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A REPRESENTAÇÃO DA REALIDADE CURSO DE PSICOPATOLOGIA Geraldo J. Ballone A percepção, como vimos, tem sido considerada como a base da cognição e deve ser verídica e pessoal. É um dos requisitos mais elementares para percebermos o mundo e conseguirmos um ajustamento realista à ele. Este ajustamento realista exige mais do que o reflexo fisiológico dos equipamentos sensoriais; exige satisfazer nossas necessidades, encontrar alguma segurança, explorar as oportunidades para o crescimento e, conseqüentemente, encontrar um sentido satisfatório para a nossa existência. Desta forma, a Afetividade é quem confere o modo de relação do indivíduo à vida e será através da tonalidade de ânimo que a pessoa perceberá o mundo e a realidade. Direta ou indiretamente a Afetividade exerce profunda influência sobre o pensamento e sobre toda a conduta do indivíduo. O estado psíquico global com que a pessoa se apresenta e vive reflete a sua Afetividade. Tal como as lentes dos óculos, os filtros da Afetividade fazem com que o sol seja percebido com maior ou menor brilho, que a vida tenha perspectivas otimistas ou pessimistas, que o passado seja revivido como um fardo pesado ou, simplesmente, lembrado com suavidade. Interfere assim na realidade percebida por cada um de nós, mais precisamente, na representação que cada pessoa tem do mundo, de seu mundo. Podemos pensar na Afetividade como o tônus energético capaz de impulsionar o indivíduo para a vida, como uma energia psíquica dirigida ao relacionamento do ser com sua vida e o humor necessário para conferir uma determinada valoração às vivências. A Afetividade colore com matizes variáveis todo relacionamento do sujeito com o objeto, faz com que os fatos sejam percebidos desta ou daquela maneira e que despertem este ou aquele sentimento. ESTADO AFETIVO (momentâneo) Há sempre um ESTADO AFETIVO MOMENTÂNEO para cada pessoa, um tônus afetivo neste exato momento atribuindo os devidos valores às vivências, seja a tristeza na tragédia ou a alegria na comédia, em condições normais. Este estado afetivo momentâneo é variável de momento para momento numa mesma pessoa; ora o humor está mais elevado, ora mais rebaixado. Um mesmo fato que nos parece demasiadamente desagradável no meio do dia poderá parecer-nos muito mais ameno à noite, ou uma mesma brincadeira que nos fez rir ontem poder irritar-nos hoje. Nestes casos não estaria havendo variação ou mudança nos fatos, mas sim na representação deles, segundo os "filtros" do afeto. O desenho abaico simboliza um túnel onde a Afetividade Momentânea oscila entre as posições a, b e c, ou seja, respectivamente entre estar o afeto rebaixado (deprimido), normal e elevado (eufórico), respectivamente. Entretanto, essa oscilação dá-se dentro de determinados limites (as paredes do túnel). Esse túnel, mais precisamente o seu diâmetro representa a Tonalidade Afetiva Básica. No Transtorno Afetivo Bipolar esse túnel teria um diâmetro muitíssimo grande, ou seja, permitiria que o afeto oscilasse entre o estado profundamente deprimido e exageradamente eufórico. Entretanto, esta variação quantitativa da Afetividade Momentânea não é, em condições normais, infinita numa mesma pessoa, ou seja, haverá variações dentro de limites estabelecidos por um determinado perfil constitucional. Em decorrência deste perfil constitucional, cada indivíduo terá suas possibilidades individuais de variação, de tal forma que o entusiasmo maior de uns não corresponde ao mesmo entusiasmo máximo de outros, ou o abatimento máximo de uns será diferente do abatimento máximo de outros. TONALIDADE AFETIVA (básica) Se fosse possível representar graficamente a Tonalidade Afetiva Básica e o Estado Afetivo Momentâneo das pes-soas, seria algo parecido como a figura de túneis, represen-tando a Afetividade Básica, dentro de cujos limites oscila-ria a Afetividade Momentânea. Esta poderia em determinados momentos situar-se na parte mais rebaixada do túnel e, em outros, na parte mais elevada, porém, sem abandonar os limi-tes estabelecidos por este túnel. Cada indivíduo tem seu "túnel" situado mais alto ou mais baixo, ou seja, para uma personalidade cujo "túnel" encontra-se num nível superior, caso sua Afetividade Momentânea esteja a mais rebaixada pos-sível, mesmo assim não será tão baixa quanto a afetividade de uma outra personalidade cujo "túnel" está situado em posição mais inferior. Para melhor entendimento vejamos o exemplo gráfico a seguir, onde há túneis de grande diâmetro, ou seja, que permitem uma oscilação extremada da Afetividade, e outros situados em diferentes níveis. Este perfil de possibilidades de variação da Afetividade, estipulado pelas características da personalidade de cada um, pode ser entendido como a "marca registrada" da Afetividade Básica do indivíduo e é chamada de TONALIDADE AFETIVA BÁSICA. Resumindo, podemos dizer que a Afetividade Momentânea é a afetividade variável, dentro dos limites estabelecidos pela Tonalidade Afetiva Básica de cada um. Podemos perceber as características da Tonalidade Afetiva se tomarmos como referência, por exemplo, um dos traços da personalidade: a introversão ou a timidez. As pessoas que conhecemos como introvertidas ou tímidas dificilmente se nos apresentarão, um belo dia, completamente desinibidas e expansivas. Poderão estar, dependendo das circunstâncias vivenciais e de sua Afetividade Momentânea, mais tímidas ou menos tímidas, extrovertidas, porém, nunca. Da mesma forma os extrovertidos ou expansivos poderão, dependendo do momento, apresentar-se mais eufóricos ou discretamente aborrecidos, muito depressivos jamais. Há, por outro lado, situações peculiares de personalidade que permitem oscilações extremadas da Afetividade, tal qual nos indivíduos chamados ciclotímicos. Os afetos expressam todas as nuances do desejo, do prazer e da dor e todas estas nuances permeiam nossa experiência sensível, sob a forma daquilo que chamamos sentimentos vitais, humor e emoções. O humor ou tonalidade afetiva momentânea (ou afetividade momentânea), consiste na soma total dos sentimentos pre-sentes na consciência em dado momento acompanhando os processos intelectuais (percepções, representações, con-ceitos) neste determinado momento e que varia de acordo com as circunstâncias. Os estados de consciência estão a todo instante impregnados por esta tonalidade afetiva, pois todo ato psíquico encerra desde a sua origem uma tonalidade afetiva. No estado de ânimo há a confluência de uma vertente somática e de uma vertente psíquica, que se unem de maneira indissolúvel para dar, como conseqüência, um colorido especial à vida psíquica momentânea. O estado afetivo momentâneo da pessoa, como por exemplo a alegria, o bem-estar, júbilo, felicidade, inquietação, angús-tia, tristeza, desespero etc., depende das circunstâncias pessoais da vida, dos desejos atuais, das inclinações etc., e especialmente da saúde física. Muitas alterações desfavoráveis do estado afetivo são perfeitamente compreensíveis e refletem respostas ade- quadas aos motivos psicológicos causais, como, por exemplo, a morte de um paren-te, uma enfermidade grave, um acidente, um rompimento amoroso e assim por diante. SENTIMENTOS Segundo Kurt Schneider, um dos componentes principais do estado de ânimo é o sentimento geral de maior ou menor vitalidade que se encontra ligado a múltiplas sensações subliminares procedentes de diferentes órgãos ou regiões do corpo. O humor é vivido corporalmente e está unido à própria corporalidade. É exemplo disso o humor eufórico do paciente maníaco, o qual sente o seu próprio corpo como flu-tuante, infatigável e cheio de vigor, enquanto o depressivo sente-o como apagado, pesado, fraco, decaído e murcho. O estado de ânimo depende consideravelmente das condi-ções vegetativas do organismo e, de modo especial, de uma função que tem o seucentro no diencéfalo, à qual se dá o nome de função tímica. Enquanto o humor tem uma representação corpórea mais pronunciada, o sentimento aparece como um estado afetivo mais atenuado, estável, duradouro e organizado com maior riqueza e complexidade. Kurt Schneider considera os sentimentos como estados do eu que não podem ser controlados pela vontade e que são provocados por nossas representações, pelos estímulos procedentes do mundo exte-rior ou por alterações sobrevindas no interior do organismo. Uma clas-sificação dos sentimentos com base em sua estratificação foi estabele-cida por Max Scheler, que os diferencia em quatro grupos: 1) sentimentos sensoriais; 2) sentimentos vitais; 3) sentimentos anímicos ou psíquicos, considerados como sentimentos do eu; 4) sentimentos espirituais ou da personalidade. Os sentimentos sensoriais se encontram muito próximos da corporalidade, estão localizados em determinadas partes sensíveis do corpo e se representam tais como a dor e o prazer. Esses sentimentos são mais abrangentes e não devem ser confundidos com as sensações simples dos cinco sentidos. Os sentimentos sensoriais têm algumas carac-terísticas especiais: atualidade, localização, funcionam como sinal, no sentido de que algo está ocorrendo, não têm duração definida e falta-lhes a intencionalidade, o que não ocorre com os sentimentos superiores. Os sentimentos vitais, tais como o bem-estar e o mal-estar, o sen-timento de saúde ou de enfermidade, os sentimentos de vida ascen-dente ,ou descendente, a calma e a tensão, a alegria, a tristeza e a angústia não espiritual, pertencem ao organismo como totalidade. Ao contrário dos anteriores, os sentimentos vitais não estão localizados corporalmente, neles existe continuidade, duração e intencionalidade. Os sentimentos anímicos ou psíquicos pertencem ao eu e são formas sentimentais reativas diante do mundo exterior. A tristeza e a alegria intencionais e reativas são claramente formas de sentimentos anímicos. A pessoa pode tornar-se triste ou alegre em conseqüência de uma notícia, o que demonstra, neste caso, a participação ativa do eu. Os sentimentos anímicos, então, não estão ligados à percepção, mas sim ao sentido, ao significado e representação daquilo que é percebido. Tristeza e alegria são uma modalida-de do eu, e são sentimentos vitais, quando provenientes do fundo endotímico ou afetivo. Por último, os sentimentos espirituais. Trata-se de sentimentos re-lativos ao núcleo da personalidade e à sua atitude afetiva diante de determinada situação. Esses sentimentos derivam do núcleo de sua personalidade, do próprio eu, e ocasionam o sentido pleno dos sentimentos, assim como as tendências valorativas da pessoa. O desespero, o remorso, a paz, o amor, o arrependimento, o perdão e a serenidade espiritual são exemplos deste sentimento sublime e supremo. HIPERTIMIA (afetos expansivos) Na propedêutica dos Distúrbios da Afetividade, os Afetos Expansivos são considerados por alguns autores como afetos agradáveis. Isso, em contraposição aos afetos depressivos, considerados como desagradáveis. A tonalidade afetiva dos estados expansivos é de prazer, confiança e felicidade, daí a denominação de afetos agradáveis. Genericamente, o estado afetivo expansivo e conhecido como EUFORIA. Na hipertimia ou estado de ânimo morbidamente elevado distinguem-se a euforia e a exaltação afetiva. A euforia simples se traduz por um estado de completa satisfação e felicidade. Verificam-se elevação do estado de ânimo, aceleração do curso do pensamento, loquacidade, vivacidade da mímica facial, aumento da gesticulação, riso fácil e logorréia. A euforia simples é observada nos indivíduos predispostos constitucionalmente e, em sua forma pura, na fase maníaca, da psicose maníaco-depressiva, nos estados hipoma-níacos, na embriaguez alcoólica, na demência senil e na paralisia geral. Na epilepsia, podem-se verificar estados de euforia simples, nas crises de automatismos mímicos, em geral de duração rápida, que se manifestam por acessos ou crises agudas. O paciente eufórico apresenta uma postura psíquica de otimismo exagerado, sentimento de plenitude e bem estar acima do normal, confiança em si mesmo aumentada e uma sóli-da segurança. Encontramos este estado de Euforia nos pacien-tes maníacos e hipomaníacos, conforme veremos ao estudarmos as entidades nosológicas. O estado expansivo do humor pode aparecer como reação emocional à alguma vivência muito agradável, uma espécie de Reação Vivencial Eufórica a nível de uma SITUAÇÃO REAL. Nestes casos falamos em EXALTAÇÃO; reações exuberantes que se rompem em explosões de transbordamento de alegria, reconhecidamente exagerados, mas compreensivas diante da vivência causal. A Exaltação de um indivíduo que, por exemplo, ganha um prêmio ou é promovido no emprego, normalmente se traduz por hiperatividade psicomotora, taquipsiquismo, verborragia, anorexia, insônia, hilaridade e alegria transbordante. Portanto, manifesta-se como uma reação compatível mas desproporcional ao evento causador. Os estados de Euforia podem, por outro lado, sur-gir sem que tenha havido uma situação real causadora. O humor é expansivo à nível de SITUAÇÕES ANÍMICAS, tal qual nas experiências delirantes de teor místico ou de beatifica-ção, onde o Delírio tem como tema uma fantasia que proporci-ona bem estar ao paciente. Nestes casos, o tônus afetivo é ainda mais expansivo que na Exaltação e pode ser denominado de ÊXTASE. O êxtase é caracterizado por um peculiar e deli-cioso senso superior, um desprendimento das coisas materi-ais e a posse de algum tipo de poder incomum, às vezes, uma grande e irreal religiosidade. Pode aparecer em pacientes psicóticos, delirantes ou personalidades predispostas à idéias supervalorizadas. Os pacientes portadores deste estado de êxtase experimentam um grande bem estar e suas faces denotam um júbilo indisfarçável. Nestas situações imaginárias, normalmente conseqüentes à idéias delirantes, deliróides ou supervalorizadas, os limites entre o pensamento lógico e mágico são tênues ou rompidos. Seu extremo patológico pode ser exempli-ficado pela esquizofrenia e, na extremidade limítrofe, pelo fanatismo. Finalmente os estados eufóricos podem manifestar-se em resposta aos SENTIMENTOS VITAIS, via de regra emancipados causalmente dos fatores vivenciais-ambientais. É uma afetividade que brota do interior do ser e, por isso, inde-pende das situações reais ou imaginárias. Trata-se de uma força interior profundamente arraigada à personalidade. Nestes casos os pacientes irradiam deleite e autoconfiança, apresentam hiperatividade motora intensa, excesso de alegria e hilaridade irradiante. Trata-se da ELAÇÃO. Na ELAÇÃO há um transbordamento dos sentimentos instintivos e um afastamento mais acentuado da realidade. Todos acontecimentos são recebidos com exagerada satisfação e felicidade pelo pacien-te, o qual, julga-se completamente imune aos acontecimentos negativos, mantém uma certa intimidade com divindades cósmicas e comporta-se destemidamente diante de qualquer desafio. O Afeto Expansivo, ou seja, os Estados Eufóricos tomados isoladamente não podem ser considerados patognomôni-cos de nenhuma doença mental específica, mas compõem o quadro sintomático de diversas patologias. Podem fazer parte do quadro de Transtornos Afetivos Bipolares em fase maníaca, de Psicoses Esquizofrênicas ou de Transtornos da Personalidade. Algumas vezes aparecem nas intoxicações agudas por drogas ou em Psicoses induzidas por elas. Isso tudo não inviabiliza o aparecimento da Euforia em outros estados psíquicos, mesmo em casos de morbidade duvidosa. Na exaltação patológica há não só euforia mas, também, aumento da convicção do próprio valor pessoal e das aspirações. É acompanhada de aceleração do curso do pensamento, que pode chegar à fuga de idéias, desvio da atenção e certafacilidade para passar rapi-damente do pensamento à ação. Pode haver labilidade ou instabilidade afetiva desses pacientes se traduz pela extrema facilidade com que eles passam da euforia à tristeza ou à cólera. O estado de ânimo nesses casos é chamado de distimia expansiva. Nos estados de exaltação patológica os pacientes dão a impressão de serem mais jovens, há aumento do vigor geral, manifestações de ape-tite voraz e de excitação sexual, insônia, grande facilidade dos movi-mentos expressivos e tendência irresistível à ação. HIPOTIMIA (depressão) Na hipotimia ou depressão, verifica-se o aumento da reatividade e sensibilidade para os sentimentos desagradáveis, podendo variar desde o simples mal-estar até ao estupor melancólico. Caracteriza-se, essencialmente por uma tristeza profunda, normalmente imotivada, que se acompanha de lentidão e inibição de todos os processos psíquicos. Em suas formas leves, a depressão se revela por um sentimento de mal-estar, de abatimento, de tristeza, de inutilidade e de incapacidade para realizar qualquer atividade. Os pacientes hipotímicos estão dominados por um profundo sentimento de tristeza imotivada. No doente deprimido, as percepções são acompanhadas de uma tonalidade afetiva desagradável: tudo Ihe parece negro. Os doentes perdem completa-mente o interesse pela vida. Nada lhes interessa do presente nem do futuro e, do passado, são rememorados apenas os acontecimentos desagradáveis. As percepções são lentas, monótonas, descoloridas. Ao paciente parece que os alimentos perderam o sabor habitual. Nos estados depressivos, as ilusões são mais freqüentes do que as alucinações. As idéias deliróides nos pacientes hipotímicos são comuns, expressando geralmente idéias de culpa, de indignidade, ruína, pecado e de auto-acusação. O pensamento é lento e o próprio ato de pensar é acompanhado de um sentimento desagradável. O conteúdo do pensamento exprime motivações dolorosas. O paciente é incapaz de livrar-se de suas idéias tristes pela simples ação de sua vontade ou dos "pensamentos positivos", como se diz. O quadro clínico do estado afetivo depressivo é caracterizado pela inibição geral da pessoa, pela baixa performance global refletida pela lentidão e pobreza dos movimentos, pela mímica apagada, pela linguagem lenta, monótona e pelas dificuldades pragmáticas. Os sintomas somáticos são bastante evidentes nos pacientes hipotímicos. Os distúrbios vasomotores se traduzem em mãos frias, algumas vezes pálidas e cianosadas, pela palidez dos lábios e hipotermia. São freqüentes os espasmos ou dilatações vasculares, com conseqüente oscilação da pressão arterial. Os pacientes deprimidos dão-nos a impressão de mais velhos. As perturbações digestivas também são constantes, a língua pode se apresentar saburrosa, há alterações do apetite, tanto com inapetência quanto com hiperfagia e constipação intestinal. Os distúrbios circulatórios ocasionam um sentimento subjetivo de opressão na região cardíaca, causando a chamada angústia precordial. Em determinados casos, sob a influência de fatores externos ou em conseqüência de causas internas temporárias, a depressão pode aumentar de modo considerável, determinando um estado de excitação ansiosa. Quando o paciente, não encontra solução para seu sofrimento costuma pensar no suicídio. A depressão patológica é um dos sintomas fundamentais do Transtorno Afetivo Bipolar, em sua fase depressiva. Estados depres-sivos também podem ser observados em todas as psicoses e neuroses. No Transtorno Afetivo Bipolar, entretanto, a depressão tem uma origem ligada a fatores afetivos internos (sentimentos vitais), que escapam à compreensão do doente e de seus familiares. Nas Distimias, nas Reações Agudas ao Estresse e nas neuroses de modo geral, a depressão costuma ser mais reativa, isto é, mais psicogênica (mais anímica que vital), originando- se de situações psicologicamente compreensíveis e de experiências desagradáveis. A anormalidade do sentimento depressivo nesses quadros psicogênicos está na intensidade e na duração desse afeto em comparação às pessoas normais e não em sua qualidade, como acontece nos Transtornos Afetivos Bipolares. O termo Depressão, mais comumente usado que Hipotimia, pode significar um sintoma que faz parte de inúmeros distúrbios emocionais sem ser exclusivo de nenhum deles, pode significar uma síndrome traduzida por muitos e variáveis sintomas somáticos ou ainda, pode significar uma doença, caracterizada por marcantes alterações afetivas. Portanto, não está errado dizer que o termo Depressão seja por demais descritivo e muito pouco explicativo. Há sempre uma estranha expectativa do público ao ouvir, do psiquiatra, com freqüência, que isso ou aquilo é Depressão, sem muito zelo com maiores explicações sobre este misterioso fenômeno. O público está certo, ao estranhar a ostensiva e constante presença desta tal Depressão em quase tudo que diz respeito à transtornos emocionais e, os psiquiatras, não estão menos certos ao procurarem descobrir uma ponta de De-pressão em quase tudo que lhes aparece pela frente. Do ponto de vista semiológico, seria extremamente fácil e cômodo se a Depressão fosse caracterizada, exclusivamente, por um rebaixamento do humor com manifestação de tristeza; coisa que até o amigo íntimo, o vizinho ou o dono da padaria da esquina poderiam diagnosticar. Entretanto, não se trata de saber se o paciente tem ou não Depressão, mas sim, o que exatamente ele faz com a sua Depressão, mais precisamente, de que forma este transtorno afetivo nele se manifesta. Os afetos depressivos, da mesma forma como disse-mos dos afetos expansivos, podem aparecer como uma resposta a SITUAÇÕES REAIS, através de uma Reação Vivencial depressiva, quando diante de fatos desagradáveis, aborrecedores, frustrações e perdas. Trata-se, neste caso, de uma resposta a conflitos íntimos e determinados por fatores vivenciais. Daí denominação DEPRESSÃO REATIVA, ou seja, em reação a alguma coisa real e acontecida, à uma fonte exógena que pode ser casualmente relacionada àquela reação. Esta Depressão Reativa, embora compreensiva por tratar-se de uma reação afetiva à uma vivência desagradável, não deve ser entendida como normal e fisiológica mas apenas compreensível. Diante de fatos desagradáveis podemos esperar, fisiologicamente, a tristeza e não a Depressão e, quanto à isso, não devemos fazer nenhuma confusão. Esta última, a Depressão, deve ser uma denominação reservada para as Reações Vivenciais Anormais proporcionadas por circunstâncias vivenciais desagradáveis, ou seja, reações desproporcionais em quantidade, qualidade e temporalmente ao agente causal. Os sentimentos de tristeza que normalmente acompanham situações frustrantes são diferenciados da Depressão por não com-portarem a tríade sintomática de Inibição Psíquica, Estreitamento de Campo Vivencial e Sofrimento Moral. A Depressão pode aparecer ainda acompanhado, ou aparentemente motivada, por SITUAÇÕES ANÍMICAS. Neste caso, certas perspectivas futuras, certos anseios e objetivos de vida estão representados intrapsiquicamente de maneira negativa. Há um sentimento depressivo associado às conjecturas irreais de tal forma que o panorama atual dos acontecimentos e a expectativa do porvir são funestamente valorizados. Sofre-se por aquilo que não existe ainda ou, muito possivelmente, nem existirá. Um exemplo disso é a depressão experimentada diante da possibilidade da perda de um emprego, ou da perspectiva de vir a sofrer de grave doença e assim por diante. Evidentemente, não se trata aqui, de que tais perspectivas sombrias estejam a alimentar a Depressão, mas muito pelo contrário, ou seja, a Depressão é quem confere um significado lúgubre às possibilidades do futuro. Não se pode acreditar que, neste caso, exista uma relação causal vivencial solidamente vinculada à Depressão, pois,de qualquer forma, as situações referidas como promovedoras e alimentadoras da Depressão não aconteceram ainda. Em outros termos e de acordo com que se sabe sobre Reações Vivenciais (vide adiante), falta o elemento estressor, o qual existe apenas na imaginação do paciente. Portanto, é lícito pensar já numa Depressão mais profundamente arraigada no ser, a qual, embora atrelada à personalidade, utiliza os elementos vivenciais apenas para nutrir sua necessidade de sofrimento (uma vez que, ainda não aconteceram concretamente). Há, finalmente, casos de Depressão procedentes de um temperamento francamente depressivo ou seja, a nível de SENTIMENTOS VITAIS. São, neste caso, transtornos da afetividade emancipados dos elementos vivenciais quanto à causalidade. Isso não impede que sejam desencadeados por vivências traumáticas. Trata-se de uma Tonalidade Afetiva Básica rebaixada e, evidentemente, talhada à reagir sempre depressivamente à vida. As pessoas que se encontram depressivas durante uma fase de suas vidas, cujo contexto vivencial sugere-nos uma circunstância sofrível, quer como conseqüência de um fato único, quer como uma somatória de fatos traumáticos sucessivos, sem que possamos detectar um temperamento depressivo prévio, provavelmente estarão apresentando uma Depressão Reativa. Neste caso, esta reação depressiva não pode ser tida como decorrência de uma Tonalidade Afetiva Depressiva de Base, mas como uma resposta emocional à uma circunstância de vida. Daí empregar-se, antigamente, a denominação de DEPRESSÃO EXÓGENA, ou seja, dependente de fatores externos à personalidade da pessoa. Depois de estabelecido nesta pessoa o estado depressivo, ainda que, conseqüente a fatores reais e externos à sua personalidade, tudo mais em sua vida parecerá depressivo, até que saia desta fase afetiva. Assim sendo, poderá também ser pessimista quanto à sua situação futura, portanto, depressivo quanto à Situações Imaginárias. Da mesma forma, os pacientes portadores de Tonalidade Afetiva Depressiva de Base, por possuírem um temperamento previamente depressivo, independentemente dos fatos vividos, sempre estarão tingindo de negro suas perspectivas futuras. São portadores da, anteriormente denominada, DEPRESSÃO ENDÓGENA e, como se viu, relacionada não apenas ao Sentimentos Vitais como também às Situações Imaginárias. A questão em se saber a natureza endógena ou exó-gena do estado depressivo, hoje em dia, parece não despertar o mesmo interesse de antes. Os indivíduos com características afetivas depressivas (anteriormente denominados de depressivos endógenos) reagirão sempre aos estímulos da vida de uma forma consoante ao seu afeto depressivo, portanto, dando-nos a falsa impressão de apresentarem Depressão Reativa: a maioria dos eventos, para eles, terá uma conotação negativa. Por outro lado, a clínica tem mostrado, com freqüência, determinadas vivências bastante suportáveis para alguns, ocasionando, em outros, verdadeiras Reações Depressivas. Isso nos sugere que tal Reação Depressiva não deve ser legada apenas aos elementos vivenciais. No fundo, considerando o estado afetivo no qual o indivíduo se encontra no momento, tem sido tarefa muito penosa estabelecer a natureza de sua Depressão. Nestes casos, recorremos quase sempre à personalidade pregressa do paciente; se a tonalidade afetiva era, anteriormente, depressiva, há possibilidade deste estado depressivo atual ser de natu-reza endógena, mas mesmo assim não será uma implicação obrigatória. Outras vezes, também de acordo com exemplos coti-dianos da prática clínica, personalidades previamente bem adaptadas e sugerindo uma boa adequação afetiva poderão, não obstante, apresentar fases de profunda Depressão sem motivação vivencial. Procura-se, nestes casos de depressão sem motivação ambiental ou, talvez, em atenção a um conforto do terapeuta, justifica-la como decorrência da eventual somatória de vivências passadas. Certeza disso, entretanto, ninguém pode ter. A psicopatologia recomenda como válido a existência de apenas três sintomas depressivos clássicos e suficientes para sua detecção, no entanto, estes sintomas podem manifestar-se de infinitas maneira nas diversas pessoas. Trata-se, esta tríade, da Inibição Psíquica, do Estreitamento do Campo Vivencial e do Sofrimento Moral. Compete à sensibilidade do observador, relacionar um sentimento, uma conduta, um pensamento ou um determinado sintoma como sendo uma tradução pessoal e individual de um desses três sintomas básicos da Depressão, tradução esta adequada a disposição pessoal da personalidade de cada um. Ballone GJ - Afetividade - in. PsiqWeb Psiquiatria Geral, Internet, 1999 - disponível em http://www.psiqweb.med.br/cursos/afet.html REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. BLEULER,E.- Psiquiatria, Guanabara Koogan, 1985, RJ. 2. CID-10 - Org. Mundial de Saúde, Artes Médicas, 93, RS. 3. DSM-IV, Editora Artes Médicas, P. Alegre, RS, 1996. 4. JASPERS,K.- Psicopatologia Geral,2, Atheneu, 1979,SP. 5. KAPLAN,H.I. & SADOCK,B.J.-Compêndio de Psiquiatria, Artes Médicas, 1990,P. Alegre. 6. NOBRE DE MELO, A.L.- Psiquiatria, vol.2, Koogan,81, RJ. 7. PAIM,I.- Curso de Psicopatologia, E.P.U., 1988, SP. 8. SCHNEIDER,K.- Psicopatologia Clínica,Mestre Jou,76, SP. 9. SOLOMON,P. & PATCH,V.D.- Manual de Psiquiatria, Atheneu, 1979,SP.
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