricos de los derechos
fundamentales", in: F. I.Bastida Freijedo e outros. Teoría General de los Derechos Fundamemales en la Constitue;-
ón Espoiíola de /978, Madrid: Tecnos. p. 18 e 55.
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de um ente público concreto.19 Igualmente - muito embora por razões diversas -,
apontando para uma possível distinção entre direitos fundamentais e o que designa de
direitos morais (reconhecendo, contudo, que os direitos fundamentais possuem um
conteúdo e fundame.ntação de cunho moral), vale referir a lembrança de Habermas,
no sentido de que os direitos fundamentais, que se manifestam como direitos positi-
vos de matriz constitucional, não podem ser compreendidos como mera expressão de
direitos morais, assim como a autonomia política não pode ser vista como reprodução
da autonomia moral.20
Já a partir do exposto, considerando que há mesmo vários critérios que per-
mitem diferenciar validamente direitos humanos de direitos fundamentais, assume
relevo - como, aliás, dão conta alguns dos argumentos já deduzidos - que a dis-
tinção entre direitos humanos e direitos fundamentais também pode encontrar um
fundamento na circunstância de que, pelo menos de acordo com uma determinada
concepção, os direitos humanos guardam relação com uma concepção jusnatura-
lista (jusracionalista) dos direitos, ao passo que os direitos fundamentais dizem
respeito a uma perspectiva positivista. Nesse sentido, os direitos humanos (como
direitos inerentes à própria condição e dignidade humanas) acabam sendo "trans-
formados" em direitos fundamentais pelo modelo positivista, incorporando-os ao
sistema de direito positivo como elementos essenciais, visto que apenas mediante
um processo de "fundamentalização" (precisamente pela incorporação às constitui-
ções), os direitos naturais e inalienáveis da pessoa adquirem a hierarquia jurídica e
seu caráter vinculante em relação a todos os poderes constituídos no âmbito de um
Estado Constitucional."
Em face dessas constatações, verifica-se, desde já, que as expressões "direi-
tos fundamentais" e "direitos humanos" (ou similares), em que pese sua habitual
utilização como sinônimas, se reportam, por várias possíveis razões, a significados
distintos. No mínimo, para os que preferem o termo "direitos humanos", há que refe-
rir - pena de correr-se o risco de gerar uma série de equívocos - se eles estão sendo
analisados pelo prisma do direito internacional ou na sua dimensão constitucional po-
sitiva. Reconhecer a diferença, contudo, não significa desconsiderar a íntima relação
entre os direitos humanos e os direitos fundamentais, uma vez que a maior parte das
Constituições do segundo pós-guerra se inspirou tanto na Declaração Universal de
1948, quanto nos diversos documentos internacionais e regionais que as sucederam, de
tal sorte que - no que diz com o conteúdo das declarações internacionais e dos textos
constitucionais - está ocorrendo um processo de aproximação e harmonização, rumo
ao que já está sendo denominado (e não exclusivamente - embora principalmente-,
33A EFiCÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
22 Sobre o direito constitucional internacional na esfera dos direitos humanos. con~mllem-se as recentes obras de F.
Piovesan. Direims Humanos e o Direito Constitucional !memaci01lll1. Rio de Janeiro: Max Limonad. 1996. e de
A.A. Cançado Trindade. Tratado do Direito Internacional dos Direitos Humanos. vaI. I. Porto Alegre: Sergio A.
Fabri,. 1997.
23 Entre n6s, o primeiro autor a utilizar a expressão "direitos humanos fundamentais", ao menos de acordo com o
nosso conhecimento. foi M.a. Ferreira Filho. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Saraiva. 1996. Também
A. Moraes, Direitos Humanos e Fu"damentais. São Paulo: Atlas. 1998. utili7..a.sedesta terminologia.
24 Cf. S. R. de Barros, Direitos Humanos. Paradoxo da Cil'ili;.açr1o. especialmente p. 29 e S5.
25 Nesse sentido. a lição de K. Stem, ;n: HBStR V. p. 35.
no campo dos direitos humanos e fundamentais) de um direito constitucional inter-
nacional. 22
No âmbito da discussão em tomo da melhor terminologia a ser adotada, é de se
destacar o uso mais recente da expressão "direitos humanos fundamentais" por alguns
autores.23 De acordo com Sérgio Rezende de Barros, que refuta a tese da distinção
entre direitos humanos e fundamentais, esta designação tem a vantagem de ressaltar
a unidade essencial e indissolúvel entre direitos humanos e direitos fundamentais.24
Quanto a este aspecto, e sem que se possa aqui adentrar ainda mais o estimulante de-
bate em tomo da temática versada neste segmento, não nos parece existir um conflito
tão acentuado entre a posição por nós sustentada e as corretas e bem fundadas ponde-
rações do ilustre jurista paulista, já que não deixamos de reconhecer a conexão Íntima
entre os direitos humanos e os fundamentais, pelo fato de que as diferenças apontadas
radicam em alguns critérios específicos, como é o caso, especialmente, do plano de po-
sitivação. Neste mesmo contexto, seguimos entendendo que o termo "direitos humanos
fundamentais", embora não tenha o condão de afastar a pertinência da distinção traçada
entre direitos humanos e direitos fundamentais (com base em alguns critérios, como
já frisado), revela, contudo, a nítida vantagem de ressaltar. relativamente aos direitos
humanos de matriz internacional, que também estes dizem com o reconhecimento e
proteção de certos valores e reivindicações essenciais de todos os seres humanos, des-
tacando, neste sentido, a fundamentalidade em sentido material, que - diversamente
da fundamental idade formal - é comum aos direitos humanos e aos direitos funda-
mentais constitucionais, consoante, aliás, será objeto de posterior análise.
No que concerne ao tópico em exame, há que atentar para o fato de não existir
uma identidade necessária - no que tange ao elenco dos direitos humanos e funda-
mentais reconhecidos - nem entre o direito constitucional dos diversos Estados e o
direito internacional,nem entre as Constituições, e isso pelo fato de que, por vezes,
o catálogo dos direitos fundamentais constitucionais fica aquém do rol dos direitos
humanos contemplados nos documentos internacionais, ao passo que outras vezes
chega a ficar bem além, como é o caso da nossa atual Constituição.2' Da mesma for-
ma. não há uma identidade necessária entre os assim denominados direitos naturais
do homem, com os direitos humanos (em nível internacional) e os direitos fundamen-
tais (em nível constitucional), ainda que parte dos tradicionais direitos de liberdade
contemplados no direito constitucional e no direito internacional tenha surgido da
positi vação dos direitos naturais reconhecidos pela doutrina jusnaturalista, tais como
os clássicos direitos à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade. Além disso, im-
porta considerar a relevante distinção quanto ao grau de efetiva aplicação e proteção
das normas consagradoras dos direitos fundamentais (direito interno) e dos direitos
humanos (direito internacional), sendo desnecessário aprofundar, aqui, a ideia de que
são os primeiros que - ao menos em regra - atingem (ou, pelo menos, estão em
;.
melhores condições para isto) o maior grau de efetivação, particularmente em face
da existência de instâncias (especialmente as judiciárias) dotadas do poder de fazer
respeitar e realizar estes direitos. ,.
Cumpre lembrar, ainda, o fato de que a eficácia (jurídica e social) dos direitos
humanos que não integram o rol dos direitos fundamentais de determinado Estado
depende, em regra, da sua recepção na ordem jurídica interna e, além disso, do status
jurídico que esta lhes atribui, visto que, do contrário, lhes falta o caráter cogência.'"
Assim, a efetivação dos direitos humanos encontra-se, ainda e principalmente, na
dependência da boa vontade e da cooperação dos Estados individualmente consi-
derados, salientando-se, neste particular, uma evolução progressiva na eficácia dos
mecanismos jurídicos internacionais de controle, matéria que, no entanto, extrapola
aos limites desta investigação. Em suma, reputa-se acertada a ideia de que os direitos
humanos, enquanto carecerem do caráter da fundamentalidade formal próprio dos
direitos fundamentais" - cujo significado ainda será devidamente clarificado -, não
lograrão atingir sua plena eficácia e efetividade, o que não significa dizer que em
muitos casos não a tenham.'.
26 Explorando as Convergência'i e dissonâncias entre ambas as esferas. v. especialmente. G.L. Neumann. "Human Ri-
ghts and Constitutional Rights: Harmony and Dissonance", in: Sranford Law Revie"" voI. 55 (2003), p. 1863-1900.
17 Nesse sentido. R. Alexy, "Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrático", in: RDA n' 217 (1999).
referindo que _ a despeito de sua crescente relevância - não se deve superestimar o significado da proteção interna-
cional, já que sem a concretização (institucionalização) dos direitos do homem (fundamentais) em Estados particula-
res o ideal da Declaração da ONU não será alcançado.
2R Cumpre registrar. neste contexto. que em face do reconhecimento da prevalência normativa de pelo menos parte
dos Tratados de Direitos Humanos (como é o caso da Convenção Europeia dos Direitos Humanos) em relação ao
direito interno dos Estados integrantes da Comunidade e da União Europeia. bem como diante da existência (pelo
menos no âmbito regional europeu) de órgãos jurisdicionais supranacionais com competência para editar decisões
vinculativas e dotadas de razoável margem de efetividade, já há quem sustente a fundamental idade também em sen-
tido formal dos Direitos Humanos nesta esfera, inclusive no que diz com a recente Carta de Direitos Fundamentais
da União Europeia. que. em princípio. ainda está aguardando o momento de alcançar sua vinculatividade. Este é
precisamente o caso de J.J. Gomes Canotilho. "Compreensão Jurídico-Político da Carta", in: RIQUITO. Ana Luísa
et ai. Carta de Direitos Fundamell1ais da União Ellropeia. p. 11. A propósito, vale lembrar, ainda. que justamente
(embora não exclusivamente) em face da já apontada existência (ainda que não incontroversa) de um direito consti-
tucional internacional dos direitos humanos, somada à solidez das instituições supranacionais (pelo menos. de caráter
regional). é que já se encontra em fase de amadurecimento o projeto de uma Constituição da União Europeia. que.
se vier a ser efetivamente implementado (como parece ser a tendência) haverá de provocar uma revisão significativa
de uma série de conceitos tradicionais na esfera da teoria constitucional. que. de resto. já tem passado por um amplo
processo de discussão. A respeito da formação de um Direito Constitucional Europeu, V., entre outros. F. Lucas Pires,
Introdução ao Direito Constitucional Europeu, Coimbra: Coimbra Ed., 1997! e, ainda dentre os autores estrangeiros.
O paradigmátieo eontributo de J.H.H. Weiler. The COllstitwion of Europe. "Do the new c/Olhes !lave a" emperor?"
and orher essays on european integration, especialmente p. 221-63. Entre nós. confira-se lA. de Oliveira Baracho.
''Teoria Geral do Direito Constitucional Comum Europeu", itl: D. Annoni (Org ), Os Novos Conceiros c/o Novo Di-
reito /memaciollal. Cidadania. Democracia e Direitos Humanos, p. 319-42, e mais recentemente. A.C. Pagliarini. A
Constituição Europeia como Signo, Rio de Janeiro: Lumen Juns, 2005.
,. Este, aproximadamente, o ponto de vista advogado por K. Stem, in: HBStR V. p. 35. A falta de identidade entre
o rol internacional dos direitos humanos e o catálogo constitucional é, de certa forma, inevitável. Nesse sentido. há
que frisar que nem todos os direitos constitucionais podem ser exercitados por qualquer pessoa, já que alguns direitos
fundamentais se referem tão somente aos cidadãos de determinado Estado. Assim. por exemplo. o direito de voto
e o direito de ser eleito podem até encontrar menção entre os direitos civis e políticos constantes em documentos
internacionais. mas, no que concerne ao seu efetivo exercício, sua titularidade está restrita aos cidadãos de cada país.
O mesmo pode afirmar-se com relação aos direitos de propor ação popular. ou mesmo de participar de plebiscitos
ou integrar proposta de iniciativa popular legislativa. apenas para ficarmos em terreno nacional. Em contrapanida.
os direitos humanos são atribuídos a qualquer um, e não apenas aos cidadãos de determinado Estado. razão pela qual
também são denominados de direitos de todos (K.Stern, Staatsrecht lI/11. p. 45). Atente-se. ainda. para a circunstân-
cia que uma significativa parcela dos direitos fundamentaif: corresponde aos direitos humanos. no sentido de que sua
titularidade não fica reservada aos cidadãos nacionais. estendendo-se também aos estrangeiros. tema que. contudo.
não se encontra imune a controvérsia.
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30 Nesse sentido. contudo, o recente entendimento de A.C. Ramos. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem In-
ternacional. Rio de Janeiro: Renovar. 2005, p. 21-30, em excele.nte monografia sobre o tema dos direitos humanos.
Importa, por outro lado, deixar devidamente consignado e esclarecido o sentido
que atribuímos às expressões "direitos humanos" (ou direitos humanos fundamentais)
e "direitos fundamentais", reconhecendo, ainda uma vez, que não se cuida de termos
reciprocamente excludentes ou incompatíveis, mas, sim, de dimensões íntimas e cada
vez mais inter-relacionadas, o que não afasta a circunstância de se cuidar de expres-
sões reportadas a esferas distintas de positivação, cujas consequências práticas não
podem ser desconsideradas. À luz das digressões tecidas, cumpre repisar, que se tor-
na difícil sustentar que direitos humanos e direitos fundamentais (pelo menos no que
diz com a sua fundamentação jurídico-positiva constitucional ou internacional, pois
evidentes as diferenças apontadas) possam ser a mesma coisa,'o a não ser, é claro, que
se parta de um acordo semântico no sentido de que direitos humanos e fundamentaissão expressões sinônimas, atentando-se, contudo, para as devidas distinções em se
tratando da dimensão internacional e nacional, quando for o caso. Assim, os direitos
fundamentais nascem e se desenvolvem com as Constituições nas quais foram reco-
nhecidos e assegurados e é sob tal perspectiva (não excludente de outras dimensões)
que deverão ser prioritariamente analisados ao longo deste estudo.
35A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
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