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Afetividade e Sexualidade, os Maiores Desafios 
Fausto Joaquim Moreira da Silva, portador de Paralisia Cerebral, no livro 
"Diga ao Mundo que sou Deus" 
Faustinho, você tem alguma dificuldade quanto a sexualidade? 
 
De ordem fisiológica não, porque a paralisia cerebral não afeta a área da 
sexualidade; de natureza cultural sim, porém, no passado, os obstáculos enfrentados foram 
bem maiores. Basicamente, devido a ter nascido de uma família conservadora, em meio a 
qual sexo era assunto abolido e suponho que o cuidado em não comentar a respeito de tal 
questão era mais forte com relação a mim, talvez, devido a pensarem que eu jamais teria 
possibilidade de me relacionar sexualmente. E o silêncio quanto a esta questão 
supostamente poderia fazer com que os meus estímulos fossem reduzidos. 
Foi um engano, em virtude de a sexualidade ter aflorado de modo natural, lembro-
me inclusive que quando notei que já tinha sêmen tomei um susto, pensando estar doente. 
Eu costumava ir sempre de cadeira de rodas a um colégio polivalente que existia 
perto de onde morava, pois lá estudava uma turminha de meninas, a qual, nas horas vagas, 
todas as tardes estava comigo. Certa vez, uma delas deu-me um beijo, abraçou-me por trás 
e, brincando, perguntou: "Faustinho, que se casar comigo?" E uma mulher que vendia 
acarajé e estava próxima exclamou: "Se isto acontecesse, Gracinha, você ia dar tanto 
corno!" Isto soou dentro de mim, mais uma vez, como uma negação da minha 
masculinidade. 
Recordo-me que, em certo estágio da minha vida, chegava a me perguntar se eu era 
homem e, paradoxalmente, como sempre fui dotado de uma personalidade romântica, 
desde o princípio, para mim foi uma grande dificuldade a perspectiva de viver sem outro 
alguém. Cabe que um comentário, com o propósito de alertar os pais de portadores de 
deficiência de que a sonegação de informações no processo educativo, de modo especial 
com relação ao nível afetivo, pode ser uma via aberta para os desvios sexuais. 
Em outra oportunidade, neste mesmo colégio, em meio a algumas meninas, eu 
estava, como sempre, conversando e um certo rapaz se aproximou de nós. Ao notar o 
carinho com que eu estava sendo tratado, passou a afirmar que eu era impotente 
sexualmente. Era visível a sua desinformação quanto a tudo e, por conseguinte, o seu 
despreparo para sequer cogitar esta questão com autoridade e decência. 
Hoje, devido à minha experiência, sei que tanto esse rapaz quanto outros 
suscitavam comentários desta natureza não só em função do preconceito como do despeito, 
em virtude de perceber que eles, com toda a sua eficiência, eram desprovidos do carisma 
de atrair pessoas do sexo oposto, que eles reconheciam, mesmo sem querer, em mim. Eu 
incomodava porque o que havia em mim colocava em dúvida, ainda que 
inconscientemente, a idéia que tinham de ser completos. 
O círculo de relações de um portador de deficiência com o sexo oposto é muito 
restrito, principalmente a despeito da liberação natural dos seus impulsos sexuais. E, por 
experiência própria, posso dizer que, na fase da adolescência, é comum a busca dos 
desejos da cozinheira ou da babá, como instrumento para liberação desses impulsos, pelo 
fato de serem elas pessoas mais próximas e talvez desprovidas de tantos parâmetros 
morais quanto nós, ditos de classe média. Cabe aqui uma ressalva, neste momento 
podemos classificá-las de pessoas amorais, nunca imorais. Sim, este tipo de relação não 
realiza, pelo contrário, é natural termos, logo após, uma sensação de repugnância de nós 
mesmos e delas, não pelo fato de serem empregadas domésticas, mas em virtude de ser 
uma relação movida apenas por impulsos biológicos, quando o nosso desejo é que fosse 
por amor e com amor. Porque a criatura humana é vocacionada para amar e, como 
aprendemos ao estudar Análise Transacional, a relação sexual é a expressão mais 
profunda de amor. 
Alguém há de me perguntar com se dá essa conquista às empregadas. Como são as 
mulheres que estão mais próximas da gente, e muitas vezes nos auxiliam nos banhos, ao 
manipular, por exemplo, o nosso pênis para o asseio, somos estimulados. E elas, talvez por 
conhecerem as nossas condições fisiológicas até mais do que as próprias mães, não 
reconhecem tanta diferença entre nós e outros homens, deixando acontecer momentos de 
"prazer" e, ao mesmo tempo, enfrentando com naturalidade aquilo que as meninas e 
mulheres, que se acham, muitas vezes, dotadas de cabeças abertas e esclarecidas, devido a 
uma cultura antiga, não têm a capacidade de enfrentar. 
 
Fausto, hoje se sabe que você é cortejado pela sua capacidade, pela maneira vaidosa de se 
vestir e até galanteadora de se dirigir às mulheres. Isto não promove uma certa facilidade 
em sua busca de encontros afetivos? 
 
Sim, hoje esta situação é um pouco diferente em virtude de não poder negar 
que as pessoas evoluíram a nível de conceito em relação ao portador de deficiência e 
eu evoluí também. De fato, atualmente encontro namoradas e, por conseguinte, em 
momentos oportunos, mantenho relações sexuais. E tantas recordações elas têm me 
deixado, são momentos de profunda ternura entre dois corpos, que penetram um no 
outro sob o impulso voraz de se tornarem um só. 
Lembre-me de como conquistei F. em um encontro em Fortaleza. Tinha uma 
pequena sequela de pólio, morena bonita. Em um momento de lazer do evento, começamos 
a conversar e, de repente, sem que percebêssemos o passar do tempo, estávamos trocando 
beijos e afagos. Não foi uma grande paixão para mim, mas foi para ela. Tive o cuidado de 
não enganá-la, dizendo-lhe que não prometia a existência de um amanhã para nós, pois 
não é do meu feitio mentir. Respondeu-me, talvez muito mais movida pelo sentimento do 
que pela razão, que o mais importante era aquele instante e um beijo nos emudeceu. Sem 
nos darmos conta do tempo, as nossas mãos deslizavam sobre os nossos corpos, eles 
vibravam e, quase em estado de delírio, ela sussurrava ao meu ouvido: "Faça de mim o 
que quiser". Paradoxalmente, a minha mão que não consegue sequer segurar uma caneta 
para escrever, devagarinho foi ao encontro do seu seio e, com toda a sutileza possível, o 
acariciou, neste momento ouvi dela uma confissão: "Este é o lugar mais sensível do meu 
corpo". Acertei, não por experiência, talvez por instinto, para mim o momento era 
iniciante, eu começava a atravessar o portal do amor; para ela, o homem que tinha nos 
braços era quase um príncipe, educado e cavalheiro. Porém, essa relação não pode se 
completar; mas o tempo foi generoso, como quase nunca, comigo. Depois de alguns anos, 
nos reencontramos em um encontro nacional de portadores de deficiência. Chamei-a para 
conversar e tudo aconteceu de novo, desta vez em um ambiente mais apropriado, um hotel. 
Na noite seguinte, fomos ao meu quarto e, como uma volta ao passado para resgatar o que 
ficou inconcluso, tudo se deu. E assim foi o meu primeiro momento real de amor.

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